A instrução explícita na produção oral em L2 vista pelos paradigmas simbólico e conexionista: implicações pedagógicas

 

Márcia C. Zimmer (UNISC)

Ubiratã K. Alves (PUCRS)

Rosane Silveira (UFSC)

 

O presente trabalho tem como objetivo buscar uma definição para o termo “instrução explícita” dentro de uma abordagem comunicativa de ensino em L2, evidenciando seus efeitos benéficos. A partir dessa definição, os fundamentos para a adoção dessa prática serão discutidos à luz de dois paradigmas sobre a cognição: o simbólico e o conexionista. Procuraremos discutir as diferentes visões – no que tange ao papel e ao processamento do input lingüístico na aprendizagem da L2 – implicadas na noção de instrução explícita nesses dois paradigmas[1], destacando as vantagens da perspectiva conexionista para explicar a relação entre a percepção e a produção de aspectos fonético-fonológicos da língua-alvo. Para ilustrar essa discussão, serão apresentados dados sobre a aquisição fonológica do inglês e seus efeitos sobre a produção (ALVES, 2004; SILVEIRA, 2004) e a percepção (AQUINO; ZIMMER, 2005; SILVEIRA, 2004) o inglês (L2).

 

1. Caracterizando “instrução explícita” no ensino de L2

Ao iniciarmos a tarefa de caracterizar o termo “instrução explícita”, é importante mencionarmos que a concepção de instrução explicita aqui empregada é aquela expressa em Alves (2004) e Zimmer & Alves (2005), ou seja, possui um caráter amplo, não se reduzindo à mera descrição e à sistematização formal das formas-alvo, mas englobando todos os passos pedagógicos que objetivam garantir aos alunos não somente a exposição, mas também o uso das formas lingüísticas em questão, em meio a um contexto comunicativo de ensino. Isso abarca a prática e a produção das estruturas  lingüísticas focalizadas, bem como o feedback fornecido pelo professor às respostas ou produções dos aprendizes. A instrução explícita pode ser empregada para o desenvolvimento da consciência lingüística de qualquer aspecto da L2 – tais como aspectos fonológicos, morfológicos, sintáticos, semânticos e pragmáticos – de forma dedutiva ou indutiva. 

De acordo com De Keiser (1995, p. 380), a aprendizagem dedutiva acontece quando são apresentadas regras antes de serem oferecidos exemplos da linguagem. Por definição, os termos dedutivo e indutivo fazem parte da instrução explícita, pois a regularidade ou regra subjacente observável na estrutura é sempre evidenciada em algum momento (Hulstijn, 2005). Ainda que não pretendamos optar por um ou outro modo de instrução explícita, cabe ressaltar que a escolha de um ou outro caracteriza uma variável importante nessa prática pedagogica ( FOTOS & ELLIS, 1991; FOTOS, 1994; ELLIS 1998).

Neste trabalho, a instrução explícita focaliza a explicitação de aspectos fonético-fonológicos da L2 e insere-se num contexto de ensino comunicativo de pronúncia e produção oral que envolve todos os estágios destacados em Celce-Murcia, Brinton & Goodwin (1996), abordados e executados em Silveira (2004). Esses  passos, tomados em conjunto, caracterizam um ensino comunicativo de pronúncia, ratificando a noção ampla de instrução explícita que aqui defendemos – mais do que apenas a sistematização.

Uma vez definido o termo ‘instrução explícita’, é preciso discutir a interação entre os conhecimentos implícito e explícito sob os paradigmas simbólico e o conexionista, de modo a verificarmos os efeitos dessa prática pedagógica no processo de aprendizagem de L2.

 

2 Os conhecimentos implícito e explícito no paradigma simbólico

A diferença entre conhecimento explícito e implícito está intimamente relacionada à ausência ou presença de consciência[2] a respeito das regularidades presentes na informação processada, seja ela lingüística ou extra-lingüística. Tal grau de consciência estaria ligado ao quanto uma pessoa seria capaz de explicitar as regularidades observadas (ANDERSON & LEBIERE, 1998; BIALYSTOK, 1982; ELLIS, 2004). Essa distinção começa a ser explorada no trabalho do filósofo Ryle (1949), que foi o primeiro a observar que o conhecimento humano pode ser categorizado como sendo “sobre as coisas” e “sobre como fazer as coisas”.

