ORALIDADE E ENSINO: O TEXTO COMO UMA INSTÂNCIA MULTIMODAL

 

Maria do Socorro Oliveira

(Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

 

0. Introdução

             Pretendemos nesta comunicação argumentar que o processo de textualização é constituído por uma rede de elementos advindos de sistemas semióticos diversos os quais se entrelaçam no texto escrito, tornando-o uma instância discursiva plural, e discutir o tratamento que pode a esta ser dado no processo de retextualização, enfatizando a relação da escritura[1] com a oralidade, a importância de outros sistemas na constituição do texto e os desdobramentos envolvidos nesse tipo de transformação textual.

            Com relação ao primeiro aspecto, o da relação oralidade/escritura, interessa-nos destacar mecanismos que, embora sejam típicos da oralidade, presentificam-se na escritura, como num processo de sobreposição, ou melhor dizendo, de atravessamento discursivo. Esse fenômeno exige do professor informações lingüísticas adicionais referentes à questão da oralidade, tão pouco explorada no processo de formação do profissional de linguagem e, por isso também, quase nunca trabalhada na escola. É bem verdade que uma vasta literatura há sobre as similaridades e diferenças de ordem lingüística, situacional e funcional entre a fala e a escrita, a relativa hierarquia entre essas duas modalidades da língua e o contínuo tipológico de textos existentes entre esses dois pólos (Marcuschi, 1986, 1994, 2001; Koch, 1990; Castilho, 1990; Preti, 1993; Oliveira, 1998, entre outros), entretanto, a descrição dessa problemática não é abordada de forma suficiente nos contextos de formação, o que impede o professor de olhar, efetivamente, para esse componente da escritura.

            Relativamente ao segundo, os estudos indicam que produtores de texto estão sempre fazendo uso de variados tipos de modos representacionais e comunicacionais. Nesse sentido, não é possível prestar atenção apenas na mensagem escrita, pois esta constitui apenas um dos elementos representacionais que co-ocorrem dentro de um texto, tais como: a formatação, o tipo de letra, a presença de ilustrações e todo tipo de informação advinda de outros modos semióticos embutidos na cultura escolar ou na sociedade em que o escrevente se insere. Como diz Kress (1989:450),

“textos são locais de emergência de complexos de significados sociais, produzidos numa história particular de situação de produção e guardando em vias parciais as histórias tanto dos participantes na produção do texto quanto das instituições que são evocadas”.

É dentro desse fenômeno de multimodalidade (Kress, Leite-Garcia e van Leeuwen, 1997) que olhamos a oralidade que se insere no processo de escrituração; como um outro modo semiótico que se integra ao modo escrito.

Quanto ao terceiro, é nosso propósito apresentar uma forma de tratamento da relação compreensão/reformulação de textos escritos, explicitando as operações e atividades que fundamentam a passagem de um texto escrito para outro escrito – a chamada retextualização (Travaglia, 1993;Marcuschi, 2001; Matêncio, 2002). A efetivação desse processo tem em vista ressaltar a importância do pensamento reflexivo e da criticidade do professor em formação no que diz respeito à linguagem escrita, mostrando-se também como um recurso positivo para avaliar textos em sala de aula (responder), segundo uma metodologia realmente interativa.

Os dados que analisamos fazem parte de um estudo-piloto, desenvolvido junto à disciplina ‘Lingüística Aplicada ao Ensino da Língua Portuguesa’, no curso de Letras da UFRN, no semestre 2005.1. Estão integrados, assim, à pesquisa, alunos-professores, em processo de formação inicial. Como instrumentos de pesquisa, fizemos uso de questionários, aplicados junto aos alunos que cursam a referida disciplina; comentários[2] feitos por esses alunos em formação sobre um texto produzido por uma escrevente ainda no nível de aquisição dos mecanismos da escrita – 3º e 4º ciclos do ensino fundamental (v. anexo); gravações de aulas, utilizadas para se discutir o processo de textualização, ou a forma como os textos são tecidos, e para se re-elaborar, colaborativamente, textos produzidos para essas sessões de análise textual (retextualização). Essas sessões tinham como objetivo favorecer a consciência crítica da linguagem dos alunos em formação no que diz respeito, especificamente, ao tratamento que deve ser dado ao texto do aluno em processo de aquisição da escrita. As sessões reflexivas tinham em vista, então, levar o aluno-professor a compreender o processo de escrituração e as operações textuais realizadas quando se pretende transformar um texto noutro texto, com intenções didático-pedagógicas. Este estudo é informado também por experiência didático-pedagógica, realizada no Programa de Formação Básica (PROBÁSICA), desenvolvida junto ao pólo de Nova Cruz/RN, com alunos-professores em serviço.

