ORALIDADE: UMA PERSPECTIVA DE ENSINO

 

Sônia Cristina Pavanelli Daros (UNIMEP)

Introdução

As propostas educacionais, influenciadas  pelo prestígio social da escrita, praticamente desconsideraram  o estudo do modo oral no ensino de língua materna. No Brasil,  no final da década de 60, há registros que indicam a preocupação de estudiosos  pelo fato de não existirem descrições precisas sobre o funcionamento da modalidade oral.[1]

O estatuto da oralidade foi alterado com o desenvolvimento de projetos em vários países. Em nosso país, sobretudo nas décadas de 70/80, o Projeto  da Norma Urbana Culta (NURC), ao reunir pesquisadores  com o objetivo de desenvolver estudos da língua falada, acabou proporcionando a sistematização de informações que permitiram identificar a formulação dos textos orais e seus recursos, além de oferecer dados para qualificar a relação existente entre a fala e a escrita.  Tal fato se deu graças à instituição de um corpus, transcrito  e analisado, e a produção de artigos para divulgação dessa pesquisa.

 Rompendo a tradição  que atribuía especificamente aos pedagogos a tarefa de refletir e orientar o  como ensinar, esses pesquisadores, professores ligados ao ensino de língua, também discutiram sobre as questões de ensino da oralidade, fizeram sugestões para a transposição didática dos conteúdos, apresentando projetos de ensino e analisando materiais didáticos.

O impacto das investigações realizadas pelos diferentes projetos nos últimos trinta anos pode ser constatado na incorporação da oralidade nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em 1998. Esse documento que tem por objetivo “constituir-se referência para discussões curriculares[2]   propõe o ensino de língua materna adotando uma abordagem discursiva, o que contempla o ensino das duas modalidades lingüísticas. Atualmente, muitas escolas da rede de ensino público tematizam, em reuniões de planejamento, o ensino do texto oral, sob orientação dos PCNs, assim como as editoras têm investido na elaboração de livros que apresentem o estudo da oralidade em suas unidades.   

Diante desse cenário, a atuação como professora de língua portuguesa no ensino superior possibilitou-me a presença em  situações em que o ensino da oralidade foi incorporado. As observações desses diferentes lugares permitiram-me a organização de dados sobre o assunto. Logo, este texto procura apresentá-los com o objetivo de esboçar uma análise do que eles podem indicar e colaborar com a reflexão sobre o ensino de língua portuguesa que vem se realizando em diferentes lugares acadêmicos.

Os dados se referem à minha experiência docente em dois diferentes cursos de graduação  -  às aulas de Redação e Expressão Oral em  Publicidade e Propaganda no período de 2001 e às  aulas de Estudos de Oralidade em Letras/Licenciatura em Português, em 2004 – e às entrevistas realizadas com professores de Língua Portuguesa da rede pública de ensino em 2003 e 2004.

A disciplina Redação e Expressão Oral é oferecida no primeiro, segundo e terceiro semestres de Publicidade e Propaganda,  cujo currículo está em vigência desde 1979. A disciplina Estudos de Oralidade está alocada no 3º semestre da grade do curso Licenciatura em Letras, Habilitação em Língua Portuguesa, iniciado em 2003, organizado pelas recentes orientações do Conselho de Educação.

Tais lugares configuram-se com características distintivas: o primeiro participa da formação de profissionais liberais que irão interagir com a sociedade através de suas produções publicitárias, influenciando os indivíduos em suas atitudes; o segundo lugar tem como especificidade a formação de professores de língua materna. Como atividade de pesquisa, foi no curso de Publicidade e Propaganda que os primeiros questionamentos ocorreram e   motivaram o desenvolvimento do presente trabalho[3].

A idéia de entrevistar professores surgiu a partir do interesse por averiguar como tem sido a incorporação da oralidade no ensino fundamental e em quais condições está ocorrendo.

