COESÃO TEXTUAL EM CONTRASTE: ALUNOS DE ESCOLA PÚBLICA E PRIVADA[1]

 

AUTORA: Maristela RABAIOLLI[2]

(Instituto de Letras da UFRGS)

ORIENTADORA: Profª Drª Maria José Bocorny FINATTO[3]

(Instituto de Letras da UFRGS)

 

RESUMO: este trabalho pretende, sob a ótica da Lingüística Textual, verificar em que medida se diferenciam, em termos de coesão, textos de alunos de escola pública e privada. A partir da observação da coesão referencial e seqüencial sugerem-se alguns procedimentos para auxiliar o aluno a refletir sobre a arquitetura coesiva do texto.

 

PALAVRAS-CHAVE: produção textual; lingüística textual; textualidade; coesão textual; redação.

 

1.Introdução

Avaliar uma redação, seja em um ou mais aspectos, foi e continua a ser uma árdua tarefa para a maioria dos professores tanto quanto o é para o aluno escrevê-la. A impressão que se tem é a de que, de posse do texto, os professores não têm bem claro o que e como avaliar. Isso ocorre porque, no mais das vezes, eles acreditam que a avaliação tem um caráter meramente subjetivo e, por conseguinte, têm dificuldades em estabelecer critérios prévios e objetivos para avaliar os textos de seus alunos.

Em vista disso, este trabalho visa a um triplo propósito. Em primeiro lugar, busca dar a conhecer algumas das contribuições da Lingüística Textual para o professor que atua no ensino de produção textual. Tais contribuições dar-se-ão, tanto sob o aspecto teórico quanto sob o aspecto prático, ao demonstrar que é possível avaliar um texto do gênero redação escolar tomando-se por base um ou mais fatores de textualidade, dentre os sete propostos por Beaugrande e Dressler (1981), a saber: coesão, coerência, aceitabilidade, informatividade, intencionalidade, intertextualidade e situacionalidade (apud KOCH, 1991:12).

Em segundo lugar, pretende comparar textos de alguns alunos de escola pública estadual de periferia com outros de escola privada, a fim de verificar como eles empregam os recursos coesivos e se o fazem adequadamente ou não.

Em terceiro lugar, propõe apresentar uma técnica, sem pretensão de originalidade, a ser utilizada em sala de aula, para que os alunos exercitem a coesão textual de modo a associar a teoria à prática.

No que diz respeito ao fator de textualidade aqui tratado – a coesão textual – serão adotados, como referenciais teóricos, os estudos feitos por Ingedore Koch (1991), Leonor Lopes Fávero (2003) e Halliday e Hasan (1976). Isso porque, tais autores estão ou estiveram engajados em pesquisar, divulgar e multiplicar os estudos na área da Lingüística Textual. Permitem, portanto, que, com base em seus estudos, se possa mostrar a importância dessa vertente lingüística para o ensino de produção de texto.    

Os objetivos acima expostos se justificam pela necessidade de se promover uma reflexão acerca dos textos produzidos na escola, uma vez que, é geral a reclamação, não só por parte dos professores, mas de boa parcela da sociedade, de que os alunos, sobretudo os da escola pública, não sabem ler nem escrever “direito”. Justifica-se, também, porque, em entrevista concedida à revista ReVEL (2003), Koch assim se pronuncia:

 

(...) uma metodologia que valorize atividades de leitura e produção de texto que levem o aluno a refletir sobre o funcionamento da língua nas diversas situações de interação verbal, sobre o uso dos recursos que a língua lhes oferece para a concretização de suas propostas de sentido, bem como a adequação dos textos a cada situação, ainda está longe de se tornar realidade.

 

 

Nesse contexto, este estudo pretende responder à seguinte Pergunta: em que medida se diferenciam os textos dos alunos de escola pública e privada em termos de coesão textual?  Para buscar resposta a essa pergunta, será examinada uma amostra de quatro redações: duas de uma escola pública de periferia e duas de uma escola privada. 

Na seqüência, este trabalho apresentará uma revisão da literatura acerca das noções de texto, de não-texto e de coesão textual na visão dos autores citados; os materiais e métodos empregados na elaboração do estudo; a descrição e a análise do corpus; uma atividade a ser usada em sala de aula para exercitar o uso adequado de recursos de coesão textual; as considerações finais do estudo e, por último, a bibliografia utilizada para tais fins.