A distinção entre conhecimento explícito e implícito deriva também de algumas abordagens neurocognitivas da memória de longo prazo. Segundo uma dessas abordagens, a memória de longo prazo é subdividida em declarativa e procedural. A memória declarativa é factual e caracteriza-se como um sistema que retém conhecimento explícito, acessível à consciência e verbalizável (HABERLANDT, 1994). Em contraste, a memória procedural armazena conhecimento implícito, que não pode ser acessado conscientemente e, portanto, não pode ser verbalizado. O conhecimento procedural consiste de capacidades ou habilidades motoras ou sensoriais, como andar de bicicleta, nadar, etc., que são difíceis de verbalizar, uma vez que

 

as memórias de procedimento são em geral adquiridas de maneira implícita, mais ou menos automática e sem que o sujeito perceba de forma clara que as está aprendendo: resulta difícil, senão impossível, descrever coerentemente (e portanto, tornar explícito) cada passo da aquisição da capacidade de andar de bicicleta. (IZQUIERDO, 2002, p. 23)

 

Além disso, o conhecimento procedural pode ser ativado e processado muito mais rapidamente do que o conhecimento declarativo. Daí surge a associação do conhecimento explícito com um processamento mais lento, que requer mais esforço por parte do sujeito cognoscente, ao passo que o conhecimento implícito é automático e veloz ( HULSTIJN, 2005; SEGALOWITZ, 2003).

Contudo, nem sempre a divisão explícito/implícito equivale, de maneira plena, à distinção entre conhecimento declarativo e procedural. Sabe-se que a memória declarativa registra fatos ou eventos dos quais participamos – que são denominados conhecimentos episódicos - ou conhecimentos gerais – que são denominados semânticos (Izquierdo, 2002). O conhecimento declarativo, então, está subdivido em semântico e episódico (TULVING, 1983). O conhecimento episódico estaria ligado ao ‘onde’ e ‘quando’, ou seja, a memória episódica seria autobiográfica, e aglutinaria os conhecimentos construídos em determinados eventos da vida do aprendiz. Os aprendizes de uma L2 às vezes formam um conhecimento episódico relativo ao momento em que aprenderam determinadas palavras ou expressões da L2. Esse conhecimento episódico, para Hulstijn (2005), pode ser equivalente ao conhecimento explícito. Até aqui, tudo anda bem. O problema começa quando cientistas da vertente simbólica da cognição, como Andersen & Lebiere (1998), afirmam que o conhecimento declarativo, como um todo, pode ser considerado como sinônimo de explícito. Essa frágil noção de equivalência é derrubada pela afirmação de  Izquierdo (2002, p. 23, grifos nossos):Muitas das memórias semânticas são adquiridas de maneira inconsciente, como, por exemplo, a língua materna. As memórias adquiridas sem percebê-las denominam-se implícitas. As memórias adquiridas com plena intervenção da consciência são chamadas explícitas.”

Percebe-se, acima, que conhecimentos semânticos (e, portanto, declarativos) podem ser construídos de maneira implícita, e que o papel da atenção e da consciência do aprendiz é que determina o quanto de implícito ou explícito existe durante a aprendizagem. Cleeremans (1993) caracteriza o conhecimento explícito citando três propriedades: a consciência a respeito do material a ser aprendido, a intencionalidade e o emprego dos recursos de atenção. O conhecimento implícito, por sua vez, é concebido como uma forma de conhecimento que não se mostra aberta à inspeção, vista por alguns autores até como adquirido inconscientemente pelo aprendiz. Essa visão dicotômica entre os modos de aprendizado implícito e explícito tende a desvincular estes dois tipos de conhecimento. Há muitas vezes a tendência equivocada de atribuir a noção de consciência somente à aprendizagem explícita, de modo a conceber a aprendizagem implícita como um processo que não demandaria nenhum nível de consciência por parte do aprendiz. Pouca interação, senão nenhuma, é postulada entre essas duas formas de conhecimento.

