DA ORALIDADE PARA A ESCRITA:

uso e colocação dos pronomes átoNos na Fronteira Gaúcha

 

Paulino Vandresen (UCPel)

 

1  Introdução

            1.1 Nas investigações sobre variação e mudança lingüística no Português Brasileiro (PB) uma das áreas que tem despertado grande interesse é o sistema pronominal e seus reflexos na flexão verbal e preenchimento das posições argumentais de sujeito e objeto.

            Na maioria das regiões brasileiras os pronomes de 2a pessoa foram substituídos por  “você/vocês”  e, mesmo onde  pronome “tu”  sobrevive pode ocorrer com flexão do verbo em 3a pessoa, nos registros informais. Com a gramaticalização de “a gente”  (concorrendo com “nós/nos”) a flexão  verbal pode ficar extremamente reduzida na fala de muitas pessoas, criando problemas no ensino do sistema pronominal da língua escrita, especialmente para alunos oriundos de famílias de baixa renda e pouca escolaridade.

            Este empobrecimento flexional estaria, segundo Duarte (1982) levando o PB a um estágio de mudança em direção a um sistema não “pro-drop” com um maior preenchimento das posições de sujeito com pronomes do caso reto.

            1.2  Por outro lado, as investigações sociolingüísticas tem apontado para uma redução no uso dos pronomes átonos, especialmente os de 3a pessoa (o(s) e a(s) e seus alomorfes).

            Pesquisas com dados de língua falada apontam para um alto percentual de situações em que a posição de objeto não é preenchida (objeto nulo), baixos índices no uso dos clíticos de 3a pessoa e a ocorrência de “ele/ela(s)” como objeto direto:

                                               ø                     ele                  clítico            SN/Demonstrativo

Omena (1978)                      76%                24%                0%                  ¾

Duarte (1986)                       62,6%            15,4%            4,9%               17,1

Monteiro (1994)                  76%                3%                  11%                ¾

            Os outros clíticos “me, te, se”  e “nos”  tem uso mais abrangente, dependendo do tipo de texto, podendo ser usados como objeto direto e indireto. O clítico “vos”  tem seu uso restrito ao contexto religioso e oratório.

            1.3  Quanto à colocação dos pronomes átonos as pesquisas tem demonstrado que na fala do PB há uma preferência quase categórica pela próclise, independente de fatores sociais como escolaridade, faixa etária ou sexo. Assim, no trabalho de Monteiro (1994), baseado em informantes de nível universitário (Projeto NURC ¾ Norma Urbana Regional Culta), a colocação enclítica é de apenas 13% em 1.750 ocorrências analisadas.

            1.4  O objetivo deste trabalho é examinar o uso e a colocação dos pronomes átonos no português da região sul, com base nos corpora de língua falada dos projetos VARSUL e BDS-Pampa. Os resultados em relação à língua falada foram comparados com dados de língua escrita do jornal “Diário Popular” de Pelotas e uma amostra de redações de vestibular para verificar diferenças especialmente na colocação dos pronomes átonos.

            Um objetivo secundário desta comunicação é verificar se o uso  e colocação dos pronomes átonos na região sul apresenta diferenças em relação a outras regiões brasileiras, tendo em vista o contato lingüístico com línguas de imigrantes e com o espanhol nas áreas de fronteira.

 

2  O uso dos pronomes na posição de objeto

            2.1  Mesmo no português escrito os pronomes me, te, se, nos e vos podem ser usados como objeto direto e indireto. Na fala isto também acontece. As variante inovadora é o uso de “lhe”  como objeto direto, fazendo um paralelo no sentido inverso, com os outros clíticos

                                   1a. Eu vi o senhor ontem!

                                   1b. Eu o vi ontem.

                                   1c. Eu lhe vi ontem.  (variante estigmatizada)

            Ainda em relação ao uso desses pronomes como objeto indireto tanto nos dados de língua falada quanto nos de língua escrita não ocorreu nenhum caso de contração do tipo: 2. “Ele lho/mo entregou” que soam como arcaicos e artificiais aos falantes brasileiros que preferem a forma: 3. “Ele o entregou a você/a mim”.

            2.2  Em relação aos clíticos, a característica mais marcante do falante do PB é o preenchimento da posição de objeto direto de 3a pessoa. Há três alternativas que podem ser ilustradas nas respostas à pergunta: 4. Você viu o Pedro?  4a. Hoje não!  Eu o vi ontem, na universidade. 4b. Hoje não! Eu vi ele ontem, na universidade. 4c. Hoje não! Eu vi ø ontem, na universidade.           

