A HETEROGENEIDADE TIPOLÓGICA DA REDAÇÃO DE VESTIBULAR
Vanilda Salton
Köche[1]
Cinara Ferreira Pavani[2]
Odete
Maria Benetti Boff[3]
RESUMO: Este artigo mostra os resultados da pesquisa A redação do vestibular como gênero textual,
realizada na Universidade de Caxias do Sul, Campus Universitário da Região dos
Vinhedos. O estudo analisa a heterogeneidade tipológica presente na redação de
vestibular. Apresentam-se, inicialmente, algumas considerações teóricas sobre a
redação de vestibular, os gêneros textuais e as tipologias de seqüências. Em
seguida, são mostrados dados quantitativos referentes à presença de seqüências
tipológicas nas dissertações analisadas. E, por fim, realiza-se uma análise
ilustrativa de uma dissertação produzida por um candidato no Vestibular
Verão/2004.
INTRODUÇÃO
Nem
sempre se desenvolve na escola uma metodologia voltada para a discursividade,
que pressupõe a construção de diferentes gêneros textuais, usados em distintas
situações de interação verbal. Geralmente, é repassada aos alunos uma estrutura
tradicional de redação, com o propósito de atender às supostas exigências da
seleção para o ingresso na Universidade, através do Concurso Vestibular.
Nesse
sentido, para Meurer (1996), o ensino das modalidades tradicionais é
deficiente, entre outras razões, porque não se preocupa com o conjunto de
variáveis sócio-cognitivas implicadas no uso da linguagem humana e, além
disso, não dá conta dos gêneros
textuais que os indivíduos utilizam nas mais diversas situações de interação.
Trata-se de entender a língua numa perspectiva
sócio-interacionista, na qual a sua função não é apenas de comunicação, mas,
antes de tudo, de meio de interação social entre os indivíduos. O ensino de
língua, portanto, deve partir de atividades lingüísticas situadas e não
desvinculadas de seus usuários.
Nessa
perspectiva de trabalho, este artigo apresenta os resultados da pesquisa A redação de vestibular como gênero textual,
desenvolvida na Universidade de Caxias do Sul, Campus Universitário da Região
dos Vinhedos, que tem por objetivo investigar a redação do vestibular, no que
se refere às diferentes tipologias que a constituem enquanto gênero textual.
Para tal, inicialmente, apresenta-se a fundamentação teórica; em seguida, a
metodologia e os resultados.
1 A REDAÇÃO DE VESTIBULAR
Na prova de redação do vestibular da UCS, é solicitada ao
candidato a produção de um texto dissertativo. Para Delforce, a dissertação
busca construir uma opinião de modo progressivo, demonstrando o que se pensa e
como se pensa (1992). Para se referir ao
mundo real, são usados como recurso de argumentação os conceitos amplos,
de modelos genéricos. Segundo Travaglia, nessa tipologia, busca-se
essencialmente o refletir, o explicar, o avaliar, o conceituar, o expor idéias
para dar a conhecer, para fazer saber (1991, p. 50).
A redação de vestibular é escrita a partir de uma situação
comunicativa específica, que pressupõe a interação entre dois sujeitos. Segundo
Pilar, os vestibulandos escrevem o texto porque ele constitui a prova de redação
para o ingresso no Ensino Superior, e os avaliadores que compõem a banca o lêem
para classificar os alunos que almejam a uma vaga na Universidade (2002, p.
161). Assim, esse gênero textual tem como função social avaliar a competência
do candidato no uso da linguagem numa determinada situação de interação,
atendendo a propósitos de pelo menos duas partes: vestibulandos e banca
avaliadora.
Nessa
perspectiva, a redação de vestibular não pode ser vista simplesmente como
um texto dissertativo, narrativo ou
descritivo. De acordo com Pilar, faz-se necessário avançar nessa concepção e
considerá-la como um gênero, através do qual os vestibulandos devem negociar
significados com sua audiência-alvo no contexto específico do concurso
vestibular (2002, p. 161).
Como
gênero, a redação de vestibular caracteriza-se pela diversidade tipológica.