 

Aulas de Redação e Expressão Oral no curso de Publicidade e Propaganda

Na grade curricular do curso de Publicidade e Propaganda estão alocadas nos três primeiros semestres as disciplinas Redação e Expressão Oral I, II e III, que têm por objetivo desenvolver habilidades de leitura e produção de textos orais e escritos, ministradas por professores da área de Letras.

Ministrei aulas nesse curso por aproximadamente dez anos e foi na observação dessas aulas que instituí o primeiro locus desta pesquisa. As questões analisadas centram-se nas atividades desenvolvidas nesse curso em 2001, em uma proposta que começou a ser projetada em 1999.

No que diz respeito à oralidade,  no primeiro semestre de 1999, a exposição oral foi instituída como unidade do conteúdo de ensino. Além de sua prática, era orientada a reflexão e análise de seus elementos composicionais, tais como o conteúdo temático, o estilo, a construção, assim como a identificação de seu  sujeito,  de seu interlocutor, das condições de produção e das práticas sociais em que ocorre a produção do gênero. Para isso, foi solicitado que os  alunos preparassem exposições, preferencialmente supondo uma possível situação profissional[4]. Filmagens foram utilizadas como estratégias para o registro e a análise das produções.

Inicialmente,  os alunos entendiam que se trataria de mais uma disciplina da grade curricular em que haveria seminários, como eram chamadas as exposições orais pela maioria dos professores. Em relação a esse uso da exposição oral na escola, Dolz, Schneuwly de Pietro e Zahna (2004, p.216)  fazem a seguinte afirmação:

 

(...) a exposição oral vem de uma longa tradição e é constantemente praticada, muitíssimas vezes isso se dá sem que um verdadeiro trabalho didático tenha sido efetuado, sem que a construção da linguagem expositiva seja objeto de atividades de sala de aula, sem que estratégias concretas de intervenção e procedimentos explícitos de avaliação sejam adotados.

 

  Entretanto, com o desenvolvimento das atividades, logo os alunos reconheciam que a abordagem da exposição oral seria outra, sendo freqüentes os  comentários do tipo: “fazemos essas atividades em outras situações e não nos preocupamos; aqui ficamos tensos, pois precisamos observar como estamos fazendo, como estamos falando etc.” Nas reuniões de planejamento e de avaliação do curso, havia elementos que  permitiam a compreensão de que o então chamado seminário, quando solicitado pelos professores, tinha, de fato,  objetivos distintos daqueles estabelecidos para a disciplina Redação e Expressão Oral. O seminário aparecia em muitos planos de ensino como  um item  de avaliação e não de conteúdo de ensino .[5]

Além da seleção e da análise do gênero como objeto de ensino, outra novidade se apresentava aos alunos: a refacção da exposição oral. Cumpre esclarecer que em outras situações da disciplina em que se solicitava a refacção de textos escritos sempre houve uma reação de estranhamento. Logo, refazer uma produção oral causava um impacto maior sobre eles. Questionamentos ocorriam, mas pouco-a-pouco, os alunos compreendiam que a produção poderia ser reformulada, após a análise  e a orientação para reelaboração. Muitas exposições foram refeitas com sucesso, sendo fato reconhecido tanto pelos participantes/expositores, quanto pelos alunos/público que assistia/m às exposições. As filmagens foram encaminhadas para a Hemeroteca do Laboratório de Comunicação Social, como forma de divulgação das produções. Nisso se resumia o tratamento dado à oralidade nesse  oferecimento da disciplina, alocada no primeiro semestre do curso.

No segundo semestre, mantinha-se  a exposição oral para orientação do uso de recursos audiovisuais, através da análise de seu emprego. Uma nova situação era proposta e, então, os alunos passariam a organizar-se para elaboração de uma segunda apresentação. Nesse momento, os alunos deveriam necessariamente utilizar um recurso audiovisual que pudesse atingir melhor os objetivos da exposição.  A reflexão sobre as condições de uso do recurso permitia que os alunos avaliassem:

·        como, de fato, usaram o recurso;

·        a articulação do recurso com a formulação do texto verbal oral;

·        o impacto/contribuições do uso do recurso;

·        as inadequações do uso.

