A RELAÇÃO FALA/ESCRITA EM UM GÊNERO HÍBRIDO: A PROPAGANDA VIRTUAL

                                                                       

Simone Dália de Gusmão Aranha - UFPB [1]

 

            Durante muito tempo, os princípios norteadores da Lingüística Clássica fundamentaram-se em uma concepção imanentista da linguagem, herança do Estruturalismo Saussureano. Tais princípios sempre privilegiaram o aspecto formal e estrutural da linguagem, conseqüentemente, a língua, nessa perspectiva, permaneceu concebida como algo estanque, ideal, monológico e homogêneo.

            No século XX, o objeto de estudo da Lingüística foi redimensionado e os questionamentos sobre linguagem atingiram um panorama diferente. Ora, se a linguagem é produzida por membros participantes de uma dada sociedade, se é fruto das tentativas desses homens produzirem sentido no mundo em que estão inseridos, como a linguagem pode ser analisada separadamente desta mesma sociedade em que ela se constitui?

Partindo dessa premissa, muitos pesquisadores se impuseram àquela postura de Saussure do privilégio ao sistema formal da língua, em que, embora considerasse a língua como um fato social, levava em conta somente a sua materialidade verbal, desprezando um fato essencial na sua produção de sentidos: a situação concreta de comunicação. Então, tornou-se necessário reconhecer que não mais se sustenta a dicotomia langue-parole; para estudar a língua em toda sua plenitude é preciso também estudar a fala, buscando compreender como as unidades lingüísticas funcionam nas conversações - a expressão verbal mais natural de todo ser humano. É nesse contexto que surgem várias correntes teóricas - Análise da Conversação, Análise do Discurso, Etnolingüística, Etnografia da Fala, Pragmática, Semântica Argumentativa,  Sociolingüística - entre outras, defendendo a importância de abordagem da língua vinculada ao seu contexto lingüístico real, ao seu uso efetivo.

            Entre essas correntes lingüísticas contemporâneas, elegemos, para este artigo, como arcabouço teórico a Sociolingüística. Tal área de pesquisa, por abranger pesquisadores de distintos campos de saber das Ciências Sociais, apresenta caráter interdisciplinar e as suas pesquisas visam, particularmente, estudar a interação do fenômeno da linguagem no seu contexto social, observando, detidamente, os papéis que os participantes dessa sociedade ocupam nessa interação.

As pesquisas sociolingüísticas também confirmam que a língua vai além do sistema de signos com regras lingüísticas pré-estabelecidas o qual possibilita a comunicação entre os homens, porque ela se constitui um ato social de interação. O vínculo da língua com a exterioridade revela a sua força como locus de ideologia, uma vez que o processo de construção e re(des)construção de significados é concretizado na prática social, condizente à forma com que cada indivíduo interpreta e participa do mundo. Assim, a interação verbal é identificada como uma ação coletiva, cuja responsabilidade da conquista dos sentidos está representada pela parceria e não somente por um dos participantes do evento comunicativo: a palavra de alguém sempre se dirige a um “outro” mesmo que este seja imaginário.

Vários estudiosos renomados poderíamos elencar para corroborar a crença na concepção de linguagem como interação verbal (e social), entretanto, escolhemos uma referência clássica no âmbito desses estudos: Bakhtin. Buscando enaltecer a natureza real da linguagem como fenômeno da sociedade, ele (1999, p.123) registra:

 

a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua.

 

Respaldados, pois, nesse referencial teórico, o presente estudo objetiva investigar como se configura a interação em propagandas mediadas pela internet, considerando a relação entre a fala e a escrita na esfera digital. Por se tratar de um gênero híbrido, esse tipo de propaganda utiliza, simultaneamente, recursos perceptíveis tanto pela audição quanto pela visão. Entretanto, mesmo nos reportando a um gênero, em que se destaca a não-presença, in loco, do interlocutor, as suas particularidades não impedem que seja revelada uma espécie de simulação do diálogo em um espaço, a priori, de “escrita”.

