A disciplina de Língua Portuguesa no ensino a distância: uma experiência desafiadora
Mozara Rossetto da Silva
(Universidade Luterana do Brasil – ULBRA)
"Experiência não é o que acontece com um
homem;
é
o que um homem faz com o que lhe acontece."
(Aldous Huxley)
Uma sala de aula virtual...sem o tradicional
quadro-negro e giz, nem professor e aluno frente a frente, e só um computador
unindo (ou separando )os dois ? É possível a prática da língua portuguesa a
distância de forma comprometida e buscando resultados realmente efetivos? Esses
são apenas alguns dos questionamentos feitos quando se recebe a incumbência de
trabalhar com uma disciplina de graduação na modalidade EAD e é necessário
desenvolver uma metodologia de aprendizagem
centrada no aluno, interativa e com recursos tecnológicos.
A tarefa não é das mais
fáceis, pois a palavra-chave é interação e a preparação do tutor é uma das
etapas mais importantes no processo de criação e desenvolvimento de uma
disciplina virtual. Ele deve receber primeiramente um treinamento técnico -
através do qual vai se familiarizar com as ferramentas disponíveis na
plataforma – e depois uma orientação pedagógica – para ser orientado quanto à preparação do material de ensino, os
tipos de avaliação adequados e como proceder com os alunos.
A distância entre o tutor e
seus alunos é somente aparente, pois o aluno precisa sentir que o professor
está sempre próximo, como se o contato fosse durante as vinte e quatro horas do
dia, (mesmo não sendo de fato ). Tirar as dúvidas, acompanhar o desempenho do
aluno e incentivar o seu aprendizado são tarefas permanentes.
Especificamente em relação ao ensino da língua materna, há várias habilidades, competências e resultados que se esperam do aluno nesta nova modalidade:
1. Competências de auto-orientação
O aprendizado de auto-orientação é uma forma de estudo na qual o
estudante possui a responsabilidade primária para planejar, executar e avaliar
seus esforços. Como os conteúdos da disciplina são disponibilizados na plataforma
e na biblioteca virtual para impressão e os exercícios vêm acompanhados com
sugestões de respostas, em datas previamente estabelecidas, o próprio aluno
deve se organizar em relação ao tempo e ao desenvolvimento das atividades.
Convicções como “Eu preciso aprender”,“Eu sou responsável por meu
aprendizado” e “Eu posso aprender”são
essenciais nesse primeiro momento e ao longo de todo o curso, visto que
demonstram autoconhecimento, auto-suficiência e autoconfiança, ingredientes
básicos para o aluno virtual.
2. Competências Metacognitivas
Os alunos de língua portuguesa a distância são em grande parte
responsáveis pela estrutura de seu processo de aprendizagem, eles precisam
entender como a linguagem se constrói e de que forma ela pode ser praticada e
aprimorada. Devem planejar um programa de estudo com estratégias que melhor
funcionem para eles.
Algumas técnicas bem sucedidas adotadas pelos alunos incluem: leitura
cuidadosa do conteúdo; anotações; revisões de tópicos; prática através dos
exercícios disponibilizados; conferência com o gabarito; contato imediato com o
tutor para esclarecimentos das questões com respostas divergentes através das
ferramentas disponibilizadas na plataforma ( e-mail, chat ou fórum ) ou
telefone 0800 ( nos horários de plantão do professor já informados a todos os
alunos ); envio das produções textuais por e-mail, para correção individual, ou
postadas no fórum, para apreciação e comentários do professor e dos colegas.
Através da correção dos exercícios e da análise das produções textuais,
o aluno pode refletir sobre o seu processo de aprendizagem ( “Eu sei como eu aprendo” ) e se auto-avaliar
(“ Eu sei se estou aprendendo”).
3. Competências de Colaboração
As competências de colaboração são aquelas necessárias quando se
participa de uma atividade on-line síncrona ou assíncrona, o que pode incluir
sessões de chat, troca de e-mails, fóruns de discussão.
A escrita numa sala de chat, num fórum de discussão ou num e-mail deve ser clara, concisa e livre de erros de lógica e gramaticais. Uma das vantagens do ambiente assíncrono, assim como dos fóruns de discussão, é que o aluno tem tempo para checar as informações, refletir e se posicionar antes de publicar sua opinião. Muitas vezes, a personalidade do aluno virtual se manifesta nesta escrita e algumas confusões, dúvidas e até constrangimentos podem ocorrer. E o ideal, que deveria ser: “Eu sei o que você quer dizer e você sabe o que eu quero dizer”, passa a ser “E o que é que eu digo agora?”.
Durante esses semestres de experiência como tutora, fui reaprendendo a utilizar uma ferramenta que já me parecia internalizada: a linguagem. De repente, me vi tendo que refletir muito entre a escolha dessa ou daquela palavra, dessa ou daquela construção sintática, sempre com o objetivo de ser o mais clara, objetiva, entre formal ( afinal, professora de português ! ) e informal ( para não parecer pedante! ) explicativa e atenciosa e, na medida do possível, afetiva, sem ser piegas . Escrever nunca foi uma tarefa fácil, todos sabem disso, quanto mais escrever como se estivesse falando! E com uma comunicação dialógica como meta, sempre à espera de um retorno, de uma via de mão dupla, pois, do contrário, caímos no “falou e está acabado”.