 

2. Concepções sobre texto e coesão textual

Antes da descrição e análise das redações propriamente ditas, convém definir o que é texto. Saussure, há muito, asseverava que “o ponto de vista constitui o objeto”, logo, dependendo da perspectiva teórica adotada, a concepção de texto pode variar e muito. Entretanto, para o momento, a definição do termo texto, na perspectiva da Lingüística Textual, segundo Fávero e Koch (2002), basta para este propósito. Para elas, o termo texto pode ser tomado em duas acepções:

 

Texto, em sentido lato, designa toda e qualquer manifestação da capacidade textual do ser humano, (quer se trate de um poema, quer de uma música, uma pintura, um filme, uma escultura etc.), isto é, qualquer tipo de comunicação realizado através de um sistema de signos. Em se tratando de linguagem verbal, temos o discurso, atividade comunicativa de um falante, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados produzidos pelo locutor (ou por este e seu interlocutor, no caso do diálogo) e o evento de sua enunciação. O discurso é manifestado, lingüisticamente, por meio de textos (em sentido estrito). Nesse sentido, o texto consiste em qualquer passagem, falada ou escrita, que forma um todo significativo, independente de sua extensão. Trata-se, pois, de uma unidade de sentido, de um contínuo comunicativo contextual que se caracteriza por um conjunto de relações responsáveis pela tessitura do texto – os critérios ou padrões de textualidade entre os quais merecem destaque especial a coesão e a coerência (FÁVERO E KOCH, 2002:25).

 

Fica claro, então, que texto é uma unidade lingüística concreta em uma dada situação comunicativa. Já o não texto equivaleria, em princípio, a um amontoado aleatório de palavras e/ou frases, isento de elementos coesivos e de sentido. Quanto ao conjunto de relações responsável pela tessitura do texto, acima mencionado, esse diz respeito aos sete fatores de textualidade propostos por Beaugrande e Dressler (apud KOCH, 1991:12) anteriormente citados.

Cumpre destacar que, no universo da textualidade, a coesão é uma propriedade importante. Por isso, convém definir, também, o que é coesão textual e como ela se apresenta num determinado texto. Para Halliday e Hasan (1976) a coesão é a porta de entrada para descrever e explicar o texto. Eles definem a coesão como “um conceito semântico que se refere às relações de sentido existentes no interior do texto e que o definem como um texto” (apud KOCH, 1991:17). Para esses autores, a coesão ocorre quando a interpretação de um elemento no discurso é dependente da de outro. Dizendo de outro modo, a coesão é uma espécie de “elo” onde um elemento, para ser interpretado, pressupõe outro. Citam como principais fatores de coesão: a referência, a substituição, a elipse, a conjunção e a coesão lexical.

Neste trabalho, far-se-ão o levantamento e a análise de alguns recursos de coesão referencial e seqüencial utilizados ou não pelos alunos de ambas as escolas. A coesão referencial segundo Koch (1991:30) “é aquela em que um componente da superfície do texto faz remissão a outro(s) elemento (s) do universo textual. Este último, também chamado de referente textual, pode ser representado por um nome, um sintagma, um fragmento de oração, uma oração ou todo um enunciado”. Já a coesão seqüencial, para a autora (1991:49) “diz respeito aos procedimentos lingüísticos por meio dos quais se estabelecem, entre segmentos do texto (enunciados, partes de enunciados, parágrafos e mesmo seqüências textuais), diversos tipos de relações semânticas e /ou pragmáticas, à medida que se faz o texto progredir”.

 Com relação aos primeiros, observar-se-á o uso de anáforas (quando o referente precede o item coesivo) e catáforas (quando o referente vem após o item coesivo) bem como a pronominalização. Quanto aos segundos, as conjunções aditivas, adversativas, causais, temporais e continuativas e/ou de valor equivalente.

 

3. Materiais e métodos

O material de estudo nesta pesquisa é composto por redações de alunos que freqüentam a 7ª série do ensino fundamental. Dentre, aproximadamente, 100 textos sobre um mesmo tema, quatro foram escolhidos aleatoriamente para serem descritos e analisados quanto à sua coesão textual. Dois desses textos são produzidos por alunos de uma escola pública de periferia, localizada na Ilha da Pintada, em Porto Alegre. Os outros dois, são da autoria de alunos de uma escola privada, da cidade de Canoas - RS.

