Níveis de correção  na  fala  em  língua  estrangeira:  “eu” ,  “os outros”  e os “donos da língua”

 

                               Valesca Brasil IRALA (valesca@alternet.com.br)

Universidade da Região da Campanha- URCAMP

 

Palavras-chaves: língua espanhola; correção; subjetividade.

Este trabalho refere-se a um estudo de caso realizado com um aluno do último semestre  do curso de Letras (habilitação português/espanhol), de uma cidade gaúcha próxima ao Uruguai.  A coleta de dados é feita em  três  níveis:  a)  aquele que chamo  de  “etapa primária”,  em que o aprendiz  é  desafiado a produzir  uma  narrativa  oral desenvolvida em  língua  espanhola  a  partir da  atualização de uma história infantil  escolhida pelo próprio  aluno  e,  ao  mesmo tempo,  é   avaliada  pelos colegas de aula  sob  a  forma de registro escrito; b)  “etapa secundária”, em que o próprio sujeito ouve  a sua produção oral  e tece comentários  “corretivos”  e/ou  “confirmativos”  a respeito da mesma e;  c)  “etapa terciária”, em que,  por  meio  de  transcrições, a  fala do aluno é  posta  à  avaliação por  voluntários  de  cinco  nacionalidades diferentes  onde  a  língua espanhola recebe o “estatus” de língua oficial.  Para compreensão dos dados, lança-se as seguintes questões norteadoras:  quais os tipos de erros são mais perceptíveis aos colegas (erros de forma  ou  conteúdo)? Há elementos corrigidos pelos colegas que não deveriam sofrer correção?   A auto-avaliação posterior do próprio aprendiz  proporciona  a   auto-correção?  A correção feita pelos colegas foi  semelhante  à  dos  “falantes nativos”?  Houve  variação  entre  a correção feita pelos “falantes nativos” de diferentes nacionalidades/regiões?  Neste trabalho, o  ato  de enunciar  em  língua estrangeira é visto como um processo de subjetivação, o qual manifesta-se como um “deslocamento” (ou a sua tentativa), em direção à diferença,  e,  a  partir daí,  acessar  o   “movimento da alteridade” (LECLERQ, MORALES, SCHERER, 2003,  p. 27).  Também, com base em Revuz (1998, p. 222), adota-se a noção de “estranhamento de si”,  em que a distância provocada pelo afastamento da língua materna  acaba manifestando-se  como  “fonte de ansiedade para uns ou de prazer para outros”. 

 

 

1.      OLHARES INTRODUTÓRIOS

Se fôssemos revisitar alguns conceitos das principais  teorias lingüísticas difundidas ao longo do século XX, poderíamos dizer que  se reserva um espaço considerável de discussão  à  própria  definição do conceito  “língua” e o que é saber uma “língua”.  Passados mais ou menos cem anos do estabelecimento da Lingüística como “ciência”, pareceria  razoável que definições como essa  estivessem já sedimentadas  e  menos reverenciadas   para dar lugar  a  outros  tipos de debate.

Na verdade,  hoje    uma grande abertura para  a intersecção  entre  língua e identidade e esse fato joga um papel  crucial  para  o ensino da língua estrangeira. Abre-se espaço para que reconheçamos a subjetividade que está implicada no processo de aprendizagem e, a partir daí,  ressignificarmos  nossos conceitos de  “bom”  aprendiz  e, por conseqüência,  revermos quê valores estão imbricados entre o que se pode e o que não se pode dizer quando se está enunciando em uma determinada língua. 

Ao pisar neste terreno fértil  da  relação  entre  língua  e  identidade  podemos nos deparar com uma série de questões que      muitas décadas preocupam  lingüistas  aplicados e  professores de língua estrangeira, os quais acabam se situando como defensores desses ou daqueles procedimentos, normalmente amparados na crença  da   “intencionalidade”  de  cada  ação e sua conseqüente “reação” (na esperança de que essa seja positiva), especialmente em decorrência  daquilo que conhecemos como  “intencionalidade pedagógica”  a  qual queremos nos submeter  e  influenciar   a  que  outros se submetam.  

Se hoje no campo teórico há  espaço  para  repensarmos  questões  sobre as  múltiplas concepções de ensino de línguas estrangeiras, surgidas no amparo  da  “legitimidade”  da  Lingüística Aplicada;  é   notável  também que no próprio seio das salas de aula já não se sustenta  a  alienação em busca da apropriação lingüística a caminho da perfeição, como outrora se reverenciou.  Dito isso,  este trabalho tratará a respeito de um item crucial  para  o  aprendizado da  língua estrangeira,  principalmente  porque nele  os  efeitos  da  possível  “apropriação”  lingüística se tornam latentes: a habilidade da expressão oral.    

 

2.      OLHARES  TEÓRICOS

MING (2003, p. 103)  resume que  aprender uma língua estrangeira  é  “curvar-se ao outro  (grifos do autor).  Podemos diante dessa definição  ponderar  alguns  aspectos,  tais como:  como esse “deslocamento- em direção à diferença”  (LECLERQ, MORALES & SCHERER, 2003, p. 27)   é  entendido  intersubjetivamente  pelo  “aprendiz”,  muitas vezes  colocado  ou  “auto-colocado”  como aquele que  “nada tem”?   Como esse  “estranhamento de si” (REVUZ, 1998, p. 222) movimenta  um  maior ou menor afastamento da língua materna?  Como se dimensiona  o “próprio”  e  o “impróprio”  na  enunciação em língua estrangeira, se aquilo que nos é  “próprio” de repente toma  o  lugar  na   “vilania”  da  impropriedade? 

Nesse espaço  subjetivo  do  aprender  outras  línguas,  não    como  negar   uma  grande mobilização  do  senso comum  (e de algumas áreas legitimadas)  para  avaliar  se  estamos “aptos”  ou  não,  se nos  “defendemos”  como  bilíngües, trilíngües, multilíngües ou  “pobres”  monolíngües,  se enganamos o  “sotaque”  e escondemos a  origem “imprópria” de onde o destino nos colocou, etc.  Todos esses elementos  “avaliativos”  vão  constituindo  uma  relação de  herança  valorativa  sobre  o  “certo”   e  o  “errado”,  não sem um conflito entre  a  “intenção”  e  a   “não-intenção”  desses  elementos. 

