OS
PROVÉRBIOS: Recursos semântico-lexicais
da oralidade
Tadeu Luciano Siqueira Andrade
UNEB – CAMPUS IV
Introdução
O léxico de uma língua é dinâmico, constitui um sistema dificilmente mensurável, de todas as unidades lexicais realizadas e realizáveis, isto é, efetivas ou virtuais, comuns a uma determinada comunidade de falantes. Por ser dinâmico, o léxico, cada dia, apresenta novas unidades lexicais: seja pela criação, pela reinterpretação semântica ou até mesmo pelo desaparecimento de alguns lexemas, pois a língua é formada pela herança passiva e cômoda do passado e pela criação ativa do presente. Essas duas forças norteiam o trabalho da linguagem.[1]
Falar em léxico é falar também em semântica. Acredito que se trata de duas áreas importantes para compreender os fenômenos lingüísticos. A primeira é responsável pelo inventário das palavras de uma língua. A segunda estuda o significado dessas palavras a partir do uso e suas relações de sentido com as outras no contexto. Um dos recursos que formam o léxico de uma língua são os provérbios. Dotados de uma estrutura sintática condensada e adequada aos padrões da língua, os provérbios possuem uma carga semântica que, sinteticamente, diz muitas coisas, constituindo verdadeiros recursos lexicais.
Dessa forma, este trabalho consiste em analisar um corpus de cinco provérbios, partindo de sua variação sintático-lexical na língua portuguesa.
No que se refere à terminologia, os dicionaristas da língua portuguesa não conseguiram estabelecer uma definição para os provérbios, como nos mostra Simon: anexim, aforismo, adágio, ditado, chufa, ditame, ditério, dito, gnoma, máxima entre outros.[2] Seja qual for a definição que quisermos lhe atribuir, vamos encontrá-los presentes na vida das pessoas, como uma sabedoria acumulada das idades, animais e coisas, vida humana, religião, moral e a vida social, a fauna, a flora, a agricultura, a meteorologia, a medicina, os cuidados com a saúde.[3]
Segundo Bernard Pottier (apud Simon. op. cit) , o
provérbio é uma fórmula completa que traduz uma verdade geral e
tradicional, sobretudo, utilizada na língua oral. Tem um peso histórico, instala-se
na língua, donde seu aspecto freqüentemente arcaico no que concerne à sintaxe e
à semântica.
Para Jacques Pineaux, o provérbio é uma forma metafórica, pela qual a sabedoria popular exprime sua experiência de vida. Surgiu pela primeira vez nos textos do século XII.
Defino provérbio como uma expressão lingüística que retrata o fazer e o viver da humanidade. Está inserido na tradição de um povo e pertence-lhe como algo universal, aceito como verdade e como evidência incontestável.[4] Podemos considerar os provérbios como uma lexia textual, uma unidade significante máxima. Estão inscritos no código de nossa memória, fazem parte de nosso acervo cultural, constituem um sistema com estatuto formal que leva a postular, por hipótese, a existência de um domínio semântico independente em um determinado contexto, conforme diz Greimas (apud. Simon).[5]
Coseriu (apud PEREIRA, 1998: 13) considera o provérbio como um discurso repetido, inserindo-o no nível lingüístico do texto. São unidades léxicas, pouco importa o número e a complexibilidade dos elementos constituintes discerníveis.[6]
Os provérbios são expressões formadas pela união de vários
lexemas, há solidariedade lexical entre eles, formando uma unidade semântica e
lexicológica. Representam um verdadeiro manancial na língua de uma comunidade,
principalmente na modalidade oral.
Caracterizando o Provérbio:
No léxico, os provérbios apresentam três características
importantes: Impessoalidade: anônimos,
tradicionais, são usados sempre em terceira pessoa. Apresentam um caráter
generalizado. Quando um provérbio é citado, é marcado por uma expressão
introdutória, (como dizem). Os provérbios são polifônicos. As palavras
não são do falante, mas as da comunidade ou do senso comum que falam por
intermédio dele.[7] Pereira
considera como marcas de
impessoalidade nos provérbios as expressões: [8]
·
Mais vale... que:
Mais vale um pássaro na mão do que dois voando.