Flores a define como um gênero híbrido, já que nele (co)habitam diferentes
perspectivas que se manifestam em sua plenitude concreta no exercício da
linguagem feita pelo sujeito em sua relação com o outro, sendo inadmissível uma
abordagem meramente lingüístico-tipológica. Segundo o autor, não podemos
considerar um tipo como “puro”, pois há uma heterogeneidade de seqüências
relacionadas para formar uma unidade significativa (2003, p. 95-96).
Uma
abordagem na perspectiva dos gêneros textuais pode tornar clara a constituição
da redação de vestibular enquanto uso discursivo da língua.
2 OS GÊNEROS TEXTUAIS E AS SEQÜÊNCIAS TIPOLÓGICAS
É
através dos gêneros que se dá toda atividade discursiva, o que mostra a sua
multiplicidade. Bakhtin afirma que “se não existissem os gêneros do discurso e
se não os dominássemos, se tivéssemos de criá-los pela primeira vez no processo
da fala, se tivéssemos de construir cada um de nossos enunciados, a comunicação
verbal seria quase impossível” (1992, p. 302). Os gêneros exercem uma função
primordial no processo de interlocução, uma vez que a língua é entendida como
uma atividade social, histórica e cognitiva e privilegia-se a natureza
funcional e interativa, e não o aspecto
formal e estrutural da língua.
Para Bakthin, os gêneros
do discurso são tipos relativamente
estáveis de enunciados produzidos pelas mais diversas esferas da atividade
humana (1992, p. 127). Enquanto os gêneros são até certo ponto estáveis, os
textos que os materializam são variados e maleáveis. Por sua vez, Bronckart
afirma que os textos são produto da
linguagem em funcionamento permanente nas formações sociais: em função de seus
objetivos, interesses e questões específicas, essas formações elaboram
diferentes espécies de textos, que apresentam características relativamente
constantes e ficam disponíveis no intertexto como modelos indexados para os
contemporâneos e as gerações posteriores (1999, p. 137).
Marcuschi
qualifica os gêneros como eventos textuais altamente maleáveis, dinâmicos e
plásticos. Surgem das necessidades e atividades sócio-culturais e na relação
com inovações tecnológicas, que motivam a explosão de novos gêneros e novas
formas de comunicação, quer na oralidade, quer na escrita (2002, p. 19). Entre
elas, destacamos as teleconferências, os telegramas, as telemensagens, as
cartas eletrônicas, os chats e
outros. Os gêneros textuais são o resultado do contexto cultural em que se
originam e se desenvolvem.
Marcuschi
coloca que os gêneros contribuem para ordenar e estabilizar as atividades
comunicativas do dia-a-dia (2002, p. 19-23). Eles podem se expressar em
diversas designações, podendo-se mesmo dizer que são ilimitados. Os gêneros
textuais, segundo o autor, são os textos encontrados na vida diária e que
apresentam padrões sócio-comunicativos caracterizados pela composição
funcional, objetivo enunciativo e estilo realizados na integração de forças
históricas, sociais e institucionais.
De
modo geral, o gênero é heterogêneo, uma vez que pode conter diferentes
seqüências tipológicas em sua estruturação. Por exemplo, a redação de
vestibular pode apresentar uma seqüência narrativa, uma argumentação, uma
descrição, uma predição, uma explicação ou uma injunção. Assim, embora a
redação do vestibular, em geral, tenha um caráter dissertativo, pode conter
diferentes seqüências tipológicas que se apresentam a serviço da dissertação.
Já
a tipologia textual, de acordo com Marcuschi, designa uma espécie de seqüência
teoricamente definida pela natureza lingüística predominante de sua composição
(aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas). Quando se
classifica um certo texto como narrativo, descritivo ou dissertativo, não se
está determinando o gênero, mas uma tipologia textual predominante. Em geral, os tipos textuais abrangem a narração, a argumentação, a exposição,
a descrição e a injunção (2002, p. 22).
