O ORAL E O ESCRITO EM PRÁTICAS DE LEITURA E PRODUÇÃO NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA ATRAVÉS DOS GÊNEROS TEXTUAIS – RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA*
Profª Ms.Nara Gehrke Augustin¹(UFSM)
Profª
Ms.Cristiane Fuzer¹(UFSM)
Ana Queli Tormes
Machado³(UFSM)
Aline Giovana
Flach³(UFSM)
Angela Fenner Berwaldt³(UFSM)
Edinéia Chaves Franz³(UFSM)
Silvia Pretzel³(UFSM)
Maria do Socorro de Almeida Farias²(UFSM)
Integrante do projeto de pesquisa “Oficinas de práticas de leitura e produção sob a perspectiva de gêneros textuais”, este trabalho tem como objetivo relatar uma experiência de ensino a qual contempla atividades de leitura e de produção oral e escrita sob a perspectiva de gêneros textuais. Essas atividades foram desenvolvidas por meio de oficinas, em uma Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio de Santa Maria/RS com três turmas de sétima série.
1. INTRODUÇÃO
Desenvolver a proficiência em leitura e produção de diversos gêneros tanto orais quanto escritos tem sido a finalidade da prática docente preconizada nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) como fundamento do trabalho com a língua portuguesa na escola brasileira. Nessa perspectiva, esse documento destaca a concepção interacionista da linguagem e a abordagem da língua portuguesa sob a perspectiva dos gêneros textuais. A partir disso, pretende-se qualificar a competência discursiva do aluno cidadão, o qual é usuário da língua, a fim de torná-lo proficiente na leitura e na produção de textos orais e escritos incluídos nas mais diversas práticas discursivas. Presentes não só no seu contexto diário, mas também nas que ultrapassam a sua esfera de prática social.
Frente a isso, em 2004 iniciou-se uma pesquisa na Universidade Federal de Santa Maria com o objetivo de investigar como as escolas da cidade estavam lidando com as orientações dos documentos oficiais. Partindo dos dados desse estudo, o grupo de pesquisa passou a elaborar em atividades de leitura e produção. Tais atividades contemplam o trabalho tanto com a leitura como com a produção de diversos textos orais e escritos.
2.
EMBASAMENTO TEÓRICO
Os PCNs (1998:12) preconizam que “toda a educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva”. Consoante com essa orientação, esse documento prevê o ensino da Língua Portuguesa sob a perspectiva de gêneros (textuais e discursivos) tanto orais quanto escritos, já que eles são indissociáveis da vida social e cultura do aluno. Dessa forma, o trabalho com os gêneros possibilita ao aprendiz tanto o desenvolvimento das suas competências de leitura e de produção oral e/ou escrita quanto um ensino da língua com ênfase na pluralidade sócio-cultural.
Frente a isso, muitos estudiosos e pesquisadores da linguagem têm desenvolvido estudos sobre análise de gêneros e a sua aplicabilidade na metodologia de ensino tanto de Língua Portuguesa quanto de Língua Estrangeira. Diante disso, para desenvolver o presente trabalho, tomamos como base conceitos sobre gênero de diferentes autores.
O trabalho com gêneros advém de épocas remotas. Há muito tempo, essa terminologia circula entre os estudos literários do Ocidente. A análise dos gêneros literários iniciou com Platão para então se firmar com Aristóteles e, assim, propagou-se até chegar aos estudos lingüísticos.
Na contemporaneidade, firmou-se o conceito desenvolvido por Bakhtin. Para
esse teórico (1997:279), a língua materializa-se em enunciados orais e escritos
que pertencem a uma ou outra esfera de comunicação. Tais enunciados refletem as
finalidades de cada uma dessas esferas que variam de acordo com a escolha da
temática, do estilo e da construção composicional. Dessa forma, os enunciados
são “marcados pela especificidade de uma esfera de comunicação” que elabora
seus “tipos relativamente estáveis de enunciados” denominados gêneros do
discurso. Swales (1990:33) aponta que “hoje, gênero é facilmente usado para
referir uma categoria de discurso de qualquer tipo, falado ou escrito, com ou
sem aspirações literárias”.
Nessa linha, Meurer (2002:18) entende gênero como um “tipo específico de texto de qualquer natureza, literário ou não, oral ou escrito, caracterizado e reconhecido por função específica e organização retórica mais ou menos típica e pelos contextos onde é utilizado”. Os gêneros discursivos e/ou textuais fazem parte de uma sociedade, de uma cultura, pois ordenam o nosso dia-a-dia. Isso porque, em cada situação de comunicação, estamos ancorados em algum gênero já existente, daí a impossibilidade de estudá-lo independentemente das relações sócio-comunicativas. Marscuschi (2003:3) aponta que “quando dominamos um gênero textual não dominamos uma forma lingüística e sim uma forma de realizar lingüisticamente objetivos específicos em situações sociais particulares". Complementa ainda que, relacionados com as diferentes situações comunicativas e associados às necessidades sócio-culturais, os gêneros não são estanques, mas sim “maleáveis, dinâmicos e plásticos”.
