O desenvolvimento da produção oral de alunos iniciantes de inglês

 

 

Rosely Perez Xavier

Universidade Federal de Santa Catarina

 

 

 

Parece notório que as aulas de língua estrangeira (Inglês) nas escolas públicas e privadas do ensino fundamental e médio no Brasil pouco desenvolvem a proficiência oral dos estudantes. Isso é facilmente constatado pelo grande número de alunos que terminam o ensino básico incapazes de se expressarem satisfatoriamente na língua estrangeira, após, em média, sete anos de estudo. Tal deficiência é resultado, em parte, das concepções de ensino e aprendizagem que os professores possuem a respeito da língua estrangeira neste segmento de ensino, em particular de crenças alimentadas no discurso viciado do fracasso, da impossibilidade e das limitações que povoam a escola, a sala de aula e o sistema de ensino. É o que mostra o estudo de Menegazzo (2003), que traz as vozes de alguns professores de inglês sobre o ser e o seu fazer docente. Com base nesse estudo, alguns professores acreditam que o desenvolvimento da produção oral está determinado pelo número de alunos em sala de aula, isto é, quanto maior o número de alunos, menor as chances de desenvolver sua produção oral na língua estrangeira. (p.69)

Esta crença, um tanto reducionista, parece camuflar outros fatores que influenciam no desenvolvimento oral dos alunos, como o nível de competência comunicativa do professor de língua estrangeira, em particular sua competência estratégica para se comunicar com falantes menos proficientes nessa língua, e os seus princípios teórico-metodológicos, que se materializam sob diversas formas na ação pedagógica e que merecem devida reflexão. Algumas dessas formas podem envolver a prática oral de funções comunicativas por meio de role plays ou diálogos pré-estabelecidos, o provimento de insumo compreensível em sala de aula para gerar amostras de uso comunicativo e/ou ainda o provimento de tarefas orais que possam permitir aos alunos criar sua própria fala, adaptar situações e usar estratégias comunicativas. Para Menegazzo (2003), “são esses e outros princípios do professor que devem ser considerados quando pretendemos desenvolver a construção de fala dos alunos e não, necessariamente, o número de alunos por sala”. (p.69)

            A agenda das pesquisas brasileiras em ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras pouco tem contemplado estudos sobre a proficiência oral dos aprendizes, como é observado no número irrisório de publicações sobre este tópico, de pesquisadores interessados nesta área e de pesquisas sobre o desenvolvimento da produção oral em contextos escolares.

Muito se publica e discute, entretanto, sobre a linguagem como prática social, com seu valor e propósitos comunicativos, o que é importante para a compreensão de ações pedagógicas mais significativas em sala de aula, mas não necessariamente para a compreensão dos processos de aprendizagem ou aquisição de língua estrangeira, que envolvem princípios teóricos relativos aos recursos atencionais sobre a forma (Schmidt, 1994,2001; Skehan, 1998), ao foco incidental ou intencional sobre os vários aspectos lingüísticos (Schmidt, 2001; Dekeyser, 2003), às conexões entre forma e significado na língua estrangeira (VanPatten, 2004), à prática oral de fragmentos da língua, enfim são referenciais teóricos importantes que precisariam ser mais discutidos e pesquisados para uma proposta metodológica para o desenvolvimento da proficiência oral em língua estrangeira no contexto escolar.

Artigos recentes envolvendo a produção oral de alunos brasileiros aprendendo inglês como língua estrangeira dão uma radiografia de como essa produção se materializa em sala de aula (vide D’ely e Mota, 2004) e da tipologia de tarefas orais mais freqüentes em livros didáticos usados no ensino fundamental (5ª a 8ª série) e em outros contextos educativos (vide Mariano, Nakamura e Xavier, a sair). São contribuições para melhor compreender o processo de ensinar língua estrangeira através de tarefas orais. 

Neste trabalho, a perspectiva está sobre a aprendizagem da produção oral e o seu desenvolvimento a partir de um programa de ensino temático baseado em tarefas[1]. Trata-se de um programa que foi elaborado para promover aprendizagem como processo em oposição à aprendizagem “itematizada”, que se caracteriza pela internalização de itens lingüísticos ou funções comunicativas previamente determinados pelo professor. O objetivo foi viabilizar oportunidades de aprendizagem com foco espontâneo sobre a forma gramatical (como resultado da atenção dos alunos para o significado das enunciações em tarefas ou na interação professor e alunos na língua inglesa) e com foco intencional sobre estruturas necessárias para a interação em sala de aula e a realização de tarefas (como a apresentação explícita de falas formulaicas para a comunicação em sala de aula ou de vocabulário solicitado para a expressão oral em situações-problema de comunicação).

Este estudo faz parte de um projeto maior (vide Xavier, 1999) e propõe responder as seguintes perguntas de investigação: Como alunos de 5a série desenvolvem sua produção oral na língua inglesa a partir de experiências de aprendizagem como processo, isto é, voltadas para o conteúdo das interlocuções? Que estratégias eles usam para se comunicarem nessa língua?

 

Aprendizagem como processo

Muito já foi discutido sobre a possível eficácia de programas de ensino que trazem uma especificação prévia do conteúdo a ser ensinado e aprendido (product-oriented syllabuses) (Widdowson, 1978,1979, Allwright, 1984a,b, Breen, 1987, Long & Crookes, 1993). São programas que conduzem professor e alunos a uma visão fragmentada de língua e de aprendizagem, sendo criticados pela maneira como a competência comunicativa é desenvolvida na segunda língua/ língua estrangeira. Ao contrário, os programas de ensino voltados para o processo (process-oriented syllabuses) trazem experiências e oportunidades de aprendizagem por meio da compreensão e produção de língua em contextos de uso comunicativo, possibilitando aos alunos construir e regular sua própria interlíngua, considerando suas estratégias individuais, foco de atenção, personalidade, motivação e interesse.

