REFLETINDO SOBRE O SEMINÁRIO: SABERES E DISSABORES

 DE UMA PRÁTICA LETRADA[1]

 

Williany Miranda da Silva[2]

Marcelo Clemente Silva[3]

 

I.                    Introdução

 

            Nos últimos anos, após o aparecimento dos PCN (1998), as discussões acerca de possíveis mudanças no ensino de língua portuguesa têm se intensificado. A noção bakhtiniana de gêneros discursivos, priorizando o uso e não a forma da língua, (MARCUSCHI, 2003) passa a influenciar o tratamento dado ao texto, eleito como unidade básica de estudo, seja na leitura seja na produção.

            Outra inovação também se faz sentir quando o texto, não só escrito, mas também oral, passa a ser considerado objeto de ensino, embora ainda não esteja sendo bem compreendido pela escola, o que impede uma abordagem efetiva e sistemática. De acordo com Bezerra (2003), o ensino de língua falada restringe-se a uma conversa em sala de aula, entre alunos, sobre o tema a ser estudado, constituindo-se como uma extensão da conversa face a face, de uso informal e localmente planejado da língua. Não é qualquer oral que deve ser ensinado, conforme evidenciam os PCN, mas o público formal, exigindo do aluno um uso mais planejado e monitorado da língua, que circula em contextos institucionais e públicos tais como escolas, igrejas, bancos, repartições públicas, etc.

            Com isso, justificamos a relevância de nosso objeto de pesquisa: o seminário. Mesmo sendo permeado pela escrita, trata-se de uma instância enunciativa que se manifesta oralmente. A prática de seminários tem sido uma atividade recorrente como alternativa de disseminação de conhecimentos no ensino fundamental e médio.

            Objetivamos neste trabalho refletir sobre o seminário enquanto manifestação de um gênero textual e de um evento de letramento, além de investigar as marcas lingüísticas indicadoras de apropriação do conhecimento, por parte dos sujeitos envolvidos. Para tanto, tomamos como objeto de estudo um seminário realizado numa turma da oitava série do ensino fundamental da escola particular Instituto Albert Einstein, localizada na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, PE, no ano de 2004.

            Buscamos responder aos seguintes questionamentos: 1. É possível identificar pela atuação do seminário uma outra forma de apropriação de conhecimentos, diferentemente da “aula expositiva” tradicional? E, 2. Há, nesse evento, fatores que identificam uma nova concepção teórica de aprendizagem escolar?

            Trabalhamos com a hipótese de que a prática do seminário colabora para um funcionamento limitado a uma mudança de modalidade de conhecimentos da língua, enfatizando-se uma prática “oralizada” de conhecimentos transcodificados e não retextualizados. Para a confirmação dessa hipótese, revisamos um bibliografia pertinente ao tema em questão, evidenciando aspectos teóricos ligados à noção de gênero, oralidade, evento de letramento etc, segundo autores como Bakhtin (1992), Marcuschi (2001a, 2001b), Bezerra (2003), Schneuwly (2004), dentre outros.

 

II.                Pressupostos teóricos

 

      1. Gêneros textuais e domínios discursivos: o lugar dos gêneros orais

 

            Para atender às exigências do contexto de interação e a finalidade de uso, a língua varia independentemente da modalidade (falada ou escrita), ou seja, o que vai determinar a produção de sentido é a negociação implicada no uso que fazemos da língua e não a modalidade em que será usada. Há gêneros como a carta pessoal, por exemplo, que mantêm mais características em comum com uma conversação face a face espontânea do que com uma resenha crítica, enquanto que um seminário apresenta mais traços em comum com um artigo de divulgação cientifica do que com um telefonema. É por essa razão que Marcuschi (2000, 2001a) propõe que as diferenças, entre fala e escrita, sejam observadas dentro de um continuum tipológico das práticas sociais de produção textual, ou ainda, dentro de um continuum de relações entre modalidades, gêneros textuais e contextos socioculturais (MARCUSCHI, 2001 b).

            Os textos distribuem-se pela oralidade e pela escrita nas diferentes esferas sociais e, quando transformados em rotinas, servindo de forma eficiente a um propósito comunicativo, convertem-se em gêneros textuais.