O texto argumentativo estrutura-se a partir de uma
sucessão de quatro fases: fase de premissa (dados), em que há uma constatação
de partida; fase de apresentação dos argumentos, ou seja, de elementos que
orientam para uma conclusão (regras gerais, justificativas, ilustrações etc);
fase da apresentação de contra-argumentos, em que se colocam restrições relacionadas
à orientação argumentativa e que podem
ser ratificados ou refutados por exemplos, justificativas, etc; fase de
conclusão (ou de nova tese) que resume e integra os efeitos dos argumentos e
contra-argumentos (BRONCKART, 1999, p.
226-227). A estrutura canônica, no entanto, pode ser alterada, invertendo-se a
ordem.
A descrição é a
verbalização de um processo de observação, de um olhar sobre o objeto. Na
descrição, segundo Travaglia (1991), o autor do texto se coloca na perspectiva
do espaço em seu conhecer. Isso o leva a caracterizar e dizer como é o objeto
descrito, escolhendo as informações apropriadas para esse fim.
Conforme Adam
(1987) e Petitjean (1989), a seqüência descritiva comporta três fases
principais: a fase de ancoragem, na qual é introduzido o tema-título da
descrição; a fase da aspectualização, em que os aspectos do tema-título são
enumerados e a fase do relacionamento, na qual estabelecem-se associações entre
o tema-título e outros elementos (metáforas, comparações etc).
A seqüência narrativa
caracteriza-se pelo contar o que aconteceu, relatando os fatos, os
acontecimentos. Conforme aponta
Bronckart (1999), há diferentes modelos de seqüência narrativa, e o modelo mais
comum é constituído de três fases: situação inicial, na qual se apresenta um
determinado estado de coisas (equilíbrio); a transformação, em que o estado de
coisas inicial é alterado, criando-se uma tensão e a situação final, que
descreve o equilíbrio advindo da resolução das tensões.
De acordo com Travaglia, na
injunção, o objetivo é incitar à realização de uma situação (ação, fato,
fenômeno, estado, evento, etc.), requerendo-a ou desejando-a, ensinando ou não
como realizá-la. Nesse caso, a informação é sempre algo a ser feito e/ou como
ser feito. Cabe ao interlocutor realizar aquilo que se requer, ou se determina
seja feito, aquilo que se deseja que seja feito ou aconteça, em um momento
posterior ao da enunciação (1991, p. 50). São classificados como injuntivos as
receitas, os manuais e as instruções de uso e montagem, os textos de orientação
(leis de trânsito), os textos doutrinários, as propagandas.
Na predição, o locutor/enunciador faz uma antecipação pelo
dizer de situações cuja realização terá ocorrência posterior ao tempo da
enunciação, sendo pois uma previsão, um anúncio antecipado (TRAVAGLIA, 1991, p.
60-61). As formas verbais têm sempre
valor de futuro, visto ocorrer uma predição de coisas que estão por acontecer.
Há certos tipos de textos que normalmente são preditivos ou contém partes
preditivas, como os horóscopos, as profecias, os boletins meteorológicos, as
previsões em geral, os prenúncios de eventos, comportamentos e situações.
Na explicação, o produtor responde a um problema da ordem do saber, a partir da investigação de uma evidência, ou seja, de um fenômeno normal que se torna objeto de investigação. O texto explicativo também pode partir de um paradoxo que se refere a algo aparentemente incompatível com o sistema estabelecido de explicação do mundo. O raciocínio explicativo, segundo Bronckart, apresenta-se pelas seguintes fases: a constatação inicial, que introduz um fenômeno não contestável); a problematização, em que é explicitada uma questão da ordem do porquê ou do como; a resolução, que responde à questão colocada; a conclusão-avaliação, que formula e completa a constatação inicial (1999, p. 229).
3 METODOLOGIA
Este
estudo tem um enfoque quantitativo e qualitativo-interpretativo; descreve e
analisa a redação de vestibular enquanto gênero textual. O corpus constitui-se por setenta e cinco redações dos candidatos do
Concurso Vestibular Verão/2004, da Universidade de Caxias do Sul. O critério
para a escolha das redações levou em conta a nota obtida pelo candidato, de 10
a 12 pontos. Esses valores equivalem às notas mais altas atribuídas pela UCS na
avaliação da prova de redação.