 

1. Respondendo aos textos dos alunos

            Saber responder ou tecer comentários ao texto escrito pelo aluno no contexto escolar tem sido um dos maiores desafios e motivo de preocupação para o professor de língua, seja materna ou estrangeira. A questão tem razão de ser não só porque o professor argumenta que atende a classes numerosas ou tem pouco tempo para dedicar à tarefa de corrigir redações, mas também porque, ao se defrontar com essa atividade, dá-se conta de que não sabe como tratar os textos que lhes chegam às mãos. Face aos textos escritos pelos alunos, mostra-se atordoado sem saber o que dizer ao aprendiz, como tratar, adequadamente, o texto lido, que sugestões oferecer para melhorá-lo, já que a impressão que tem é a de que os textos produzidos pela maior parte dos alunos distanciam-se muito da norma gramatical, apresentando-se confusos e sem coerência; na prática, difíceis de serem reformulados ou tratados. Em razão disso, os professores, frente às ‘redações’ dos alunos, perpetuam a prática de apenas assinalar os erros de grafia, pontuação e concordância, e registrar, às margens do texto, observações do tipo: incoerente, confuso, estruturação inadequada etc, sem oferecer comentários que promovam a qualidade do texto produzido ou levem o aluno a se interessar pela sua produção textual e a olhá-la de forma crítica. Nesse tipo de prática, o que fica em evidência é a simples atribuição de nota pelo professor e o desinteresse em relação à escrita pelo aluno.

Mas essa situação e o que se diz sobre ela (o discurso) já são bastante conhecidos e pouco acrescentadores. Assim, interessa-nos aqui focalizar nossa reflexão no que o professor pensa sobre o ato de escrever ou na escrita enquanto tecnologia; nas dificuldades que ele sente ao ‘avaliar’[3] o texto do aluno; nas orientações de que ele dispõe para tratar a questão; no seu processo de formação; nos mecanismos utilizados por ele para dar retorno ao texto do aluno; nos saberes que ele utiliza para tratar o texto do aluno e nos conhecimentos que o professor deve ter para, adequadamente e de modo consciente, oferecer tratamento aos textos produzidos por seus alunos, compreendendo, de forma segura, o processo de textualização e retextualização.

 

2. O que está envolvido na questão?

            Comecemos pelo o que o professor pensa sobre ‘o que é escrita’ e, por extensão, ‘o que é texto’ (escrito). Conforme verbalizações de professores, pais e o trabalho com o texto, desenvolvido pelos professores em geral na sala de aula, a escrita é vista como um produto autônomo, descontextualizado, dependente, exclusivamente, da interferência normativa. Como um artefato tecnológico a ser aprendido, a escrita apresenta-se como um objeto de conhecimento cujo domínio passa primeiro pelo domínio da gramática. Esse tipo de projeção retrospectiva[4] no ensino da escrita tem-se estabelecido, mesmo quando o professor acredita que ele não é eficaz. Fatores de várias ordens inibem que ações renovadoras se efetivem (organização curricular, jornada de trabalho do professor, influência da cultura escolar e familiar etc).

Por extensão, o texto é entendido como uma entidade fechada em si mesma, livre de condicionamentos externos e regida por convenções de caráter fixo e regular. Esse entendimento impede que o professor vislumbre no texto aspectos de outra ordem ou nele identifique mecanismos que o constituem e o tornam aceitável ou não. Aqui, aceitabilidade estaria vinculada à gramaticalidade.

Ao ler o texto do aluno, o professor sente que o texto apresenta problemas, mas sua maior dificuldade reside no fato de não saber localizar, na dimensão macro, qual é o ‘erro’ e como reestruturá-lo. Quase sempre, a ação do professor limita-se a destacar restrições de natureza lingüística, atendo-se a fatos de ordem superficial. Essa prática revela não só que o professor está preso a um conhecimento advindo da cultura escolar, mas também que, em razão disso, ele não enxerga outras formas de olhar o texto ou não tem consciência sobre o que se faz quando se textualiza (processo de criação textual), o que aponta para a necessidade de o professor entender não apenas o processo de escrita ou “o que se faz quando se escreve”, mas também o de ensino ou “o que se deve fazer quando se ensina a escrever”; a compreensão do funcionamento do texto é o ponto de partida para a apreensão de possibilidades de ensino da escrita.

Com vistas à formação do professor, necessário se faz perguntar: os cursos de formação de professores têm dado atenção ao trabalho de conscientização da linguagem no que diz respeito, especificamente, ao processo de aquisição da escrita; que referenciais de natureza documental, teórica e prática servem de suporte ao professor no trabalho com textos de escreventes em fase de aquisição; que conhecimentos o professor mobiliza para compreender o texto desse aluno; que aspectos orientam o professor na tarefa de reformulação desses escritos.

Antes de discutirmos o processo de textualização e o tratamento que deve ser dado a esses textos, destaquemos alguns aspectos relativos a ações dos alunos-professores em face dos textos produzidos pelos escreventes e ao processo de formação no qual eles estão inseridos.

 

3. Dados de uma prática convencional

            Um primeiro ponto que se destaca no trabalho com esses textos é a atitude de perplexidade revelada pelos alunos-professores quando se defrontam com a tarefa de ler os textos dos alunos. O argumento é o de que, embora os textos produzidos cumpram a função de transmitir a mensagem pretendida pelo escrevente, são de difícil compreensão uma vez que se apresentam de forma ilegível (problemas de caligrafia); são marcados pela ausência de pontuação e paragrafação, grafia inadequada, estruturação inadequada, problemas de incoerência e progressão temática.