Maingueneau (2001:8) destaca que gêneros do
discurso são “dispositivos de comunicação que só podem aparecer quando certas
condições sócio-históricas estão presentes”. Dessa forma, os gêneros se
modificam com o transcorrer do tempo, o que resulta transformações de conteúdo
e de forma visando satisfazer às necessidades das práticas comunicativas.
Ainda para Marcuschi (2002:35), “o trabalho com
os gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de se lidar com a língua
em seus mais diversos usos autênticos do dia-a dia”. Dessa forma, ressalta que,
no ensino, pode-se trabalhar com gêneros para incentivar os alunos a produzirem
ou analisarem eventos lingüísticos
tanto orais quanto escritos existente no seu contexto de atividade
discursiva.
Tendo como base essas conceituações, percebemos a razão pela qual os PCNs enfatizam a importância de se trabalhar com os gêneros textuais em sala de aula. A interação humana é mediada pela linguagem materializada em algum gênero oral e/ou escrito e o trabalho com gêneros textuais em sala de aula proporciona a análise do funcionamento não só da linguagem, mas também da sociedade.
3. RELATO DE
EXPERIÊNCIA
3.1 A escolha
do gênero
Com o intuito de trabalhar com um gênero que fizesse parte do contexto do aluno e que o motivasse para desenvolver atividades de leitura e produção, escolhemos o gênero textual cartão telefônico. Essa escolha foi feita porque se verificou que muitos alunos praticam a Telecartofilia, nome dado à prática de colecionar cartões, por conseguinte, os colecionadores são chamados de telecartofilistas.
A Telecartofilia já se tornou mundial, o que possibilita a comunicação entre os colecionadores de diversas nacionalidades utilizando à mesma linguagem. Além de grupos virtuais de telecartofilistas, há concursos de exposição de cartões e encontros de telecartofilistas. O colecionar pode cadastrar-se no site www.colecionismo.com.br e receber todas as informações acerca desses eventos.
3.2 O gênero
cartão telefônico
Além de fazer parte do cotidiano das pessoas, o cartão permite a interação entre os indivíduos, já que propicia práticas sociais que envolvem participantes no evento comunicativo. O cartão telefônico, além de ser concebido como gênero textual, já que apresenta produtor, leitor, função comunicativa, características recorrentes, veicula diversos gêneros que se identificam com o contexto sócio-cultural , tais como: publicidades, receitas, cartão de datas comemorativas, divulgação de pontos turísticos, divulgação de serviços da empresa de Telecomunicações, divulgação de campanhas de conscientização, etc. A escolha do cartão telefônico para a veiculação de outros gêneros deve-se, provavelmente, à abrangência que o cartão telefônico alcança pela sua significativa repercussão na sociedade na qual se encontra inserido.
3.3 O trabalho
com o cartão telefônico
Dessa forma, o trabalho com os cartões telefônicos pode proporcionar um considerável progresso intelectual e cultural para a formação do aluno cidadão, pois os cartões apresentam bom número de informações, no âmbito tanto social quanto cultural.
Com o intuito de inserir o estudo desse gênero no contexto escolar, elaboramos atividades de leitura e produção de textos orais e escritos e aplicamo-las em sala de aula.
As atividades elaboradas a partir do gênero cartão telefônico foram desenvolvidas por meio de oficinas, em três turmas de sétima série de uma Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio de Santa Maria. Os encontros foram quinzenais totalizando seis encontros no segundo semestre de 2005.
No primeiro encontro, partimos da análise contextual. Inicialmente, analisamos o suporte do cartão, o qual possui três partes: frente, verso e miolo. Depois destacamos as condições de produção. O cartão é produzido em escala industrial pela casa da Moeda, Interprint, CSM(Cartões de Segurança), entre outras empresas. Já os gêneros veiculados nos cartões possuem diferentes produtores desde a empresa de telecomunicações até empresas particulares.
O cartão tem como público-alvo não somente pessoas que necessitam adquiri-lo para atender às necessidades de comunicação via telefone público, mas também os colecionadores, que buscam novas séries e estampas. Além de ter a função comunicativa de proporcionar a interação comunicativa entre o vendedor e o comprador, tem a finalidade de transmitir mensagens de caráter informativo-cultural acompanhadas de elementos icônicos.
Devido ao vasto âmbito de circulação, a linguagem empregada é de fácil entendimento, e sua organização textual cumpre uma relação de encadeamento entre a ilustração e os enunciados nele presentes.