4 RESULTADOS
Apresentamos
a seguir os dados quantitativos obtidos na pesquisa e, na seqüência, a análise
qualitativa-interpretativa.
TABELA: Seqüências tipológicas a serviço da dissertação
SEQÜÊNCIAS TIPOLÓGICAS |
FREQ.
% |
01- Seqüências injuntivas 02- Seqüências descritivas 03- Seqüências narrativas 04- Seqüências preditivas 05- Seqüências explicativas TOTAL |
57 42,86% 51 38,35%
14 10,53%
10 7,52%
01 0,75% 133 100% |
Constatamos,
na tabela, que a seqüência tipológica mais utilizada pelos vestibulandos foi a
injuntiva, com um percentual de 42,86% de ocorrências nas 75 redações
analisadas. Em segundo lugar, com 38, 35%, está a seqüência descritiva. A
seguir, a seqüência narrativa, com 10,53% e a preditiva, com 7,52%. A seqüência
explicativa foi a menos empregada, com 0,75%.
Verifica-se que os vestibulados valem-se de diferentes seqüências
tipológicas para dar consistência à sua redação de vestibular, ou seja, usam
essas seqüências a serviço da dissertação, contribuindo para a
argumentatividade do discurso.
O
uso predominante da injunção (42,86%) nas redações talvez possa ser justificado
pela natureza argumentativa do texto exigido no Concurso Vestibular, uma vez
que essa tipologia textual, segundo Travaglia (1991), tem por objetivo incitar
à realização de uma situação. Ao usar a seqüência injuntiva, o vestibulando
procura convencer o interlocutor a realizar algo referente à idéia defendida no
texto.
O
significativo emprego da seqüência descritiva (38,35%) revela a intenção do
vestibulando em conduzir o leitor no seu percurso argumentativo. Guedes
ressalta que a descrição dá um rumo ao leitor; coloca-o em algum lugar e indica
o caminho pelo qual ele vai andar, na
direção que o leve a sentir o que se quer que ele sinta enquanto lê o
texto (2002, p. 179).
A
seqüência narrativa (10,53%) foi pouco empregada. Esse resultado surpreende,
uma vez que essa tipologia dá consistência argumentativa à dissertação, através
de pequenos relatos, exemplos, dentre outros. Pode ser que isso tenha ocorrido
em função da abordagem das tipologias
textuais na escola, geralmente, ensinadas de forma estanque. No entanto,
sabe-se que um texto pode mesclar diferentes tipologias.
O
baixo emprego das seqüencias preditivas (7,52%) e explicativas (0,75%), por sua
vez, parece estar relacionado ao fato de que elas não são, em geral, abordadas
no Ensino Fundamental e Médio. Cabe ressaltar que o candidato convive com a
seqüência explicativa durante toda a sua formação escolar, pois ela está
presente nos livros didáticos de todas as áreas. No entanto, não se verifica o
uso dessa seqüência em sua dissertação.
O gráfico que segue ilustra o emprego das
seqüências tipológicas nas redações de vestibular analisadas:
6 UMA ANÁLISE ILUSTRATIVA
O texto a ser analisado foi
produzido no Concurso Vestibular/Verão 2004. A proposta da redação apresentada
para o candidato foi a produção de uma dissertação a partir do seguinte tema: Cantando em versos ou enrolando-se na
bandeira, o brasileiro tem demonstrado sua paixão pelo Brasil. Na sua opinião,
o amor à Pátria depende das formas de demonstrá-lo publicamente?