Em razão de esses aspectos interferirem, negativamente, na qualidade do texto produzido, afastando-os das convenções que regem um texto escrito, as produções textuais provocam estranhamento nos leitores que, embaraçados, não se mostram seguros na tarefa de responderem aos textos dos alunos. Dentre as restrições feitas aos textos, como: ausência de seqüência lógica, repetições de palavras, afastamento das convenções normativas e desatenção aos critérios de textualidade (coesão e coerência), a que se apresenta com realce é a questão da oralidade. O sentimento de que, embora escrito, os textos se apresentam conforme as restrições da fala parece ser a questão crucial para o aluno-professor, razão por que ele se sente desconfortável diante da tarefa. A questão é: o que vou fazer com isso (a redação)? Como oferecer orientações para reformulação? As dificuldades apontadas pelos professores situam-se, em especial, nas questões de: como proceder à reformulação textual sem ferir o processo de autoria do texto, noutros termos, respeitando as idéias do autor e mantendo a ‘originalidade do texto’; e como operar num trabalho de reorganização textual sem conhecer determinados elementos que contextualizam a informação (no caso, os contextos cognitivo, social, cultural e histórico). Nesse último caso, oferecer soluções ligadas à atribuição de sentido ao texto passa por questões de natureza semântico-pragmática, por carência de informações advindas dos múltiplos contextos que sustentam a produção textual. Esse parece ser o grande desafio para o professor!

Apesar de reconhecer nesses textos a forte interferência da fala, ou melhor, a grande força da oralidade no processo de escrituração, o professor, não sabendo o que fazer, reage ao texto do escrevente, marcando restrições apenas de natureza lingüístico-gramatical. Embora essa observação mostre-se simples e óbvia, já que demonstrar consciência de certos mecanismos da fala não parece ser uma ação tão exigente para falantes de uma língua, o fato é que dentre as restrições mais comuns, observadas no estudo, destacam-se os problemas relacionados à fragmentação textual (ausência de conectores), ao uso inadequado da pontuação, à divisão do texto em unidades de informação (paragrafação), à marcação da ortografia, a aspectos de natureza sintático-semântica, entre outros. Se, por um lado, esses procedimentos são reveladores da consciência que o professor tem das propriedades e uso da linguagem escrita, denunciam, por outro, a falta de conhecimento do aluno-professor a respeito das características da oralidade e das relações que esta estabelece com a escritura.  A esse respeito, há que se perguntar por que isso acontece. Tem a ver esse fato com a formação do professor ou com os conhecimentos que ele constrói no processo de formação?

Com vistas, então, a conduzir o aluno-escrevente a se apropriar da linguagem escrita, refletindo com eles sobre a forma como os textos se constituem e os movimentos que se realizam no processo de (re) textualização, o professor mobiliza vários conhecimentos advindos do saber acadêmico (conhecimento gramatical, lingüístico e literário), do saber de outras áreas (filosofia, psicologia, sociologia, educação) e do saber artesanal, originário da própria experiência (Tardif, 1991). Ocorre, porém, que a apropriação que este estabelece com o conhecimento científico, construído na academia e repassado para ele na forma de teoria, passa por uma série de filtros, de modo que, ao ser transposto para a instância escolar, no uso efetivo da prática de ensino de linguagem, apresenta-se deveras reduzido. Estamos falando das interferências de ordem institucional, ideológica, histórica e vivencial que conduzem e informam a prática do professor no cotidiano escolar. O fato é que, mesmo tendo recebido no processo de formação, um corpo de conhecimento bastante amplo, organizado na forma de grade curricular e oferecido com vistas a apoiar a prática didática, esse professor restringe-se a orientar o ensino da linguagem, principalmente, a partir do conhecimento gramatical adquirido (a lingüística textual é a sua segunda fonte de orientação), justificando esse modo de fazer como decorrente da conjuntura em que se insere ou das expectativas da cultura escolar em que está envolvido. Pouco se tem refletido sobre as razões por que o professor apaga saberes tão relevantes construídos ao longo da sua formação profissional. Arrisca-se nesse sentido argumentar que isso ocorre por dois motivos: ou o professor não consegue transferir para a prática a teoria que aprendeu ou os cursos de formação não favorecem esse tipo de articulação. Seja qual for a razão para tanto, o fato é que esta é, com certeza, a questão nodal quando se trata da dificuldade que o professor enfrenta para desenvolver situações exitosas de ensino-aprendizagem da linguagem escrita.

 