No que diz respeito à dicotomia implícito/explícito e ao papel da consciência do aprendiz, conforme explicam Whitelsea & Wright (1997), um dos primeiros mitos a serem desfeitos é o de que enquanto a aprendizagem explícita é consciente e dinâmica, a implícita se caracteriza como estática e puramente desprovida de qualquer grau de consciência. Se assim fosse, como as regularidades dos sistemas lingüísticos seriam adquiridas implicitamente? Através de uma concepção de aprendizagem implícita que veja o indivíduo como mero sujeito passivo no processo, todos os sujeitos adquiririam conhecimento igualmente. Os autores argumentam que os aprendizes da L2 impõem organização sobre o estímulo, através de um trabalho de organização que não precisa ser deliberado ou controlado conscientemente. Nesse sentido, a relação entre a consciência do aprendiz e a dicotomia implícito/explícito deve ser repensada, uma vez que o aprendizado implícito implica, também, um certo grau de atenção e manipulação dos dados do input por parte do aprendiz.

Ao analisarmos o tratamento dispensado pelo paradigma simbólico para a possibilidade de interação entre os conhecimentos adquiridos implícita e explicitamente, é preciso ressaltar, já de antemão, a natureza “modular” dos sistemas de conhecimentos. Os conhecimentos implícito e explícito são concebidos como se armazenados em sistemas distintos. Isso pressupõe um isolamento entre as duas formas de conhecimento, ou seja, uma ausência de interação. Concebe-se, assim, o conhecimento como se estático, como atrelado a algum dispositivo simbólico de conhecimento, dispositivo esse desprovido de um compromisso explicativo com base na neuroanatomia do cérebro.

Dentro do paradigma simbólico, consideram-se três hipóteses de “interface” entre as formas de conhecimento implícito e explícito: a Hipótese da Não Interface, a Hipótese da Interface Forte e a Hipótese da Interface Fraca. Temos, sobretudo nas duas primeiras hipóteses aqui citadas, evidências do caráter dicotômico com que as duas formas de conhecimento são tratadas à luz do paradigma simbólico. A Hipótese da Não-Interface, que teve em Krashen (1985) o seu principal precursor, evidencia a dicotomia implícito x explícito em sua natureza mais radical: não há interação entre os conhecimentos – o conhecimento aprendido não pode ser adquirido, podendo apenas ser empregado em graus maiores de monitoração por parte do aprendiz. Fica claro, assim, o isolamento e a não-interação entre as duas formas de conhecimento, vistos como de natureza e função diferentes. Neste sentido, como justificar a prática de instrução explícita? Sob uma visão como esta, a prática pedagógica de explicitação teria apenas o papel de preparar os aprendizes para o uso das formas-alvo em ambientes de maior monitoração ou controle de sua própria produção lingüística.

A Hipótese da Não-Interface representou uma justificativa para a preconização de métodos de ensino pouco voltados para o foco na forma. Em contraponto à Hipótese da Não-Interface, estudiosos como Anderson (1982) e Sharwood Smith (1981) propõem a Hipótese de Interface Forte. Essa hipótese, ainda que sendo um contraponto à anterior, evidencia, também, o caráter modular com que as formas de conheciemnto implícito e explícito são vistas pelo paradigma simbólico. De acordo com esse posicionamento, o conhecimento explícito pode se converter diretamente em implícito através da prática da estrutura-alvo. Assim, sob essa ótica, uma condição necessária para a aquisição da estrutura lingüística é o fornecimento, por parte do professor, de uma grande quantidade de prática estrutural controlada. As oportunidades de exposição ao input, tão valorizadas na Hipótese da Não-Interface, acabam por ter o seu mérito e, conseqüentemente, o reconhecimento de sua necessidade de serem oportunizadas em sala de aula, bastante atenuados.