·
Antes... que:
Antes pobreza honrada que riqueza roubada.
·
A expressão formada pelos pronomes quem,
tudo:
Quem não pode com o pote não exibe a rodilha
·
A partícula se:
Se queres
bom conselho, consulta o teu travesseiro.
·
Substantivo genérico para pessoas:
O homem prevenido vale por dois.
·
Nome de animais:
Formiga
sabe que folha corta.
·
Nomes de coisas substituindo pessoas:
Águas passadas não movem moinho.
·
Termos
abstratos:
A falta de um boi perde- se uma boiada.
Atemporalidade: os provérbios estão presentes no léxico
principalmente no uso oral desde os tempos mais remotos. Alguns podem ter uma
relação mais direta com determinado período da história, mas seu uso atravessa
gerações e gerações. A sociedade
letrada os considera como retrógrados, arcaicos e contraditórios, mas
seus ensinamentos podem ser refletidos a qualquer momento, como as compilações
de Leroux Lincy – França – século XII, Nunes de Guzman – Espanha – século XVI,
Bento Teixeira e Antonio Delicado – Portugal – século XVII, cujos provérbios
continuam sendo usados.
Universalidade:
muitos dos provérbios são
conhecidos entre os povos de diferentes línguas, por isso não podemos demarcar
a validade de um provérbio para um determinado espaço geográfico. Aos poucos,
conquistam a memória dos povos,
atravessam as mais distantes
regiões, adaptam-se à língua de chegada, como por exemplo o provérbio gato escaldado tem medo de água fria
é falado nas seguintes línguas:
português, francês, inglês, alemão, espanhol e italiano. ( cf. SOUZA. 1999.
137). Magalhães Jr. traduziu para o português esse provérbio das seguintes
línguas: hebraico: Quem foi mordido por uma serpente tem
medo até de uma corda, hindu: Quem
foi queimado por um tição tem medo até
de um vagalume, italiano: Cão
que queimou a língua lambendo cinzas desconfia até da farinha. Ovídio
dizia: Quem uma vez naufragou teme
até as águas tranqüilas.[9]
A sabedoria proverbial não é muito diferente de um país para outro, muitos
provérbios apresentam paralelos diretos em muitas línguas.[10]
Propriedades dos Provérbios
Os provérbios são unidades lexicais, cuja interpretação se
faz no nível do léxico. Apresentam uma estrutura sintática condensada e uma
linguagem metafórica. Albuquerque, fundamentando-se em Burton, cita as
seguintes propriedades do provérbio:[11]
1. Propriedades semânticas:
·
Operam com
aspectos inerentes à vida humana, como trabalho, riqueza, amor, saúde, idade;
·
Dizem
respeito mais a expressões de forma genérica;
·
Advogam
conselhos e dão estratégias;
·
Estabelecem
uma verdade em geral de acordo com o
contexto de uso.
2. Propriedades
sintáticas:
·
Tempo
presente, sugerindo atemporalidade ou inferência a qualquer tempo;
·
Simetria
evidente, paralelismo, estruturas bipartidas;
·
Uso
freqüente de cópulas;
·
Uso
freqüente de pronomes pessoais e substantivos;
·
Uso de
formas no imperativo.
3. Propriedades fonológicas:
·
Freqüente uso de aliterações, assonâncias ou
rima.
4. Propriedades lexicais:
·
Uso de
arcaísmos, mas em caso algum, os provérbios
deixam de ser coloquiais.
Os Provérbios e a oralidade:
Os provérbios são de uso universal. Um provérbio surge em
uma determinada língua, mas não se quer dizer que ele é específico daquela
comunidade lingüística, pois pode se adaptar a outras línguas. Seu uso se dá
com mais freqüência na linguagem oral, sofrendo variações quer seja na
fonética, na morfologia, na sintaxe, na semântica e no léxico, como por exemplo
o provérbio Quem dá aos pobres empresta a Deus. Acredita-se se que este
provérbio tenha sua forma original em Quem dá aos pobres e empresta – adeus.[12]
Do ponto de vista sintático-lexical, os provérbios podem
mudar a sua estrutura ou os lexemas de
acordo com a cultura de cada povo, mas o seu conteúdo semântico é o mesmo, como podemos ver o provérbio:
Pedra que pára
não cria limo.