Nesse sentido, pretendemos, mais especificamente, analisar a presença de características típicas de uma situação face a face, tais como, a recorrência de orações interrogativas - uma vez que esse tipo de oração é responsável por um alto grau de envolvimento entre o anunciante e o seu futuro consumidor - e uma espécie de dialogismo - recurso decisivo para o estabelecimento da interação - na propaganda do espaço virtual. Com essa finalidade, selecionamos propagandas coletadas em sites da mídia eletrônica[2], tais como Terra, Uol, Msn, e Aol.

 

 

 

BAKHTIN: A TEORIA DOS GÊNEROS, A NOÇÃO DE INTERAÇÃO VERBAL E DE DESTINATÁRIO

           

Conforme Bakhtin (1992, p.279), “todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua”. Tal utilização é efetuada em forma de enunciados (orais e escritos), refletindo as condições específicas e as finalidades da esfera social a que pertencem. Esta, por sua vez, “elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados”, denominados de gêneros do discurso.

Em razão da variedade funcional das inúmeras atividades humanas no âmbito social, os gêneros discursivos apresentam-se heterogêneos, oscilando desde a situação verbal cotidiana (o diálogo) até a tese científica. Nesse contexto, seguindo uma esfera social específica, os gêneros apresentam características temáticas, composicionais e estilísticas próprias.

            Bakhtin (idem, p.285) alerta sobre a importância de se tomar como parâmetro uma diferença fundamental existente entre os gêneros de discursos, qual seja a de que os gêneros se dividem em primários (simples) e secundários (complexos); estes últimos ocorrem “em circunstâncias de uma comunicação cultural mais complexa e relativamente mais evoluída, principalmente escrita: artística, científica, sociopolítica (ou ideológica), e os primeiros, constituem-se “em circunstâncias de uma comunicação verbal espontânea”, e se tornam componentes dos gêneros secundários, isto é, “transformam-se dentro destes e adquirem uma característica particular”, gerando uma diversidade de gêneros de enunciados, heterogêneos entre si. Daí a dificuldade de definir o caráter genérico do enunciado, pois os gêneros são marcados pelas particularidades de diferentes esferas da práxis humana. Haverá gêneros mais formalizados, estereotipados, como os do tipo boletim policial, requerimento, declaração, ata, circular, ofício e outros, e gêneros mais maleáveis, que não exigem necessariamente uma forma estrutural padronizada, como é o caso dos gêneros da comunicação verbal oral espontânea e da literatura.

Nos dias atuais, devido à rápida e contínua evolução da tecnologia computadorizada, surge uma nova esfera social de comunicação: a digital. Marcuschi (2002a, p.1), ao refletir sobre “as características de um conjunto de gêneros textuais que estão emergindo no contexto da tecnologia digital”, afirma que, embora não sejam “muitos os gêneros emergentes nessa tecnologia, nem totalmente inéditos”, estes “sequer se consolidaram e já provocam polêmicas quanto à natureza e proporção de seu impacto na linguagem e na vida social”. Para ele, esse fato se concretiza “porque o ambiente virtual é extremamente versátil e hoje compete, em importância, nas atividades comunicativas, ao lado do papel e do som”.

No âmbito da natureza enunciativa dos gêneros digitais, percebemos que se empregam mais semioses do que usualmente observamos em outros, tendo em vista a natureza do meio publicitário, que prima pela sedução imediata tanto pelos aspectos audiovisuais, como também pelos lingüísticos. Assim, monitorado por muita criatividade e técnica, o gênero virtual se caracteriza pelo uso de imagens em movimento (animações, fotos, ícones, símbolos, etc.), de uma infinidade de tipos de fontes, de cores e de sons (músicas, vozes, ruídos etc.).

Devido ao seu acentuado caráter persuasivo, a mídia recorre a mecanismos retóricos, deixando penetrar na composição dos seus anúncios, vestígios de um discurso bastante interativo. No caso específico da estrutura organizacional da propaganda eletrônica, notamos que esta explora com êxito esses mecanismos, e por ser um gênero híbrido, tanto no que se refere à forma quanto aos usos, apresenta características peculiares. Através de uma brevidade espantosa, há em jogo todo um trabalho técnico em torno da linguagem.