Os alunos da primeira pertencem, economicamente, às chamadas classes média-baixa e baixa.  Seus pais exercem profissões as mais variadas, como conseqüência, possuem pouca ou nenhuma escolaridade. Já os alunos da segunda escola, conforme relata a professora responsável, pertencem às classes média-média ou média-alta. Seus pais têm profissões que exigem maior nível de escolaridade e, conseqüentemente, são mais bem remuneradas: advogados, engenheiros, empresários.

Independentemente do contexto social em que se inserem tais escolas, sabe-se que ambas as comunidades enfrentam problemas relacionados às drogas. Isso porque, o uso dessas substâncias já se tornou, praticamente, uma epidemia em nossa sociedade. Assim, o tema proposto para a redação, foi o seguinte:

 

No Brasil e no mundo, apesar das campanhas de combate às drogas e ao narcotráfico, o consumo de substâncias que causam danos graves à saúde e podem levar à morte cresce assustadoramente. Hoje, não só adultos e adolescentes, mas também crianças consomem drogas de todo tipo: lícitas e ilícitas. Escreva um texto opinando sobre esse problema que afeta milhões de jovens no mundo inteiro.

 

Quanto ao método empregado neste trabalho, privilegiar-se-á o indutivo, ou seja, após o levantamento dos dados presentes na amostragem, far-se-á uma análise, tanto sob o aspecto quantitativo como sob o aspecto qualitativo, dos recursos de coesão observados nos textos. Para tal fim, criou-se uma tabela na qual são feitos o registro e categorização de tais recursos.

 

4. Descrição do corpus

Coesão

4.1  Resultados quantitativos

Quadro comparativo entre os textos produzidos nas duas escolas

Escola PÚBLICA ESTADUAL[4]

escola PRIVADA[5]

Recursos de coesão referencial

Recursos de coesão referencial

 

anáfora

catáfora

pronominalização

total

 

anáfora

catáfora

pronominalização

total

Texto 1

0

1

4

 

5

Texto 3

2

0

3

5

Texto 2

5

0

3

8

Texto 4

1

1

11

13

Recursos de coesão seqüencial

Recursos de coesão seqüencial

 

conjunções

 

conjunções

 

aditiva

adversativa.

causal

temporal

continuativa ou equivalente

total

 

aditiva

adversativa.

causal

temporal

continuativa ou equivalente

total

Texto 1

 

3

2

0

4

8

17

Texto 3

5

1

2

2

5

15

Texto 2

 

2

0

2

4

4

12

Texto 4

2

1

0

3

13

19

 

Texto 1

 

Nº total de recursos utilizados

22

Texto 3

Nº total de recursos utilizados

20

Texto 2

 

Nº total de recursos utilizados

20

Texto 4

Nº total de recursos utilizados

32

 

Soma total

 

42

 

Soma total

52

 

4.2 Aspectos qualitativos – avaliação

Ao analisarmos os dados da tabela e os textos em anexo, o que mais chama a atenção é o texto nº 4, pois é o que mais contrastes apresenta em relação aos demais. Nele há um número significativo tanto de recursos de coesão referencial (doravante RCR) como de recursos de coesão seqüencial (doravante RCS). Seu produtor empregou, no primeiro caso, 13 recursos e, no segundo, 19, totalizando 32. Entretanto, dos 13 RCR utilizados, 11 são pronominalizações, logo, houve pouca diversificação. Além disso, dentre os 13 remetimentos, 7 foram empregados de modo inadequado e 6 adequadamente. Também os recursos de coesão seqüencial foram pouco diversificados, pois dos 19 utilizados, 13 são de ordem continuativa ou equivalente.

Quanto ao texto nº 3, também da EP, o mesmo apresenta 20 recursos. Desses, 5 são RCR e 15 RCS. Dentre os 5 primeiros, 3 estão adequadamente empregados e 2 não. Por sua vez, o texto nº 1 da EE possui 5 RCR e 17 RCS, totalizando 22 recursos. Dos 5 RCR, todos foram adequadamente empregados. O mesmo ocorre com o texto nº 2 também da EE. Seu produtor empregou 8 RCR e 12 RCS, totalizando 20 recursos. Todos os 8 RCR foram adequadamente empregados.

Na comparação com os demais, verifica-se que o texto nº 4 apresenta:

a)      10 recursos a mais do que o texto n° 1 da EE  cujo produtor empregou 22 recursos;

b)      12 recursos a mais do que o texto nº 2 da EE cujo produtor empregou 20 recursos e

c)      12 recursos a mais do que o texto nº 3 da EP, cujo produtor, além de seu colega de escola, empregou, também, 20 recursos.