            Ao afirmar que “os gêneros se caracterizam como eventos altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos”, Marcuschi (2003: 19) enfatiza a flexibilidade dos gêneros, corroborando com as idéias de Bakhtin (1992) que observa os gêneros como relativamente estáveis descartando qualquer determinação fixa e imutável. Os gêneros são, pois, “textos empiricamente realizados cumprindo funções em situações comunicativas”, (MARCUSCHI, 2003: 23). Surgem “emparelhados a necessidades e a atividades sócio-culturais”, concorrendo com as atividades humanas, no processo contínuo de criação e recriação dos mesmos. Por isso, embora os gêneros sejam formas relativamente fixas, estabelecem uma constante tensão entre o permanecer e o mudar, (BEZERRA, 2003).

            Apesar da falta de consenso entre os estudiosos para distinguir ou classificar os gêneros, algumas “pistas” podem ser apontadas. Para Marcuschi (2003), embora sejam eventos lingüísticos, eles se distinguem mais pelas funções comunicativas, cognitivas e institucionais do que por suas peculiaridades lingüísticas e estruturais. Mesmo assim, a função não identifica o gênero de forma determinante, podendo também ser identificados pelo aspecto estrutural ou o suporte, havendo ainda, alguns gêneros de configuração híbrida muito comum na publicidade.

            Com isso, formas lingüísticas de uma carta ou poema, por exemplo, podem ser usadas para anunciar um produto. Nesses casos, o predomínio da função supera a forma na determinação do gênero, o que, segundo o autor (op. cit.) registra-se uma estrutura inter-gêneros. Tais considerações já deixam ver os equívocos que a escola comete ao tentar enquadrar determinados gêneros privilegiando ou restringindo o seu tratamento a aspectos apenas estruturais, de competência, predominantemente, lingüística, deixando para segundo plano, aspectos sócio-comunicativos mais abrangentes.

            Nesse sentido, observamos que a noção de domínio discursivo diz respeito a aspectos enunciativos que abrigam os gêneros relacionando-se aos lugares socialmente criados e legitimados. Constituem-se de discursos específicos para atender às necessidades ou propósitos ideológicos de cada uma das instâncias sociais[4]. No caso do nosso objeto de estudo, situamos o seminário no domínio científico, na modalidade oral e mesclado por outras modalidades como o debate, discussão, exposição.

 

 

 

 

  1. O seminário: Gênero ou evento? Uma pergunta, duas respostas.

 

            O dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa (2002) traz as seguintes acepções para o verbete seminário:

s.m. (1562 – 1575 cf. PaivSerm). 1. meio no qual algo se origina e do qual se propaga< as cadeias tornaram-se verdadeiros s. do crime > 2. (1624) canteiro onde se semeiam vegetais que depois serão transplantados 3. (1600) ECLES instituição educacional onde se formam os eclesiásticos 4. conjunto dos educadores e dos alunos dessa instituição 5. congresso científico ou cultural, com exposição seguida de debate 6. grupo de estudos em que os estudantes pesquisam e discutem tema específico 7. aula dada por um grupo de alunos em que há debate acerca da matéria exposta por cada um dos participantes

 

            Como podemos ver, as acepções 6grupos de estudos em que os participantes pesquisam e discutem tema específico” e 7aula dada por um grupo de alunos em que há debate acerca da matéria exposta por cada um dos participantes” são as que mais se aproximam do sentido usualmente tratado nas escolas.

            No sentido amplo, a acepção mais adequada parece ser a acepção 5congresso científico ou cultural com exposição seguida de debate”, uma vez que o evento não é exclusivo do contexto universitário, podendo ser destinado a empresários de determinado setor, a categorias profissionais específicas, a grupos culturais, políticos e religiosos.

            No sentido restrito, e que mais nos interessa, o seminário tem sido concebido tradicionalmente como uma “técnica de ensino socializado” na qual o aluno se reúne em grupos com o objetivo de estudar, expor, debater e discutir com os demais integrantes da sala de aula, um ou mais temas de determinada área do saber, sempre com a supervisão do professor (VEIGA, 2002: 107). Bezerra (2003) acrescenta ainda que, dada à realização sempre situada no contexto da sala de aula, também é denominado de “seminário didático”.