 As análises sempre começavam com situações hilariantes, em que ocorria um misto de reações. Era fato comum o riso de boa parte dos colegas quando analisávamos, por exemplo,  o momento das exposições em que os alunos liam as anotações sem olhar para a classe ou quando um texto, que deveria ter sido planejado para ser  usado como suporte da fala, era apenas projetado e  lido, sem a realização de um comentário Em seguida, pairava um silêncio profundo, pois eles percebiam que eles próprios também haviam realizado ações semelhantes às do colega. Era dessa forma que os alunos se aproximavam do como tinham formulado seus textos.

O último item do conteúdo[6], que se estendia até o final do terceiro semestre, tinha por objetivo o estudo e a prática de narrativas. O tratamento da oralidade centralizava nos recursos expressivos para oralização de narrativas.

Em 2000, as idéias de Ramos (1997) sobre a incorporação da oralidade permitiram-me refletir sobre a possibilidade de abordar a relação entre a língua falada e a escrita na perspectiva  dos estudos  que têm como principais representantes Fávero (1999), Marcuschi (1999), Koch (1993,1997) e Castilho(1998).

Elaborei, portanto, uma proposta que  constava da escuta de textos orais produzidos pelos próprios alunos e da seleção de algumas categorias para análise, tais como a ordem das frases, a sintaxe e o léxico.

Constatei que os alunos observavam suas produções com interesse e atenção e que as refacções passaram a ficar mais interessantes do que as realizadas pelas turmas anteriores, faltava, contudo, algum procedimento que permitisse aos alunos ‘dar um salto’ em suas reelaborações: estabeleci, então, no ano seguinte, um programa  apresentando dentre seus objetivos, a identificação dos elementos da formulação do texto oral, tais como tópico discursivo, o turno conversacional, os marcadores conversacionais, a ocorrência da repetição, os procedimentos de correção e de paráfrase, o contexto situacional e a interação.

Para análise desses elementos, estabeleci a escuta dos textos  produzidos oralmente pelos alunos na exposição oral e de gêneros radiofônicos como entrevistas, comentários e notícias. Ao transcrever os textos,  os alunos iniciavam a observação de alguns elementos, pois para seu registro era  necessária a manipulação do texto com repetidas escutas. Transcrito, o texto era, então, analisado. Depois de realizarem esse procedimento algumas vezes com a minha ajuda, solicitei  aos alunos que  selecionassem um texto  para análise de sua formulação, fundamentada nas teorias estudadas em sala de aula.  Essa análise passaria a ser  tema para a elaboração de uma exposição oral. Estudava-se, portanto, ao  menos tempo dois gêneros: o selecionado pelos alunos e a exposição oral. Em 2001, organizados em grupos, os alunos apresentaram trabalhos[7] em que  analisavam a formulação dos seguintes  gêneros: propagandas televisivas e radiofônicas;  diálogos de novelas e desenhos animados; entrevista  televisiva e radiofônica; comentário esportivo apresentado em programa televisivo.

 

Análise e conclusões preliminares

As exposições orais tinham como objetivo realizar a análise da formulação do texto oral  referenciada pelos  conceitos teóricos tratados em sala de aula. Era possível o reconhecimento do tópico discursivo, do funcionamento dos pares conversacionais, dos procedimentos da formulação textual on line, da articulação textual, do planejamento ou não do texto, da adequação de registros.

