FLUXO DISCURSIVO: UM ESTUDO DAS CLÁUSULAS FINAIS*

 

 

Mariléia Silva da Rosa**

 

RESUMO

As cláusulas subordinadas finais estão sendo analisadas em uma visão funcionalista, tendo como um de seus pressupostos o princípio de que as regras da gramática emergem do uso, considerando as seguintes variáveis: posição, estatuto informacional e tipo de estrutura. As cláusulas subordinadas finais, em relação à posição, tendem a aparecer pospostas às cláusulas matrizes, introduzindo uma informação nova, e, em geral, são reduzidas. Quando ocorrem antepostas, a tendência é codificarem informação velha. A análise ainda evidencia que as cláusulas desenvolvidas, traduzem, em geral, informação nova, quando pospostas à matriz.

 

PALAVRAS-CHAVE: cláusulas finais, funcionalismo, dinamicidade.

 

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por objetivo estudar as cláusulas subordinadas finais. A partir disso, é considerada a mobilidade dessas cláusulas, que permite dinamizar o texto, tornando-o mais fluente. Sendo assim, escolhemos como linha teórica o funcionalismo, cujo pressuposto está em identificar as regras que regulam o funcionamento da língua.

 

DESENVOLVIMENTO

2.1. Funcionalismo lingüístico

O Funcionalismo Lingüístico preocupa-se com a comunicação, ou seja, considera o contexto semântico-discursivo. A partir disso, as estruturas lingüísticas não são escolhidas arbitrariamente, uma vez que são reguladas pelo uso, ou seja, as regras emergem do uso.

Esse princípio comunicativo pressupõe a intenção do emissor (processo mental), codificando em estrutura lingüística (significado); em  contrapartida o receptor decodifica  essa estrutura para chegar à intenção comunicativa: um tenta se fazer entender e o outro tenta entendê-lo. Assim, a análise se dá contextualmente, tendo como ponto de partida o discurso (coerência).

Dessa forma, a natureza multi-proposicional da comunicação identifica o contexto discursivo como o controlador das estratégias lingüísticas, que moldam a gramática. A gramática, por sua vez,

_______________________

* Trabalho vinculado ao projeto de pesquisa “Ordenação das cláusulas adverbiais”, sob a orientação da Profª. MSc. Tatiana Schwochow Pimpão.

** Acadêmica do 3º ano do curso de graduação em letras Português/Francês e bolsista do NELP (Núcleo de Estudos em Língua Portuguesa) da Fundação Universidade Federal do Rio Grande.

emerge de propósitos comunicativos, moldando o discurso.

A gramática para a comunicação adquire o estatuto de gramática provisória, flexível, adaptável aos propósitos dos participantes do contrato comunicativo. A gramática atua em dois níveis, codificando informações no âmbito das cláusulas e correlacionando essas informações proposicionais em uma comunicação.

Esta linha teórica, por analisar o discurso, o texto, pressupõe um encadeamento textual, mediante elementos como os coesivos. Estes elementos oferecem subsídios para o leitor compreender o texto, isto é, são responsáveis por conduzir a compreensão do leitor.

 

2.2. Metodologia

Este estudo tem como objetivo analisar produções textuais dos dois últimos anos do ensino fundamental (7ª e 8ª séries). Nestas produções estão sendo analisadas as cláusulas subordinadas adverbiais finais, a partir das seguintes variáveis: posição (anteposta,  intercalada, posposta) em relação à oração principal; estatuto informacional (informação nova, inferível, velha) e, por fim, o tipo de estrutura (flexão verbal desenvolvida ou reduzida).

A cláusula subordinada, quando anteposta, aparece antes da cláusula matriz; na posição intercalada, aparece no meio, ou seja, entre o sujeito e o predicado da cláusula matriz; na posição posposta, a cláusula subordinada está após a cláusula matriz.

Em relação ao estatuto informacional, pode-se dizer que, quando a informação for nova, está aparecendo pela primeira vez no texto; quando for inferível, a informação já apareceu, porém, não exatamente igual; e quando a informação for velha, esta mesma informação, tal qual, já apareceu anteriormente no contexto.

Além da posição e do estatuto informacional das cláusulas subordinadas, temos o tipo de estrutura, que, quando for desenvolvida, aparece com conectores introduzindo e com o verbo conjugado e, quando reduzida, o “que” estará presente e o verbo aparecerá no infinitivo.