            Ao abordar sobre a identidade dos gêneros híbridos e a sua relação com o uso da linguagem, Marcuschi (2002a, p. 21) afirma que esse hibridismo “desafia as relações entre oralidade e escrita e inviabiliza de forma definitiva a velha visão dicotômica ainda presente em muitos manuais de ensino de língua”.

            Durante muito tempo, o estudo da língua falada e da língua escrita baseou-se em um quadro restrito em que predominava o paradigma teórico da análise imanente ao código lingüístico. Essa abordagem contrastante apresenta um modelo rigoroso em que se considera a fala como algo completamente informal e a escrita como completamente formal. Isso se dá porque a língua falada é incorporada, de maneira espontânea, em situações corriqueiras; já a língua escrita caracteriza-se por ser apreendida via contextos mais formais, como a escola.

            Nessa perspectiva, a função clássica da língua falada se restringe aos contatos orais da sociedade, por sua vez, a língua escrita limita-se aos registros de informações: a fala é um artefato natural e a escrita um fato histórico. A escrita torna-se, então, através de sua forma padrão (reconhecida como um modelo) um bem cultural indispensável à sociedade, e, em função disto, há uma supervalorização desta em detrimento do oral, privilegiando os falantes escolarizados, ditos “letrados”, em relação àqueles que não têm acesso à educação institucionalizada.

            Posteriormente, houve um avanço nos estudos lingüísticos que provocou uma revisão nesta distinção língua falada versus língua escrita. Nos últimos anos, as pesquisas têm demonstrado que essas modalidades não se constituem em pólos antagônicos, elas não se opõem intrinsecamente. Alguns estudiosos como Marcuschi (2001, p.42) procuram analisar as influências da fala sobre a escrita e vice e versa, defendendo que é possível ocorrer, nos eventos comunicativos, uma mescla de ações orais com atividades escritas, e que o critério básico para análise dessa relação deve estar fundamentado em um continuum dos gêneros textuais, evitando um quadro dicotômico comparativo:

 

O contínuo dos gêneros textuais distingue e correlaciona os textos de cada modalidade (fala e escrita) quanto às estratégias de formulação que determinam o contínuo das características que produzem as variações das estruturas textuais-discursivas, seleções lexicais, estilo, grau de formalidade etc., que se dão num contínuo de variações, surgindo daí semelhanças e diferenças ao longo de contínuos sobrepostos.

 

Podemos perceber esse fato, quando “visitamos” um site e nos deparamos com um universo de significação; vislumbramos, simultaneamente, num só espaço, várias formas de expressão. No ambiente virtual, a linguagem escrita interage com uma infinidade de elementos semiológicos, encadeando o discurso propagandístico para a sedução.

Na visão de Bakhtin (1992), a comunicação verbal real e viva é o diálogo. Quando dialogamos com alguém, esperamos sempre a compreensão do que enunciamos e essa compreensão se concretiza pela resposta dada, pelo parceiro, ao que proferimos. Embora esta seja uma característica do gênero primário, é possível verificar essa alternância de sujeitos em variações dos gêneros secundários do discurso. Apesar de não existir de fato um diálogo, uma relação real entre sujeitos falantes, em que ocorre a troca de turno e a manutenção do fluxo conversacional, nos gêneros complexos se estabelece uma espécie de demarcação virtual da presença do outro, na superfície do enunciado. De acordo com esse autor (idem, p.295), a simulação de uma comunicação verbal oral acontece, sobretudo, nos gêneros retóricos:

 

Observa-se de fato que, nos limites de um enunciado, o locutor (ou o escritor) formula perguntas, responde-as, opõe objeções que ele mesmo refuta, etc. Porém esses fenômenos não são mais que a simulação convencional da comunicação verbal e dos gêneros primários do discurso. É um jogo característico dos gêneros retóricos (que incluem certos modos de vulgarização científica); aliás, todos os gêneros secundários (nas artes e nas ciências) incorporam diversamente os gêneros primários do discurso na construção do enunciado, assim como a relação existente entre estes (os quais se transformam, em maior ou menor grau, devido à ausência de uma alternância dos sujeitos falantes).