Assim, se somarmos o número de recursos coesivos, tanto de ordem referencial como seqüencial, empregados pelos alunos da EE, veremos que eles somam, juntos, 42. Já os alunos da EP, juntos, totalizam 52 recursos. Veremos, a seguir, se o número elevado de tais recursos contribui, do ponto de vista da coesão, para a qualidade dos textos.

É senso comum dizer que quantidade não é sinônimo de qualidade. Aqui, essa assertiva se confirma, pois se verifica que o uso dos muitos recursos de coesão que fez o produtor do texto nº 4 da EP não contribuiu para que fosse considerado, do ponto de vista da coesão, de excelente nível. Isso porque, para que tal acontecesse, seria necessário que os recursos fossem não só diversificados, como também adequadamente empregados. 

Vejamos um excerto desse texto que comprova o emprego inadequado de alguns desses recursos:

(...) então uma galera super popular lhe convida para sair, então você aceita, ao chegar la eles lhe oferecem alguma droga como maconha ou cocaína então você pensa, se eu não aceitar eles vão me chamar de careta e não vou nunca mais poder andar com eles, o que faso? Mas vai ser só uma vez. Então você aceita[6].

 

Com relação aos RCR destacados em negrito, nota-se o uso de 4 retomadas pronominais. Tais pronomes foram empregados, do ponto de vista gramatical, de forma inadequada. Comecemos pela retomada pronominal demonstrativa (advérbio de lugar). Ela não remete a nenhum termo anteriormente expresso. Entretanto, parece referir-se ao verbo sair, visto que quem sai, costuma sair de ou para algum lugar. Daí, talvez, o seu emprego inadequado.

O mesmo ocorre com o pronome da 3ª pessoa do plural eles empregado 3 vezes. É fácil deduzir que esse pronome procura remeter ao sintagma nominal uma galera super popular. Isso porque, o nome galera, como se sabe, é uma gíria com valor de coletivo, pois representa um grupo de pessoas. No entanto, em lugar do pronome eles, o aluno, para retomar tal sintagma, deveria ter empregado o pronome ela.

Quanto aos RCS, percebe-se pouca diversidade. A palavra então, por exemplo, é repetida 4 vezes e as palavras mas, se e e uma vez. Nota-se que o uso de tais conectores, muito mais do que estabelecer relações semânticas e/ou pragmáticas entre segmentos do texto, visa a fazer com que o texto progrida. Quanto à palavra então, sua repetição ilustra a oralidade presente na escrita.

 Vejamos, agora, um excerto do texto nº 2 da EE e o emprego adequado de alguns recursos coesivos:

 

Hoje, apesar dos riscos bem conhecidos, as pessoas continuam a abusar de drogas, e esse abuso continua a destruir vidas.

Em muitos casos, pessoas envolvidas com drogas são responsáveis por crimes. E por causa do abuso de droga muitas se tornam vítimas da violência, até mesmo vendendo seu corpo para conseguir dinheiro para comprar drogas.

 

Como se pode notar, as referências pessoais, em negrito, estão adequadamente empregadas. O demonstrativo esse é aqui categorizado como um elemento anafórico, visto que a remissão é feita para trás, isto é, remete ao enunciado anteriormente expresso. Também estão adequadamente empregados o pronome indefinido muitas, que retoma o sintagma nominal pessoas envolvidas com drogas, e o possessivo seu, referindo-se ao corpo das pessoas..

Convém ressaltar que, apesar de o excerto acima mostrar o uso adequado de alguns recursos de coesão referencial, os produtores dos quatro textos demonstraram ter dificuldades em utilizar elementos de referenciação.  Com relação aos RCS utilizados nesse texto, os mesmos estão bem diversificados e adequadamente empregados, pois estabelecem relações entre segmentos do texto buscando sua progressão. 

Nota-se que houve, em todos os textos, o emprego de um maior número de recursos de coesão seqüencial em detrimento dos de coesão referencial. Aparentemente, os alunos têm mais facilidade em utilizar recursos lingüísticos que dão conta da progressão textual do que os que têm por função fazer remetimentos a um outro elemento do texto. Um dos motivos para essa preferência, talvez seja porque os primeiros foram usados de forma espontânea e estão mais presentes na oralidade do que os segundos. 