 Os gêneros selecionados pelos alunos não sofreram minha intervenção. A análise dessa seleção revela que os textos apresentam características muito diferentes no que diz respeito à formulação. Por outro lado, vale destacar que os alunos  estabeleceram textos  que lhes interessavam e eram por eles observados no cotidiano. A análise desses textos permitiu-lhes identificar, além dos pontos acima expostos,  produções realizadas mediante um roteiro, gravadas em estúdios que podem contar com diversas reformulações; a força dos recursos lingüísticos para proporcionar aos textos a possibilidade de imitar, ao máximo, as conversas realizadas nas diferentes situações sociais, tais como as dos desenhos ou das novelas; as características dos textos produzidos para o rádio ou para a televisão. A identificação de todos esses elementos já era uma descoberta interessante e produtiva para os alunos em suas próximas produções textuais.

 Embora os alunos apresentassem dificuldades para fazerem uso de um referencial teórico, havia um esforço grande para que as análises fossem realizadas mediante algum escopo teórico,  e era notável que eles começavam a conceber as relações entre a teoria e a prática,  ‘descobrindo’  que o ‘como se fala’ não se separa ‘do que se fala’.

A conclusão de um dos trabalhos apresentados oferece um indício para a análise/reflexão/avaliação do que foi desenvolvido:

Concluo que através da análise feita neste trabalho, fica comprovada a utilização consciente das regras da oralidade, pelo produto das falas dos personagens. E com isto prova, que para ser um bom publicitário o domínio destas técnicas é essencial para a produção de campanhas publicitárias.

 

Em uma primeira leitura, essa conclusão pode causar certo desânimo, pois a oralidade está concebida através de técnicas. Pelo exposto em sala de aula, a dificuldade do aluno pode estar centrada até mesmo na utilização do termo para expressar a organização dos textos falados. Contudo, é possível reconhecer duas questões:

·        O que se tomou para análise foi a idéia da língua em funcionamento (a fala dos personagens);

·         A descoberta de que conhecer  a língua em funcionamento na modalidade oral pode permitir ao futuro profissional – no caso o Publicitário – exercer melhor sua profissão.

 Enquanto os alunos realizavam atividades de transcrição e análise textual, apresentando-as através de uma exposição oral e de um trabalho escrito de conclusão de disciplina, era notável que aos poucos os alunos refletiam e  manuseavam ambas modalidades lingüísticas. O desempenho dos alunos alterava-se e ainda que eles não conseguissem expressivos avanços, suas produções não eram mais as mesmas. O que mudou? o trabalho com a língua em funcionamento.

 

Estudos de Oralidade no curso de Letras

O segundo lugar de observação das atividades desenvolvidas sobre/com a modalidade oral é  o curso de Letras – Licenciatura Português –no oferecimento da disciplina Estudos de Oralidade, oferecida no 3º semestre, no ano de 2004.

Embora a experiência no curso de Publicidade e Propaganda ofereça subsídios para a organização da disciplina no Curso de Letras, os objetivos do estudo da oralidade nesse lugar são diferentes, por se tratar da formação  de professores de língua materna, além do fato de alunos de cursos de licenciatura apresentarem perfil bastante distinto daqueles que optam por Publicidade e Propaganda.

Na grade curricular do curso de Letras, a disciplina é antecedida por outras que estudam os conceitos de linguagem, de língua, de variação, dentre outros. Acrescenta-se, também, o fato de a disciplina Prática de Leitura e Produção de Texto ser oferecida ao longo do curso, o que possibilita aos alunos mais familiaridade com o texto. Ainda que os alunos já conheçam uma bibliografia que lhes permita situar os estudos de oralidade, a turma de Letras conserva algo em comum com as turmas de Publicidade e Propaganda: o perfil das escolas freqüentadas até então. Ou seja, o fato de todos aqueles alunos terem passado por escolas em que a escrita sempre foi privilegiada e o ensino da língua materna se resumiu ao estudo da gramática normativa. O estranhamento das atividades com o texto oral também ocorreu nessa turma, com um pouco menos de intensidade do que o apresentado pelos alunos de Publicidade e Propaganda.