Justamente  por  entender  a   prática  corretiva/avaliativa  como um ponto conflitivo do ensino de línguas estrangeiras,  proponho este trabalho de maneira  a  enquadrar  três  focos de análise para contrapô-los  no  jogo de  aproximação/distanciamento  entre  o   “possível”   e  o  “feito”.

A relação entre o “possível”  e  o  “feito”  quando se  fala  uma língua estrangeira  põe em jogo a  possibilidade de cada um em  “pegar a imagem emprestada do outro que o eu parece deslocar-se” (FONSECA, 2002, p. 112)  e  nesse  “estranhamento” de si  próprio  (às vezes como uma ameaça à identidade),  tornar-se  “eficiente”  na  língua estrangeira.

Aqui, a identidade não  é  entendida  no   sentido  de oposição  entre  um   “eu”  uno  frente a um  “outro”   complexo e diferente de mim.   Identidade  é  sim  vista com  base  na  dispersão e mutação  dos  sentidos, compreendida  “sempre em movimento” (CORACINI, 2003, p. 15),  imersa no dinamismo  das  transformações  sociais, temporais, históricas e culturais. 

Assim,  podemos  deixar-nos  penetrar   pela   língua  estrangeira   e   tornar  o  “feito”  como  próximo  ao   “possível”  e  em  outros  momentos  afastar-nos  do  “possível”  e  guiarmos  o  “feito”  em  direção  à   língua materna.   Essa  instabilidade,  essa  “fissura”  sempre  emergente,  trás  à tona a  visibilidade  do “estranhamento”,  do “desconforto”,  em   outras  palavras,   faz   emergir  o  “erro”.

Esse  “erro”  ou  “inadequação”   é  visto  pelos  observadores  externos  muitas vezes  como  um  indicativo  de  lacuna  naquilo que  é  produzido (“feito”)  pelo  falante  e  entendido  pelo  aprendiz em ação   como  um  indício  de  distanciamento  entre  o  “feito”  e   o  “possível”,  gerando muitas vezes  uma  grande  frustração  em   aprender  línguas estrangeiras.  Dessa forma,  definir  o  que  seria  ser   “bem-sucedido” nesse  jogo  de  aproximações  e  afastamentos  ganha  uma  outra  dimensão:   o  “possível”   desdobra-se   em  “os  possíveis”  e  a  flexibilidade  dessas possibilidades  ultrapassa a  adequabilidade  gramatical  ou  a possibilidade de  “fazer julgamentos parecidos ao do falante nativo”  (GARCEZ, SCHLATTER, SCARAMUCCI, 2004, p. 365).  

Assim,  a   subjetividade  imbricada  no  domínio de uma língua  merece  ser  entendida  não  como  convergência  na  busca de uma  idealização  lingüística inatingível,  mas  bem   mais  como   um    “pôr”  em  cena  deslocamentos  bilaterais  de  ir  e vir   e  rascunhar-se  identitariamente  em  múltiplas  direções.            

 

3.      OLHARES METODOLÓGICOS

Proponho como modalidade de pesquisa o estudo de caso, conforme esse é explicitado por Telles (2002, p. 108).  Os dados,  originados de meu próprio ambiente profissional,  além  de  informarem  a descrição de um evento particular  pertencente a um determinado grupo,  podem ajudar  a produzir   teorizações a partir de  uma prática de pesquisa  e de ação pedagógica  em  co-construção, reduzindo assim os espaços  entre  saberes  legitimados  e   saberes   emergentes, originados de pesquisas situadas no campo da pós-modernidade  caótica   e  instável.

Em  um  grupo de 16 alunos matriculados na disciplina de Língua Espanhola VIII (o que significa aproximadamente 480 horas-aulas de instrução na universidade)  de  um curso de Letras noturno  do  interior do Rio Grande do Sul próximo ao Uruguai,   solicitei  no mínimo dois  voluntários para participar de uma pesquisa em que o foco seria  a  avaliação da habilidade oral.   Prontificaram-se a participar  um  aluno  do  sexo  masculino  (28 anos)  e  uma  aluna do sexo feminino (21 anos).   Para análise neste trabalho,  usarei apenas  os  dados  gerados  a partir da participação do aluno do sexo masculino, o qual receberá como pseudônimo o nome de Bernardo.

Solicitou-se que esse aluno  escolhesse,  entre doze propostas de histórias infantis, a que mais lhe agradasse para  ser  recontada oralmente, atualizando-a aos dias de hoje  aos  demais integrantes do grupo, havendo para tanto não mais do que dois minutos de preparação para  tal  tarefa.  Pediu-se aos demais alunos matriculados na disciplina de Língua Espanhola VIII que anotassem qualquer tipo de  “erro”  ou  “inadequação”  percebido  na  narrativa do colega (nesse dia estavam presentes apenas sete dos dezesseis    alunos,  além do  voluntário).  Para evitar nervosismo  frente  as  anotações dos pares,  pediu-se que o aluno voluntário  se  sentasse de costas para o grupo.   A história  foi  gravada  em  áudio  e  transcrita  posteriormente.  Esses procedimentos dizem respeito ao que chamei  de  “etapa primária” do estudo.

Em um segundo momento, pediu-se que o aluno  escutasse a sua gravação  e  intervindo livremente  na  sua produção,  realizasse  comentários  “confirmativos”   e/ou  “corretivos”  sobre a mesma (essas correções também foram gravadas).  Agrega-se a  essa etapa  um procedimento não  previsto originalmente, em que o próprio aluno e os demais colegas têm acesso à  transcrição  dos  dados  a  fim  de  buscar um  “confronto”  mais  explícito  entre  o  “feito”  e  o  “possível”. Esses procedimentos dizem respeito ao que chamei  de “etapa secundária”.   O acesso  dos  colegas  à transcrição  foi  acrescido à  essa etapa  porque  observou-se que os alunos têm grande dificuldade de se concentrar na forma e no significado ao mesmo tempo, conforme verificou-se  frente  aos dados da etapa primária.  Tal constatação vai  ao  encontro  do  posicionamento de  VanPatten (apud MADEIRA, 2003, p. 108) a esse respeito.