Nos programas de processo, a aprendizagem é diferenciada para cada aluno, uma vez que cada um aprende ou apreende aquilo que lhe interessa ou aquilo que sua capacidade cognitiva lhe permite. Neste sentido, é a metodologia de ensino[2] ao invés do conteúdo instrucional o foco do trabalho pedagógico do professor, uma vez que são as atividades as responsáveis por maximizarem as oportunidades de aprendizagem.

Essa concepção de aprender está, de certa forma, relacionada ao papel da tarefa no ensino de línguas estrangeiras, que é o de ativar a estrutura cognitiva do aprendiz quando este compreende ou produz significados na língua estrangeira.

Neste estudo, tarefa é definida como "um trabalho de sala de aula que envolve os alunos na compreensão, manipulação, produção ou interação na língua-alvo, enquanto o seu foco de atenção está voltado, principalmente, para o significado ao invés da forma." (Nunan, 1989, p.10)[3]

Na pedagogia por tarefas o conteúdo consiste nas próprias tarefas de aprendizagem que, tradicionalmente, fazem parte do escopo da metodologia. Assim sendo, conteúdo e metodologia fundem-se, ficando difícil distinguir um do outro nesta abordagem de ensinar.

Contrário a essa fusão, Kumaravadivelu (1993) argumenta que o ensino por tarefas é predominantemente voltado para a metodologia; portanto, a distinção entre ela e o conteúdo deve ser mantida, muito embora esses elementos interajam entre si juntamente com outros de um programa de curso. Para o autor (op.cit.), o conteúdo decorre da metodologia utilizada, neste caso, da tarefa. No entanto, o que vai ser aprendido não pode ser definido, pelo menos previamente, devido às diferenças individuais de aprendizagem.

Para este estudo, o conteúdo instrucional consistiu em um conjunto de temas e tópicos que foram desenvolvidos por meio de tarefas. O objetivo foi desenvolver a competência comunicativa de alunos de 5a série na língua inglesa.

Segundo Canale (1983), a competência comunicativa envolve quatro fontes de conhecimento e habilidades: a competência gramatical, que se refere ao conhecimento de vocabulário, regras de formação de palavras e sentenças, semântica, pronúncia e grafia, a competência sociolingüística, que trata das regras de adequação de significados e formas gramaticais em diferentes contextos de comunicação, a competência discursiva, que abrange o conhecimento de combinar formas e significados para a construção de textos coerentes, e a competência estratégica, que envolve o conhecimento de estratégias de comunicação verbal e não-verbal para compensar limitações em uma ou demais áreas da competência comunicativa.

            Para desenvolver competência comunicativa no contexto de 5a série, o programa de ensino proposto contemplou para cada tema/ tópico um conjunto de tarefas de compreensão oral e em leitura, e tarefas orais que exigiram dos alunos turnos mínimos (de uma única palavra), turnos pequenos (de duas ou mais palavras como em frases nominais, adverbiais e verbais), turnos médios (de uma única oração) e turnos auto-sustentados (de mais de uma oração). Além disso, as aulas foram propostas para serem conduzidas na língua inglesa, o que significa que ajustamentos no insumo e na conversação (Long, 1983) foram extensivamente feitos pelas professoras para facilitar a compreensão oral dos alunos nessa língua.

 

Metodologia

O presente estudo contou com a participação de duas turmas de 5a série do ensino fundamental, uma de escola pública e a outra de escola particular do Estado de São Paulo, não com o propósito de comparar os resultados entre si, mas de considerar estudantes com diferentes experiências de vida.

Esses alunos foram submetidos a um ensino temático por tarefas ao longo do ano letivo de 1997. Foram 65 horas-aula para o contexto particular e 81 horas-aula para o contexto público, considerando duas horas-aula semanais de 50 minutos cada uma.

            Siglas como A1, A2, A3, etc serão usadas neste trabalho para distinguir os alunos ao longo da análise dos dados.

 

Os alunos-participantes da pesquisa

Inicialmente todos os alunos responderam a um questionário que visou traçar o seu perfil e suas expectativas quanto às aulas de inglês.

A turma de 5a série da escola particular envolveu 29 alunos com idade média de 11 anos. Aproximadamente 89% desses alunos já tinha estudado inglês em, pelo menos, duas das quatro primeiras séries do ensino fundamental com uma aula semanal. O conteúdo aprendido nessas séries consistiu, basicamente, em vocábulos (ex.: nomes de animais, países, partes do corpo humano), o verbo to be, alguns pronomes pessoais, o alfabeto, números e horas. Houve, ainda, alunos que mencionaram ter aprendido a falar e elaborar pequenos diálogos.

A maioria nunca havia feito curso particular de inglês e o restante afirmou ter feito apenas o nível básico. Os dados também mostraram que apenas um aluno havia viajado para algum país de língua inglesa.

A professora de inglês responsável por esta turma (i.e. P1) participou da pesquisa, implementando o programa de ensino temático por tarefas.

Na turma de 5a série da escola pública, por sua vez, eram 26 alunos com idade entre 11 a 14 anos. A maioria (58.5%) já havia estudado inglês em apenas uma das quatro séries do ensino fundamental com uma aula semanal. A aprendizagem dessa língua limitou-se ao conhecimento lexical (ex.: nomes de animais, frutas, membros da família), alfabeto, números e músicas, da mesma forma que os alunos da escola particular. Apenas dois alunos disseram ter feito ou estar fazendo na época curso particular de inglês, classificando seu nível em básico. Com base nos dados, nenhum aluno disse ter viajado para algum país de língua inglesa.

A responsável por implementar o programa de ensino temático nesta turma foi a pesquisadora (P2), cabendo à professora regular (P3) o papel de observação participante.

Quanto às expectativas dos alunos com relação às aulas de inglês, foi possível concluir que a grande maioria esperava aprender “conhecimentos novos”, “interessantes” e “relevantes”, bem como “falar a língua inglesa”.

 

Procedimentos de coleta

Para registrar e analisar a produção de fala dos alunos participantes, todas as professoras (P1, P2, e P3) foram solicitadas a escrever diários de aula. Para cada aula ministrada/observada, a professora documentava informações sobre as ações pedagógicas, as perguntas, respostas e intervenções dos alunos, e outros relatos que haviam chamado sua atenção.