            Autores da área da educação como Gomes e Poseidon (1989), Lakatos e Marconi (1992), Severino (2000), Veiga (2002) e outros vão tratar o seminário no sentido restrito, isto é, ele é visto como uma técnica de estudo que inclui pesquisa, discussão e debate. A prática dessa atividade, de acordo com Balzan (apud VEIGA, 2002), centrada na técnica de ensino converte-se em aula expositiva dada pelos alunos, transformando o monólogo do professor pelo monólogo do aluno. Além dessa troca de papéis, o autor critica a extrema divisão do trabalho e sua descontinuidade, o que gera, muitas vezes, a superficialidade e generalizações da temática.

            Sempre relacionada a uma prática tipicamente acadêmica, nos cursos de graduação e pós-graduação, sua presença nas séries do ensino fundamental e médio destaca o esforço do professor em utilizar diferentes alternativas de ensino, acrescentando à aula expositiva, uma outra forma de propagação do conhecimento curricular na interação entre professor e aluno.

            Ao situar o seminário no campo das teorias lingüísticas, um outro enfoque será dado ao termo. Mesmo classificado como “seminário de textos” ou “seminários de temas”, o aluno é orientado pelo professor a expor o conteúdo pressupondo leitura prévia e retextualização[5] de textos escritos. Nesse sentido, o seminário assume um caráter dúbio, ora como evento comunicativo ora como gênero mesclado por vários outros gêneros.

            Ao tomá-lo como um evento, a abordagem teórica poderá centrar-se num enfoque prioritariamente etnográfico, conforme sugere Vieira (2005), em trabalho recente, analisando os componentes envolvidos na esfera enunciativa, que extrapolam o gênero em si. Neste caso, a evidência recairá também sobre componentes como o tópico, a função ou propósito do evento, a ambientação, os participantes (e variáveis, como sexo, idade, classe social e outros) e a forma da mensagem (canais utilizados e natureza do código).

            Ao priorizá-lo como um gênero, retomaremos Bakhtin (1992) com a definição clássica de gêneros como enunciados relativamente estáveis caracterizados por conteúdo temático, estilo e construção composicional. Neste caso, o enfoque recai sobre as instâncias de processamento e constituição do seminário em si, valorizando-se menos o produto ou momento de realização e mais as etapas de processamento da atividade em si.  Essa perspectiva não exclui a anterior e não é incompatível tratar o seminário como evento comunicativo e gênero ao mesmo tempo.

            O que ocorre é que na tentativa de esclarecer a prática de tal atividade, o enfoque prioriza um tratamento em detrimento de outro. Neste trabalho, focaremos o seminário como um gênero, à semelhança de Marcuschi (2000), que o categoriza no domínio discursivo científico, e Bezerra (2003), que defende a possibilidade de sistematizar o seu uso no ensino fundamental e médio, mesmo reconhecendo-o como uma prática de letramento complexa, dado o envolvimento com tomadas de posição e questionamentos, além da obtenção de informações pela pesquisa e documentação do tema a ser destacado.

            A manifestação desse gênero de forma tão recorrente em sala de aula, leva-nos a demarcar nosso objeto segundo a distinção feita por Schneuwly (1994) entre gêneros primários e secundários, com inspiração bakhtiniana. Os primeiros designam uma comunicação verbal espontânea, controlada diretamente por uma situação, pelo contexto imediato e pela presença do interlocutor, adquiridos intuitivamente. Já os segundos ocorrem numa situação comunicativa mais elaborada, mais tensa, mais complexa, porque, em geral, ou é escrita ou mediada por ela.

            Tais gêneros não são adquiridos naturalmente em nossas interações espontâneas e precisam ser, conforme assinalam os PCN, objetos de ensino. Gêneros situados nesse âmbito, de acordo com Schneuwly (1997), traduzem as formas institucionais do oral, legitimando o que deve ser dito segundo uma preparação prévia e sob modalidades diversas interagindo com o processo de produção em situação. São várias palavras que atravessam o discurso, resultante de uma ação recíproca entre gestão local “aqui e agora” e gestão mais global do discurso.