Em uma terceira fase,  solicitei, através do meio virtual (listas internacionais de discussão na Internet),  o  auxílio de “falantes nativos”, entendidos aqui como aqueles nascidos em países onde o espanhol configura como língua oficial, que estivessem dispostos a corrigir como voluntários  a produção do aluno em questão,  através do instrumento  da   transcrição  fornecido  por mim.   Essa  é   a  última  etapa da coleta de dados,  denominada  “etapa terciária”.   Cinco foram as nacionalidades de origem dos voluntários  (Espanha, com 2 participantes – um de Madrid e outro de Barcelona; um  da  Argentina; um do Uruguai; um do Chile  e  um do Peru).   Ainda que inicialmente  tenha restringido a  análise  à  três nacionalidades,  optei  por  ampliá-la  e  fazer  uso  dos dados fornecidos pelos demais voluntários,  pois  não  estariam claros os critérios de  eleição por  um  ou  outro país. 

Para compreensão dos dados, formulei as seguintes questões norteadoras:

-                Quais tipos de “erros” são mais perceptíveis aos colegas (erros de forma ou conteúdo)?

Tal  questionamento tem como propósito a reflexão sobre os efeitos da ação pedagógica efetuada ao longo dos anos que os alunos receberam instrução formal  em  língua espanhola  (no contexto específico, com predominância de atenção  direcionada à forma mais do que  ao significado).

-                                 Há elementos corrigidos pelos colegas que “não”  deveriam sofrer correção?

A questão é introduzida  no  sentido  de  indicar o quão desestabilizante  pode significar  a  saída  do  lugar  próprio  de  enunciação, em que as  fronteiras  do  espaço do outro  acabam  estando  em processo de construção constante.   

-                                 A auto-avaliação posterior do próprio aprendiz proporciona a auto-correção?

Aqui  busca-se verificar  se  a  força  do  retorno  ao  “próprio”  é  significativa  apenas no momento  da  efervescência enunciativa  ou  permanece   no  confronto posterior ao “feito”.

-                                 A  correção feita pelos colegas foi semelhante à  dos  “falantes nativos”?

Proponho a questão não para estabelecer dicotomias desnecessárias,  mas  principalmente para  revisitar  o tema  da avaliação como um elemento interpretativo. Ao perceber  o que lhes  cabe nessa interpretação, os “pares”  e  os  “falantes nativos”  assumirão o papel  que lhes foi  atribuído restringindo  ou  ampliando  o caráter  avaliativo conforme assim  assumirem  esse engajamento.

-         Houve variação entre a correção feita pelos  “falantes  nativos” de diferentes regiões/nacionalidades?

  Tal questão assume  papel de extrema importância  neste  trabalho,  pois  a possibilidade de variabilidade “corretiva”  entre os  “legitimados”  pode ajudar a evidenciar  a  necessidade de   repensarmos teoricamente  a  relevância da relação entre “erro”  e  “acerto”  em  termos  língua  estrangeira.  

As  convenções  das  transcrições  foram  adaptadas por mim com base em  outras  pesquisas  com  uso  de   dados  orais,   a  fim  de atender os objetivos  deste trabalho (ver ANEXO).   O dado primário (ou seja,  a transcrição da história contata pelo aluno)  gerou um texto de 41 linhas,  em   uma  gravação de  duração  aproximada de  6  minutos.  A  história escolhida pelo aluno para ser adaptada aos dias atuais  é  a  dos  três  porquinhos.   

 

4 OLHARES ANALÍTICOS

      Para responder a primeira questão “que tipos de  ´erros´  são  mais perceptíveis aos colegas  (erros de forma  ou  de  conteúdo)?”  construo  um  quadro de referência.  Neste quadro, o nome real dos colegas é substituído por pseudônimos escolhidos por eles:

 

Aluno

“Erros”  de forma

“Erros” de conteúdo

Estrela

13

Nenhum

Rosa

13

2

Natália

12

Nenhum

Rafaela

9

1

Maricota

8

Nenhum

Piti

7

Nenhum

Gabriela

8

1

Sol

2

Nenhum

                                                       QUADRO 1  - Forma x  conteúdo

 

      Não cabe ao escopo deste trabalho a  classificação e descrição exaustiva  das correções realizadas pelos alunos, embora  se  evidencie  a tendência  eminentemente  normativa  do ato corretivo, pois  os  “erros”  de forma  ganham  destaque nessa ação.  Preponderantemente destacam-se as correções feitas  no  âmbito da dimensão formal (representação fonética principalmente)  e  da  dimensão sintática (em especial na relação entre o predicado e os seus complementos).  A  seguir  exemplifico  as  duas situações de maior ocorrência corretiva por parte dos alunos:

 

Linha 9 :   Prático  (foi corrigido por   “Práctico”  pela maioria dos colegas).

Linhas 14-15:  (...) a estos dos hermanos no leÆ  gustaba trabajar, sólo leÆ  gustaba tocar...(...)

(ainda que a correção tenha sido realizada pela maioria dos alunos nesse trecho, alguns a fizeram com “sucesso” e outros “não”). 

 

      Quanto aos “erros”  de conteúdo,  apenas dois itens  foram  evidenciados pelos alunos. Sendo um deles comum a  três alunos avaliadores:  na  linha  15  aparece inicialmente o indicativo da palavra  “viejo”, imediatamente substituída  por  “mayor”  pelo  narrador.  Os colegas, frente a  incerteza do significado da  palavra  “mayor”  para o contexto exemplificado,  preferem manter o vocábulo  “viejo”,   pois essa parece garantir  a  “propriedade” que lhes é conhecida,  diminuindo  os  riscos  do  deslocamento, o qual aqui  parece  revelar-se  desnecessário.

      Na verdade,  frente as incertezas dos  matizes  da  palavra  “mayor”  em espanhol  (adequada para o contexto utilizado, mas inútil  na correspondência   à  língua  materna), o vocábulo  “viejo”  assume  o  espaço  do  “possível”  para os seus avaliadores, ignorando o caráter pejorativo  que possa adquirir   tal  palavra em ambas as línguas.  