 

Todo discurso, seja oral ou escrito, irá sempre se estruturar conforme o gênero discursivo que se integra e esse gênero atuará como instrumento mediador dos objetivos do enunciador. No caso específico do discurso escrito, para poder recuperar o processo ativo pergunta/resposta do discurso falado, é necessário o uso de estratégias lingüísticas que expressem uma suposta comunicação. Dependendo, então, da tipologia do discurso, haverá uma maior ou menor preocupação quanto a esse aspecto. Assim, no discurso escrito torna-se imprescindível uma elaboração cuidadosa do querer dizer do enunciador, do intuito discursivo do anunciante, uma vez que esse intuito conduz o fio argumentativo do enunciado, a sua amplitude, as suas fronteiras (cf. Bakhtin, idem.).

De modo geral, a mídia impressa, para atingir o intuito discursivo do anunciante, recorre a alguns mecanismos discursivos, que deixam penetrar na sua composição vestígios de uma suposta dialogização. Da mesma forma, a propaganda virtual também foge às formas padronizadas da escrita, convencionalmente, exigidas nos textos escritos pelo rigor do uso da linguagem normatizada, mostrando-se bastante livre e sagaz no seu processo de criação. Nesse sentido, com bastante freqüência, essa mídia retrata o gênero falado-dialogado, notando-se um enfraquecimento do princípio monológico, que muitos consideravam ser característica típica da modalidade escrita.

Ao refletir sobre a constituição e o funcionamento dos gêneros, Bakhtin (1992, p. 290) ainda lamenta persistir, no âmbito da lingüística, funções tais como o ouvinte e o receptor (os parceiros do locutor), pois “tais funções dão uma imagem totalmente distorcida do processo complexo da comunicação verbal”, já que não correspondem aos protagonistas reais da comunicação verbal. No seu entender, a função primordial da atividade verbal é a interação entre os parceiros. Esse fato leva o autor a afirmar que os estudos mais arcaicos sobre funções da linguagem “resumem-se à expressão do universo individual do locutor (...), e quando o papel do outro é levado em consideração, é como um destinatário passivo que se limita a compreender o locutor”, e não um interlocutor ativo, participante atuante da comunicação verbal (idem, p.289).

Considerando o caráter interlocutivo da linguagem, da essência fundamentalmente dialógica da comunicação verbal, cuja presença do outro se torna um elemento intrínseco a qualquer discurso, é que ele teoriza a noção de destinatário. Na sua visão, o índice substancial do enunciado é o fato de dirigir-se a alguém, de estar voltado para o destinatário. Vejamos, na íntegra, as suas próprias palavras:

 

Ter um destinatário, dirigir-se a alguém, é uma particularidade constitutiva do enunciado, sem a qual não há, e não poderia haver, enunciado. As diversas formas típicas de dirigir-se a alguém e as diversas concepções típicas do destinatário são as particularidades constitutivas que determinam a diversidade dos gêneros do discurso (idem, 325).

 

De acordo com esse autor, existem dois tipos de destinatário, a saber: o segundo e o superdestinatário. O segundo é aquele destinatário que o autor da produção verbal espera e presume uma compreensão responsiva, podendo “ser mais ou menos próximo, concreto, percebido com maior ou menor consciência”. Já o superdestinatário concerne àquele destinatário que “o autor do enunciado, de modo mais ou menos inconsciente, pressupõe um superdestinatário superior (o terceiro), cuja compreensão responsiva absolutamente exata é pressuposta seja num espaço metafísico, seja num tempo histórico afastado” (idem, p. 356). Sendo assim, para persuadir o seu leitor (e futuro consumidor) na adesão ao produto ou à idéia que estão sendo comercializados, a propaganda virtual deve tentar, ao máximo, estabelecer um vínculo de envolvimento com esse “outro”, mesmo que ele seja uma espécie de um outro não concretizado.