            A esse outro modo de gestão da palavra, o autor denomina ficcionalização, pois nas situações de interação social é realizada uma representação abstrata e cognitiva das condições de produção, envolvendo o enunciador, o destinatário, a finalidade ou objetivo e o lugar social.

            Situamos, pois, o seminário como um gênero secundário, uma vez que este não ocorre em circunstâncias espontâneas de interação verbal e também porque seu contexto de produção e de realização envolve dois momentos distintos: o da elaboração e o da realização, projetado para um momento futuro, o que permite ao expositor planejar, organizar e sistematizar sua fala, tendo em vista a natureza da informação, os interlocutores, o lugar da enunciação e os objetivos que se quer atingir, tudo isso mediado por textos escritos.

            Este gênero não é um protótipo da modalidade falada nem tampouco da modalidade escrita, tais como uma conversa espontânea e um artigo científico, respectivamente. É um gênero híbrido, pois “se realiza oralmente, mas é perpassado pela escrita”, (BEZERRA, 2003). Com isso, sua manifestação mobiliza uma relação intrínseca entre letramento e oralidade segundo a articulação entre um texto escrito de base, mas que só é recebido via fala.

            Segundo Marcuschi (2001 a), a relação oral/ escrito pode-se se dar no plano das formas e no plano dos discursos. Considerar as atividades de retextualização envolve ambos os planos, embora o aspecto discursivo seja o predominante, enfatizando-se os processos ou ações de natureza lingüística-textual-discursiva (centrado no código, marcado pela reordenação tópica, por exemplo), de citação (procedimento de reportar opiniões) e de operações cognitivas (necessidade de compreensão do texto de origem).

            A documentação realizada através de anotações, resumo, fichamento, esquema ou roteiro constituiria os gêneros escritos mobilizados pelos sujeitos envolvidos (expositores), estando presentes tanto no ponto de partida (texto base) quanto no ponto de chegada (em apoio à exposição oral) para a elaboração e planejamento do seminário. Já a exposição oral, a discussão e o debate constituiriam os gêneros orais, que mobilizaria aspectos da realização propriamente dita do seminário, como texto final.

 

III – Análise dos dados

 

            As reflexões desenvolvidas até o presente momento servirão de base para analisarmos alguns fragmentos transcritos dos expositores[6]. Nele, destacamos a performance do aluno, no papel de expositor, observando dois aspectos: a concepção de seminário subjacente às práticas realizadas e a  presença das operações de retextualização citadas por Marcuschi (2001a).

 

1. A concepção de seminário

            A escolha de termos para a abertura e o fechamento dos momentos de apresentação do seminário é recorrente e manifestam-se, em geral, da seguinte forma pelos expositores:

 

Exemplo 01:

Abertura:                A1[7]:      o assunto que nós vamos falá é sobre os Estados Unidos e o Canadá /... /

 

 

 

Fechamento          Al:           muito usados e: os Estados Unidos eles (  ) na sua grande maioria os principais... é:

                               Recursos naturais deles são a bauxita, o níquel e o manganês...tem alguma dúvida?....

 

 

 

Exemplo 02:

Abertura:              A2:         eu vô falá sobre um poço sobre os recursos naturais do do: Canadá /.../

                               /.../

Fechamento                         estreitando seus laços com os Estados Unidos principalmente a partir dos anos

                                               noventa....alguma dúvida?

 

 

 

 

 

 

 

 

Exemplo 03:

Abertura

        A8:         eu vô fala sobre a formação do Canadá...se...iniciou-se quando um francês chamado....

 

Fechamento

 

        A8:         também ainda hoje há muitos ....conflitos da...conflitos por causa da::entre Quebec e

                       a:s as demais províncias por causa do plurali/plura/plu-ra-lis-mo cultural...pronto.