01. 02. 03. 04. 05. 06. 07. 08. 09. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. 21. 22. 23. 24. 25. 26. 27. 28. 29. |
Falso
Patriotismo O amor à
pátria depende muito mais do sentimento de cada indivíduo em relação à mesma
do que das demonstrações públicas referentes a ele. Na verdade, pelo menos no
caso do Brasil, elas parecem de uma forma forçada, dando uma nítida idéia de
artificialidade. Todos viram Romário, atacante da Seleção
Brasileira, enrolar-se na bandeira nacional quando a quarta Copa do Mundo foi
conquistada, em noventa e quatro (narração). Foi um belo ato de
patriotismo! Pena que falso, pois, longe das câmeras, é de se duvidar que o
jogador aja da mesma maneira. É difícil de acreditar que o tal Romário, como
a maioria dos brasileiros, preocupa-se com o que é melhor para o país na hora
de escolher entre um produto importando e um nacional, por exemplo. Mesmo
levando em consideração iguais preços e qualidade, não o fariam, pois a
população do Brasil ainda sofre do mal de que o que vem de fora é melhor. Australianos e
norte-americanos são exemplos de sociedades que, dificilmente, compram
produtos importados, com o receio de prejudicar a economia local (descrição). E será que se, em noventa e quatro, a Seleção saísse derrotada, o
povo aplaudiria mesmo assim? Isso aconteceu, de fato, com um time europeu, com
Copa posterior, devido à bela representação que fizeram do país, no evento
internacional (narração). Isso, sim, é
patriotismo, e, no entanto, é difícil imaginar os brasileiros agindo de tal
forma. Os atos públicos de amor à pátria não significam
nada se não estiverem associados a um sentimento positivo em relação ao país.
A atitude de enrolar-se na bandeira, por si somente, não tem nenhum
fundamento de patriotismo. Pelo contrário, é até um desrespeito à mesma. A
Austrália e os Estados Unidos, antes mencionados, também fazem grandes
demonstrações de valorização das suas nações – provavelmente maiores que as
brasileiras. Elas são baseadas em um patriotismo sólido e comum a todos os
cidadãos. Há de
exigir-se da população brasileira que tenha atitudes que realmente valorizem
o país (injunção). A verdade é que aplaudir a nação, mesmo derrotada, é um ato muito
mais nobre que se envolver na bandeira da pátria. |
A redação de vestibular
analisada é uma dissertação, pois propõe a reflexão sobre o tema proposto a
partir de uma seqüência de base argumentativa. Embora se verifique a
predominância dessa seqüência, o texto analisado é heterogêneo do ponto de
vista tipológico, pois apresenta também a inserção das seqüências narrativa,
descritiva e injuntiva, formando uma unidade de significação.
O candidato apresentou a sua tese já no primeiro
parágrafo (l. 01 a 04), afirmando que o
amor à pátria depende muito mais do sentimento de cada indivíduo em relação à
mesma do que das demonstrações públicas referentes a ele. Essa afirmação
constitui a primeira fase do texto argumentativo, ou seja, o ponto de partida
para a construção de sua opinião a respeito da questão abordada.
No segundo parágrafo (l. 05 a 21), temos a predominância da seqüência
narrativa, a serviço da argumentação, isto é, o candidato usa um argumento de
provas concretas, narrando um fato, para dar consistência ao texto: Todos viram Romário, atacante da Seleção
Brasileira, enrolar-se na bandeira nacional quando a quarta Copa do Mundo foi
conquistada, em noventa e quatro. O autor faz dupla referência a um
acontecimento do mundo real, a Copa do Mundo. Num primeiro momento, o
vestibulando relata a atitude do jogador Romário em relação à bandeira
brasileira. O fato ocorre num tempo específico: mil novecentos e noventa e
quatro. Um dos traços lingüísticos predominantes na seqüência narrativa pode
ser exemplificado pelo verbo enrolou-se,
demarcador de uma ação. O candidato também relaciona uma possível derrota da
seleção com a atitude de um povo europeu na copa anterior: aplaudir uma equipe
esportiva, mesmo saindo derrotada de sua participação.
Ainda no segundo parágrafo, o autor insere uma seqüência descritiva,
como mais um argumento de provas concretas, para referir a postura de
australianos e norte-americanos em torno da valorização dos produtos de seus
países de origem: australianos e
norte-americanos são exemplos de sociedades que, dificilmente, compram produtos
importados, com o receio de prejudicar a economia local. Essa seqüência
mostra elementos sobre os australianos e
norte-americanos, para exemplificar o que caracteriza o verdadeiro
patriotismo. Em seguida, o vestibulando indaga se, em noventa e quatro, a
seleção saísse derrotada, o povo brasileiro aplaudiria da mesma forma. Para
responder a essa questão, ele insere uma seqüência narrativa, apontando que isso aconteceu, de fato, com um time
europeu, com Copa posterior, devido à bela representação que fizeram do país,
no evento internacional. O autor conclui o parágrafo afirmando que essa
atitude revela o verdadeiro patriotismo.