Face ao exposto, parece claro que a natureza do gênero interfere, decisivamente, na relação enunciador/destinatário e na influência deste último sobre o discurso que se enuncia. Em outras palavras, a relação anunciante/interlocutor virtual depende das condições de produção do discurso, e, no caso, o gênero retórico híbrido em estudo tende a abrigar características discursivas tanto da modalidade oral como da modalidade escrita da língua.

 

 

ESTRATÉGIAS DE INTERAÇÃO NA PROPAGANDA ELETRÔNICA

 

Apesar do universo eletrônico utilizar diversos recursos para estabelecer o jogo virtual de interação comunicativa, notamos que se manifesta, sobretudo, por intermédio de duas estratégias lingüísticas imbatíveis - o ESTILO DO COLÓQUIO e o PRINCÍPIO ATIVO PERGUNTA/RESPOSTA  -  e é a partir delas que procederemos à análise.

 

O ESTILO DO COLÓQUIO

 

Como já mencionamos anteriormente, por tradição, os estudos lingüísticos se baseiam em um quadro dicotômico, cujo modelo rigoroso de análise considera a língua falada como algo completamente informal e a língua escrita como inteiramente formal. Entretanto, com o avanço desses estudos, constatou-se que tanto a manifestação da fala como da escrita se concretiza em um contínuo de variações de uso. Portanto, as semelhanças e diferenças entre essas duas modalidades da língua decorrerão das situações particulares em que elas estão sendo usadas: quem está usando, a quem está se dirigindo e com que finalidade. 

 Partindo desse princípio, Koch (1997, p. 32) assinala que “existem certos textos escritos que se situam, no contínuo, mais próximos ao pólo da fala conversacional”, podendo-se constatar uma inter-relação de características do discurso informal em enunciados da modalidade escrita. De forma geral, é justamente isso que ocorre no meio propagandístico, e a propaganda eletrônica não foge às convenções, pois expressa, na composição dos seus enunciados, vestígios de dialogização. Almejando interagir com o leitor, o anunciante de propagandas virtuais tenta estabelecer um vínculo de envolvimento, utilizando, predominantemente, períodos curtos, composto por orações simples ou coordenadas, mecanismo organizador da conversação espontânea e gírias, linguagem típica das situações mais informais de comunicação. Vejamos essa constatação nas propagandas seguintes, que se assemelham a partir de um ponto em comum: o estilo do colóquio.

 

a) “Já fez a sua fezinha? Não fique de fora, pode ser hoje o seu dia de ganhar. Clique aqui! Terra Intersena.”

 

b) “Agora você vai dançar pra valer. Chip dance. Jogue o Chip Dance e me leve para casa. Bradesco. Clique e descubra como.”

 

 

 

 

 

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 


    A                                                                                   B

      

     