Por conta disso, um dos maiores obstáculos encontradas no corpus diz respeito à pontuação. Devido à sua falta e/ou seu emprego equivocado, tornou-se difícil estabelecer onde terminava um período e começava outro. Daí a dificuldade em averiguar se o conector estava aplicado adequadamente ou não. Em textos bem pontuados, obviamente, essa investigação torna-se mais fácil.

Convém lembrar que os quatro textos apresentam problemas não só de estrutura e conteúdo como também de expressão. No entanto, não é objeto deste trabalho fazer tal investigação e sim analisá-los segundo sua coesão.  

Cumpre ressaltar, aqui, que a escola pública estadual vive, há décadas, uma profunda crise. Por conta disso, é vista pela sociedade, de maneira quase unânime, como a escola que oferece ensino de baixa qualidade. De fato, isso é verdade. E, dentre tantas razões, uma se deve à falta de capacitação dos professores, visto que são poucos os que estão dotados de um instrumental teórico e prático adequado para o desenvolvimento da competência textual dos alunos. Isso se reflete não só em concursos vestibulares como também no ENEM, exames  supletivos e outros.

A escola privada, no entanto, é vista com outros olhos. Dispõe de melhor infraestrutura, seus professores são bem mais capacitados e melhor remunerados, pois precisam estar em consonância com o padrão econômico-cultural de seus alunos. Até os professores da escola pública reconhecem isso, pois colocam seus filhos para lá estudarem quando, evidentemente, dispõem de recursos para tal.

Nesse âmbito, as análises feitas no corpus, ainda que de pequena amostragem, revelam que os textos da escola particular investigada se diferenciam de modo significativo dos da escola pública, não só quantitativamente como também qualitativamente. Do ponto de vista quantitativo, essa diferença reside no fato de que os alunos da primeira escola empregaram 52 recursos coesivos e os da segunda escola 42. Já do ponto de vista qualitativo, tais recursos, na maioria das vezes, não foram adequadamente aplicados, logo, a condição sócio-econômica, bem como o acesso facilitado aos meios de informação e produção de conhecimento nem sempre contribuem para a escritura de textos mais coesos. Outros fatores merecem, também, ser objeto de pesquisa.

Se o uso de recursos coesivos é pouco exercitado em sala de aula, apresentam-se, abaixo, alguns procedimentos para ajudar os professores a exercitarem seus alunos no emprego adequado de tais recursos. Esses procedimentos visam a levá-los não só a refletir sobre a arquitetura coesiva dos textos que produzem, como também a minimizar as dificuldades que, porventura, apresentam durante sua escritura. Para isso, os seus próprios textos (como se verá mais adiante) poderão servir de instrumento para o exercício da coesão textual.

 

6. Bases para uma proposta que auxiliam o aluno a pensar sobre a “arquitetura coesiva do texto”

1-     É importante levar o aluno a perceber que um texto é uma unidade, um todo significativo e não um simples somatório de frases e, que tais frases, se ligam umas às outras por meio de conectores.

2-     Durante as atividades de leitura, o professor deve chamar a atenção do aluno para os diferentes tipos de conectores, sejam eles de ordem referencial, seqüencial ou de outra ordem.

3-     Tão logo o aluno adquire essa consciência, é fundamental conduzi-lo a concentrar sua atenção nos conectores interfrásicos. Um bom exercício é pedir que o aluno substitua os conectores utilizados num determinado texto por outros que exprimam a mesma relação, ou, diversamente, propor ao aluno que altere a relação, levando-o a concluir que, com isso, ele modifica o sentido do texto.

4-     No momento da produção textual, pedir ao aluno que observe os conectores que ele vai utilizar e que verifique se eles são adequados para expressar o seu ponto de vista.

5-     Sempre que o aluno empregar um conector inadequado, o professor deve, junto com o ele, retornar ao texto para levá-lo a refletir sobre tal uso e pedir-lhe que substitua o conector por outro, a fim de exprimir a relação desejada.

6-     Um excelente exercício para levar o aluno a pensar sobre qual conector deve ser utilizado num determinado contexto é a aplicação da técnica Cloze. Essa técnica consiste em eliminar aleatória ou sistematicamente as palavras de um texto para que o aluno tente reproduzi-las enquanto lê, apoiado no contexto das palavras restantes.