            Como já assinalamos o que mais chama a atenção é o elevado percentual de objetos nulos em todos os trabalhos sobre o PB falado. No entanto, existem algumas dificuldades em definir o objeto nulo e quantificar sua ocorrência em relação às outras variantes concorrentes ¾ pronome lexical (ele/ela(s)) ou clítico de 3a pessoa. Nas investigações sobre este tópico, com dados do projeto VARSUL, Fagundes (1996) discute as dificuldades para classificar a variante zero face às situações de elipse, uso de verbos com sentido intransitivo ou inexistência de antecedente.

            Assim, em 5 não temos antecedente e o verbo “entregar”  pragmaticamente tem valor intransitivo de ação usual:

            5. Deu nove e quinze, o carteiro sai para entregar ø. Daí não pode passar. Então como ele tem aquele roteiro, então ele começa a entregar ø em ruas diferentes... (14, FLP M.B.G.).

            Em 6, o verbo ler, embora possa ser interpretado como ação usual, tem antecedente claro:

            6. Eu pego as revistas atuais, que sempre tem revistas atuais e leio ø, (44, POA F.B.U.).

            Já em 7 e 8 temos antecedente e o ø poderia ser substituído por clítico ou pronome lexical:

            7. O fundo da piscina, deu defeito e tiveram que esvaziar ø, (8, POA M.B.U.)

            8. Agora tenho que usar roupas sociais,; eu mando fazer ø, no alfaiate (17, CTB M.B.C.).

            Mesmo levando em conta a existência de antecedente e a ocorrência de clítico ou pronome lexical , a análise feita por  Fagundes dos dados das três capitais constatou  uma ocorrência de 60% da variante zero, 38%  do pronome lexical (ele/ela) e, apenas, 2% de uso dos clíticos de  terceira pessoa.

            O fator lingüístico mais relevante na escolha das variantes aqui analisadas foi o traço [± animado] do referente. O traço [- animado] parece favorecer a escolha da variante zero ø, ao passo que com o referente [ + animado] é percentualmente mais freqüente o pronome lexical, conforme mostra a tabela no 2:

 

Tabela 1 ¾ Ocorrência de Pronome Lexical (PL), Zero (ø) e clítico como objeto direto em função do traço [ ± animado] do referente (Varsul ¾ Fagundes).

Fator [ ± animado]

PL

ø

Clítico

Total

- animado

58

410

7

475

%

12

86

1

 

Peso Relativo

.14

.58

.27

 

+  animado

318

171

14

503

%

63

34

3

 

Peso Relativo

.56

.14

.29

 

Total

376

581

21

957

           

2.3  O uso de “ele/ela”  como objeto direto é atestado no português do século XIV. Silveira Bueno (1955) cita os seguintes exemplos encontrados em Fernão Lopes, em que o clítico “o”  ocorrem em variação com “elle”, ambos como objeto direto:

            9. “El-rei, sabendo isto, houve mui grande pezar, e deitou-o logo fora de sua mercê e degradou elle e os filhos a dez léguas de onde que elle fosse”.

            10.  Traziam quatro honrados senhores um panno d’ouro tendido em haste, que cobria elle e o cavalo.

            O uso de ele/ela como objeto, foi banido pela norma literária clássica nos séculos seguintes tanto em Portugal quanto no Brasil.   É provável que esse banimento não tenha atingido imediatamente a fala popular. Assim, é possível conjecturar que o uso de “ele/ela”  como objeto direto tenha sido trazida ao Brasil pelos portugueses nos primeiros séculos de colonização, passando a fazer parte da sintaxe do PB. Esta parece ser também a hipótese de Silveira Bueno:

 

 “Proíbe-se no português clássico e moderno, que se empreguem as formas retas dos pronomes pessoais em função complementar, como objeto direto, mormente não preposicionado. Tal proibição que é dogma da gramática e do ensino oficial tanto em Portugal como no Brasil, encontra numerosas exceções no português arcaico e, em nossa pátria, é de todo transgredida na língua familiar e viva da sociedade. De tal modo está entranhado tal uso em nossos hábitos lingüísticos que, embora formados por escolas até superiores, exercendo carreiras liberais onde o exercício intelectual e contínuo, ainda assim, empregamos as formas retas objetivamente. No Brasil, pelo menos, somente o esforço da escola e o policiamento contínuo da gramática conseguem diminuir os casos desse emprego, mormente quando se trata de documento escrito. Parece-nos, portanto, que seja emprego radicalmente português, que esteja no cunho mesmo do idioma, espontaneidade que a força inegável da instrução tem dominado com dificuldade”.