      Frente  aos  dados  referentes  à  correção dos  colegas,  permito-me  fazer duas considerações  que considero pertinentes:  1ª)  o  aluno  narrador,  voluntário  entre  o  grupo na tarefa de contar  a  história,  Bernardo, é  reconhecido  entre  os pares como  um  aluno “bem  sucedido”  em  língua espanhola, com  reduzida interferência  no plano fonético  e  com facilidade para assumir a “musicalidade”  da  língua,  aquilo que Revuz (1998, p. 222) explica como a capacidade de “jogar de modo diferente com a acentuação, com sons, ritmos e entoações”. Esse parece ser um dado importante na  reduzida  intervenção corretiva  dos colegas (já que muitos não se consideram tão bem sucedidos como  Bernardo).  2ª)  o  engajamento  dos  colegas   na   atividade  corretiva  não foi o esperado para atender os objetivos da pesquisa,  principalmente na etapa primária, em  que  houve  predominância de atenção ao conteúdo em detrimento da forma,  a qual  pode  ser  percebida pelos comentários posteriores e expressões  faciais  dos colegas  durante o ato da narração.      

      Dirigindo-me agora para a segunda questão “há elementos corrigidos pelos colegas que não deveriam sofrer correção?”.   Os  dados  indicam que sim.   Nota-se por parte dos colegas (principalmente de posse das transcrições – etapa secundária)  uma  intolerância  às formulações auto-corrigidas  por  Bernardo,  ou  seja,  aquelas  primeiras  formulações que começam  a  ser  enunciadas  e  rapidamente são substituídas por  outras (em geral adequadas).   Elementos  próprios da expressão oral  (comuns  também  quando se está enunciado em língua materna)  são  acionados  pelos  pares  avaliadores  como  equívocos.

      Essa intolerância  merece  a   seguinte  consideração:    as  inúmeras  auto-correções de Bernando   põem   em   evidência   o  fato  de que  a  tentativa  de deslocamento  não  ocorre  sem  conflito,  ou  seja,  ainda  que  o  aluno seja  capaz  de  produzir  uma  narrativa  oral  com   “eficiência”,  os  saberes  “próprios”  tornados  impróprios na  enunciação  em língua estrangeira  põem  em  destaque  a  identidade de  aprendiz  em  suas  produções incertas  e  fluidas  em  busca  constante da retratação  do   “erro”.  Nesse jogo  de banimento, os  pares  corretores    acabam  por  querer  eliminar  quaisquer  resquício que ameace a  “eficiência”   do  aprendiz.                       

      Passando para a próxima questão,  “a  auto-avaliação posterior do aprendiz proporciona a auto-correção?”,   o  conjunto dos dados aponta  para  um efeito auto-corretivo superior ao realizado pelos pares, havendo indícios de maior reflexão metalingüística  frente  ao  conteúdo  dos enunciados produzidos ao longo da narrativa.  A auto-correção do aluno, em alguns momentos, parece dar conta  de  que este possui conhecimento de certas rotinas próprias do uso da língua estrangeira  que acabam não sendo usadas no decorrer de sua narrativa,  denunciadas pela sua própria correção ou não-confirmação de suas eleições (principalmente no campo lexical).  Exemplifico abaixo algumas situações:

 

Linha 4:  todos  les  guste.   (na correção oral,  substituído por  “les guste a todos”)

Linha 19:  dúvida frente ao uso do vocábulo  “inventivo”

Linha 22:  esos  hermanos  era, ãhã, ãhã, eran (3”)  sie/>siempre< (na correção oral, substitui o tempo de pausa e  os  “ãhã”  por   “este”)

Linha 28: dúvida frente ao uso do verbo “adentrar”

Linha 29: dúvida frente ao uso do verbo “derrubar”

Linha 32:  substituiu  a  palavra  “defesa”  por   “defensa”

Linha 37:  dúvida frente ao uso de “esconderijo”

  

Além das correções realizadas acima,  o  aluno também  deu  conta de correções feitas no plano da dimensão sintática e formal  (preponderantes na correção dos pares) e ainda realizou uma correção no plano da dimensão morfológica, quando na linha 16 corrigiu  “es”  por  “era”.  Entre todas as correções efetuadas pelo aluno,  que não cabem aqui serem analisadas,  merece destaque  à   realizada  na linha 22. 

 Diante da correção da linha 22, o aluno  demonstra saber  que há por trás da aprendizagem da língua estrangeira  outros elementos que não só  a  base lingüística.  Quando  Bernardo  reconhece que  o   “ãhã”  e   o  silêncio  exercem  um  papel  de  organizadores  de  seu  discurso   e  que   em  alguma  das  variedades do  espanhol   esse  papel   pode  ser  exercido pelo “este”  o que está  sendo  confrontado não  é  apenas a língua,  mas  a  própria   condição  identitária  de  falante  de  língua  portuguesa  enunciando em língua estrangeira.   

A pergunta  da  próxima questão  é  “a correção  dos colegas foi semelhante a dos falantes nativos?”  merece  a  seguinte consideração:  no que diz  respeito  à  intolerância  aos  elementos     auto-corrigidos   no  ato  da enunciação  sim.   Nenhum dos seis corretores “falantes nativos”  deixou  de  corrigir  alguma  (se não todas)  as  auto-correções  que    haviam  sido  feitas  pelo  próprio  narrador.

 Com relação aos outros elementos,  as  principais   diferenças  entre  as correções  realizadas  pelos  pares  e a dos “falantes nativos”   dizem   respeito  aos  seguintes  elementos:  a) os  “falantes nativos”  observaram  os   “erros”   com  ênfase  nas  relações  sintagmáticas,  não  como  estruturas  isoladas gramaticalmente  como  os  “pares”;  b) além das variações na  “forma” que foram evidenciadas pelos  “falantes nativos”  em   número  bastante superior  ao dos “pares”, também  houve  por  parte  dos  primeiros  maior  incidência  corretiva  no plano do “conteúdo”.    

Passo agora  a discutir  a  última questão: “houve  variação  entre  a correção  dos  “falantes nativos”  de  diferentes  regiões/nacionalidade?”.   A  resposta  é  sim, não só nos elementos corrigidos, mas também na própria natureza do “erro”.  Com base  nessa  afirmativa  proponho  uma  reflexão  baseada  nos dados corretivos e também nos comentários  dos  avaliadores “nativos”:

Antes   de   contrapor  as  avaliações   considero  oportuno mencionar  a  profissão de cada avaliador,  pois,  de  alguma  forma,  essas  identidades  profissionais  podem  denotar  quais  as  concepções  de  língua   de  cada  um   e  quais  efeitos  essas  concepções podem  gerar  na   interpretação-correção  da  narrativa  em  questão: Pedro[1], o espanhol madrilenho,  é músico;  Rita,  a espanhola  barcelonesa,   é professora de espanhol como segunda língua;  Marcela,  a  uruguaia,   é  lingüista e tradutora;   Felipe, o  peruano,   é   lingüista   e  professor  de  espanhol como língua materna;   Daniela,  a  argentina,  é  psicopedagoga;   e   Julio,  o chileno,  é  professor  de  espanhol  como língua estrangeira.  