A propaganda A apresenta em destaque o questionamento: Já fez a sua fezinha?, no entanto, dada a ausência do interlocutor (já que se trata de um leitor imaginário), para que não haja “descontinuação da troca de turno”, há uma tentativa de prosseguir a conversação. É interessante notar que para preencher a lacuna ocasionada pela não-alternância real dos falantes, o anunciante recorre à forma dialogada, que representa um alto grau de envolvimento do anunciante com o destinatário, ou seja, instaura-se um suposto diálogo tentando engajar o leitor como interlocutor, e, por consegüinte, o enunciado se desenvolve com o leitor “assumindo” o seu lugar no discurso. Para reforçar, a idéia de diálogo, emprega-se um tom mais informal, descomprometido com as normas gramaticais. Quando o anunciante escreve ”Já fez a sua fezinha?”, ele passa empregar um recurso natural da linguagem coloquial: a gíria. A expressão “fazer uma fezinha” significa, na linguagem padrão, acreditar, manter a crença, apostar com fé, com convicção em algo que se deseja concretizar. Nesse sentido, o uso dessa expressão, cuja origem é o vocabulário gírio, faz com que o discurso se torne leve, descontraído, tal qual uma conversa espontânea entre amigos. Essa propaganda é toda construída a partir de um tom muito informal de prosa corriqueira e para conseguir um nível mais elevado de envolvimento com o leitor, nada mais coerente do que usar um estilo de linguagem popular, conferindo ao discurso a entonação expressiva semelhante à dos colóquios. No tocante à propaganda B, esta também segue a linha de construção semelhante à da anterior, no sentido de que é facilmente percebida a utilização da linguagem informal, do estilo do colóquio. Nesse enunciado, também se recorre à gíria (“Agora você vai dançar pra valer”), a expressão “pra valer” passa a exprimir o sentido de dançar de forma verdadeira, em demasia, de maneira animada etc. e confere ao enunciado uma relação de familiaridade, de cumplicidade. Outro mecanismo lingüístico utilizado nessa propaganda para demonstrar a informalidade é o uso do pronome você. A presença da segunda pessoa representa um destinatário “real”; obviamente, trata-se de mais uma estratégia discursiva, pois através do você, o anunciante direciona o seu discurso para alguém fictício que, na verdade, não se encontra in loco, mas age como forte elemento de persuasão. O uso desse artifício traduz uma forma direta de “buscar” o interlocutor, de chegar mais perto desse parceiro imaginário; logo, está implícita uma interlocução e isso faz com que o leitor sinta, naquilo escrito, palavras dirigidas a sua própria pessoa. A marca real (a escrita) de um destinatário possibilita o “fazer agir”; nesse caso, o anunciante estabelece um contrato de confiança com o seu destinatário, suscitando que não haverá dúvidas em relação às qualidades positivas do produto comercializado.

 

 

O PRINCÍPIO ATIVO PERGUNTA/RESPOSTA 

 

Para Bakhtin (1992, p.315), as orações interrogativas muito contribuem “para consolidar as marcas atenuadas da alternância dos sujeitos falantes”. Assim, este tipo de oração é capaz de revelar “o dirigir-se a alguém, a resposta pressuposta, as ressonâncias dialógicas. Segundo esse autor, “este tipo de oração contribui muito para consolidar as ilusões sobre a natureza expressiva da oração” e por sobressaírem “sensivelmente na composição” (...), em princípio, tendem a ser inicial ou final do enunciado” (idem:314).

Ao possibilitarem esse clima de diálogo no interior do enunciado, as orações interrogativas simulam a relação que se estabelece nas réplicas do diálogo (atitude responsiva ativa), fazendo com que haja uma resposta para a compreensão do que foi dito anteriormente. Nesse intercâmbio, surgem as relações de pergunta-resposta, asserção-objeção, afirmação-consentimento, oferecimento-aceitação, ordem-execução, etc. (idem, p. 294). É por essa razão que a estratégia do questionamento se sobressai, enormemente, no gênero em estudo, assinalando a demarcação do discurso do outro; o que podemos observar nas propagandas abaixo:

c)   “Quem não quer? 3 computadores Intel Pentium 4. Clique aqui e cadastre-se!”

 

d)  “Que tal um carrão na sua garagem? Assine Abril.com”

 

e)  “Você não vai ficar sem o que há de melhor na Internet, vai?! Assine UOL. Clique aqui!”

 

C          E

 
 

 

 


                                                                

             

           

 

 

               

 

 

      D

    