Os diários de P1 e P2 eram trocados entre si em um encontro semanal para serem lidos ao longo da semana e devolvidos no próximo encontro com ou sem questionamentos ou comentários. Os que apresentavam questionamentos eram respondidos pela autora e entregues no encontro seguinte. O diário de P2 também era trocado com o de P3 no início ou final da aula da semana posterior às aulas ministradas.

Os diários dialogados permitiram uma radiografia sobre a experiência docente e a do colega, a partir das explicações, clarificações e da articulação de problemas encontrados na prática. Este tipo de interação, construída através do discurso escrito, ajudou na análise e interpretação dos dados, pois além dos registros de falas dos alunos, foi possível questionar as professoras quanto às produções obtidas.

Além dos diários dialogados, um total de 18 aulas foram gravadas na turma de P1 (8 em vídeo e 10 em áudio) e 16 aulas na turma de P2 (6 em vídeo e 10 em áudio). As gravações foram realizadas em diferentes momentos ao longo do ano letivo; foram transcritas e as falas dos alunos submetidas a uma análise qualitativa, da mesma forma que as falas coletadas nos diários de aula. A análise foi feita com base nas estratégias de aprendizagem utilizadas pelos alunos e no modelo de competência comunicativa proposto por Canale e Swain (1980) e Canale (1983).

Um questionário de auto-avaliação foi também elaborado para que os alunos pudessem avaliar sua produção oral em inglês em dois momentos do processo: após 40 horas-aula (Fase I) e no final do ano letivo (Fase II). Além disso, P1, P2 e P3 foram convidadas a dar suas impressões sobre a produção oral dos alunos no final do ano letivo, por meio de um questionário.

 

As orientações didático-metodológicas

         Para orientar P1 e P2 na implementação dos temas e das tarefas do material didático, foi necessário a elaboração de um manual com sugestões metodológicas sobre como abordar as instruções, negociar o significado de algumas falas para torná-las mais compreensíveis aos alunos, introduzir o insumo das tarefas e corrigi-las.

Perguntas orais em inglês também foram fornecidas para serem endereçadas à classe e assim possibilitar uma interação mais engajada nessa língua (ex.: Where's English spoken?; What word suggests ‘world’ in the song?, What kind of film do you like?).

Além do manual, foi proposto o uso de um “cartaz permanente” que, como o nome já sugere, ficaria permanentemente afixado em sala de aula, em local visível para toda a classe, com um conjunto de expressões rotineiras e padronizadas[4] para atender a determinadas necessidades comunicativas dos alunos em sala de aula. Seriam, portanto, frases que, ao invés de serem proferidas em português, teriam que ser expressas na língua estrangeira (ex.: I’ve finished; What’s the meaning of ___ in Portuguese?).

         As frases do cartaz permanente foram previstas para serem adquiridas como expressões formulaicas, isto é, frases que funcionam como unidades automáticas de fala não-analisável (Brown:1994) através do seu uso em sala de aula.

 

Análise e discussão dos dados

No início, a produção oral dos alunos limitou-se aos turnos mínimos e pequenos provenientes de suas respostas às tarefas (ex.: Brazil, Portuguese, in South America), às perguntas da professora (ex. yes/no, true/false, difficult/easy), à chamada (i.e. here/present/absent) e do chamamento à professora (ex. Teacher, please.). Com o tempo, no entanto, os turnos médios foram se infiltrando na fala dos alunos com a ajuda do cartaz permanente, cujas sentenças iam sendo gradativamente utilizadas por eles para fins comunicativos (ex.: How do I say ... in English?).

Este cartaz permitiu-lhes o uso de falas prontas (formulaic speech) e a criação de novas produções a partir delas. Ao perguntar How do I write 'avançado' em inglês? (Aula 14), por exemplo, A24 parece ter formulado sua fala com base nas perguntas How do I say .... in English? e How do I pronounce ... in English?, ambas registradas no cartaz permanente. A partir de uma análise prévia da padronização sintática das expressões acima (i.e. How do I ......?), é possível que A24 tenha substituído say / pronounce por write, elaborando uma nova pergunta.

Se, por um lado, o cartaz permanente viabilizou a memorização de padrões, por outro, permitiu criações de fala "mais sofisticadas", envolvendo a combinação ou justaposição de sentenças do cartaz com estruturas previamente aprendidas em aula. Por exemplo:

A13: After A1, can I drink some water please? (Diário de P2, Aula 64)

A22: Can I drink some water after A13? (Diário de P2, Aula 64)

AA: Is that right, now? (Diário de P1, Aula 46)

A9: Teacher, I didn't understand your question. (Diário de P2, Aulas 68 e 69)

A12: I didn't understand B. (Diário de P2, Aula 68 e 69)

       

Nas falas de A13 e A22 a expressão Can I drink some water please?, registrada no cartaz permanente, foi ampliada por elas através de um complemento preposicional, isto é, after A1/A13. Alguns alunos de P1, por sua vez, adicionaram o advérbio now à expressão Is that right?, também fornecida no cartaz permanente. A9 e A12 acrescentaram your question e B [bi] à expressão I didn't understand, anotada dessa forma no cartaz permanente.

         Teóricos como Fillmore (1979) e Ellis (1985) defendem a idéia de que a fala formulaica passa por um processo analítico com o tempo, fazendo com que as suas partes sejam analisadas e utilizadas em outras produções, servindo de base para a construção criativa de fala. Outros teóricos, como Krashen & Scarcella (1978), argumentam que a produção criativa de fala não se beneficia dos ingredientes da fala formulaica por trata-se de fala automática, não analisável, portanto. Neste sentido, seriam dois sistemas independentes.