Pedra movediça
não ajunta musgo
Pedra que muito rola não cria musgo
Pedra que não
rola não cria limo
Pedra roliça
não cria bolor
Pedra roliça
nunca cria bolor.[13]
As mudanças ocorreram na estrutura sintática com a ausência
ou a troca de lexemas, entretanto o
sentido é o mesmo, ou seja, as diferentes versões provam o uso constante desta
imagem tirada da natureza a fim de exprimir uma advertência contra a instabilidade das atitudes do homem
em diversas situações da vida.
Analisando os provérbios
Não existe originalidade nos provérbios. Tudo é migração,
evolução, mutação gradual, os falantes
usam-nos familiarmente. Assim, como não
podia deixar de acontecer, os provérbios vão se modificando, variando ou se adaptando a outras línguas. Consultando
alguns estudos acerca dos provérbios,
selecionamos alguns que mostram tais
mudanças e fazem parte do léxico português, ocorrendo neles algumas
alterações sintático-lexicais, mas o conteúdo semântico permanece:
1.
Nascendo
pra cangalha, não dá pra sela
Variações:
·
Quem nasceu para burro, mal pode chegar a
ginete.[14]
·
Quem nasceu para vintém não chega a tostão.[15]
·
Quem nasceu para dez réis nunca chega a ser
pataca.[16]
·
Quem nasceu
pra ser sofreu não pode ser cardeal.[17]
Significado: Não adianta lutar contra a sorte.
2.
Águas
passadas não movem moinho.
Variações:
·
Com água passada não mói o moinho[18]
·
Com águas passadas não moi o moinho.[19]
·
Água passada não toca monjolo.(sul de Minas
Gerais)
Significado: Aplica-se com referência a
qualquer coisa que já perdeu toda a sua eficácia e seu valor. Deve-se esquecer
o passado que não pode ser mais remediado.[20]
3.
A cavalo dado não se olha o dente.
Variações:
·
A cavalo dado não se abre boca[21]
·
A cavalo dado não se olha a muda.[22]
Significado:
Aquilo que se ganha deve ser acolhido sem reparo ou restrição.
4.
Formiga
sabe que folha rói
Variações:
·
Formiga sabe que roça corta[23]
·
Boi sabe
que cerca arromba.[24]
·
Lagartixa sabe em que pau bate a cabeça[25]
·
Boi sabe
a cerca que fura.[26]
·
Formiga
sabe a roça que come.[27]
No
uso diário, registramos: passarinho que come pedra sabe o cu que tem.
Sentido: A
esperteza de muitos ou o intuito de todos que sabem até onde podem arriscar-se.
5.
Tanto
vai o vaso à fonte que um dia se quebra.
Variações:
·
Tanto vai o rato ao ninho que acaba deixando o
rabo no caminho.[28]
·
Tanto
vai o pote à bica que um dia lá fica.[29]
·
Tanto vai o pote à fonte que um dia lá se
quebra.[30]
·
Tantas vezes vai o pucaro à bica que um dia lá
fica.[31]
·
O pote tanto vai à fonte que um dia lá fica.[32]
Sentido: Adverte
acerca da fragilidade de determinadas ações diante de aventuras de riscos
desmedidos.
Considerações Finais
O léxico de uma língua constitui no
registro do conhecimento do universo. É o inventário dos lexemas de uma língua,
complemento da gramática para o aprendizado dessa língua.
Neste inventário de lexemas, encontramos
os lexemas textuais, isto é, os provérbios que são verdadeira sabedoria em
conserva, passando a fazer parte do
acervo lingüístico da humanidade. Podemos considerar os provérbios de vários
modos, mas com duas áreas de interesse
logo nos deparamos: o conteúdo semântico – o que ser quer dizer e
a forma – o como dizer. A interpretação dos provérbios é um dos mais importantes campos da linguagem que está para ser desbravado.
Considerando a análise dos provérbios citados nesta comunicação, percebemos a necessidade de estudos mais aprofundados na área do léxico e da semântica a partir das lexias textuais presentes em todas as circunstâncias da vida humana.