Com relação à Hipótese de Interface Forte, críticas devem ser feitas não somente à concepção de ensino que tal concepção incita, mas também ao próprio posicionamento teórico a respeito da possibilidade de “conversão” entre os conhecimentos implícito e explícito. O que significa dizer que o conhecimento é convertido? Poderia o conhecimento mudar a sua natureza, havendo uma transformação de modo que o conhecimento explícito se transformasse todo em implícito? Assim sendo, feita esta conversão, o conhecimento explícito do aprendiz estaria “extinto”? Verificamos que a possibilidade de conversão aqui descrita desconsidera a noção de processamento em paralelo, que é a mola mestra da visão de conhecimento de cunho conexionista.

Por fim, a Hipótese de Interface Fraca parace ser aquela que, em termos simbólicos, goza de maior prestígio nos dias atuais, uma vez que sugere efeitos benéficos da prática da explicitação dos aspectos da forma na sala de aula de L2. Segundo tal concepção, o conhecimento explícito não pode ser convertido em implícito de uma hora para outra – trata-se de conhecimentos distintos, de modo que a explicitação possibilite a percepção de detalhes da L2 que ainda não haviam sido notados pelos aprendizes (“notice the gap”- Ellis, 2005), percepção essa que se mostra como condição suficiente e necessária para que o processo de aquisição tenha início (Schmidit 1990).

Ainda que a Hipótese de Interface Fraca já conceba uma espécie de paralelismo entre as duas formas de conhecimento, e atribua ao conhecimento explícito um caráter facilitador (caráter esse que, conforme será visto posteriormente, também é reconhecido pelo paradigma conexionista), algumas questões em aberto devem ser levantadas. Primeiramente, como este suposto paralelismo é obtido? A resposta nos remete, ainda, a mecanismos modulares, que em sua natureza simbólica concebem uma espécie de “acesso” entre as forças de conhecimento. Resta dizer que o acesso e o não acesso, entretanto, são garantidos pelo aparato simbólico per se, não encontrando sustentação em mecanismos cognitivos voltados para a neuroanatomia do conhecimento. Em segundo lugar, dizer que o conhecimento explícito possibilita o “notice the gap” implica dizer que o input lingüístico está desempenhando, neste caso, papel fundamental para a aquisição. Trata-se, de fato, de uma inclinação bastante emergentista para a aquisição de linguagem. Como veremos posteriormente, uma visão de aquisição voltada para o input, visto como rico, é a mola propulsora da concepção de aquisição de lingagem de cunho conexionista.

 

2 A interação entre os conhecimentos implícito e explícito no paradigma conexionista

Nesta seção discutiremos, à luz do paradigma conexionista, como a instrução explícita pode contribuir para a aprendizagem da L2, partindo da noção de complementaridade entre as formas de conhecimento implícito e explícito.

A aquisição da L2 por um falante adulto não é nem puramente implícita ou puramente explícita. Rhode & Plaut (1999) afirmam que os sistemas cognitivos do adulto já se mostram entrincheirados na L1, o que explicaria o não-processamento pleno das propriedades presentes no input da L2. Em outras palavras, ainda que a aquisição da L2 se dê, também, a partir das regularidades presentes no input fornecido ao aprendiz, pode-se dizer que a instrução explícita facilita a questão do processamento do input da L2, de modo a desvinculá-lo do processamento do estímulo lingüístico da língua materna. O input não tende a ser plenamente processado pelo aprendiz. De fato, para perceber os diversos aspectos da L2, o aprendiz tem de se concentrar, individualmente, em cada um desses aspectos.

É justamente na questão do processamento dos detalhes fonéticos/fonológicos da L2 que o conhecimento explícito parece também se mostrar de grande importância. No que diz respeito à aquisição do componente fonético-fonológico da L2, mais especificamente com relação à aquisição de segmentos da língua-alvo que não pertencem ao inventário fonêmico da L1, experimentos conexionistas, como o de McClelland (2001), conseguem simular o que parece acontecer em termos de processamento dos aspectos fonéticos/fonológicos da língua-alvo. Tal experimento originou-se em função de o autor se questionar por que, ainda que o sistema cortical do aprendiz se mostre capaz de aprender ao longo de toda a vida do indivíduo, muitos aprendizes de L2 não conseguem distinguir e produzir sons, não pertencentes ao seu sistema fonético/fonológico, que se aproximassem perceptualmente de outros segmentos de sua L1. Um exemplo disso, que constitui o foco de análise do autor em seu trabalho, diz respeito à distinção entre os segmentos /r/ e /l/ do japonês.