4. Lendo o texto do aluno

Uma leitura cuidadosa do texto em estudo (v. anexo) permite-nos observar que, além do material de natureza verbal, o texto é constituído por uma série de recursos não verbais, quais sejam: desenhos, figuras, cores, traçados e letras em formatos diferentes, os quais, em conjunto, lhe emprestam uma imagem particular e indiciam aspectos identitários do escrevente. Mesmo tendo sido escrito colaborativamente, o texto apresenta-se como uma escrita feminina e de caráter infantil, dada a presença de coraçõezinhos, florzinhas, borboletinhas etc. O desenho de uma moldura que limita as margens do texto confere a este um caráter particular, semelhante ao de uma imagem. Essa composição múltipla faz do texto uma unidade multimodal; um todo constituído por uma complexa rede de significação, um sistema semiótico complexo. Essa complexidade, entretanto, vai além do verbal/não verbal. Fazendo parte do texto, entrelaçam-se convenções das modalidades oral e escrita da língua. Oralidade e escritura sobrepõem-se nesse processo de textualização.  A esse respeito, um dado curioso no texto em análise refere-se à ausência de pontuação do início ao fim. Naturalmente que, nem falando nem escrevendo, o produtor desse texto poderia produzi-lo de um só fôlego. As unidades de informação, mesmo não marcadas pelo recurso da pontuação, estão sinalizadas a partir de outro mecanismo, no caso, por marcadores conversacionais do tipo: mudando de assunto, é então, é a ssimfoi endo, é depois, um dia seguete etc. Em razão de a criança estar em fase de aquisição da modalidade escrita e ainda não ter se apropriado dos mecanismos de coesão, responsáveis pela seqüenciação da informação, ela exercita ‘modos de dizer’ diferentes, fazendo uso de elementos de outra ordem para conseguir o efeito desejado. Destacam-se, entre eles, os procedimentos de:

Ø      Descontinuidade tópica – cortes e mudança no fluxo informacional – esse mecanismo ocorre não apenas quando há um corte na unidade informacional, ou seja, a frase é interrompida, mas também quando ocorre a mudança de tópico em razão de a unidade anterior ter sido finalizada. Veja-se em:

Exemplo 1

Caixa de texto: 3. Ficarão desputido porque o coronel teudorico queria
4. gaia mais elias também queria gaia //é emtão eles//
            5. lenha uma caixa detro da Ingreja// é emtão
            6. o padri galago a caixa no lado de fora //é depois

 

 

 

 

Conforme se observa no exemplo 1, há uma quebra de tópico quando a escrevente interrompe o que estava escrevendo é emtão eles//’, como ocorre nos casos de anacoluto, e introduz um novo tópico –  a colocação da caixa de oferta da igreja para o lado de fora  lenha uma caixa detro da Ingreja// é emtão o padri galago a caixa no lado de fora’.

Ø      Inserção – corresponde a um tipo de descontinuidade em que uma seqüência sintática se interpõe numa linha discursiva já iniciada para enunciar explicações complementares ao tópico. Ocorre no exemplo 2:

Exemplo 2

Caixa de texto: 19. teudorico deu um avental para tia nastásia//
20. a tia nastásia adoro// na frete do aventau
21. tia a cara dele// mudando de suto o coronel

 

 

 

 

A interposição dos segmentos a tia nastásia adoro e ‘na frete do aventau tia a cara deleno fluxo da informação provoca uma suspensão temporária do tópico, cumprindo o propósito de avaliar e oferecer um comentário relativo a uma unidade de informação anterior.

Ø      Operadores de seqüencialização – exprimem a ordem segundo a qual o escrevente percebe fatos ou estados de coisas do mundo real. Esse tipo de ordenação é expressa por operadores como: e aí, e então, e depois etc. Observe-se na passagem abaixo:

     Exemplo 3

Caixa de texto: 1. O coronel teudorico emventan de seprefeito//
2. iai Ficou desputido com seu Elias// é emtão Eles/
5. lenha uma caixa detro da Ingreja// é emtão
6. o padri galago a caixa no lado de fora //é depois

 

     

 

 

No exemplo 3, os operadores ‘iai’, é emtão’, ‘é depois’ são responsáveis pelo encadeamento discursivo dos enunciados. Nestes casos, um traço particular é a presença do ‘e’ (ora ‘i’ ora ‘é’) junto ao operador. Esses elementos funcionam como recurso lingüístico que empresta ao texto coesão e coerência.

Ø       Marcadores conversacionais – são recursos verbais constituídos por palavras ou expressões altamente estereotipadas e de grande ocorrência nas unidades comunicativas; exercem uma função tanto na sintaxe da interação quanto no encadeamento e segmentação de estruturas lingüísticas. Os exemplos 4 e 5 são ilustrativos desse fenômeno.

Exemplo 4

Caixa de texto: 7. o padri galago a caixa na mão// o coronel teudorico
8. galagava 1 Real é seu elias galacava 3 Reais// é
 9. a ssifoi e do colocado diero na caixa//

 

 

 

 

           Exemplo 5

Caixa de texto: 12. a dona benta o coronel teudorico deu para
13. ela um televisão para dona benta mais
14. a televisão estáva quebrada// mudando
15. de asuto o coronel teudorico deu um bone-
16. ca para narizinho// mudando de asuto//

           

 

     

 

 

            No exemplo 4, o marcador ‘é a ssifoi e do (e assim foi indo), ao tempo em que sinaliza o fechamento do tópico, dá uma idéia de resumo da situação. No exemplo 5, ‘mudando de asuto’ assume uma função sintático-semântica, encadeando o enunciado e sinalizando a mudança de tópico ou da cena, se observarmos o fato de que este texto é resultado de uma situação de escrita em que o escrevente transforma um texto-imagem (cena do seriado produzido na televisão) em um texto-verbal (o relato da cena). Dentro das convenções da escrita, o ‘mudando de assunto’ ocuparia por sua vez a função de introdutor de parágrafo.