[1] LAPA. M. Rodrigues. Estilística da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica. 1970. 6. ed.
[2] SIMON, Maria Lúcia Mexias. Para uma estrutura proverbial nas línguas românicas. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro. Faculdade de Letras. 1989. Dissertação de Mestrado em Filologia Românica.
[3] WEITZEL, Antonio Henrique. A Linguagem Popular. In. Boletim da Comissão Mineiro do Folclore. Ano 9, agosto de 1988. n. 12.
[4] ANDRADE, Tadeu Luciano Siqueira. Provérbios Falados no Nordeste: um olhar lingüístico e Histórico. In. Estudos Filológicos em textos Literários. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Letras da UERJ. Anais do V Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. Volume 5. n. 3. ISSN 1519 –8789.
[5] SIMON, Maria Lucia Mexias. op. cit.
[6] PEREIRA, José. Ensaios de Fraseologia, Rio de Janeiro. CIFEFIL/DIALOGRTS. 1998: 13.
[7] OBELKEVICH, James. Provérbios e História social. In BURKE, Peter e PORTER, Roy. (org). História Social da Linguagem.Trad. Álvaro Hattnher. São Paulo: UNESP. 1998. p. 44-81.
[8] PEREIRA, José. Os Provérbios no Dicionário Brasileiro de Fraseologia. In. Artes do Léxico. Rio de Janeiro: UERJ. Cadernos do CNLF. 2000. n. 03. p.27-36.
[9] MAGALHÃES Jr. Raimundo. Dicionário de Provérbios Locuções, Curiosidades verbais, frases feitas, Etimologias Pitorescas, Citações. Rio de Janeiro: Ediouro. S/d. P. 149.
[10] OBELKEVICH, James. op. cit.
[11] ALBUQUERQUE, Maria Helena Trench de. Um exame pragmático do uso de enunciados proverbiais nas interpretações verbais correntes. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1989. Dissertação de Mestrado da área de Filologia Românica.
[12] MORAIS, Lamartine Humor na Literatura. Recife: Governo do Estado de Pernambuco: Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco: fevereiro 1987. p. 204.
[13] MEDEIROS, Valter. Vento Nordeste – ensaio dialetológico. Recife – UFPE – 1970. p. 53.
[14] Provérbio coletado por Mário Lamenza, apud. MEDEIROS, Valter. In “Vento Nordeste” ensaio dialetológico. Recife UFPE. 1970. p. 54-55.
[15] MAGALHÃES Jr. Raimundo. Dicionário de Provérbios, Locuções, Curiosidades verbais, frases feitas, Etimologias Pitorescas, Citações. Rio de Janeiro: Ediouro, s/d. p. 291 – 292.
[16] MAGALHÃES Jr. Raimundo. Ib. ibiden.
[17] MOTA, Leonardo. Adagiário Brasileiro. Belo Horizonte: Editora Itatiaia. 1987. p. 317.
[18] AMARAL, Vasco Botelho. Mistérios e maravilhas da Língua Portuguesa. Porto- Portugal. 1950.
[19] AMARAL, Vasco Botelho. Id. ibiden.
[20] SOUZA, Josué Rodrigues de. Provérbios & Máximas em 7 idiomas. Rio de Janeiro: Lucerna, 1999.
[21] MOTA, Leonardo op. cit. p. 37.
[22] MOTA,
Leonardo id. ibiden
[23] MEDEIROS, Valter op. cit., p. 48.
[24] MEDEIROS, Valter. id. ibiden.
[25] MOTA, Leonardo op. cit., p. 112
[26] MOTA, Leonardo. id. ibiden.
[27] MEDEIROS, Valter. op.cit., p. 112.
[28] VIANNA, Hildegardes. Provérbios curiosos. In A Tarde. Salvador:14/10/1991.
[29] SOUZA, Josué Rodrigues op. cit., p. 124.
[30] AMARAL, Amadeu. Paremiologia. In.Tradições Populares. São Paulo: Hucitec. 1976.p. 269.
[31] AMADEU, Amadeu. id. ibidem.
[32] LYRA, Itaberaba. Já dizia minha avó... ditados populares e provérbios. Salvador: Helvécia, 2003. p. 90.