7-     O professor pode, ainda, propor que o aluno escreva paráfrases de pequenos textos sem, contudo, substituir os conectores.

8-     O contrário também pode ser feito, ou seja, o aluno copia fielmente pequenos textos, porém deverá substituir os conectores por outros que estabeleçam a mesma relação.

Vejamos, agora, a aplicação da técnica Cloze tomando-se como exemplo uma redação do corpus. Além de valorizar o texto do aluno, essa técnica tem como objetivos fazer com que os alunos reflitam sobre a arquitetura coesiva do texto e exercitem o uso dos recursos coesivos. Nesse texto, o professor pode, num primeiro momento, eliminar os recursos de coesão referencial e, posteriormente, os de coesão seqüencial. Ou, se achar conveniente, ele pode, ainda, fazer as devidas correções tanto sob o aspecto da estrutura e conteúdo como o da expressão. A redação utilizada é a de nº 2 da EE e consta dos anexos. Os recursos de coesão seqüencial estão destacados em uma caixa de texto, e os recursos de coesão referencial marcados em negrito.

 

As “Drogas” e sua cruel realidade


 Hoje, apesar dos riscos bem conhecidos, as pessoas continuam a abusar de drogas, e esse abuso continua a destruir vidas.

Em muitos casos, pessoas envolvidas com drogas são responsáveis por crimes. E por causa do abuso de droga muitas se tornam vítimas da violência, até mesmo vendendo seu corpo para conseguir dinheiro para comprar drogas.

O uso de drogas não é problema exclusivo dos pobres, das minorias ou das pessoas que moram em favelas. O usuário de drogas vêm de todo o país.

O que é muito comum hoje é se oferecer drogas em escolas e lugares públicos. Geralmente a cocaína, como se diz também um “basiado”.

Hoje muitos pais tem aconselhado seus filhos a não usarem drogas. Por causa do uso de drogas ingetáveis, muitas pessoas tem pegado doenças como a Aids.

Muitas morrem por essesso de drogas, outras por pegarem doenças por seringas contaminadas.

Nunca deixe isso acontecer com você. Lembre-se que:

“O uso de drogas é um comportamento evitável. O vício de drogas é uma doença tratável”.


7. Conclusões

Este trabalho, no que se refere ao primeiro objetivo, demonstrou como professores de língua materna, dedicados ao ensino da produção textual, podem se beneficiar de algumas das contribuições que a Lingüística Textual oferece. Uma delas diz respeito aos fatores de textualidade, pois, se demonstrou que ainda é possível avaliar a redação escolar tomando-se por base um ou mais dos fatores citados. No caso presente, o fator de textualidade escolhido foi a coesão textual.

Tal demonstração se efetuou por meio do segundo objetivo, qual seja, o de comparar textos de alunos de escola pública e privada, como também poderia ter sido escolhido outros critérios para o mesmo fim. O terceiro objetivo foi demonstrado através da técnica Cloze.

Teceram-se, também, considerações a respeito de termos como: texto, não-texto e coesão textual. Sugeriram-se, ainda, procedimentos para auxiliar o aluno a refletir sobre a “arquitetura coesiva do texto” a fim de melhor construí-la.

Através da análise do corpus foi possível obter a seguinte resposta para a questão colocada no início do trabalho: os textos escritos pelos alunos da escola particular, investigada na amostragem, se diferenciaram significativamente dos da escola pública. Eles superaram em 23,8% o número de recursos coesivos empregados. A diferenciação se deu não só quantitativamente como também qualitativamente. No entanto, apesar de os alunos da primeira escola terem empregado um número maior de recursos coesivos, não significa que seus textos foram mais coesos e, portanto, de melhor qualidade. Isso porque, na maioria das vezes em que tais recursos foram empregados, eles o foram inadequadamente. Supõe-se que o uso se deu de modo mais espontâneo do que racional.

Nesse corpus foram observados apenas alguns fatores de coesão referencial e seqüencial. Vale ressaltar, além disso, que a coesão textual é um fator de textualidade bastante amplo, por isso, deixou-se de observar fatores como a substituição, a elipse e a coesão lexical. Também não se aprofundou a coesão do ponto de vista semântico como sugerem Halliday e Hasan (1976), pois, para a observância e aprofundamento de tais fatores, assim como os citados por Beaugrande e Dressler (1981), seria necessário um outro trabalho, visto que não é possível, em um espaço exíguo como este, abordar com profundidade tais fatores e tudo o mais que diz respeito à Lingüística Textual.