O autor não atribui tal “incapacidade“ de aprendizagem, entretanto, a uma suposta limitação maturacional dos aprendizes. Para explicar tal incapacidade de distinção e produção do padrão da L2, McClelland (op.cit.) faz menção à noção de “modificação sináptica Hebbiana”. Em linhas gerais, há uma tendência de se fortalecerem os aspectos que a rede cognitiva já está acostumada a reforçar, de modo que itens novos a serem aprendidos, que se mostrem bastante semelhantes aos comumente fortalecidos, tendam a ser também reforçados como instâncias do aspecto que é regularmente engramado, fortalecendo-se, dessa forma, conexões já existentes, sem o estabelecimento de novas conexões. Dessa forma, um falante nativo de japonês tende a perceber a diferença entre os sons /r / e /l/ como o mesmo som, aquele da sua L1 - /l/. Cada vez que o falante japonês é exposto ao /r/ da língua inglesa, ele percebe tal som como se fosse o segmento da sua L1 /l/, havendo a tendência de tal segmento da L1 ser cada vez mais reforçado. Trata-se, de fato, do reforço de um padrão indesejado.

Acredita-se que a noção de reforço Hebbiano se mostra operante não somente na distinção na aquisição segmental da L2 (ZIMMER, 2004b), mas também no que diz respeito à percepção de estruturas silábicas (ALVES, 2004; SILVEIRA, 2004), acento, ou entonação da L2. Nessa direção, o estudo empírico de Silveira (2004) demonstrou que segmentos consonantais em posição de coda não permitidos pelo Português Brasileiro eram, anteriormente ao trabalho de instrução formal em sala de aula, produzidos pelos aprendizes a partir da adaptação dos padrões silábicos da L2 aos da L1, sobretudo através da estratégia de epêntese. Através de experimentos anteriores e posteriores à instrução explícita, a autora demonstrou ter havido contribuição do trabalho de instrução formal no que diz respeito ao processamento e à produção dos padrões silábicos da L2.

Sugere-se, assim, que o aprendiz tende a não notar a distinção entre padrões fonéticos fonológicos da L1 e da L2, constatando-se por vezes uma dificuldade do aprendiz em segmentar os sons da fala, que se apresentam para ele como componentes de um continuum sonoro inidentificável. Uma vez que não se tem, nesse caso, nem a percepção em seu nível mais baixo de identificação acústica, fica claro que a distinção entre os padrões dos dois sistemas não tem como ocorrer.

Através da instrução explícita, está se chamando a atenção do aprendiz para aspectos da forma que ele não se mostrava cognitivamente comprometido em notar. Além disso, também está se treinando o aprendiz para a diferença em termos perceptuais dos aspectos fonético-fonológicos da L2. Ao se possibilitar, via instrução explícita, o processamento das diferenças entre os padrões dos dois sistemas, o input a que o aprendiz se encontra submetido passa a ter um papel decisivo para a aquisição dos aspectos da segunda língua que foram explicitados. Assim, através da constante exposição ao input, que a partir de então passa a ser notado, possibilita-se o processo de aquisição dos itens lingüísticos em questão.