         Os dados desta pesquisa sugerem que as fórmulas aprendidas no contexto de sala de aula e em suas extensões eram fragmentadas e analisadas por alguns alunos. P2 comenta que ao explicar a informação In Portuguese the adjective comes after the noun, A9 associou AFTER com a expressão Repeat after me, e em In English the adjective always comes before a noun, A24 fornece o significado de ALWAYS a partir do slogan Coca-Cola - Always with you. Essas associações sugerem uma fragmentação de fórmulas que foram adquiridas por esses alunos nas extensões de sala de aula com o objetivo de facilitar sua compreensão diante do insumo novo.

O mesmo aconteceu no contexto de P1, onde A4 negocia o significado de HOW por meio da expressão How do you feel?, introduzida em aula como frase pronta. Nestes casos, a análise dos ingredientes das fórmulas foi feita com a finalidade de construir ou dar sentido às estruturas do insumo novo e não, necessariamente, de construir ou inferir regras para a produção de fala. Mesmo assim, é possível sugerir que algumas produções de fala foram derivadas de certos elementos de expressões formulaicas, possivelmente submetidas a um processo analítico pelos alunos. É o caso dos exemplos a seguir:

 

A9: I have a doubt. How do I pronounce 'computação' in English?  (Diário de P2, Aula 52)

Elogiei os alunos que tinham escrito 'I don't have a fax/ a telephone'. A9, então, perguntou 'How many write 'I don't have a fax?'  (Diário de P2, Aula 58)

 

A20: In English ou in Portuguese?  (Diário de P2, Aula 75)

 

         Na fala de A9 a palavra doubt foi provavelmente 'importada' da expressão Any doubt?, muito utilizada por P2 e registrada no cartaz permanente. Quanto ao uso de I have, A9 pode tê-la aprendido na escola de línguas que cursava na época, pois já havia formulado a frase I don't have a telephone em uma das tarefas sobre números de telefone. É interessante comentar que esta última expressão foi assimilada por alguns alunos da classe, os quais utilizaram parte dela em uma das tarefas que solicitava o preenchimento de um formulário. Ao serem solicitados a fornecer o número de seu fax, eles responderam I don't have a fax.

Para saber quantos haviam fornecido esta resposta, A9 perguntou à P2: How many write 'I don't have a fax'?, uma construção que parece ter sido resultado de um processo analítico realizado à fórmula How many answered XXX  for situation one?, proferida muitas vezes por P2 durante a correção de uma tarefa que exigia o número de alunos que havia respondido Generally, Sometimes e Never às várias situações apresentadas.

Na fala de A20 acima, duas expressões formulaicas foram justapostas usando o conectivo “ou”, sendo a primeira (i.e. In English) muito usada por P2 quando seus alunos respondiam em português.

         Muitas produções de fala pareceram ser provenientes de expressões formulaicas aprendidas implicitamente durante as aulas ou, então, fruto de expressões adquiridas nas extensões da sala de aula. No contexto de P2, por exemplo, era comum a professora chamar a atenção de alguns alunos, pedindo-lhes para sentar-se corretamente, tomar notas, ficar quietos, enfim, comandos que visavam resgatar a disciplina e a integração do grupo. As expressões utilizadas por P2 podem ter sido gradativamente internalizadas pelos alunos. É o que P2 comenta nos fragmentos a seguir:

 

Disse para os alunos anotarem as informações. Enquanto eu as escrevia no quadro, escutava alguns dizer 'shut up', 'sit down', 'stand up', palavras que ainda não estão no cartaz permanente, mas que já foram usadas em aula. Achei interessante  porque isso demonstra que eles estão atentos.  (Diário de P2, Aula 26)

 

P2: Number 5. I understand films in English. A7. (Neste momento, a inspetora de alunos entrou na sala para conversar comigo. Enquanto conversávamos, a fita gravou alunos falando 'I disagree', 'not', 'take notes'.)"  (Diário de P2, Aulas 73 e 74)

         Um outro exemplo de aprendizagem implícita refere-se à expressão No doubt, utilizada pelos alunos quando respondiam à pergunta Any doubt?. O uso desta expressão sugere o processamento da fala da professora que, algumas vezes, perguntava No doubt? Really?. O mesmo aconteceu com as expressões Sorry? e Thank you (very much), utilizadas na fala de P2 e então observadas na produção de alguns alunos.

         Houve casos, ainda, em que as produções de fala envolviam fórmulas decorrentes do conhecimento prévio dos alunos sobre a língua inglesa, que era utilizado espontaneamente em situações apropriadas de comunicação, como mostram os relatos a seguir:

 

Ao receber a prova corrigida A1 disse 'OH, MY GOD!'. (Diário de P3, Aula 22)

 

Então, disse para que alguém falasse o que tinha entendido. A24 e mais alguém responderam que não tinham entendido nada. A7 então se manifestou dizendo 'more or less' e gesticulando com as mãos que tinha entendido mais ou menos. A24, então, disse 'SO SO'.  (Diário de P2, Aulas 32 e 33)

 

         No contexto de P1 as falas dos alunos eram muitas vezes controladas pela professora e pouco era o seu investimento nessa habilidade. Seu controle era manifestado quando solicitava respostas completas e o uso de expressões privilegiadas por ela. É o que ilustram os fragmentos abaixo.

 

Perguntei - READY?. Responderam -NO. Pedi que observassem nosso 'wallchart' para dizer NOT YET.  (Diário de P1, Aula 43)

 

... iniciamos a correção. Como também tenho observado que eles não têm a PREOCUPAÇÃO de falar frases, decidi que faríamos a correção da TASK 4 da seguinte forma - Ex. 'Basketball is a water/ team/ athletic sport'. Foi muito tumultuado porque todos queriam responder, e os que responderam, responderam como pedido, sem problema. Na TASK 5 eu perguntava - Which sport does Laura like?  e eles também tinham que responder usando frases completas. Escrevi na lousa - She likes.../ He likes... . Foi outra loucura para responder."  (Diário de P1, Aula 48)     

 

         Esses fragmentos sugerem a preocupação de P1 com a forma gramatical ao invés do propósito comunicativo da interação, exigindo dos alunos a formulação de respostas completas, como Basketball is a team sport e She/He likes ..., ao invés de deixá-los livres para produzir respostas como A team sport e Basketball respectivamente, o que seria mais apropriado em contextos de uso. Ao avaliar suas aulas, em particular sua interação com os alunos, P1 mostra-se consciente desse controle, fazendo a seguinte afirmação:

 

A interação aluno-professora foi muito boa, apesar de eu perceber durante o processo, como eu "monopolizo" a aula.  (Questionário de avaliação de P1)

 

 

Estratégias de produção oral          

Com base nas falas dos alunos de P1 e P2, foi possível observar o uso de estratégias de transferência, generalização, redução, inferência, junção, transferência positiva e fala mista. Segundo Ellis (1985), esses processos são "procedimentos tipicamente subconscientes, isto é, espontaneamente ativados pelo aluno quando voltado para algum propósito comunicativo, mas também podem ser conscientes, isto é, propositalmente ativados pelo aprendiz com a intenção de aumentar o seu conhecimento na língua-alvo" (p.175).

         A transferência consistiu no uso de regras da língua materna na construção de fala na língua inglesa, como é o caso da omissão do sujeito nas falas (I) agree, (I) disagree, (I've) finished, Because (it) is a consonant e outras. Quando isso acontecia, as professoras refaziam a fala do aluno (ex.: I agree) e/ou chamavam a sua atenção para o erro, fazendo comentários sobre a necessidade do sujeito na frase. A partir das correções sistemáticas, em particular das formulações Agree e Disagree, muitos alunos passaram a usar o sujeito na primeira pessoa do singular, mostrando indícios de aprendizagem explícita. É o que sugere P2 ao fazer o seguinte comentário: "Percebo que muitos alunos já estão dizendo 'I agree'/'I disagree' com o pronome na primeira pessoa do singular, o que antes não acontecia." (Diário de P2, Aula 29).

Uma outra interferência do português envolveu construções com o verbo LIKE, como em He likes from soccer (P1-A16), She like of to relax... (P2-A5), She like of travel (P2-A26), todas elas apresentando uma preposição após o verbo como determina o sistema de regras do português.

Os dados também mostraram casos de transferência positiva, isto é, o uso apropriado de vocábulos/expressões aprendidos em aula em novos contextos de comunicação. No exemplo a seguir, A5 lança mão do advérbio sometimes para dizer que o ano letivo brasileiro algumas vezes começa em março.

 

Quanto ao início do ano letivo brasileiro, alguns alunos responderam 'mid-February' e A22 se manifestou  dizendo que ela tinha colocado 'March'. A5 reagiu, dizendo 'sometimes'.  (Diário de P2, Aula 52)

 

         Houve casos em que os alunos transferiam o conhecimento aprendido em aula para contextos externos à sala de aula. É o que P2 relata a seguir:.

 

Fiz a seguinte pergunta para A9: 'O que você tem aprendido na escola de línguas XXX tem-lhe ajudado a acompanhar nossas aulas? Ou, o que você tem aprendido aqui tem-lhe ajudado a acompanhar as aulas no XXX?' Ela me respondeu que um ajudava o outro. Contou-me, também, que um dia, quando seu professor falou uma palavra em inglês e ninguém na sala sabia, ela perguntou à ele: 'What’s the meaning of ____ in Portuguese?' e que ele e a classe ficaram muitos surpresos por ela conhecer essa estrutura.  (Diário de P2, Aula 40)

 

 

         Um outro exemplo de transferência externa foi relatado pelas próprias mães de alguns alunos. Segundo elas, seus filhos faziam uso de expressões/vocábulos em inglês em casa com o objetivo de mostrar o que haviam aprendido nas aulas. Essas confissões de aprendizagem revelam o quanto alguns alunos estavam interessados em desenvolver sua competência comunicativa.

 

Na 6a. feira passada (dia 10/10) houve reunião de pais. Algumas mães (ex. Da. S., mãe de A17, e a mãe de A12) disseram que no início do ano elas ficaram assustadas com o material de inglês, sentiam-se perdidas por não saberem como ajudar seus filhos. Elas disseram que, no tempo delas, o ensino de inglês era ensino de gramática e tradução e que essa abordagem parecia ser muito diferente e assustadora no princípio. Mas que agora suas filhas estavam adorando. A17 fala inglês em casa e os pais pouco entendem o que ela diz. A22 sempre está contando para o seu pai o que aprende nas aulas de inglês.  (Diário de P2, Aula 59)

 

         Algumas produções de fala também evidenciaram o uso da estratégia de generalização (overgeneralization). Segundo Richards (1971), trata-se de uma estratégia que consiste na transferência de um conhecimento da língua-alvo para novos contextos de uso em que ele não se aplica. No relato a seguir, A22 utiliza inapropriadamente a expressão I agree para dizer que, da mesma forma que A5, ela também não havia compreendido a explicação da professora. Ao invés de dizer I didn't understand either, A22 resolve concordar com a fala da colega.

Expliquei para a classe como a tarefa 1B deveria ser feita, mas A5 se manifestou dizendo 'I didn't understand'. A22 aproveitou para dizer 'I agree'. (Diário de P1, Aulas 49 e 54)

 

Além da generalização, algumas falas mostraram evidências de redução, uma forma de simplificação que acontece quando o aluno resolve comunicar-se por meio de um "sistema reduzido" de língua, utilizando regras ou itens acessíveis (Faerch & Kasper:1984). Para P1 e P2, algumas reduções não chegaram a ser consideradas agramaticais ou inapropriadas para o contexto de comunicação, como é o caso de What's the meaning of 'everybody'? ao invés de What's the meaning of 'everybody' in Portuguese? e one minute ao invés de Wait a minute, please. No primeiro caso, as próprias professoras também utilizavam a estrutura em forma reduzida. Quanto ao segundo caso, One minute foi uma criação reduzida diante da fala de P2, que era marcada pela expressão Wait a minute, (please).

Outras reduções, entretanto, foram consideradas agramaticais pela ausência do verbo ou do sujeito e verbo conjuntamente na fala, embora fossem apropriadas para o contexto. É o caso de construções como Because sentence, because sentence singular (P2-A12), Because 'I understand the film', not speak (P1-A11) e Because é... not one people, five (P2-A13).