Para começar,   no  final  da  linha  1,  o  uso  de  “e”  é  mencionado  pelos  seis avaliadores,  embora  haja  distinção na  explicação  utilizada  para  justificar  a  origem desse uso (ou simplesmente a sua correção):   

 

Pedro

Acha que o uso do “e” é derivado da influência da língua materna, em que a forma correspondente é “é”

Rita

Acha que houve  aspiração do “s”

Marcela

Simplesmente acrescentou o “s”

Felipe

Acha que houve  elisão do “s”

Daniela

Simplesmente acrescentou o “s”

Julio

Simplesmente acrescentou o “s”

                                                      QUADRO 2 – Correções na linha 1

 

A interpretação dos  três avaliadores que  buscaram  justificar a  natureza do “erro” foi diversa  e  joga  um  papel  fundamental   se  queremos  entender  a  inter-relação entre  línguas/variedades  diferentes  como  manifestações  identitárias  que extrapolam  o plano da intencionalidade.   Para  os  dois  corretores que classificaram  o  “e”  como  manifestação típica da língua oral  em  suas variedades respectivas (Rita e Felipe),  esse uso  parece  não  gerar  a  mesma  idéia  de “ausência”  ou  “deficiência”  que  exerce  se tomarmos como parâmetro a   correção  de  Pedro.   Cabe ressaltar que a esse respeito, o  narrador se auto-corrigiu optando por  “sea”  en  lugar  de “es”,  o  que vem a alterar o valor semântico de tal opção  em  função da   troca  entre  indicativo  e subjuntivo.   

Merece ser  observada    a    correção  frente  ao   uso  de  “pa´  que”  na  linha  3.  Ainda que todos os avaliadores tenham  mencionado  esse  uso,  as   considerações avaliativas  a  respeito de sua  natureza  foram  divergentes. Enquanto  Marcela, Daniela e Rita se restringiram a apenas substituir  “pa”  por  “para”,   Julio  atribuiu  julgamento  ao afirmar que a segunda opção é  “melhor”   do que a primeira.     Felipe, como no primeiro exemplo,  reconhece  o fenômeno como  comum  na   fala  em  língua espanhola, bem como o  faz  Pedro,  embora,  como  Julio, Pedro também emita  julgamentos de valor  a  respeito desse uso.   Transcrevo abaixo  na  íntegra os comentários de Pedro a esse respeito, em que se manifesta a  concepção normativa de língua  desse  “avaliador”:

    “pa´ que” es una expresión incorrecta cuando se escribe aunque es usual en la cadena hablada y muchos castellano hablantes la utilizamos a menudo. No lo considero un error grave si es que se trata de una prueba oral, aunque siempre hay que tender a una perfección en el lenguaje, por supuesto.

 

             O  próximo uso que merece  ser  considerado  é  a  opção  do  narrador  por  “cerditos”  em correspondência a  “porquinhos”  em  português.  Entre os seis corretores, apenas  Marcela  menciona  a  inadequação desse uso para o contexto em que foi utilizado, pois  justifica  que  na  variedade  uruguaia  ele  estaria  inadequado.  Abaixo, transcrevo a sua justificativa  na  íntegra:

                                   En mi variedad, “cerdo” es lo que se come o lo que se cría. Por ejemplo: “Su religión no le permite comer cerdo” o “Por acá hay mal olor porque hay muchos criaderos de cerdos”. La forma simpática de llamarle al animal, cuando es chiquito, es “chanchito”, por eso, es la historia de los “tres chanchitos” o decimos, cariñosamente, “ese bebé tan rollizo parece un chanchito, dan ganas de comérselo”. “Chancho” se usa de manera negativa, pero suave, para decirle a un niño que tiene modales inaceptables en la mesa. “Cerdo” lo usamos como sinónimo de asqueroso, es muy negativo.

 

               Sobre as  considerações de Marcela,   encontro  pertinente  trazer  à  baila  as  reflexões de Orlandi (2002, p. 23), em que a autora menciona o jogo que se produz na tentativa de  determinar sob a mesma  “identidade”  aquilo que significa diferentemente, pois línguas determinadas pela  legitimidade como  iguais,  “se marcam por se historicizarem de maneiras totalmente distintas em suas relações com a história da formação dos países”.   O  valor  atribuído  por  Marcela  à   palavra  “cerdo”  parece  fazer parte desse  desencontro  visto na superficialidade   simplesmente como   semântico. 

  Do ponto de vista pedagógico  e, mais ainda,  corretivo,  o que exemplos dessa categoria nos informam?  Semelhante  as  reflexões da Garcez (2000, p. 512), considero que a educação lingüística em língua estrangeira  precisa  libertar-se  das amarras de evidenciar uma variedade   (por exemplo,  a variedade madrilenha, no caso do ensino de espanhol) e  silenciar ou secundarizar as demais para enfim  “desenvolver noções mais refinadas sobre a diversidade  e relatividade sociolingüística”.   Apesar de haver um movimento de abertura  neste sentido nos últimos anos,  essa  ocorre  mais  em termos de “tolerância”  do que de  “convívio  real”, o  que  denota  a  assimetria  de  tal  relação.        Outro uso corrigido pelos  6  avaliadores  em  que  houve  divergências  foi  “adentrar a la casa”, na   linha  28.  Daniela, Rita  e  Pedro corrigiram  por   “entrar  en”.  Julio  e Marcela  por  “a  entrar  a  la”   e   Felipe  apenas  salientou  o   uso  como  próprio  da  “fala  vulgar”.    Essa  consideração de  Filipe  sobre o uso do  verbo “adentrar”  foi  complementada com  a  seguinte  explicação  do  corretor:

He escuchado en el habla "vulgar", digamos en la calle, en población sin mucha "educación" las formas "dentrar" y en menor aparición "adentrar". No podría afirmarte con precisión hasta qué punto pueda haber sustituido a "entrar" pero sí he decir que está muy generalizado, no solo en Lima, sino en muchas partes del Perú. Aunque, como repito no tengo muchos datos a la mano, por ahora te mando esta información sobre el castellano amazónico peruano (aunque yo no diría que este fenómeno sea solamente propio de este castellano y que de aquí se haya distribuido a otra zonas).  En el habla cuidada o culta, "dentrar" o "adentrar" prácticamente no existe.