Ø      Ausência de explicitação da informação – decorre da assunção de que não há necessidade de verbalizar toda a informação, uma vez que esta pode ser recuperada ou interpretada a partir de elementos extralingüísticos ou de natureza contextual. Parte do princípio de que a linguagem, tanto oral quanto escrita, é contextualizada no sentido de que nela operam fatores como: ambiente sócio-físico, suposições sobre o mundo, memória, crenças, inferências, representações, processos, percepções e variáveis sociais (idade, sexo, classe social, escolaridade e procedência) que preenchem o vazio informacional. Essa falta de explicitude ocorre no exemplo 6:

      Exemplo 6

Caixa de texto:      1. O coronel teudorico emventan de seprefeito//
     2. iai Ficou desputido com seu Elias// é emtão Eles/

 

 

 

Conforme se observa, o texto se inicia com a introdução dos personagens do relato, sem que seja dada ao leitor informação sobre quem são esses personagens, onde se passam os fatos, nem quando estes acontecem. No texto, a única pista da qual pode se inferir informações a respeito do contexto sócio-físico é o título “Falando Sobre o Sítio do pica-pau-Amarelo: As história das eleições”. A partir dele o leitor recupera a orientação espacial, quer dizer, o local onde a história se passa, e os referentes, no caso, os candidatos à eleição: Coronel Teodorico e Seu Elias. Todavia, a explicitude desejada só é alcançada na medida em que se elucida o que funciona como contexto para esse texto. Estamos nos referindo às cenas do seriado “Sítio do Pica-pau Amarelo”, produzido pela Rede Globo, no qual o leitor se informa sobre quem são seu Elias e o coronel Teodorico, e à unidade temática na qual a tarefa se insere – um estudo sobre Monteiro Lobato e a sua obra “Reinações de Narizinho”.

A presença desses mecanismos, combinados ao uso de repetições (recorrência da referência coronel Teodorico) e ao processo de fragmentação sintática (frases incompletas e/ou soltas) no texto em análise, evidenciam que nesse processo de escrituração, que é próprio de escreventes em fase de aquisição, a oralidade se sobrepõe à escritura num cruzamento bi-modal, ou, nas palavras de Bakhtin (1992), num processo polifônico.

Noutras palavras, registra-se nesse tipo de escritura apenas um processo de transcodificação (Marcuschi, 2001), que consiste na passagem de um código para outro (do oral para o escrito). Nessa operação, porém, de transformar som em letra ou signos falados em escritos, o escrevente não consegue abandonar as convenções da oralidade. Na verdade, apenas a transcreve, sem interferir nessa produção lingüística. É nesse sentido que trataremos, na seção seguinte, das operações de transformação (retextualização) de textos escritos, oralizados, em textos que seguem as convenções da modalidade escrita.

 

5. Retextualizando textos com os alunos-professores

            Da mesma forma que textualizar (escrever) é um processo de descoberta do significado, conforme nos ensina Zamel (1982), retextualizar é, também, uma tarefa de compreensão. Essa compreensão, entretanto, não se vincula apenas à atividade de ler em voz alta ou de modo silencioso para atribuir sentido; inclui a performance[5] do texto, valorizando a sua função social. Não se trata aqui de duplicar o texto escrito pela vocalização (ler em voz alta), mas de evidenciar a sua natureza comunicativa, convocando linguagens visuais (olhar, gesto, espaço etc,) e recursos acústicos (pausas, timbre, musicalidade, inflexões da voz). Essa atividade vai além da transmissão do texto pela voz. Corresponde, nas palavras de Bajard (1999), ao ato de dizer que, tal como na teatralidade, atua ludicamente num espaço e instaura uma comunicação multicodificada (Bajard, 1999:69).

No cruzamento entre a escrita e o oral, a atividade do dizer é pedagogicamente importante, visto que a língua usada por essa prática vocal remete à língua escrita porque vêm dela suas principais características, isto é, quando dizemos um texto, o que nós ouvimos não pertence à língua oral e sim à escrita.  Conforme chama à atenção Bajard (1999: 81), o dizer se torna uma comunicação oral que coloca em jogo o texto escrito. É uma prática através da qual o professor socializa o texto de uma forma eficiente, agradável e lúdica, atribui sentido a este e evita situações constrangedoras para o aluno, ocasionadas ou pela leitura em voz alta de um texto escrito construído a partir de um modo oral ou pela leitura individual, silenciosa, de um texto marcado por sinalizações de ‘erros’. Nesse sentido, a atividade do dizer antecede a qualquer operação de transformação. Na verdade, é o ponto de partida para a retextualização, entendida como um processo de reformulação textual. Segundo Marcuschi (2001:47), a retextualização é uma passagem de uma ordem (da língua) para outra ordem.

 Considerando a relação entre fala e escrita, Marcuschi (2001) afirma existirem quatro possibilidades de retextualização: 1. da fala para a escrita; 2. da fala para fala; 3. da escrita para a fala e 4. da escrita para escrita. Esse movimento de uma ordem ou modalidade para outra se faz segundo algumas restrições, quais sejam: o propósito ou o objetivo da retextualização; a relação entre o produtor do texto original e o transformador; a relação tipológica entre o gênero textual original e o gênero da retextualização e os processos típicos de cada modalidade.