A disciplina Estudos de Oralidade apresenta objetivos e conteúdo em seu plano de ensino, amparados pela Análise da Conversação, pela Lingüística Textual, pelos estudos sobre Interação. As atividades nessa disciplina são organizadas através da escuta, transcrição, análise de textos; da leitura e da discussão de textos teóricos sobre o assunto em pauta; de atividades de retextualização que permitem uma reflexão sobre a formulação dos textos. Reserva-se  tempo, também, para a reflexão, na perspectiva cultural, sobre o uso da oralidade nas práticas sociais em diferentes momentos da história  do homem e sobre a relação entre a oralidade e as práticas de leitura e escrita nas sociedades letradas.

Depois da escuta, transcrição e análise dos textos  e da orientação das atividades de retextualização, os alunos indicaram um gênero oral para procederem à transcrição, à análise e à transformação para a modalidade escrita (retextualização). Os alunos selecionaram entrevistas, debates e programas radiofônicos com a participação de ouvintes. Os alunos produziram ensaios (dentro das condições possíveis por se tratar de 3º semestre do Curso) em que apresentaram suas análises.

 

 Análise e conclusões preliminares

Ao solicitar a seleção de diferentes gêneros textuais para observação, os alunos ouviram rádio - emissoras AM e FM - e assistiram à televisão com ‘lentes’ e ‘ouvidos’ diferentes daqueles que tradicionalmente usavam. Houve, no entanto, textos gravados  que os alunos não se perceberam tratar de textos escritos  e oralizados, tal como o programa A Voz do Brasil, jornal apresentado diariamente em cadeia radiofônica nacional, às 19h00. Nessa turma, contudo, houve uma incidência muito pequena de textos com essa característica quando comparada com a ocorrência nas turmas de Publicidade e Propaganda.

As análises dos textos me permitiram não somente observar que os alunos  já reconhecem os processos de formulação dos textos orais  - como no curso de Publicidade - mas também que eles assimilaram a teoria para respaldar a compreensão, a identificação,  a descrição e análise das produções orais, qualificando-os para a futura atuação profissional no processo de ensino  da língua materna.

Os alunos procuraram se informar como se dão as condições de produção, por exemplo, do texto veiculado em meio radiofônico, através de visitas a Rádios e de literatura específica sobre o assunto, o que de certa forma conferiu-lhes  mais familiaridade em relação a essa produção.

Outro aspecto bastante marcante foi a preocupação com o suporte do texto e a identificação de interlocutores. Ao propor a retextualização, os alunos sentiram grande necessidade de conhecer com mais detalhes os novos suportes que seriam utilizados para os textos que passariam por processo de transformação. Então, por exemplo, análise de revistas como a Veja, tornou-se procedimento rotineiro entre os alunos, pois foi necessário olhar para a revista não mais com ‘olhos de leitores comuns’, mas com a curiosidade que permitiria o desenvolvimento de uma investigação sobre o planejamento da revista para que eles pudessem compreender como publicariam uma entrevista que fora realizada oralmente, por que o gênero entrevista está presente nessa revista etc.

 

A entrevista com professores

A observação da oralidade nesses diferentes lugares nos cursos de graduação levou-me ao interesse por investigar como tem sido o processo de incorporação da oralidade em escolas de Ensino Fundamental. Por essa razão, resolvi entrevistar professores para identificar como tem sido concebido o ensino da oralidade nesse nível, se há projetos sobre esse assunto em desenvolvimento, quais são as reais condições de uso dos aparelhos disponíveis nas escolas, tais como rádio, gravador, tv, vídeos, como tem sido o debate do ensino da oralidade em reuniões de planejamento.

Em 2003 e 2004, entrevistei quatro professores licenciados em Letras – Português/Inglês, todos atuando na rede pública , com diferentes tempos de atuação (25, 15, 10 e 5 anos).