 

            Como se pode constatar, a partir da transcrição dos exemplos, a forma de abertura e o fechamento obedecem a um padrão de perguntas retóricas. Os expositores não esperam que a audiência responda afirmativamente se tem alguma dúvida. Este comportamento reflete uma quebra de expectativa em relação à idéia que se tem de seminário, enquanto espaço de socialização do conhecimento. Em geral, o domínio do conteúdo é da responsabilidade dos expositores e se aparecerem dúvidas, as perguntas da audiência poderão evidenciar uma exposição inadequada e, conseqüentemente, uma punição, seja para o expositor, por parte do professor- avaliador seja para a audiência, por parte do expositor, que se sentirá prejudicado ou exposto ao ridículo, se não souber responder ao que foi perguntado.

            As bases para realização do seminário parecem destituídas de um propósito comunicativo mais abrangente, restringindo-se ao momento de avaliação oral. Os sujeitos envolvidos reproduzem, sob a perspectiva do conteúdo, uma seqüência de informações apresentadas no texto-base, que é do livro didático adotado na sala de aula e, portanto, de conhecimento de todos.

            As marcas lingüísticas como “alguma dúvida” e as aberturas destacadas também evidenciam que se os alunos não esperam uma manifestação concreta de sua audiência, o espaço para o debate e a discussão são ignorados. Assim, verificamos que os alunos se aproximam das acepções (6) “grupos de estudos em que os participantes pesquisam e discutem tema específico”, e (7) “aula dada por um grupo de alunos em que há debate acerca da matéria exposta por cada um dos participantes” citadas a partir do Houaiss (2002), com algumas ressalvas.

            Cremos que isso ocorre porque, no seminário, acaba prevalecendo o caráter avaliativo, não havendo entre os alunos muita disposição em socializar, problematizar ou aprofundar os conhecimentos veiculados. O seminário, pois, acaba por se configurar como uma aula tradicional em que o aluno alterna com o professor o seu papel na condição de monólogo e alterna a sua forma de avaliação que passa a ser o texto oral e não mais o texto escrito.

            Os exemplos 04 e 05 são comparados com o texto-base que serviu de orientação para os alunos. Neles, as evidências do processo de transcodificação em detrimento do processo de retextualização serão focalizadas.

 

Exemplo 04:

  A1:      o assunto que nós vamos falá é sobre os Estados Unidos e o Canadá ( )

                os dois países do continente americano mais ricos e mais bem

                desenvolvidos é os Estados Unidos e o Canadá...eles são os países que apresentam a mesma

                economia e é bem desenvolvidos no mercado  isso significa que eles são os países

                americanos e o continente americano por eles serem bem desenvolvidos..../.../

 

 

A1:         dois terços de: dos cidadãos canadenses ....de língua francesa que em menor proporção é falada

                 nas províncias de Quebec é: Manitoba Nova Brunswick e Ontário que as/ são esses países que

                falam francês na maioria deles nas escolas que são muito usado o francês...o Canadá /.../

 

Fragmento do texto-base:

  1. Dois países e uma só economia

        Os Estados Unidos e o Canadá são os dois únicos países do continente que apresentam uma economia de mercado desenvolvida. Ou seja, são os únicos países americanos incluídos no Norte industrializado. ...

        /.../As línguas oficiais do Canadá são o inglês e o francês. Mas esta é a língua predominante na província do Quebec (habitada por dois terços dos cidadãos canadenses de língua francesa) e, em menor proporção, é falada em outras províncias (Manitoba, Nova Brunswick, Ontário) /.../

                                               (VLACH, Vânia e VESENTINI, William. Geografia crítica: geografia do mundo industrializado. 16 ed. São Paulo: Ática, 2000, v.4, p.101)

 

 

 

Exemplo 05:

 

  A2:       eu vô fala sobre um poco sobre os recursos minerais do do: Canadá; e dos Estados Unidos...nas  02            montanhas rochosas vocês quiserem comigo podem observá no mapa que vem

                mostrando aonde se localiza as montanhas rochosas né...página cento e dois...então existem

                importantes recursos minerais... nessas montanhas ... e essas cadeias de mon/  de montanhas

                 atravessam de norte a sul todo o oeste do Canadá e dos Estados Unidos inclusive o Alasca...e a

                leste do Canadá localiza-se o Planalto o:: Labrador...também aí no mapa....e com ricas reservas

                de ferro

               

Fragmento do texto-base

 

                Nas montanhas rochosas existem importantes recursos minerais. Essa cadeia de montanhas atravessa, de

                norte a sul, todo o oeste do Canadá e dos Estados Unidos, inclusive o Alasca.