Neste estudo, a retextualização se dá no movimento de um texto escritoª para um texto escritob, tendo-se em vista que se trata de uma atividade escolar, vinculada ao desenvolvimento de uma unidade de trabalho sobre Monteiro Lobato e sua produção literária; o escrevente está em processo de aquisição da escrita; o texto resulta de uma tarefa de ‘redação’ produzida na forma de uma história (gênero) a ser construída nos moldes do seriado ‘Sítio do Pica-pau Amarelo’ da Rede Globo; resulta de uma ação de transformação, colaborativamente, por um professor-formador e alunos em processo de formação profissional e tem como objetivo analisar o processo de constituição do texto e explicitar as operações que se processam na reformulação textual, tornando os professores em formação conscientes da relação existente entre oralidade e escritura.

Embora não tenhamos operado na retextualização, seguindo uma ordem que poderia ir do mais fácil para o mais difícil ou do gramatical para um plano mais discursivo, depreendemos que, ao reformular o texto como um todo, os aspectos destacados na análise podem-se agrupar em duas dimensões[6]: uma de natureza lingüístico-textual e outra de caráter mais pragmático-discursivo.

Na primeira dimensão, as modificações realizam-se em torno de cinco operações. Na primeira operação, tem-se em vista entender o texto e as partes que o constituem, não se constituindo ainda numa retextualização no sentido estrito, apesar de esta ser condição necessária para se chegar àquela; as quatro últimas correspondem às regras de editoração, referidas por Taylor & Cameron (apud Marcuschi, 2001) para a análise da fala, as quais objetivam idealizar os dados tornando-os gramaticais, na perspectiva da escrita. Dizem respeito à regularização dos fenômenos de (des)continuidade sintática na formulação textual e contemplam operações de eliminação, completude, regularização e leitura.

Ø      1ª operação: divisão do texto em unidades de comunicação. Esta operação, além do lingüístico, tem um caráter didático. Acompanha o que nos referimos, com base em Zumthor (1990), de performance – tipo de leitura cujo objetivo é produzir um efeito sensorial sobre o ouvinte, fazendo uso das “partes” da retórica: a pronunciatio e a actio. Essa operação vocal com intervenção do corpo contribui não apenas para dar sentido ao texto como um todo, mas também como um recurso para se apreender as suas unidades de significação, marcadas no texto em estudo com duas barras ‘//’.

Ø      2ª operação: adequação das palavras ao sistema ortográfico oficial (teudorico emventan/Teodorico inventou; Ficarão desputido/Ficaram disputando; gaia mais Elias/ganhar mas Elias; padri galago/padre colocou; diero/dinheiro), inserindo-se também aqui a troca de letras: maiúscula por minúscula e os processos de justaposição de palavras (seprefeito/ser prefeito; comraiva) ou separação, típicos dessa fase de aquisição;

Ø      3ª operação: eliminação das repetições (o termo Teodorico) e construções duplicadas (Ficou desputido....Ficarão desputido; teudorico queria gaia mais elias também queria gaia); encadeadores de seqüenciação da narrativa, típicos da fala (é emtão; iai; é depois; um  dia sequete); sinalizadores de mudança de tópico (mudando de asuto); cortes no fluxo interacional (é emtão eles// lenha uma caixa detro da Ingreja); marcas de envolvimento interacional;

Ø      4ª operação: introdução da pontuação detalhada (em substituição aos marcadores de fala ou segundo aspectos de ordem entonacional produzidos na estratégia do dizer) e da paragrafação sem modificação da ordem dos tópicos desenvolvidos (v. versão 2 do texto-alvo);

Ø      5ª operação: retomada do texto pela leitura, não com o objetivo de dizer o texto, mas de verificar se as alterações realizadas produziram melhor efeito no texto. Esta operação acompanha todo o processo de retextualização, não se dando apenas nesta dimensão.

As operações seguintes vão além do processo de regularização; envolvem estratégias de acréscimo, substituição, reordenação, ampliação/redução e mudanças de estilo que não impliquem em alteração do tópico:

Ø      6ª operação: acréscimo de informações que contextualizem o evento, especifiquem referências e forneçam ao leitor dados de natureza sócio-cultural e histórica ligadas ao contexto da enunciação. Em se tratando de narrativas, é comum a escreventes em fase de aquisição deixarem de lexicalizar informações relativas à situação discursiva: nome dos personagens, onde e quando ocorreram os fatos. Na versão 2 do texto-alvo, informações novas foram acrescentadas para explicitar a localidade onde ocorreram as eleições (arraial de Tucano), quem era Seu Elias (dono da venda), que aspectos sócio-histórico-culturais caracterizam o período de eleições (compra de eleitores com presentes, demonstração de generosidade dos candidatos, instituições que tiram partido dessa situação, no caso, a igreja), intenções dos personagens (presentear com interesse político), especificações de palavras, referências e circunstâncias (carro de controle remoto; Teodorico colocava R$ 1,00; Emília foi presenteada) e avaliações ou comentários do escrevente em relação à situação (p. ex. na passagem em itálico: “Emília foi presenteada com um boné, que ela odiou!”);