 

            O uso de “ele/ela” no PB escrito atual aparece na reprodução de diálogos, mas já começa a aparecer e ser assumido em determinados contextos como podemos ver nas passagens selecionadas por Bagno (2004, p.105-106):

            11. Se sei quase tudo de Macabéa é que já peguei uma vez de relance o olhar de uma nordestina amarelada. Esse relance me deu ela de corpo inteiro. (Clarisse Lispector – A hora da estrela).

            12. Uma vez ela tinha arrastado ele  para a praia. (Veríssimo, 2000).

            13. Fleury aposta na popularidade do Senador eleito Romeu Tuma... Quer ele como vice em sua chapa... (FSP 15/01;1995).

            O ensino gramatical do português obviamente condena este uso fazendo com que seja raro no texto escrito e na fala formal. Na fala informal seu uso é superior aos dos clíticos em todos os corpora até agora analisados.

 

3  A colocação dos clíticos na região sul e na Fronteira Gaúcha

            3.1  A ordem ou colocação dos pronomes átonos (clíticos) é um dos problemas mais discutidos pelos gramáticos da língua portuguesa. A partir de 1909 temos a primeira polêmica sobre divergências na colocação dos clíticos entre o Português Europeu (PE) e o Português Brasileiro (PB). Cândido de Figueiredo, notável gramático português em seu livro O Problema da Colocação de Pronomes ataca os pontos de vista defendidos por Paulino de Brito, publicados em jornais brasileiros e pela editora Aillava de Paris em 1907, discordando das normas portuguesas na colocação dos pronomes átonos. Além de criticar seu antagonista, Figueiredo adverte que também poetas e escritores brasileiros cometem “inaceitáveis erros” deslocando indevidamente os pronomes. O gramático atribui as construções sintáticas “defeituosas, inauditas e incompreensíveis”  à influência africana (Vieira, 2002, p.20).

            Já na segunda parte de seu livro, Figueiredo apresenta a doutrina dos elementos condicionadores que determinam as diferentes posições dos clíticos, “levando em conta exemplos de bons escritores portugueses e brasileiros. Esta doutrina dos “atratores”  tem até hoje grande receptividade nas gramáticas normativas.

            Do lado brasileiro temos nesta época o trabalho do Professor Manoel Said Ali, intitulado Dificuldades da Língua Portuguesa, publicado pela primeira vez em 1908. Chama a atenção para os aspectos prosódicos que interferem na colocação dos pronomes e afirma que “impossível será haver entre nós identidade de colocação se não é idêntica a pronúncia”  (Ali, 1966, p.56). Para Said Ali as diferenças prosódicas explicam e justificam diferentes padrões na colocação dos clíticos entre o PE e o PB.

            A partir da Semana da Arte Moderna de fevereiro de 1922, a defesa das teses modernistas incluía a maneira brasileira de ordenar os clíticos:

            Dê-me um cigarro

            diz a gramática

            do Professor e do aluno

            e do mulato sabido.

            Mas, o bom negro e o bom branco

            da nação brasileira

            dizem todos os dias

            “me dá um cigarro”!

                                               Oswaldo de Andrade. Pronominais, 1954.

 

            Apesar das colocações de Paulino de Brito, Said Ali e das práticas de autores modernistas, as gramáticas normativas brasileiras Rocha Lima (1971), Cunha (1971), Bechara (1999), Cegalla (1977) e várias outras repetem critérios muito próximos daqueles propostos por Cândido Figueiredo , em 1909.

            3.2  As discussões dos gramáticos, obviamente, se referem ao português escrito e ao português falado em contextos formais. Examinando os dados de língua falada não monitorada é que, segundo Labov, estaremos descrevendo a gramática do vernáculo em que a heterogeneidade está indicada pela ocorrência de variantes, no caso em estudo, a colocação dos pronomes átonos antes ou depois do verbo. Esta descrição permitirá também provar as dificuldades e estabelecer as estratégias para o ensino da colocação dos pronomes na língua escrita.