Ao longo das aulas, foi possível observar que alguns alunos já começavam a inserir o verbo em suas falas com ou sem a ajuda da professora, como por exemplo Because the text is in English (P2-A9), A person is singular (P2-A13) e Picture one have children (P1-A4).

         Os dados também sugerem que algumas falas eram construídas a partir de inferências feitas a partir do insumo escrito e/ou oral das tarefas ou da fala da professora. Ao falar sobre comunicação não-verbal, P2 faz um sinal de afirmativo e espera que a classe dê o significado do gesto. A13 responde I'M OK, baseando-se na estrutura I'M NOT OK, registrada no quadro de giz como resposta ao sinal de negativo.

No relato a seguir alguns alunos formulam a resposta a partir da estrutura que A24 introduz.

Entreguei as tarefas dos livros já corrigidas e iniciamos a correção em conjunto. Perguntei quais eram os personagens do livro ‘The Lucky Number’. A5 conseguiu compreender minha pergunta e respondeu corretamente. Anotei os nomes dos personagens no quadro e perguntei quem era Sylvia. A24 e A22 perguntavam entre si, em português, a palavra para ‘esposa’ em inglês. A24 dizia ‘Jack’s ...’. Introduzi ‘wife’ e a resposta veio ‘Jack’s wife’.  Perguntei, então, quem era Bob e a resposta de alguns (A5, A20, A22, A24) foi ‘Jack’s friend’.  (Diário de P2, Aula 59)

 

No fragmento abaixo, P2 explica a diferença entre Mr. Mrs. e Miss em face aos erros encontrados nos trabalhos de pesquisa, como Mrs. Rosely. Em sua explicação, a professora utiliza estruturas como I'm single e I'm not married, e é com base nesta última que A5 constrói sua fala, isto é, Because you is not married.

 

Disse que Mr. era usado com o sobrenome de uma pessoa (ex. Mr. Silva e não Mr. José). Perguntei em seguida o significado de 'Mrs.' e A15 respondeu ‘senhores’. Achei interessante sua analogia. Precisei explicar que P3 era casada. Mostrei o meu anel na mão esquerda para explicar que ela era casada. Depois de algumas tentativas, A13 respondeu ‘senhora’. Então, perguntei se era 'Mrs. Maria Inês' ou 'Mrs. Chabregas'. E a classe respondeu corretamente. Para ‘Miss’ expliquei que era solteira. Retirei o anel do meu dedo esquerdo e disse "I’m single, I’m not married". Então, perguntei se era Miss Rosely ou Miss Xavier. Não houve problema. Mostrei um trabalho que estava escrito “Mrs Rosely” e perguntei para a classe o porquê de estar errado. Ouvi A5 responder ‘Because you is not married’ e A22 responder ‘Because ... e o restante da frase em português. Concordei com A5 reforçando sua resposta: “I’m not married”. Disse, também, que não deveria ser Mrs Rosely, mas Miss Xavier. (Diário de P2, Aula 40)

 

         Nem todas as inferências, entretanto, resultaram em produções gramaticais ou apropriadas de fala. Alguns alunos de P2, por exemplo, usaram expressões como noonnight e half night para dizer 'meia noite'. Em seu diário, P1 comenta que, ao solicitar a palavra em inglês para 'verde escuro', muitos alunos responderam green marine, uma associação feita a partir da expressão blue marine anteriormente fornecida pela classe (Diário de P1, Aula 62).

         Muitas construções de fala também foram decorrentes da junção ou justaposição de elementos lingüísticos aprendidos implicitamente e explicitamente no insumo das tarefas, cartaz permanente e fala da professora. Essas produções evidenciaram uma certa competência discursiva. A24, por exemplo, foi capaz de unir duas frases fornecidas na tarefa para perguntar se a afirmação de P2 era um fato ou uma opinião (i.e. This is a fact or this is an opinion? - Diário de P3, Aula 34).

Alguns alunos de P1, por outro lado, utilizaram o pronome interrogativo WHAT para formular a pergunta What page?. A13 utilizou o verbo repeat, aprendido implicitamente nas aulas, para fazer as seguintes solicitações à P2: Teacher, repeat situation three e Teacher, repeat, solicitando compreensão do que havia sido explicado. A24, por sua vez, formulou uma pergunta utilizando o advérbio ONLY (i.e. Only task two?) e soluciona a dúvida de um colega que queria saber a qual texto a tarefa se referia (i.e. About Adolescence, page one). A22, por outro lado, queria que P2 desligasse o ventilador. Para ajudar a colega a formular o pedido em inglês, A18 constrói a seguinte seqüência Off ventilation, sendo a segunda palavra fruto de neologismo. A interação abaixo ilustra a intervenção de A18, que assume o papel da professora para expulsar o aluno falante de sala de aula.

 

P2: Shhh. I can't hear.

A24: In a separate sheet of paper?

P2: In a separate sheet of paper. Please, A16, could you move?

AA: Move.

A: Rua.

P2: Can you sit here, please?

A18: Street now.  (Diário de P2, Aula 65)

 

         A fala mista também foi um meio pelo qual os alunos se comunicavam nas aulas. Seu uso demonstrava a falta de conhecimento lingüístico necessário para formular toda a fala na língua inglesa (ex.: A24 é boy; What English nós estamos aprendendo, American English or British English?; Esse exercício is difficult; Pronunciation diferente; Cartão number three; Você devia ter usado black).

 

Os ganhos de aprendizagem no olhar dos alunos

 

Após 40 horas-aula ministradas, os alunos foram solicitados a avaliar o seu rendimento na habilidade de produção oral, dizendo o quanto de inglês eles falavam no início do ano e no momento atual (“muito”, “pouco”, “quase nada” ou “nada”). A maioria dos alunos de P1 e P2 afirmou que, no início do ano letivo, sua produção oral na língua inglesa era insignificante, mas que com o passar do tempo eles haviam começado a produzir um "pouco".