Como se pode notar, são muitas as contribuições que a Lingüística Textual oferece. No entanto, como toda e qualquer ciência, ela tem seus limites. Segundo Koch (2003 op. cit.), “a maior preocupação dessa vertente lingüística é o texto, o qual envolve todas as ações lingüísticas, cognitivas e sociais presentes em sua organização, produção, compreensão e funcionamento no seio social. Tais questões, contudo, só a interessam na medida em que ajudam a explicar o seu objeto de estudo - o texto - e não a sociedade, a mente, a História, objetos que são de outras ciências afins”.

Assim, a Lingüística Textual não pretende encerrar a discussão no que se refere aos estudos feitos na área da linguagem. Seus teóricos defendem que se faça uma gramática útil do texto, visto que, segundo Fávero (2003:5), “já se comprovou que as gramáticas da palavra e das frases não conseguem dar conta de fenômenos como a referência, a definitização, as relações entre sentenças não ligadas por conjunções, a ordem das palavras no enunciado, a entonação, a concordância dos tempos verbais, além de outros fenômenos que só podem ser explicados por meio de textos ou em referência a um contexto situacional”. 

Como se pode verificar, este trabalho priorizou a observação de alguns aspectos da coesão textual na prática das redações escolares. No entanto, a partir desse mesmo corpus, é possível analisar, além dos demais fatores de textualidade propostos por Baugrande e Dressler (1981), outros fatores como a construção do eu no discurso/texto, a subjetividade dos produtores dos textos, a polifonia e outros mais. Logo, este trabalho, que não ultrapassa os limites de um projeto piloto, abre possibilidades para incentivar investigações científicas futuras sobre a textualidade visando sua aplicação prática no ensino de língua materna.

 

ANEXOS

Seguem, abaixo, os textos dos alunos da EE e os da EP. Os recursos de coesão referencial estão em negrito e os de coesão seqüencial destacados em uma caixa de texto.

Texto nº 1 da EE

As drogas estão matando o mundo


Sabemos muito bem que hoje em dia no mundo inteiro existem vários consumidores de drogas.

Sabemos também que geralmente os consumidores de drogas compram seu produto através de traficantes.

Hoje em dia no Brasil á milhões de consumidores de drogas lícitas e ilícitas.

Hoje em dia em Porto Alegre não são só os adultos e os adolescentes que fumam maconha, craque, xaxise e cocaína mas as crianças de rua e também moradores fumam, principalmente a famosa cola de sapateiro, que causa um dano irregular na saúde desses moradores de rua.

No Brasil as pessoas falam que quem fuma maconha no começo depois pode usar drogas mais pesadas, mas não é bem assim. O usuário da maconha pode muito bem querer experimentar outros tipos de droga por intereçe ou porque a maconha não faz mais efeito no seu organismo.

A conclusão é que se não existisse o craque, a maconha, o ecstasy, a cocaína, a cola, o xaxise, as drogas injetáveis, o lança perfume, os anabolisantes o mundo de hoje seria bem melhor do que ele está nesse momento: “um completo e insasiável mundo das drogas”.


 


Texto nº 2 da EE

As “Drogas” e sua cruel realidade


Hoje, apesar dos riscos bem conhecidos, as pessoas continuam a abusar de drogas, e esse abuso continua a destruir vidas.

Em muitos casos, pessoas envolvidas com drogas são responsáveis por crimes. E por causa do abuso de droga muitas se tornam vítimas da violência, até mesmo vendendo seu corpo para conseguir dinheiro para comprar drogas.

O uso de drogas não é problema exclusivo dos pobres, das minorias ou das pessoas que moram em favelas. O usuário de drogas vêm de todo o país.

O que é muito comum hoje é se oferecer drogas em escolas e lugares públicos. Geralmente a cocaína, como se diz também um “basiado”.

Hoje muitos pais tem aconselhado seus filhos a não usarem drogas. Por causa do uso de drogas ingetáveis, muitas pessoas tem pegado doenças como a Aids.

Muitas morrem por essesso de drogas, outras por pegarem doenças por seringas contaminadas.

Nunca deixe isso acontecer com você. Lembre-se que:

“O uso de drogas é um comportamento evitável. O vício de drogas é uma doença tratável”.


 

Texto nº 3 da EP

As drogas



Eu acho que as drogas “permitidas” estão fazendo cada vez mais que as pessoas fiquem viciadas nela.