Examinando essas propagandas verificamos que elas exploram uma estratégia bastante freqüente no universo da mídia virtual: o princípio ativo pergunta/resposta. A propaganda C oferece a oportunidade de ter 3 computadores Pentium 4 da Intel. Através do “quem não quer?” o anunciante interpela o leitor a não perder a oportunidade de ser o ganhador desse vantajoso prêmio-triplo. Na propaganda D também se utiliza um enunciado dessa natureza “que tal um carrão na sua garagem?”, instigando o leitor a ser assinante da editora Abril.com para poder ganhar aquele “carrão”. Seguindo esse mesmo procedimento, o anunciante da propaganda E pergunta: “Você não vai ficar sem o que há de melhor na Internet, vai?”, conduzindo o leitor a se tornar um futuro usuário do provedor UOL. Considerando esses enunciados, é possível afirmar que existem diálogos estabelecidos, comprovando-se que, embora estejamos nos reportando ao universo virtual, não existe empecilho algum para a condução do fio interativo nessa situação comunicativa. As três propagandas iniciam-se com enunciados interrogativos e embora os interlocutores não se encontrem face a face, o ritmo conversacional é mantido, isto é, quando os questionamentos são proferidos, os outros elementos lingüísticos seguintes são responsáveis pela “fluência” do conteúdo conversacional. Em todas as propagandas, o uso do princípio ativo pergunta/resposta expressa um alto grau interativo, os anunciantes instauram um diálogo imaginário para engajar o leitor como interlocutor, já que é imprescindível para o desenrolar de qualquer diálogo uma contínua sintonia entre os envolvidos. As vantagens do que estão sendo comercializados são confirmadas através do uso dos questionamentos na organização dessas propagandas.

Como últimas palavras, apresentaremos de maneira sucinta, o que constatamos a respeito da interação verbal em propagandas veiculadas pela internet. De fato, a análise dos dados revela que é possível comprovar essa interação, pois apesar da ausência do interlocutor (efetivamente presente), o anunciante sempre o considera real, e essa perfeita sintonia contribui, decisivamente, para despertar-lhe a confiança do leitor, e induzir-lhe ao consumo.

            Vale ressaltar, ainda, que a reflexão feita, neste artigo, constitui uma sumária demonstração, considerando o profícuo campo de análise que o uso da lingua(gem) possibilita a partir do gênero discursivo focalizado e a sua relação com a fala e a escrita.

BIBLIOGRAFIA

 

BAKTHIN, Mikhail (Volochinov). Marxismo e filosofia da linguagem. 9. ed. São Paulo: Hucitec, 1999.

______.  Estética da criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

KOCH, I. G. V. Interferências da Oralidade na Aquisição da Escrita. In: Trabalhos de Lingüística Aplicada. Campinas, (30) : 31-38,  jul/dez,1997.

MARCUSCHI, L. A. Da fala para escrita: atividades de retextualização. São Paulo, Cortez, 2001.

______ .   Gêneros textuais emergentes e atividades lingüísticas no contexto da tecnologia digital. In: 50º GEL/USP, São Paulo, 2002a. (Versão provisória). Disponível em: < http:// www.projetovirtus.com.br > Acesso em: 18 de setembro de 2002.

______ . Gêneros Textuais: definição e funcionalidade In: DIONÍSIO, A. P., MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (orgs) Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002b.

 

 

PROPAGANDAS UTILIZADAS NA ANÁLISE

 

PROPAGANDA A: Propaganda eletrônica disponível em: < http//www.terra.com.br >. Acesso em 06 de agosto de 2003.

PROPAGANDA B: Propaganda eletrônica disponível em: < http//www.terra.com.br >. Acesso em 11 de outubro de 2003.

PROPAGANDA C: Propaganda eletrônica disponível em: < http//www.msn.com.br >. Acesso em: 21 de junho de 2003.

PROPAGANDA D: Propaganda eletrônica disponível em: < http//www.aol.com.br >. Acesso em: 26 de outubro de 2003.

PROPAGANDA E: Propaganda eletrônica disponível em: < http//www.uol.com.br >. Acesso em 23 de dezembro de 2003.

 

 

 



[1] Este artigo é resultante de reflexões desenvolvidas na disciplina - Introdução aos estudos de interação em sala de aula - em nível de doutoramento, pelo Programa de Pós-graduação em Letras, UFPB/Campus I.

[2] Essa pequena amostra de propagandas é parte integrante de um corpus ampliado, escolhido para a nossa pesquisa de doutorado, na linha de pesquisa Estrutura do Português: uma abordagem semântica, sintática e pragmática.