No final do ano, a mesma pergunta foi feita, desta vez comparando a produção oral no início do ano com aquela do momento atual. O número de alunos que disseram ter progredido nesta habilidade cresceu nos contextos de P1 e P2, atingindo 80.5% no contexto de P1 e 79% no contexto de P2. Muitos salientaram que falavam "pouco/quase nada" no início do ano, mas que no final começaram a falar "muito".

Para saber as razões de "muita" ou "pouca" produção oral nas aulas de inglês, os alunos de P1 e P2 foram solicitados a justificar suas respostas. O quadro a seguir apresenta as principais razões e algumas das justificativas apresentadas por eles em ambas as fases de coleta de dados.

 

Quadro 1 - Razões e justificativas dos alunos para a sua maior ou menor produção oral em aula.

Quantidade de produção oral

Razões

 

Justificativas

 

 

 

"muita"

 

 

 

 

maior compreensão oral e em leitura

· "Porque já estou compreendendo mais a professora."

· "Porque agora posso ler e responder perguntas."

· "Porque de tanto ouvir aprende."

maior conhecimento do sistema lingüístico da língua inglesa

· "Com o passar do tempo você ve [sic] mais palavras e as aprende..."

· "Porque agora eu sei mais ainda do que sabia."

· "Porque aprendi mais coisas."

 

 

motivação

· "... falo porque eu gosto e tenho interesse."

· "Eu me interesso mais com as aulas por isso falo muito."

· "Porque, além de a professora ajudar, eu tenho vontade de aprender."

 

estratégia de aprendizagem

· "Porque eu pratico bastante as falas."

· "Porque assim eu aprendo a conversar melhor em inglês."

 

 

 

 

 

 

 

 

"pouca"

dificuldades na compreensão oral e em leitura

· "Eu não entendo."

· "Porque ainda não entendo tudo. Só um pouco."

· "Tem vezes que ela fala e eu não intendo [sic] nada, e dai [sic] eu fico desligada."

conhecimento limitado do sistema lingüístico da língua inglesa

· "Nem todas as palavras que vou falar sei em inglês."

· "Tem palavras que eu não sei pronunciar."

· "Porque não sei muito inglês."

falta de motivação

· "Eu não gosto de responder nada."

· "Porque eu não interesso... ."

 

 

problemas afetivos

· "Porque às vezes fico com vergonha de falar tudo o que eu sei às vezes eu sei a resposta mas não falo."

· "Porque eu não tenho jeito de aprender inglês, para mim é um pouco dificiou [sic]."

· "Além de ter vergonha, eu não confio em mim mesma."

 

dificuldade lingüística

· "Não acho muito fácil inglês."

· "Porque é uma língua muito difícil de falar."

 

 

         De acordo com esses dados, é possível sugerir um conjunto de fatores que, estando interligados, podem determinar muita ou pouca produção oral em sala de aula. Esses fatores envolvem, principalmente, a compreensão na língua-alvo, o conhecimento lingüístico, motivação e fatores afetivos. Em outras palavras, para alguns alunos, sua produção oral é maior quando eles conseguem compreender melhor o insumo oral e escrito, quando entendem ou dominam o sistema da língua-alvo, quando sentem-se à vontade para participar e se engajar nas interações/tarefas ou, ainda, quando superam seus medos, insegurança, vergonha, enfim, seus bloqueios afetivos. Inversamente, a produção oral pode ser menor ou inexistente quando eles encontram dificuldades em compreender o insumo oral ou escrito, quando seu conhecimento fonológico, sintático e lexical da língua-alvo é limitado, quando lhes faltam motivação para engajar-se nas interações e quando enfrentam problemas afetivos.

 

Os ganhos de aprendizagem no olhar das professoras

 

         Na opinião das professoras, a maioria dos alunos apresentou ganhos na habilidade de produção oral, conforme suas respostas a um questionário de avaliação preenchido no final do ano letivo. Foi uma percepção holística do processo vivenciado, tendo como base o desempenho do grupo.

A tabela a seguir traz as notas de 0 a 10 que as professoras atribuíram ao desempenho dos alunos na habilidade oral no início e final do ano letivo. Apesar do caráter subjetivo das notas, a intenção foi especular sobre como as professoras haviam percebido (ou não) o desenvolvimento dos alunos em sua produção oral.

 

Tabela 1 - Notas atribuídas aos alunos na habilidade oral.

 

habilidade

lingüística

P1

P2

P3

início do ano

final do ano

início do ano

final do ano

início do ano

final do ano

 

produção oral

5

7

2

8

2

8

 

 

         Com base nas notas atribuídas, as professoras perceberam alguns progressos na produção de fala dos alunos. Para P1, esse progresso pode ser explicado pelo cartaz permanente que, com o tempo, os alunos passaram a utilizá-lo com mais freqüência, e pela interação conduzida na língua estrangeira. Houve, contudo, alguns fatores que comprometeram o desenvolvimento dos alunos, como explica P1 a seguir:

 

Acredito que [a produção oral dos alunos] não foi melhor devido aos problemas de continuidade de processo (muitos feriados, recessos, dispensa por parte da direção). Além disso, o fato de serem apenas duas horas semanais é muito complicado, tendo em vista que alguns alunos fazem curso particular de língua inglesa e a maioria sequer consegue compreender a importância de se estudar inglês ou uma outra língua qualquer. Nesse caso, a única fonte de língua inglesa continua sendo a professora do colégio que, em um processo "sucateado", não opera milagres. Além disso, o fato de eu falar mais em sala de aula também não cria situações onde o aluno possa produzir mais. Há, também, os que sabem mais e os que não sabem nada. É meio complicado ficar entre essas partes e conseguir diminuir a heterogeneidade da turma. (Questionário de avaliação de P1)

 

 

         Na opinião de P2, o progresso de seus alunos pode ser explicado pelas criações de fala introduzidas a partir dos conhecimentos implícitos e explícitos adquiridos. P3 também compartilha dessa visão através do seguinte comentário: "Muitos já conseguem formular frases em inglês, fazer pedidos e solicitações usando expressões de cumprimentos, formular perguntas etc...".