Ø      7ª operação: substituição de certos vocábulos por outros para evitar ambigüidade referencial e fornecer informações mais adequadas, no que se refere ao nível de linguagem e à precisão vocabular (ver, na versão 2 do texto-alvo, substituição do termo ‘cara’ por ‘rosto’, mais adequado ao nível culto da língua);

Ø      8ª operação: introdução de novas opções lexicais visando a referenciar objetos e ações, a explicitar informações não lexicalizadas no texto, a oferecer novas estruturas sintáticas de caráter mais formal e a eliminar repetições. Em situação de ensino-aprendizagem da língua, essas escolhas devem ter em vista o nível do escrevente, no caso, crianças do nível fundamental, e variáveis de natureza regional e estilística (escolha dos termos ‘venda’ em vez de ‘mercearia’ e ‘pedir’em vez de ‘angariar’ ou ‘arrecadar’; substituição do verbo “deu” (linhas 12, 15, 17, 19, 22 no texto-fonte) por outros como: ganhou, recebeu, foi presenteada, no texto-alvo, versão 2);

Ø      9ª operação: seleção de novas estruturas sintáticas com vistas a reconstruir ou reordenar o enunciado a partir de uma nova ordem de preferência organizacional. O processo de retextualização em análise, ocorre por meio de estratégias de transitividade que envolvem diferentes escolhas de predicados, argumentos e papéis temáticos. Esse processo de formulação textual está presente no penúltimo parágrafo do texto-alvo, versão 2 (ver uso dos verbos dar, ganhar, receber, foi presenteada no lugar da repetição de estruturas do tipo ‘Teodorico deu tal presente para fulano’ e a reordenação dos argumentos sintáticos na seqüência frasal). Essas alterações não só afetam a ordem sintática; interferem, também, na força ilocucionária do enunciado.  Não é a mesma coisa dizer: Para Emília Teodorico deu um boné / Emília recebeu um boné de Teodorico/ Emília foi presenteada com um boné. 

Ø      10ª operação: ampliação dos argumentos retóricos, visando à completude informacional. É corrente, nesse tipo de textualização, a mensagem apresentar inúmeros vazios de informação (gaps of information), típicos de escreventes que ainda se orientam pelo recurso da contextualização, isto é, pela não verbalização de elementos presentes no contexto situacional. Observem-se as inúmeras inserções feitas ao texto com o intuito de lexicalizar a informação (p.ex., ‘Dona Benta, ao perceber que os presentes não estavam em bom estado de conservação e tinham sido dados com interesse político, mandou o coronel levar tudo de volta’, no texto-alvo, versão 2).

Olhando as 10 operações encontradas no texto em análise, depreendemos que textos produzidos por escreventes em fase de aquisição apresentam uma ocorrência bastante alta de repetições, redundâncias e elementos de natureza interacional, próprios da oralidade, além de carecerem de explicitude informacional e normatização. Nesse sentido, a retextualização com função didático-pedagógica caracteriza-se, significativamente, pela utilização de quatro atividades básicas: eliminação, substituição, inserção e reorganização, que se orientam, sobretudo, pelo critério de mudança de estilo, indo de um estilo sem monitoramento para um estilo monitorado pela atitude de correção lingüística.

Embora esse conjunto de operações e atividades se aproxime daquelas que se efetivam na retextualização de textos orais para textos escritos, conforme modelo proposto por Marcuschi (2001), chamamos a atenção para o fato de que no trabalho de transformação de um texto escrito para outro também escrito, com objetivo didático-pedagógico, noções funcionais como contexto de produção, relação entre os participantes do evento de letramento e propósitos da tarefa devem ser levados em consideração. Constituem-se, assim, em aspectos definidores dos tipos de intervenção que, por ventura, possam ser operacionalizados. A retextualização depende ainda do nível de maturidade lingüística do retextualizador, ou seja, da consciência das diferenças da relação oralidade-escritura pelo professor. O respeito pelo texto original, o número de intervenções e o tipo de alterações feitas variarão de professor a professor, não se podendo falar, por isso, de um modelo de retextualização. Ademais, cada produção textual oferece possibilidades de retextualização diferentes.

 

 

 

6. Considerações finais

            A discussão efetivada neste estudo destaca a importância e necessidade de se trabalhar no processo de formação do professor a consciência crítica da linguagem, olhando, especificamente, às questões de textualização e retextualização. Compreendendo a textualização como uma prática que envolve uma rede complexa de modos semióticos, defendemos que o modo oral é constitutivo da escritura. Nesse sentido, é necessário que o professor conheça os mecanismos que caracterizam a oralidade a fim de que possa compreender, efetivamente, o processo de escrituração e a sua reorientação, aqui tratada como retextualização. No processo de reorientação textual, destacamos duas dimensões: lingüístico-textual e pragmático-discursivo, nas quais se efetivam dez operações que se realizam dependendo do texto, do objetivo do retextualizador, dos saberes e das condições de produção que este detém para realizar a tarefa. Dadas essas restrições, compreendemos que, embora julguemos importante construir um modelo de retextualização que sirva como um recurso didático para a ‘avaliação’ de textos no contexto escolar, é ponto fundamental olhar também a contraparte desse processo, ou seja, o professor, vislumbrando as suas dificuldades, saberes, crenças, e condições de atuação.   