Já a droga “não permitida” estão fazendo com que adolecentes matem pessoas, robam e tudo mais por causa de esse vício que é causado pela droga.

Hoje em dia você passa numa praça e vê crianças e adolecentes de 10 e 15 anos cherando: craqui, cola cocaina e etc. também tem pessoas que compram em farmacias remedios e ficam viciados.

Hoje em dia os adolecentes tem curiosidade de saber como é sem mais nem menos entram pra aquele mundo cheio de drogas e não conseguem sair mais.

Alguns dizem que é uma sensação boa e por isso se drogam, é o que as pessoas falam.

A maioria das pessoas usam drogas para aliviar os estresse do dia-a-dia.

Eu acho que a maioria das pessoas tensam que tudo que é proibido se torna divertido.

Então eu acho que as pessoas deveriam ser livres desse mundo cheio de drogas coisas orriveis.


 

Texto nº 4 da EP

Uma droga de vida



Hoje em dia as drogas já estão se tornando comum entre jovens e adolescentes (em grande parte).

Na minha opinião muitos jovens procuram as drogas porque não sabem como resolver seus problemas ou simplesmente para se achar “maneiro”, muitas pessoas em escolas e faculdades querem andar com alguem popular ou algem que você admira muito, então uma galera super popular lhe convida para sair, então você aceita, ao chegar la eles lhe oferecem alguma droga como maconha ou cocaina então você pensa, se eu não aceitar eles vão me chamar de careta e não vou nunca mais poder andar com eles, o que faso? mas vai ser só uma vez. Então você aceita.

Então você fica super feliz pois conseguiu alcansar seu objetivo só que então começou tudo. Todos os dias que eles sairam eles sempre levaram maconha.

Com o passar do tempo ela foi se tornando rebelde tanto com seus e familiares quanto na escola.

Isso é um exemplo do que ocorre muitas vezes com adolescentes e jovens.

..........................................................................................................................................

Muitas vezes você pensa que a sua vida é uma droga e quando você tenta melhor pensando que as drogas é o melhor lugar dai sim que você acaba de entrar numa dro de vida!!


 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FÁVERO, Leonor Lopes. Coesão e coerência textuais. São Paulo: Ática, 2003.

FAVERO, Leonor & KOCH, Ingedore. Lingüística textual: introdução. 6ª ed. São Paulo: Cortez, 2002.

FINATTO, Maria José Bocorny. Elementos coesivos em redações de vestibulandos: um diálogo entre lingüística textual e avaliação. In Redação instrumental. 1ª ed. Porto Alegre: UFRGS, 2004.

HALLIDAY, M.A.K. e HASAN, Ruqaiya. Cohesión in English. London, Longman, 1976.

KIRST, Marta. O cloze na avaliação de textos em língua portuguesa. In Lingüística aplicada ao ensino de português. 2ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992.

KOCH, Ingedore & TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Texto e Coerência. 3ª ed. São Paulo: Cortez, 1993.

KOCH, Ingedore. A coesão textual. São Paulo: Contexto, 1991.

______________. O texto: construção de sentidos. In: Organon nº 23 vol.9. Porto Alegre: UFRGS, 1995.

______________. Dificuldades na leitura/produção de textos: os conectores interfrásicos. In Lingüística aplicada ao ensino de português. 2ª ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992.

______________. Entrevista sobre Lingüística Textual. Revista Virtual de Estudos da Linguagem - ReVel. Ano 1 , nº 1, 2003. [www.revelhp.cjb.net].

 

 

 



[1] Artigo de conclusão do primeiro curso de Especialização em Estudos Lingüísticos do Texto na UFRGS – edição 2004.

[2] Aluna do curso de pós-graduação em Estudos Lingüísticos do Texto; membro da banca de avaliadores do concurso vestibular da UFRGS 2005; professora na rede estadual de ensino, em exercício na Escola Estadual de Ensino Médio Almirante Barroso, na Ilha da Pintada, em Porto Alegre – RS.

[3] Doutora em Estudos da Linguagem: Teorias do Texto e do Discurso.

[4] Escola Pública Estadual, também denominada EE.

[5] Escola Privada, também denominada EP.

[6] Os excertos de textos serão transcritos conforme o original.  Não se fará, neles, nenhum tipo de correção quanto à estrutura e conteúdo ou quanto à expressão.