Essa análise foi realizada oralmente, visto que os cartões selecionados para o primeiro encontro foram, na sala de aula, expostos em lâminas. Os alunos foram conduzidos a interpretarem a relação entre a linguagem verbal e não-verbal tão significativa nos cartões e a lerem nas entrelinhas do texto a fim de destacarem o tema, o objetivo do produtor relacionando com a data de circulação.
No segundo encontro, cada aluno recebeu um cartão e individualmente realizou a leitura do cartão destacando o tema, a intenção do produtor, a data de circulação, a relação entre a figura e o texto e destacando as palavras que permitiam uma interação direta com o leitor, como os pronomes “você” e verbos na forma imperativa.
Após essa análise, os alunos revisaram os seus textos, num terceiro encontro, e realizaram a reescrita de sua análise.
Já na quarta oficina, os alunos reuniram-se em grupos de três e/ou quatro componentes e deveriam criar um cartão. O tema selecionado para a atividade foi “O Estudante”. Essa escolha permitiu que eles se mostrassem como tais tanto para a Escola, quanto para os colegas e para a sociedade. Para a realização dessa atividade eles seguiram um roteiro no qual constavam os passos seguidos pelo grupo até a produção final. Aqui temos um cartão produzido por um grupo da sétima série.
Após o término dessa atividade de produção eles apresentaram oralmente para os colegas os passos seguidos pelo grupo até a produção final do cartão.
Como última atividade, os alunos elaboraram um cartaz para expor os “cartões telefônicos” produzidos pelas três turmas e o colocaram num ponto estratégico na Escola a fim de compartilhar com os demais colegas e professores as produções desenvolvidas nas oficinas.
Esses encontros possibilitaram aos alunos uma visão distinta de se trabalhar com a linguagem em sala de aula a partir de um gênero tão recorrente no cotidiano, porém pouco investigado como metodologia de ensino da Língua Portuguesa. Conforme as descrições das atividades pudemos perceber que é necessário seguir um processo efetivo nas aulas de leitura e produção que compreende desde a leitura e análise conjunta até o nível da análise individual. Isso de certa forma, conduz o aluno a ler nas entrelinhas do texto, manifestar uma posição crítica acerca do discurso manifestado no gênero, desvendar as inferências, as verdadeiras intenções do autor e destacar os recursos não verbais e verbais necessários para haver a interação entre produtor e leitor. O trabalho com o cartão telefônico nos permitiu desenvolver a competência de leitura, de análise lingüística e da produção escrita e oral do aprendiz.
A busca de alternativas para o ensino da língua portuguesa, nos permite utilizar ferramentas que muitas vezes nos passa despercebido mesmo que muitas vezes sejam indispensáveis para a vida diária. De certa forma, o gênero cartão telefônico está inserido nessa lista de textos ainda pouco explorado no trabalho pedagógico, porém muito presente na sociedade. Em suma, o trabalho com os gêneros textuais nos permite repensar nas práticas de ensino a fim de buscar alternativas que propiciem ao aluno o acesso a diversos textos, contribuindo dessa forma para o desenvolvimento de seu caráter crítico em relação às distintas práticas discursivas que estão inseridas no seu contexto tanto escolar quanto familiar.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ANTUNES, Irandé. Aula de português encontro &
interação. São Paulo: Parábola Editorial,2003.
BAKHTIN, Michael.Estética
da criação verbal. São Paulo:
Martins Fontes, 1997.
BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros
Curriculares Nacionais; 3º e 4º ciclos do ensino fundamental- Língua
Portuguesa. Brasília:MEC/SEF, 1997.
DIONÍSIO, Ângela Paiva, Anna Rachel Machado e Maria
Auxiliadora Bezerra (Orgs.).Gêneros
textuais & ensino.2.ed.
Rio de Janeiro: Lucema, 2002.
MAINGUENEAU, D. Análise
de textos de comunicação.Tradução de Cecília P. de Souza-e-Silva e Décio
Rocha. São Paulo: Córtex, 2001.
MEURER, J. L. & MOTTA-ROTH, D. (Orgs) Gêneros textuais e práticas discursivas. Bauru, SP: Edusc,2002.
MEURER, J. L., BONINI, A & MOTTA-ROTH, D. (Orgs) Gêneros
teorias, métodos, debates. São Paulo: Parábola, 2005.
SCHNEUWLY, Bernard & DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas, SP: Mercado de
Letras, 2004.
*Trabalho vinculado ao projeto “Oficinas de práticas de leitura e produção sob a perspectiva de gêneros textuais” desenvolvido na UFSM com o auxílio da FAPERGS.
¹Professoras coordenadoras e orientadoras.
²Aluna bolsista do programa PROLICEN/UFSM.
³Alunas participantes do projeto.