                A leste do Canadá localiza-se o planalto do Labrador, com ricas reservas de ferro. /.../

                               (VLACH, Vânia e VESENTINI, William. Geografia crítica: geografia do mundo industrializado. 16 ed. São Paulo: Ática, 2000, v.4, p.102)

 

            Os exemplos transcritos evidenciam o que Marcuschi (2001a) denomina de transcodificação, pois os alunos operam com a reprodução oral, através da memorização ou identificação do que o texto-base veicula por escrito, não acrescentando informações diferentes quanto ao conteúdo nem quanto à forma, preservando inclusive estruturas do texto escrito. Ao compararmos os dois exemplos com os fragmentos do texto-base fica evidente que a exposição do tema ocorre em função da disposição fornecida pelo livro didático.

            Marcas lingüísticas como “o assunto que nós vamos falá...” e “eu vou falá sobre...” revelam uma exposição fragmentada do conteúdo. Cada expositor se compromete em “dominar” a sua parte, mesmo que estejamos entendendo esse domínio como reprodução literal do texto-base e não como compreensão, comprometendo a realização do referido gênero como possível retextualização.

            As marcas de hesitação e de reestruturação dos tópicos discursivos marcam uma ausência de controle ou domínio da exposição do gênero oral, evidenciando um espontaneísmo na prática desenvolvida. Com isso, os expositores ficam numa situação de constrangimento em que se confundem compreensão do conteúdo, domínios do gênero e estilo, atribuindo a si mesmo, os as dificuldades que encontram para  realização dessa prática tão complexa e não ensinada.

 

III - Considerações finais

 

            Face aos questionamentos postos no início do trabalho, verificamos que há dois pontos distintos a considerar. Um aspecto é a constatação de como o seminário está sendo abordado no ensino fundamental e médio. Sem uma concepção clara de língua e de gênero que sustentem as práticas de sala de aula, esbarraremos numa concepção que vai privilegiar a forma em detrimento do uso da modalidade lingüística. Assim, substitui-se uma dada prática, no caso, a aula, por uma outra, o seminário. O espaço de realização assume um caráter do que já existe, a aula tradicional.

            O outro aspecto evidencia que, ao refletirmos sobre a necessidade de tratar o seminário dentro de um paradigma sócio-discursivo, há que se compreender que dominar um gênero não é dominar um mega-instrumento, mas dominar determinadas estratégias voltadas para o uso da língua concretizado numa instância de enunciação particular, mas com possibilidades múltiplas de realização.

            Essa é a perspectiva que pretende os PCN ao introduzir o ensino dos gêneros orais como uma necessidade e que tanta dificuldade vem trazendo para os professores, carentes de atualização teórica e de aplicação sistemática de atividades flexíveis, envolvendo processos de natureza lingüística, textual, discursiva e pragmática, não modelares para um determinado gênero em especial.

 

IV - Referências

 

 

BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. In: _________. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, [1953] 1992.

 

BEZERRA, Auxiliadora. “Seminário” mais que uma técnica de ensino: um gênero textual. Trabalho apresentado em congresso, 2003. (mimeo)

 

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino fundamental 3° e 4° ciclos: Língua Portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.

 

GOMES, Paulo de T. Pozzebon, Paulo Moacir Godoy. Técnicas de dinâmica de grupo. In: CARVALHO, Ma Cecília M. de. Técnicas de metodologia científica: construindo o saber. 2ª ed. Campinas: objetiva, 2002.

 

HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa. Versão 1.05ª  - São Paulo: objetiva, 2002.

 

LAKATOS, E. M., MARCONI, M.A. Metodologia do trabalho científico: procedimentos básicos, pesquisa bibliográfica, projeto e relatório, publicações e trabalhos científicos.  4ª ed. São Paulo: Atlas, 1992.

 

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros Textuais: o que são e como se classificam? Recife, 2000. (inédito)

 

_________________________. Da fala para a escrita: atividades de retextualização. – 2. ed – São Paulo: Cortez, 2001a.

 

__________________________. Letramento e oralidade no contexto das práticas sociais e eventos comunicativos. In: SIGNORINI, Inês. (org.) Investigando a relação oral/escrito e as teorias do letramento. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2001b.