 

Conclusões

         Com base nos dados, os alunos desta pesquisa obtiveram certos ganhos na habilidade oral, considerando a variedade de construções de fala presentes neste estágio inicial de aprendizagem. Pode-se dizer que eles foram capazes de desenvolver sua competência comunicativa na língua inglesa. Sua competência gramatical, por exemplo, envolveu (i) vocábulos relacionados aos temas estudados, (ii) a diferença entre sentido literal e metafórico (ex.: He's a rat), bem como literal e implícito (ex.: It's raining cats and dogs), (iii) variedades lingüísticas através de suas diferenças fonológicas e lexicais (ex. inglês americano e britânico), enfim, conhecimento promovido pelo conteúdo das tarefas. Além disso, surgiram casos de polissemia como subject (assunto/ sujeito/ matéria escolar) e signs (signos/ sinais), homonímia (ex.: 'like' como verbo e preposição), prefixos (ex.: unfaithful e non-essential) e sufixos (ex.: shyness, development e growth).

No contexto de P1, alguns alunos já mostravam saber o sinônimo de palavras como take notes (write) e initiate (start). Quanto ao nível sintático, foi possível observar produções envolvendo o imperativo afirmativo (ex.: Dictate; Turn the fan on, please; Explain) e negativo (ex.: No feel sad*), presente simples (ex.: ... but he likes Beth; My father is not organized, my mother is organized), passado simples (ex.: Fourteen answered 'sometimes'), caso genitivo (ex.: Because the accent of Tom is...; Jack's friend), perguntas (ex.: What page?) e outras construções viabilizadas pelo contexto das tarefas e pela interação natural de sala de aula.

         Os alunos de P1 e P2 também demonstraram competência sociolingüística ao utilizarem apropriadamente funções comunicativas como agradecer (ex.: Thank you), concordar/ discordar (ex.: I agree, I disagree), justificar (ex.: Because...), fazer pedidos (ex.: Can I drink some water, please?), dar ordens (ex.: Shut up), expressar opinião (ex.: He is a liar), concluir (ex.: Most students generally ask questions to the teacher....), dar exemplos (ex.: British English), comparar (ex.: In the first sentence the subject is plural and in the second sentence the subject is singular), perguntar (ex.: How do I say 'correr' in English?), expressar preferências (ex.: A4 likes soccer), dar conselhos (ex.: Listen to music and relax) e outras.     

         Quanto à competência discursiva, os dados trazem produções de fala coerentes com o contexto de comunicação. Ao responderem sobre os seus hábitos de estudar, A6 e A9 produziram a seguinte fala: I study with silence. Na mesma tarefa, A5 fez uso do advérbio sometimes após a fala de alguns alunos que haviam se expressado da seguinte forma: I study with music. Ao usar Sometimes, A5 queria comunicar que, às vezes, ela também tinha o hábito de estudar com música. Embora não haja sinal explícito de coesão entre a sua fala e a de seus colegas, foi possível considerar o discurso de A5 coerente, uma vez que a própria situação de comunicação possibilitou à classe inferir o que a aluna queria dizer. Nem sempre, entretanto, a fala produzida pelos alunos era coerente. É o caso de A17 que relata sua conclusão sobre a freqüência com que os alunos da classe faziam perguntas à professora: Most students generally ask questions to the teacher when I don't understand. Tal construção mostra a incompatibilidade entre os sujeitos most students e I, gerada pela justaposição de "informações empacotadas", ou seja, "Most students + adv. de freqüência + situação relatada (i.e. I ask questions to the teacher when I don't understand).        

Quanto à competência estratégica, muitos alunos foram capazes de elaborar perguntas de clarificação, confirmação e compreensão. Além disso, observou-se que alguns já conseguiam parafrasear certas informações. É o que ilustra o seguinte relato.

 

Escrevi na lousa um dos erros percebidos: “A4 favourite sport is soccer” e A4 imediatamente corrigiu a frase dizendo “A4's favourite....". Depois escrevi “A4 likes soccer”. Perguntei se ainda eu poderia escrever essas frases de uma outra forma e alguns disseram que sim.

A12: The favourite sport of A4 is soccer.

P1: Como eu digo que ele gosta de jogar futebol?

AA: He likes playing soccer.    (Diário de P1, Aula 63)

 

Para concluir, os ganhos percebidos no olhar das professoras e no dos alunos são baseados na quantidade e qualidade das produções de fala dos estudantes ao longo das aulas. Os alunos desenvolveram sua produção oral a partir da compreensão e produção de significados na língua estrangeira, viabilizadas pela fala da professora, pelas tarefas do material, pelas fórmulas apresentadas no cartaz permanente e pelo feedback da professora e de colegas.

Os alunos utilizaram estratégias como a memorização, imitação e análise de padrões lingüísticos, além de estratégias típicas da fala criativa, como a transferência, generalização, redução e inferência.

 

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[1] Como o nome já sugere, o programa de ensino temático baseado em tarefas consiste em um conjunto de temas, escolhidos pelos alunos, para serem trabalhados durante o ano letivo, que são desenvolvidos por tarefas de aprendizagem (vide Xavier, 1999; 2004).

[2] A metodologia de ensino refere-se aqui à seleção e gradação das tarefas ou atividades utilizadas como oportunidades de aprendizagem. Ela especifica, portanto, a maneira como a aprendizagem vai ser promovida (vide Nunan:1988).

[3] a piece of classroom work which involves learners in comprehending, manipulating, producing or interacting in the target language while their attention is principally focused on meaning rather than form.

[4] Expressões rotineiras referem-se às frases/ expressões aprendidas como pedaços memorizados de língua (ex. ‘I don’t know’), enquanto que expressões padronizadas referem-se às frases/ expressões que são parcialmente analisáveis e que apresentam uma ou mais lacunas (ex. ‘Can I have ____?’) (Krashen e Scarcella:1978).