 

 

              As  explicações  de Filipe  podem   ser  analisadas  à  luz  daquilo que muitos lingüistas têm denominado de “preconceito lingüístico”.  Os termos  aplicados nesse trecho  se  apresentam  como denotadores  ideológicos  que  apontam  a diferença como “patologia, erro, vício, etc.” (FIORIN, 2002, p. 23).  Filipe reconhece   a  inaceitabilidade  da palavra  “vulgar”,  insustentável   em  termos  de descrição lingüística,  expressa intencionalmente  entre  aspas,  mas  ao  trazer  a emergência  da dicotomia  “vulgar”  e “culto”,  torna-se  funcionalmente  legitimado  para  definir  “quem  pertence e quem não pertence a um grupo social, ou quem merece ou não pertencer”  (GARCEZ & ZILLES, 2002, p. 50).      

              Na linha 29,  outro verbo  torna-se  conflitivo  na  comparação  entre  as  seis  correções realizadas, o  uso  de  “derrubar”. Ainda que  quatro dos corretores  haja corrigido esse verbo  por  “derrumbar”,  Rita  e  Marcela  o  fizeram  de maneiras  diferentes.   A  primeira   opta  por  “derribar”  e   a  segunda  “a  tirar  la puerta  abajo”,  informando que em sua  variedade  se  “derrumba”  uma   casa  ou   edifício,  não  uma  porta.       

            A  palavra  “monitoramento”,  usada  na  linha  34,   também  figura  como  ponto  de  dispersão  na  correção  dos   seis  avaliadores,  pois  um  deles  não  a   corrigiu  (Daniela)  e  os  demais   a  corregiram  de forma  divergente:   Marcela  e  Julio  mudaram  para  “monitoreo”,  Felipe por  “monitero”,  Rita  por  “monitorización”  ou   “monitorizando constantemente”   e   Pedro  por  “constantemente monitorizado”.   Observando  esses  dados,  é  possível  abrir  o  olhar   para   a   funcionalidade  díspar  sistematizada  pelas  correções,  vistas   aqui   não   como   absolutas,  mas   como   espaços   “possíveis”   de manifestações de sentidos.

            Na  linha  37,  a  palavra  “esconderijo”  é  alvo de divergência,  embora  com  menos variação de possibilidades avaliativas que a palavra  anterior.   Quatro  dos  corretores (Pedro, Rita, Felipe  e  Daniela)  a  corrigiram  por   “escondrijo”   e   Marcela  e  Julio  por   “escondite”.   

               O uso de  “pegar”  na  linha 39  também  é  motivo   de  instabilidade  nas  correções realizadas, pois  embora se registre   em  espanhol a ocorrência desse verbo,  parece,  para  alguns  corretores,  não  exercer a  mesma  função  semântica  que  o  narrador  pretende  dar   ao  seu  uso  no contexto  em  questão.   As  opções  dos  corretores   para  essa situação são  exemplificadas  no  quadro  a  seguir:

Pedro

Substitui  a maior  parte  do enunciado e evita o uso de verbo correspondente:  “intenta lograr su propósito”.

Rita

Substitui  por  “golpear”

Marcela

Substitui  por  “atrapar”

Felipe

Acrescenta o pronome  “pegarles a  los...”

Daniela

Mantém  “pegar”

Julio

Diz  não  entender  o uso  do verbo “pegar”  e  não faz  correção alguma.

                                                      QUADRO 3 –  “Pegar” (efeitos semânticos)

As manifestações  dos  corretores  frente  a   opção  do narrador  parecem  incidir  mais sobre  a  interpretação  dos  mesmos  a  respeito  do  que   o   lobo   pretenderia  fazer com  os  porquinhos  se  conseguisse    alcançá-los  do  que  propriamente  taxar  o  uso  do  Bernardo   como  “impróprio”   na   língua  espanhola.  A  estratégia de Pedro  parece indicar isso,  pois  não    uma  garantia  sobre  as  intenções  do  lobo, por  isso  a  sua opção   pela   evitação.    O verbo  “pegar”  em  português   permite  desdobramentos  semânticos  diferenciados  das  possibilidades de uso desse  verbo  em  espanhol,  gerando  essa   avaliação  polissêmica, derivada  das   visões de mundo e realidades sócio-culturais diferentes  dos corretores.        

As demais correções realizadas, ainda que interessantes, não serão aqui analisadas pela delimitação do espaço e  porque  pelos  exemplos    mencionados,  pode-se  refletir sobre as questões propostas na  pesquisa.    Abaixo  cito  alguns  comentários  globais  espontâneos escritos por  alguns  corretores  (a menção pluralizada nos comentários de Daniela e Felipe  se  explica  pela  correção  de duas histórias, sendo que apenas a primeira é  referente ao  corpus  analisado  neste artigo):

Daniela:

(Antes de saber a idade do narrador)

¿Cuál es la edad de los chicos? Porque tienen una manera de narrar muy parecida a los nativos de 8 o 9 años. Lo hacen muy bien. Si precisas de otro tipo de corrección por favor me dices y me mandas de nuevo el documento original. Hay muchos giros que usan cuando van narrando que son comunes en chicos de escuela primaria. Usan mucho el _entonces_, por ejemplo. Lo que hice es corregir para dejarlo aproximado a lo que sería de un nativo argentino.

 

(Depois de saber a idade do narrador)

 (...) es muy interesante cómo, adultos, cuando aprenden una lengua extranjera, hacen un camino parecido al que hacen los niños cuando construyen su lenguaje y narran historias.

 

     Julio: 

La historia me parece bastante lógica y clara. Creo que hay una cierto manejo en el uso del imperfecto para relatar una historia. Aparentemente el portugués es muy similar al español en muchas estructuras, eso permite menos errores. En mi caso, con hablantes de inglés la historia de los cerdos sería un desastre..