            O português falado na área da fronteira com o Uruguai, representado pelos dados das cidades de Chuí, Jaguarão e Pelotas (um total de 72 informantes, em entrevistas de aproximadamente uma hora) apresentou os seguintes resultados em relação a ocorrência de pronomes , apresentada na tabela 4:

           

            Tabela 2 ¾ Ocorrência de pronomes tônicos nos dados de Chuí, Jaguarão e Pelotas (BDS-Pampa)

Clíticos

Número de ocorrências

Pronomes tônicos

Número de ocorrências

Me

Te

Se

Nos

Lhe(s)

o/a(s)

1.981

566

878

103

51

2

pra mim

(pra) ti

(pra) você(s)

pra nós

(pra) gente

(pra)ele(s)/ela(s)

154

23

4

10

25

150

TOTAL

3.581

 

366

 

            O que chama a atenção nestes dados é a baixíssima ocorrência dos pronomes átonos de 3a pessoa. A grande ocorrência de “me” é explicada pela entrevista em que o informante é convidado a contar narrativas da vida pessoal. As cidades pesquisadas usam o “tu”  como pronome de tratamento, explicando-se dessa forma o alto índice de ocorrência de “te”. O levantamento de objeto nulo e a ocorrência de “ele/ela”  como objeto ainda não foi realizado, nestes dados.

            Na análise da ocorrência da próclise ou ênclise, fizemos uma separação entre contextos com verbo simples (3.226 ocorrências) e em locução verbal (355 ocorrências).

            A freqüência da próclise/ênclise por pronome átono e apresentada na tabela 5:

 

 

            Tabela 3 ¾ Freqüência da próclise em valores absolutos e em percentuais com verbo simples ¾ Chuí, Jaguarão e Pelotas.

Colocação

Clíticos

Próclise

Ênclise

N

%

N

%

Me

Te

Se

Nos

Lhe

L(o)/a(s)

1779/1806

497/501

776/788

88/88

37/41

1/2

98,50

99,20

98,47

100

90,25

50

27/1806

4/501

12/788

0/88

4/41

1/2

1,49

0,79

1,52

0

9,75

50

TOTAL

3178/3226

 

48/3226

1,48

 

            Os dados mostram que, com exceção de “o/a”, a próclise é quase categórica. Os clíticos de 3a pessoa  e “lhe” são os que apresentaram o percentual mais elevado de ênclise com verbos simples.

            A maioria das ocorrências de “me”em posição enclítica foi na expressão “ir embora”: “Vou, fui, vim, ia mimbora”, com o clítico vinculado foneticamente ao advérbio. O clítico “se” também ocorreu nesta expressão, na forma: “vamo simbora’. As demais ocorrências de “se”  foram em contextos de indeterminação do sujeito.

            A colocação dos clíticos não foi influenciada pelos fatores sociais de escolaridade, sexo, faixa etária ou cidade. Apenas para ilustrar, as diferenças percentuais por cidade são mínimas, conforme podemos constatar na tabela 6:

            Tabela 4 ¾ Posição dos clíticos e percentuais com verbos simples.

Colocação

 

Cidades

Próclise

Ênclise

Ocorrências/

possibilidades

Percentual

Ocorrências/

possibilidades

Percentual

Chuí

929/943

98,51

14/943

1,48

Jaguarão

876/886

98,75

11/886

1,24

Pelotas

1374/1397

98,35

23/1397

1,64

Total

3178/3226

98,51

48/3226

1,48

 

            A posição dos clíticos na locução verbal seguiu basicamente a regra de próclise ao verbo principal, como se pode verificar na tabela 5:

 

 

            Tabela 5 ¾ Posição dos clíticos na locução verbal.

 

 

CIDADES

Próclise ao auxiliar:

clítico + auxiliar + verbo

Próclise ao Verbo:

Auxiliar + Clítico + Verbo

Ênclise ao Verbo:

Auxiliar + Verbo + Clítico

Ocorrências/

possibilidades

%

Ocorrências/

possibilidades

%

Ocorrências/

possibilidades

%

Chuí

7/79

8,86

72,79

91,14

0,79

0

Jaguarão

4/158

2,53

154/158

97,47

0/151

0

Pelotas

3/118

2,54

114/118

96,61

1/118

0,84

Total

14/355

3,94

340/355

95,77

1/355

0,23

 

            Na “próclise ao auxiliar” a maioria das ocorrências apresentavam uma palavra atratora como em “Não me vai jogar isto na cara. (Chuí) ... disse que nos iam matar etc. mas há exemplos sem esta motivação... “me estava jogando no lixo (Chuí).

            Comparando estes dados da Fronteira Gaúcha com outros estudos podemos verificar algumas diferenças, mas confirmando a tendência geral do PB pela próclise. Os dados da tabela 6 mostram os dados de Blumenau (SC), de colonização germânica, em que a geração mais velha aprendeu o português na escola:

 

            Tabela 6 ¾ Próclise e Ênclise em Blumenau (VARSUL).