Os dados empíricos de Alves (2004), relativos à produção das seqüenciais consonantais finais que caracterizam a marca de passado simples/particípio passado “–ed”, demonstraram que, anteriormente à instrução explícita, os alunos produziam uma vogal interconsonantal de caráter indevido, em função da interferência grafo-fônico-fonológica (cf. ZIMMER 2004b), de modo a produzir oralmente a vogal presente na forma escrita. Sugeriu-se que, anteriormente ao trabalho de intervenção pedagógica realizado, os aprendizes não percebiam, a partir do input oral da L2, os encontros consonantais finais que caracterizam tais verbos. Após o trabalho de instrução explícita, os índices de produção do padrão silábico inapropriado, contendo a vogal interconsonantal, caíram consideravelmente, havendo um aumento e supremacia do padrão semelhante ao alvo. Tal tendência foi constatada em diferentes ambientes de  monitoração e teve efeitos duradouros, visto que se intensificou ainda mais nos dados do segundo pós-teste

Ao se considerarem os dados empíricos acima descritos, sugere-se que a intervenção pedagógica desenvolvida pelo professor-pesquisador exerceu justamente o efeito de possibilitar que os aprendizes passassem a notar, no input oral a que eram expostos, as formas-alvo. Uma vez que os índices de produções semelhantes à forma-alvo se mostravam cada vez maiores após a data da realização da intervenção pedagógica, verificou-se que o padrão da L2 tendia a se reforçar cada vez mais depois que tais formas, presentes no input, passaram a ser processadas.

Finalmente, é preciso retomar uma das questões centrais que foram aqui abordadas, que diz respeito à necessidade de se vincular o trabalho de estudo das regras que caracterizam o sistema lingüístico a um ambiente em que predomine uma abordagem comunicativa centrada no aluno. Mostra-se reforçada, aqui, a noção de que o aprendiz deve ser exposto a input significativo, de modo que lhe seja possibilitada a oportunidade de se engajar em situações de comunicação autênticas, uma vez que somente a posse de conhecimento explícito a respeito da língua não parece ser condição suficiente para ocasionar o processo de aquisição.

 

Conclusão

A concepção de aprendizagem de L2 de cunho conexionista atribui papel fundamental à instrução explícita realizada pelo professor de L2. Embora a aquisição de L1 se dê exclusivamente a partir das regularidades do input e dispense desse modo instâncias de evidência negativa, a explicitação, no caso de aquisição de L2, se mostra como fundamental para que certos aspectos da forma-alvo sejam notados e automatizados por muitos aprendizes. Ainda que o conexionismo não veja a aquisição de linguagem como resultado da aquisição de regras de caráter simbólico, adquirir a linguagem implica exibir padrões que podem ser sistematizados através de regras. Evidenciar o funcionamento do sistema para os alunos através da explicitação de regras, feedback ou qualquer outra forma de se tornar mais evidentes alguns aspectos do input, sob o paradigma conexionista, é contribuir para que os aprendizes comecem a processar tais regularidades presentes neste input, dando início a um processo de aquisição estocástico e probabilístico. Dessa forma, no que diz respeito à aquisição fonológica, cujos itens a serem adquiridos caracterizam-se geralmente como de pouca saliência perceptual, a instrução explícita acaba desempenhando um papel fundamental, conforme evidenciado pelos resultados empíricos dos estudos mencionados ao longo do presente trabalho.

Justifica-se, assim, a prática da instrução explícita sobre dois fundamentos principais: a necessidade de despertar a percepção do aprendiz, o que possibilitará uma maior exposição ao input lingüístico da L2, e a concepção de interação dinâmica entre os conhecimentos implícito e explícito. Conforme  foi aqui evidenciado, uma concepção de aquisição voltada para o input e o dinamismo do conhecimento são as molas mestras de uma concepção de aquisição de linguagem conexionista. Fundamenta-se assim, a partir de tal paradigma, a pertinência da prática pedagógica que aqui foi por nós caracterizada e discutida.

 

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[1] Este trabalho não caracterizará aspectos básicos que regem o paradigma conexionista, nem tampouco os principais pressupostos que o distinguem do paradigma simbólico. Para maiores esclarecimentos sobre os pressupostos básicos desses paradigmas, aconselha-se a leitura Seindenberg e McDonald (1999), Zimmer (2004a), Zimmer e Alves (2006) e Mota e Zimmer (2005).

 

[2] Para um maior esclarecimento em relação à noção de consciência, bem como às diferenças implicadas pelos termos “perceber” e “notar” em estudos que levem em consideração o papel da atenção e do grau de consciência do aprendiz na aquisição de segunda língua, ver Alves e Zimmer (2005a).