E como responder “polidamente” àquele aluno que é explicitamente grosseiro e não faz o menor esforço para medir as palavras? Àquele que se diz surpreso por perceber que fazer uma disciplina a distância implica leitura, acessos regulares, dedicação e não apenas “alguns momentos”( expressão usada por um aluno para classificar o tempo que seria necessário, na sua visão, para a aprovação ! )? É respirar fundo, não responder em seguida, na “afobação do momento” ( isso eu também já aprendi!), deixar a “poeira baixar” e depois, numa inspiração quase divina, lembrar que a nossa função como professores é cativar, incentivar,motivar e tentar explicar essa ou aquela situação com tranqüilidade e tolerância. Afinal, se para nós é difícil lidar com as palavras, para o nosso aluno com certeza essa tarefa também não é das mais fáceis e quem sabe não foi nessa falta de domínio da linguagem que ele se perdeu?
Não tenho respostas e fórmulas prontas e nem sei se elas em algum lugar existem... o que sei de fato é que depois de 17 anos de sala de aula, me vi novamente em um constate aprendizado, em busca do “como” e do “quando” dizer, sentindo-me numa nova fase de alfabetização... e se isso mexe com a gente e renova nossos horizontes é porque é muito bom, não é mesmo?
Algumas diferenças marcantes entre a Educação Presencial e a Educação a Distância :
ASPECTO |
EDUCAÇÃO PRESENCIAL |
EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA |
DESENVOLVIMENTO DO CONTEÚDO |
O professor é o centro do processo ensino-aprendizagem. É ele quem transmite, desenvolve e conduz o conteúdo a maior parte do tempo. |
O aluno é o centro. O conhecimento do conteúdo dá-se primeiramente através da LEITURA individual .O conteúdo é desenvolvido e aprofundado de acordo com as interferências do aluno. |
RELAÇÃO ENTRE PROFESSOR E ALUNO |
A relação entre o professor e a turma é mais abrangente, genérica e impessoal. Dificilmente há contatos individuais com todos. |
O contato é mais personalizado. É possível dirigir-se a cada aluno em particular durante várias vezes ao longo do curso. |
TEMPO DE ESTUDO |
O tempo disponível para o conteúdo fica restrito às horas da aula. É ilusão do professor pensar que seus alunos presenciais realmente fazem revisões e se preparam para a aula seguinte. O que normalmente acontece é a retomada do conteúdo condicionada à presença do professor em sala. |
Tanto o professor quanto o aluno distribuem o tempo de acordo com suas necessidades e possibilidades. O conteúdo está sempre sendo revisto e praticado. |
DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES |
O conteúdo é transmitido de forma genérica para todos. Raramente são levadas em conta dificuldades ou facilidades pessoais. O ritmo é o mesmo para todos. |
As particularidades de acompanhamento do conteúdo são levadas em consideração. Aquele aluno que tem mais dificuldades e é mais lento, pode ser incentivado com atividades extras de acordo com suas possibilidades e considerando o seu grau de conhecimento. O mesmo acontecendo com o aluno que está mais adiantado, o qual pode ser orientado a avançar suas pesquisas a fim de aprofundar ainda mais o seu domínio. |
Conclusão
Ser um professor de língua portuguesa
a distância prevê um apoio pedagógico às atividades dos alunos e uma
responsabilidade no auxílio das dificuldades; orientar os estudos, explicar
metodologias, programar estudos, encaminhar e acompanhar as atividades, além de
abarcar tarefas de caráter pessoal como orientar, animar, motivar, ajudar,
tentar recuperar o aluno que está se evadindo e até “engolir alguns desaforos”,
visto que, a distância, é mais fácil “expor certos posicionamentos” nem sempre
polidos e educados.
A principal vantagem dessa metodologia é o exercício constante e obrigatório da linguagem, já que, sem as leituras prévias dos conteúdos não há como acompanhar as aulas e o aluno precisa REDIGIR (elaborar /codificar) até mesmo os seus questionamentos e descodificar as respostas às suas dúvidas. O trabalho com a linguagem escrita está sempre em pauta: Acessou o ambiente virtual, está lendo, interpretando, argumentando, redigindo...
É imprescindível que o tutor conheça o projeto didático-pedagógico e o
material didático da disciplina sob sua responsabilidade, demonstrando domínio
do conteúdo específico da área; que oriente o aluno para o estudo a distância,
buscando mostrar a necessidade de se adquirir autonomia de aprendizagem,através
da construção de uma metodologia própria de estudo; que indique ao aluno a necessidade de pesquisar a
bibliografia sugerida no material didático, no sentido do aprofundamento do
conteúdo da disciplina. Enfim, há de ser o tutor uma pessoa aberta para
aprender, disposta a pesquisar e se autodesafiar para que possa transmitir
essas mesmas características a seus alunos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Mª Elizabeth B.; PRADO, Mª Elisabete B. Brito; VALENTE, José Armando(Org).Educação a Distância Via Internet. São Paulo: Avercamp, 2003.
BARRETO, Raquel Goulart (org). Tecnologia educacionais e educação a distância: avaliando políticas e práticas. Rio de Janeiro: Quartet, 2001.
FIORENTINI, Leda Maria Rangearo,
MORAES, Raquel de Almeida. Linguagens e interatividade na educação a
distância. Rio de Janeiro:
DP&A, 2003.
SILVA, Marco (org). Educação Online. São Paulo: Loyola, 2003.