 

Pronomes

Próclise

Ênclise

N

%

N

%

Me

303/304

99,67

1/304

0,32

Te

56/56

100

0,56

0

Se

387/446

86,77

59/446

13,22

Nos

4/4

100

0,4

0

Lhe

0,6

0

6/6

100

L(o)/a(s)

0,4

0

4/4

100

TOTAL

750/820

91,46

70/820

8,53

 

            Os clíticos de 3a pessoa, embora também escassos, foram usados, sempre em posição enclítica. O mesmo aconteceu com “lhe”. O “se”  também tem um percentual elevado pelo uso em expressões de indeterminação do sujeito.

            Já a análise de Monteiro (1994) com informantes universitários apresenta um percentual maior de ênclises (13%) mas mostra que no PB, mesmo falantes de alta escolaridade preferem a colocação proclítica, como podemos ver na tabela 7.

            Tabela 7 ¾ Freqüência da próclise e ênclise, em valores absolutos e percentuais (Monteiro 1994, p.196) – PROJETO NURC

 

Pronomes

Próclise

Ênclise

Freqüência

%

Freqüência

%

Me

512

99

7

1

Te

12

100

0

0

Se

1076

85

190

15

Nos

41

87

6

13

Lhe

80

93

6

7

L(o)/a(s)

29

40

44

60

TOTAL

1750/2003

87

253/2003

13

 

            Estes dados demonstram que a gramática do PB em sua forma oral prefere, por razões prosódicas, como já afirmava Said Ali, a colocação proclítica ao verbo principal.

           

4  Uso e colocação dos pronomes átonos na língua escrita

            Para fazer um confronto entre a sintaxe de colocação dos clíticos na fala e na escrita coletamos dados do jornal de Pelotas “Diário Popular”  e de uma amostra de 100 redações do vestibular. Do “Diário Popular” selecionamos dados do “Editorial”  (mais formal) e da coluna “Espeto corrido”  (de caráter mais popular).

            Na tabela no8 constatamos um aumento significativo no percentual de ênclises, que chega a 37,84%, contra 1,48% nos dados da fala aqui analisados:

            Tabela 8 ¾ Colocação dos clíticos nos dados de língua escrita: Diário Popular e Redações de vestibular.

Texto

Próclise

%

Ênclise

%

Total

DP – Editorial

318

62,6

190

37,4

508

DP – Espeto corrido

140

60

93

40

233

Redações de vestibular

145

63,3

84

36,7

229

TOTAL

603

 

367

 

970

 

            Observando os dados do jornal verifica-se a observância das regras constantes das gramáticas brasileiras, como, costuma acontecer nos melhores jornais e na literatura técnico-científica produzida no Brasil. Já nas redações ocorreram ênclises em contextos em que a gramática recomendaria próclises, além de outras impropriedades que demonstram o caminho difícil que muitos alunos enfrentam para dominar a colocação dos pronomes átonos na escrita.

            A ocorrência de próclise/ênclise para cada pronome átomo está na tabela 9:

            Tabela 9 ¾ Pronomes átomos na língua escrita: Diário Popular  e vestibular

Pronomes

Próclise

%

Ênclise

%

Me

4/6

66,6

2/6

33,3%

Te

4/4

100

0

0

Se

550/886

62

336/886

38

Nos

25/30

83,3

5/30

16,6

Lhe

15/22

68,1

7/22

31,9

o/a(s)

5/22

22,13

17/22

77,27

TOTAL

603/970

62,16

367/970

37,84

 

            Face à tipologia dos textos, houve uma grande ocorrência do pronome “se” que acumula as funções de reflexivo, indeterminação do sujeito e passiva sintética. Junto com os clíticos de 3a pessoa, apresenta o maior índice de ocorrência na posição pós-verbal.

 

5  Algumas conclusões

            5.1  Nos dados de língua falada os clíticos de 3a pessoa o/a e seus alomorfes apresentaram a menor freqüência nos corpora da região sul – Projeto Varsul e BDS-Pampa. O preenchimento da posição de objeto conta com duas outras estratégias: a) o pronome lexical ele/ela, cuja escolha é favorecida quando o referente é [+ animado] e b) o objeto nulo, com maior probabilidade de ocorrência quando o referente é [ - animado].

            Com pronomes de 1a e 2a pessoas, a ocorrência de objeto nulo apresenta menor probabilidade.

            5.2  A próclise ao verbo principal é quase categórica na fala da região sul. Os clíticos de 3a pessoa “o/a”, “lhe” e “se”  são os que apresentam maior percentual de ocorrência na posição pós-verbal.

            5.3  Na língua escrita houve um aumento significativo nas ocorrências de ênclise, verificando-se a influência das regras gramaticais (367/970 ou 37,8%).

            Mas, “me dá um cigarro” ainda não faz parte da gramática do professor.        

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