Em síntese, essas entrevistas revelam que há um fosso muito grande entre o que vem sendo formulado na Universidade e as referências dos professores. A começar pelo que concebem como linguagem, nenhum deles conseguiu falar de um lugar teórico, nem ao menos identificar como uma  opção teórica orienta a docência. Não houve referência ao conceito de língua em uma perspectiva discursiva. Os conceitos de gênero e  de tipologia são ainda muito confusos ou ausentes, e o que se constata sobre a concepção de oralidade é  uma influência do que vem sendo debatido nas escolas (nos HTPCs,  nas reuniões de planejamento, nos cursos de atualização) sobre os PCNs e uma disposição – sim – uma grande disposição desses professores (que se observa através de atividades desenvolvidas intuitivamente) para conhecer, de fato,  essa área de estudo, capacitarem-se e elaborarem propostas que contemplem também o estudo da oralidade, permitindo que a escola cumpra melhor sua tarefa de ensinar a língua  materna.

 

Considerações finais

O ensino da oralidade permite o estudo das diferentes situações sócio-comunicativas em que os indivíduos atuam, ora falando ou escrevendo, ora falando e escrevendo; permite também observar a língua em funcionamento. A organização desse ensino pode ocorrer sendo orientada pelo estudo das relações entre fala e escrita e pelo conceito de gênero textual. Os dados apresentados também indicam que os alunos ficam mais motivados, mais dispostos a estudar a língua materna quando constatam que o estudo da oralidade permite-lhes participar mais ativamente no processo de aprendizagem.  Nesse sentido, a oralidade se torna uma perspectiva bastante interessante para o ensino de língua materna.

Quanto  à formação docente que permite conceber o ensino de textos orais, cabe às instituições de ensino superior refletir e indicar quais subáreas da lingüística podem contribuir para que os futuros docentes possam ter fundamentos para conceber as relações entre fala e escrita não dicotomicamente, mas como um continuum e avaliar como o conceito de gênero textual pode organizar o estudo da oralidade. Em relação aos professores que foram formados em currículos orientados por visões teóricas mais antigas, os cursos de atualização, desde que se constituam como nova oportunidade de estudo para os professores, poderão certamente capacitá-los para reelaborar o ensino de língua materna, reavaliando suas propostas pedagógicas e/ou elaborando outras com autonomia. Para isto, cumpre que os cursos que vêm sendo oferecidos, sobretudo para os professores lotados na rede pública, não se configurem como cursos de implantação de propostas de documentos, como por exemplo dos Parâmetros Curriculares Nacionais. Para isso, considero imprescindível que sejam oferecidos cursos em que se possibilitem a esses professores  - insisto - a oportunidade de voltar a estudar para que eles se atualizem conhecendo as inovações  - e produzindo também inovações – nos estudos lingüísticos.

 

Referências bibliográficas

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RAMOS, J. M. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo: Martins Fontes, 1997.



[1] Conferir Mattoso Câmara Jr., J.  Problemas de Lingüística Descritiva. Petrópolis: Vozes, 1969 (data  da Advertência do autor), p. 11.

[2] Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998, p. 13.

[3] Os dados apresentados nesse texto constituem informações parciais do Projeto de Doutorado desenvolvido no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Metodista de Piracicaba.

[4] Algumas solicitações pautavam-se, por exemplo, na seguinte situação: “Uma empresa X contratará sua agência para produção de campanha publicitária. Você tem a tarefa  de levantar dados para subsidiar os profissionais que se envolverão na produção da campanha. Logo, você deverá   ir até a empresa e informar-se sobre o produto a ser divulgado, sobre a imagem da empresa, sobre questões que não seriam interessantes divulgar sobre a empresa. Em seguida, você deverá fazer uma exposição oral  para a equipe da agência e entregar as informações também por escrito.

[5] Outros  dois instrumentos de avaliação bastante praticados: provas e trabalhos escritos.

[6] Na presente exposição, essa unidade da disciplina não foi selecionado para análise.

[7] Totalizando 61 alunos.