 

Referências bibliográficas

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ZUMTHOR, Paul: Performance, réception, lecture. Québec: Les Editions du Préambule, 1990.

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cenas de retextualização

 

 

Texto-fonte

 

Texto-alvo  (versão 1)

 

Texto-alvo (versão 2)

 

Falando Sobre o Sítio do pica-pau-Amarelo

As história das eleições

1. O coronel teudorico emventan de seprefeito//

2. iai Ficou desputido com seu Elias// é emtão Eles

3. Ficarão desputido porque o coronel teudorico queria

4. gaia mais elias também queria gaia //é emtão eles//

5. lenha uma caixa detro da Ingreja// é emtão

6. o padri galago a caixa no lado de fora //é depois

7. o padri galago a caixa na mão// o coronel teudorico

8. galagava 1 Real é seu elias galacava 3 Reais// é

9. a ssifoi e do colocado diero na caixa// um

10. dia sequete o coronel teudorico lavol muitos

11. prezetes para a turma do Sitio //para

12. a dona benta o coronel teudorico deu para

13. ela um televisão para dona benta mais

14. a televisão estáva quebrada// mudando

15. de asuto o coronel teudorico deu um bone-

16. ca para narizinho// mudando de asuto

17. o coronel teudorico deu um carrio de controle

18. para Pedrinho// mudando de o coronel

19. teudorico deu um avental para tia nastásia//

20. a tia nastásia adoro// na frete do aventau

21. tia a cara dele// mudando de suto o coronel

22. leudorico deu um bone para Emilia// a

23.  emilia ficou comraiva// é depois a

24. Dona Benta mandol o coronel

25. teudorico leva tudo de volta porque

26. estava tudo quebrado //e então ele

27. calago ludo no canião e levou

 

FIM               ASS: DEAF

 

 

   

 

   

    O coronel Teodorico inventou de ser prefeito. Ele ficou disputando com seu Elias, porque o coronel queria ganhar, mas seu Elias também queria.

   Tinha uma caixa dentro da igreja. O padre colocou a caixa do lado de fora, na mão. O coronel colocava 1 real e seu Elias colocava 3 reais.  Assim, eles foram colocando dinheiro na caixa.

    No dia seguinte, o coronel Teodorico levou muito presentes para a turma do Sítio. Para dona Benta deu uma televisão, que estava quebrada. Deu uma boneca para Narizinho, um carrinho de controle para Pedrinho e um avental para tia Anastácia. Ela adorou. Na frente do avental tinha o rosto dele. Deu um boné para Emília que ficou com raiva.

    Dona Benta mandou o coronel levar tudo de volta porque estava tudo quebrado. Ele colocou tudo no caminhão e levou.

 

   

  

 

   

    Numa pequena cidade chamada Arraial dos Tucanos havia dois homens que desejavam ser prefeitos dessa cidade. Um era o coronel Teodorico e o outro era seu Elias, dono de uma venda. Houve uma grande disputa entre eles.

    Como era de costume em época de eleição, o padre aproveitou a ocasião para pedir dinheiro para a igreja. Trouxe a caixinha de oferta para que os candidatos fizessem a sua doação. Teodorico colocava R$ 1,00 e Seu Elias R$ 3,00, e assim sucessivamente.

    No dia seguinte, o coronel Teodorico visitou o Sítio e levou presente para todos. Para Dona Benta deu uma televisão, mas esta estava quebrada. Narizinho ganhou uma boneca; Pedrinho recebeu um carro de controle remoto; Tia Anastácia, um avental com o rosto do coronel estampado na frente. Ela adorou o avental! Já Emília foi presenteada com um boné, que ela odiou!

    Dona Benta, ao perceber que os presentes não estavam em bom estado de conservação e tinham sido dados com interesse político, mandou o coronel levar tudo de volta. Ele colocou tudo num caminhão e levou.

 

 

 

 

 



[1] Preferimos usar o termo escritura em vez de escrita para enfatizá-lo como uma instância de funcionamento da linguagem ao invés de um canal de produção (ver relações: falado/escrito e oral/escritural em Dabène, 2002).

[2] Chamamos esses comentários de ‘recado ao escrevente’.

[3] Embora façamos restrição ao termo ‘avaliar’, dado ao caráter autoritário que ele impõe, fazemos uso dele em razão de estar muito vinculado às tradicionais práticas pedagógicas dos professores.

[4] A projeção retrospectiva corresponde à aplicação correta de usos e estruturas gramaticais da língua pelo escrevente (Zamel, 1982).

 

[5] Performance- segundo Paul Zumptor (1990), diz respeito à dimensão da corporeidade como um elemento para a atribuição de sentido ao texto. É um elemento que na leitura muda a estrutura do sentido.

[6] O uso que fazemos das dimensões ‘lingüístico-textual’ e ‘pragmático-discursivo’ correspondem ao que Marcuschi (2001) se refere como ‘regras de regularização e idealização’ e ‘regras de transformação’, ao estudar o fenômeno da retextualização na relação fala-escrita.