 

_________________. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Ângela P. MACHADO, A. Rachel e BEZERRA, Mª Auxiliadora (orgs.). Gêneros textuais & ensino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2003.

 

 

ROJO, Roxane. Letramento escolar, oralidade e escrita na sala de aula: diferentes modali-dades ou gêneros do discurso? In: SIGNORINI, Inês (org.). Investigando a relação oral/escrito: e as teorias do letramento. Campinas: Mercado de Letras, 2001.

 

SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros e tipos de discurso: considerações psicológicas e ontogenéticas. In: DOLZ, J. et al. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de letras, [1994] 2004.

 

_______________________. Palavra e ficcionalização: um caminho para o ensino da linguagem oral. In: DOLZ, Joaquim et al. Gêneros orais e escritos na escola. Campina, SP: Mercado de Letras, [1998] 2004.

 

_______________________. A exposição oral. In: Dolz, Joaquim et al. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de Letras, [1998] 2004.

 

SEVERINO, J. S. Diretrizes para a realização de um seminário. In: Metodologia do trabalho científico. 21 ed. São Paulo: Cortez, 2000.

 

SILVA, Paulo Eduardo M. & MORI-DE-ANGELIS, Cristiane C. Livro didático de língua portuguesa (5ª a 8ª séries): perspectivas sobre o ensino da linguagem oral. In: ROJO, Roxane & BATISTA, Antônio A. Gomes (orgs). Livro didático de língua portuguesa, letramento e cultura da escrita. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2003.

 

SILVA, Williany Miranda. O gênero textual no espaço didático. Recife, UFPE. 2003. Tese de doutorado, (inédita).

 

VEIGA, Ilma P. A. O seminário como técnica de ensino socializado. In: __________.                      (org.). Técnicas de ensino: por que não? 13ª ed. Campinas: Papirus, 2002.

 

VIEIRA, Ana Regina Ferraz. O seminário: Um evento de letramento escolar. Recife, UFPE, 2005, dissertação de mestrado. (inédita).

 

 

 



[1] Esse trabalho é resultado de pesquisa realizada pelos autores, envolvendo o tema “Oralidade e Ensino”.

[2] Professora doutora do programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande, PB.

[3] Mestrando do programa de Pós-Graduação em Linguagem e Ensino da Universidade Federal de Campina Grande, PB.

[4] Marcuschi (2000) retoma a noção bakhtiniana de esfera comunicativa e propõe uma sistematização dos gêneros textuais distribuídos por diferentes domínios relacionados a modalidades de uso da língua (escrita e oral). Os domínios abrangem treze categorias: ficcional, jornalístico, científico/acadêmico, interpessoal, lúdico, religioso, publicitário, saúde, industrial, comercial, militar, instrucional e jurídico.

[5] A esse respeito cf. Marcuschi (2001 a) e sua proposta entre operar no nível da retextualização e da transcodificação. Para a primeira, o autor explicita duas atividades – de idealização (eliminação, completude e regularização) e de reformulação (acréscimo, substituição e reordenação) que valem para a transformação de uma produção oral original em uma produção escrita final. Já a produção de transcodificação limita-se a passagem do sonoro para o gráfico, envolvendo uma transformação preliminar do caráter originário e pessoal do gênero, neutralizando a sua realização. Embora tais operações apresentem algumas mudanças mínimas entre um e outro plano, estas não chegam a caracterizarem-se como uma retextualização.

[6] Os exemplos são partes do seminário realizado na turma de 8ª série, com a disciplina geografia, na escola Albert Einstein em santa Cruz do Capibaribe, PE. Este material, junto com o texto-base, integra o corpus da monografia de Especialização em Lingüística, de Marcelo Clemente Silva, intitulada “A prática do gênero Seminário no ensino fundamental”, (UEPB, 2004), sob a orientação da prof. Dra Williany Miranda da Silva. 

[7] Para a identificação de A1, A2 e A8 subentende-se: Aluno Expositor 1, Aluno Expositor 2 e Aluno Expositor 8.