 

    Felipe:

         La impresión que tengo de los alumnos es que deben tener unos 10 a 12 años. Tienen un nivel de versatilidad y creatividad lingüística desarrollados, aunque el código que manejan es todavía limitado. Pueden haber muchos paralelismos con los niños hispanohablantes de estas latitudes en la forma de expresión, la diferencia estribaría en que sus alumnos aun no utilizan recursos y giros (o modismos) lingüísticos propios del castellano (lógicamente, dado el contexto). En el habla coloquial de niños de esa edad (y de muchos adultos) abundan espresiones explicativas tipo "para eso", "para esto", "este", "bueno", " y así", etc.

 

 

     Essas avaliações  sintetizadas  dos  três  avaliadores podem  indicar   quais  os parâmetros gerais  elencados  quando  se   produz  uma  atividade  corretiva,  ou  seja,  no caso  de  Daniela  e Felipe  parece  que  o  paralelismo  realizado para contrapor  os  alunos  de  espanhol  como  língua  estrangeira  são  as  crianças  nativas  de seus respectivos países (Argentina  e Peru).    Julio,  professor  de espanhol  como língua estrangeira  na  Austrália,   utiliza  como  parâmetro   os   falantes  de inglês   aprendendo espanhol.   Para  “Daniela”   e  “Felipe”  o  status  de  “nativo (a)”  é  acionado  em detrimento da  manifestação de outras fatias  identitárias  possíveis,  enquanto Julio se assume  menos  como   “nativo”  e mais como  professor de espanhol  para  falantes de inglês.   Assumir  esses posicionamentos  -  ou  pelo  menos   compreendê-los  -  também  é  uma  tarefa  necessária, mas  no  mínimo  desconfortável   quando se trata  de correção,  embora  nem sempre  esse fato  seja  levado  em  conta.       

 

 

5 OLHARES  FINALIZADORES

            Os  processos postos  em  cena   pelos  diferentes  sujeitos  investigados me permitem refletir sobre algumas questões não conclusiva, mas  retoricamente:  quando avaliamos nossos  alunos  em  pleno processo de  tentativa  de “deslocamento - em direção à diferença”   estamos  interpretando  suas  práticas  a  partir  de  que  olhares?  Olhares tolerantes?  Olhares preconceituosos?  Olhares  elitistas?  Olhares simplificadores?  Olhares  rotuladores?  Olhares  compreensivos?   Olhares destrutivos?  Quê  olhares?

                Estamos inseridos  ainda  em  nossos  espaços  institucionais  sob  a  determinação de paradigmas  desmantelados  pelo  tempo  e  pela  emergência  dos  saberes  periféricos, nascidos  da  insatisfação  advinda  das determinações  entre  o que se pode  e o que não se pode,  o  que  se deve  e  o que  não  se  deve  fazer.  A  correção/avaliação,  um dos mecanismos de  exercício de poder,  ainda   “inabalável”  entre  tantos  outros processos em  franca  descendência,  merece  ser  entendida  como responsável, muitas vezes,  pela  produção  reducionista  do  fazer  lingüístico,    que  em  seu  nome  outros  “possíveis” são  relegados  em  razão de um  “possível”  apenas. 

                Quanto aos resultados,    a  correção  dos colegas   indica  que  o  tratamento da forma tem  ganhado  destaque  frente  à  compreensão  do  significado,  embora  o desenvolvimento desses itens  tenha  sido  trabalhado  de  maneira que pretende  inter-relacioná-los.   Diante  disso,  é  viável   rever,  na   prática  em  sala  de  aula,  se essa inter-relação  é   suficiente  ou  permanece  no plano  da  intenção por parte da professora (no caso, eu).

   a  auto-correção   (ou pelo  menos  a  incerteza de Bernardo  frente  as  suas eleições)   acaba  realizando  um  movimento de  coincidência  com  as  correções  feitas  pelos  seis  avaliadores  “nativos”,  principalmente   as  realizadas na dimensão  sintagmática (não exemplificadas aqui)  e  na  dimensão  lexical.   Diante  disso,   não  estaria  mal  afirmar  que  o  “deslocamento- em direção à diferença”  de  Bernardo  é,  em  termos  gerais,  mais  produtivo que o  de  seus  pares. 

               Para finalizar,  em  relação  à  correção  dos falantes  “nativos”,  as posições  enunciativas divergentes (nem todas expostas aqui)  põem  sob   rasura  qualquer   intento de  considerar  a  correção  como   ato  neutro,  livre  da  intervenção  de múltiplos  cruzamentos  identitários de seus  avaliadores  e, portanto,  inegavelmente  atravessada  pelas diferentes  possibilidades  de conceber  a  língua,  a  aprendizagem  e  a  natureza  de ambas.                    

REFERENCIAS  BIBLIOGRÁFICAS:

CORACINI, Maria José.  Apresentação.  In: ______(org.).  Identidade & Discurso. Campinas/Chapecó: Editora da Unicamp/Argos, 2003.

FIORIN, José  Luiz.  Os  Aldrovandos Cantagalos  e o preconceito lingüístico.  In: SILVA, Fábio Lopes da Silva & MOURA, Heronides Maurílio de Melo (orgs.).  O direito à fala: a questão do preconceito lingüístico.  2 ed. rev. Florianópolis: Insular, 2002, p. 23-38. 

FONSECA, Ana Silvia Andreu.  Quando os ‘erros’  não  são    ´erros´:  por  uma visão discursiva da produção oral  de aprendizes  de português – segunda língua.  Fragmentos, n. 22, p. 101-116,  Florianópolis, jan-jun. 2002. 

GARCEZ, Pedro M. Cultura invisível e variação cultural  na  fala-em-interação social: o que os educadores da linguagem têm a ver com isso. In: INDURSKY, Freda  &  CAMPOS, Maria do Carmo (orgs.).  Discurso, memória, identidade. Porto Alegre: Sagra Luzzato, 2000, p. 495-516.

______& ZILLES, Ana M.S. Estrangeirismos: empréstimo ou ameaça? In: SILVA, Fábio Lopes da Silva & MOURA, Heronides Maurílio de Melo (orgs.).  O direito à fala: a questão do preconceito lingüístico.  2 ed. rev. Florianópolis: Insular, 2002, p. 39-52. 