O candidato elege as seqüências narrativas e descritivas para
evidenciar que não é suficiente demonstrar publicamente o amor à Pátria. Por
isso, confronta o seu pensamento a eventos esportivos, especialmente à Copa do
Mundo e à economia. No que tange ao esporte, ele vincula a atitude de Romário
diante da vitória com a imagem do Brasil. No que se refere à economia,
posiciona-se favoravelmente à valorização dos produtos nacionais.
A tese é sustentada pelo
forte argumento, presente no terceiro parágrafo (l. 22 a 29), de que os atos públicos de amor à Pátria não
significam nada se não estiverem associados a um sentimento positivo em relação
ao país. Esse parágrafo é constituído por uma seqüência argumentativa, na
qual o vestibulando retoma as idéias anteriores para formular sua opinião a
respeito do tema. Ele reforça a idéia de que países, como a Austrália e os
Estados Unidos, mostram um patriotismo mais sólido. O fato de Romário
enrolar-se na bandeira, por si só, não constitui um ato de patriotismo, podendo
ser até um desrespeito.
No quarto parágrafo (l. 30 a 33), de conclusão, o
vestibulando faz uso de uma seqüência injuntiva: há de exigir-se da população brasileira que tenha atitudes que
realmente valorizem o país. A
presença de uma injunção no parágrafo conclusivo revela um desejo de mudança da
situação analisada no texto, e incita à realização de uma atitude. Segundo
Travaglia (1991), cabe ao interlocutor realizar aquilo que se requer; no caso
em análise, atitudes da população
brasileira que valorizem o país.
Portanto, no texto em questão, observa-se a presença de
seqüências do tipo argumentativo, narrativo, descritivo e injuntivo. O autor
faz a passagem entre as seqüências,
tecendo-as e relacionando-as, na intenção de conduzir o leitor a uma
reflexão desejada e a uma tomada de posição sobre o tema em questão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A redação de vestibular é um
gênero discursivo tipologicamente heterogêneo, e não um mero texto
dissertativo. A análise mostrou que
os vestibulandos utilizam diferentes seqüências tipológicas no seu texto. Essas
seqüências são inseridas para dar consistência ao discurso do ponto de vista
argumentativo.
Constatou-se o emprego de
seqüências injuntivas, descritivas, narrativas, preditivas e explicativas nas
redações analisadas. A seqüência mais utilizada pelos candidatos foi a
injuntiva, que incita à realização de uma situação. Talvez, essa seqüência
tenha sido a mais usada em função da natureza do texto argumentativo, que visa
a adesão do leitor em relação a uma idéia.
Em segundo lugar, a
seqüência mais utilizada foi a descritiva, revelando a intenção do candidato em
mostrar à banca avaliadora aonde ele quer chegar. O reduzido emprego das
seqüências narrativa, preditiva e explicativa talvez evidencie a necessidade de
um trabalho mais exaustivo na escola com relação à função que elas podem
exercer no gênero redação de vestibular.
Assim, o ensino de redação
requer do professor um entendimento de que os gêneros, em geral, são
constituídos de diferentes seqüências tipológicas. Nesse sentido, espera-se
poder contribuir para a prática
pedagógica voltada ao ensino da redação de vestibular.
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[1]Professora da Universidade de Caxias do Sul, Campus Universitário da Região dos Vinhedos – e-mail: vskoche@ucs.br
[2]Professora da Universidade de Caxias do Sul, Campus Universitário da Região dos Vinhedos – e-mail: cfpavani@ucs.br
[3]Professora da Universidade de Caxias do Sul, Campus Universitário da Região dos Vinhedos – e-mail: odeteboff@verlag.com.br