______, SCHLATTER, M;  SCARAMUCCI, M. V.R.  O  papel  da interação na pesquisa sobre aquisição e uso da língua estrangeira: implicações para o ensino e para a avaliação. Letras de Hoje, Porto Alegre, v. 39,  n. 3, p. 345-378, setembro, 2004.

LECLERQ, H. ,  MORALES, G., SCHERER, A.  Palavras de intervalo no decorrer da vida ou por uma polítcia imaginária da identidade e da linguagem.  In: CORACINI, M. J. (org.). Identidade & Discurso. Campinas/Chapecó: Editora da Unicamp/Argos, 2003, p. 23-26.

MADEIRA, Fábio.  O  ensino da forma – retomada a discussão entre os pesquisadores da área de aquisição de língua estrangeira.  Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, v. 41, p. 105-117,  jan-jun. 2003.

MING, André.  Os signos do outro:  a  experiência  lingüístico-cultural  da  alteridade.  Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, v. 42, p. 95-16, jul-dez. 2003.  

ORLANDI, Eni P. Língua e conhecimento lingüístico: para uma história das idéias no Brasil.  São Paulo: Cortez, 2002.

REVUZ, Christine.  A língua estrangeira  entre o desejo do outro lugar  e  o risco  do exílio. In: SIGNORINI, Inês (org.) Língua(gem) e Identidade.  Campinas/São Paulo: Mercado de Letras/Fapesp, 1998, p. 213-230.

TELLES, João A.  “É  pesquisa, é? Ah, não quero, não, bem!”  Sobre  pesquisa acadêmica e sua relação com a prática do professor de línguas.  Linguagem & Ensino, v. 5, n. 2, 2002, p. 91-116.  

 

 

Convenções:

(2’’) 

Medida em  segundos das  pausas mais  extensas.

(.)

Pausa breve

  : :

 Extensão  de um  som  vocálico

 ejemplo

 Letras ou  palavras  sublinhadas  indicam   ênfase

 /

Truncamento de palavras  ou  desvios   sintáticos

((        ))

Comentário do transcritor

 Ãhã, é, e

 Itálico (som  emitido pelo  aparelho  fonador sem que faça  parte da construção  sintática e/ou  semântica  do  contexto em questão.

>ejemplo<

Quando  se expressa uma  palavra ou  enunciado de forma mais  acelerada que as  palavras  ou   enunciados vizinhos.

 

1  Bueno,  hoy  le / >les<  voy   a  contar  una  historia que me parece que (.) e  de

2 conocimiento de todos, pero ahora yo  le/ >la<  voy a contar de una forma

3 distinta, de una forma más moderna (.) é:: pa´ que (.) todos entiendan, e::, a

4 todos les guste.

5 Era una vez tres cerditos que vivían en una/ >en un<  valle  e:: lejano de la::

6 ciudad.  Ãhã, los tres cerditos vivían tranquilamente  ée:, en  armonía con  la::

7 naturaleza.

8 E:: el primero cerdo se llamaba Cícero;  el  segundo se llamaba Heitor; el tercero

9 se llamaba (.) Prático ((la pronunciación de la “t” se produjo como sonido

10 intermedio entre la  “t” del  español y la  “t” brasileña de la región donde vive el

11 alumno para el contexto en que antecede  la vocal alta “i”)).

12 É::ãhã  a  Cícero le gustaba andar por  la / >por el< valle  tocando su violín, y a

13 Heitor le gustaba salir también por el valle junto con su hermano tocando (.)

14 una flauta.  Y a ellos / a estos dos hermanos no le gustaba trabajar, sólo le

15 gustaba tocar (.) su música y::.  A su hermano más  viej / >mayor< ,

16 Práctico, ãehã, >le gustaba trabajar< . Es un cerdo muy inteligente, un cerdo

17 muy inventivo, por esto, é, llevaba este nombre, y:: a él le gustaba estar

18 siempre (.) creando cosas nuevas, por eso tendría un taller en su casa, un taller

19 de::, >se puede decir<, un taller inventivo ((se ríe)). Y:: Práctico estaba siempre

20 llamando sus hermanos para que  le: >ayudasen< en sus tareas, pero sus

21 hermanos estaban siempre en el valle  tocando sus instrumentos, y entonces,

22 por eso mismo, esos hermanos eran, ãhã, ãhã, eran (3”)  sie / >siempre< 

23 estaban siendo buscados por el lobo:: malo, el lobo estaba siempre buscando

24 esos dos hermanos porque ellos estaban siempre con  é::  la  cabeza  lejos de

25 aquel lugar, estaban siempre tocando  sus / >su<  musiquita,  entonces, un día,

26 el lobo, éh::, llegó a casa de los cerditos e aprovechando que::  estaban

27 durmiendo y::: (( dijo bajito “¿y ahora?” y suspiró)) amenazó que iba, que iba::

28 ãhã, é, adentrar a la casa >iba a adentrar a la casa< ni que fuera por fuerza y

29 dijo que iba  ãhã,  derrubar  la  puerta, pero los hermanos no, >los hermanos

30 no< tuvieron miedo, los hermanos estaban bien protegidos por  una/ >la<

31 última invención de su hermano mayor.

32 Su hermano había creado un sistema de defesa por satéliti,  él (.) te:: él  tecía

33 (.) creado un sistema por  GP / GPS ((dijo la “g” con sonido correspondiente a

34 esa letra en portugués)) que:: estaba en constante monitoramento, entonces

35 así que el lobo se acercaba de la casa, ãhã, un  fort / >un fuerte< é, ã, ãhã,

36 sonido era:: disparado, así que daban (.) ãhã, así que a ellos le daban tiempo

37 para que huyeran de pronto para su esconderijo secreto, entonces cuando el

38 lobo acercóse a la casa, ã, agó, pra tentar / >intentar< su:: /, lograr éxito en su

39 misión de pegar el / >los< cerditos (.) el fuerte sonido disparó y los cerditos

40 tuvieron tiempo de hugir ((dijo la “g” con sonido correspondiente a esa letra en

41 portugués)) / >huir< para su secreto.  Fin.

 

 

 

 

                  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 



[1] Os  nomes  aqui  utilizados são  pseudônimos para preservar a identidade dos sujeitos investigados.