Até o momento, foram obtidos 51 (cinqüenta e um) dados de cláusulas finais, recebendo um tratamento quantitativo e qualitativo.

 

2.3. Análise de Dados

No funcionalismo lingüístico, tudo é questão de tendência, uma vez que nada é categórico, ou 100 % aplicado, mas há tendências que direcionam uma conclusão. Dessa forma, pode-se dizer que as regras da língua não são prescritas, mas descritas a partir do uso. Prescrição significa dizer como a língua deve funcionar, sem atentar para o uso; descrição significa perceber a língua em uso e captar as regras de seu funcionamento, o que está sendo feito com as redações analisadas, conforme segue abaixo:

 

Título: Meus Objetivos

Tenho o objetivo de me formar em Direito, mas 1[para que isso aconteça], preciso estudar muito. Estou recém na 7ª série. Tenho muita coisa pela frente, 2[para conseguir chegar a uma faculdade de direito].

Estou me esforçando 3[para ser uma ótima aluna], mas 4[para que isso aconteça], tenho que diminuir a conversa e encarar mais (...)

                                           

Título: Melhorando o meu futuro

Não penso em ser mais que ninguém, eu apenas tenho um sonho e eu vou lutar por ele. mas para isso tenho que mudar muita coisa, como não dar ouvidos às pessoas que não querem nada, caprichar nos estudos e lutar com todas as forças 5[para um dia eu ver meu sonho realizado].

 

Título: Comportamento na sala de aula

Eu sou conversador, bagunceiro. 6[Para eu melhorar], tenho que diminuir a conversa, ser menos bagunceiro.

 

Título: O que fazer para melhorar

(...) fazer isso tudo agora, 7[para não me arrepender mais tarde]. Acho que isso é o bastante 8[para que no futuro eu seja uma pessoa bem sucedida].

 

A partir dessas análises, as variáveis consideradas foram:

 

Exemplo

Posição

Estatuto Informacional

Tipo de Estrutura

1

Anteposta

Informação Velha

Desenvolvida

2

Posposta

Informação Nova

Reduzida de Infinitivo

3

Posposta

Informação Nova

Reduzida de Infinitivo

4

Anteposta

Informação Velha

Desenvolvida

5

Posposta

Informação Inferível

Reduzida de Infinitivo

6

Anteposta

Informação Nova

Reduzida de Infinitivo

7

Posposta

Informação Nova

Reduzida de Infinitivo

8

Posposta

Informação Nova

Desenvolvida

Quadro: 01 – Variáveis controladas

 

Estes trechos analisados são fragmentos de redações, nos quais são analisadas as variáveis de acordo com o contexto, isto é, a análise é feita a partir de toda a redação e não só apenas do trecho. Portanto, no primeiro exemplo, a cláusula subordinada “para que isso aconteça” aparece anteposta à cláusula matriz, pois, se fizermos a inversão, perceberemos que ficaria “preciso estudar muito para que isso aconteça”. Esta cláusula subordinada final traz uma informação velha, uma vez que “isso” refere-se ao objetivo de se formar em direito, e sua estrutura é desenvolvida, pois o verbo está conjugado.

Ainda em relação aos exemplos, o quarto apresenta uma cláusula subordinada final anteposta à cláusula matriz, pois se invertermos as cláusulas ficará: “tenho que diminuir a conversa e encarar mais para que isso aconteça”. Esta cláusula final traz uma informação velha, já mencionada anteriormente: “para que isso aconteça” (isso = ser uma ótima aluna) e é desenvolvida porque apresenta, além  do verbo conjugado, um conector explícito.

Já nos exemplos 2, 3, 7 e 8, as informações aparecem, em cada exemplo, pospostas às cláusulas matriz, introduzindo uma informação nova, uma vez que esta informação não aparece dentro do contexto anterior da redação. As três primeiras são reduzidas de infinitivo, pois os verbos estão no infinitivo e o pronome relativo “que” não aparece, isto é, quando a cláusula está reduzida, o conector “que” desaparece, e o último exemplo é uma cláusula desenvolvida. No exemplo 6, há uma reduzida de infinitivo, anteposta, codificando informação nova.

No quinto exemplo, a posição da cláusula subordinada está posposta (após) à cláusula matriz, sua informação é inferível, pois já foi mencionada anteriormente no contexto, ou seja, o autor da redação já havia mencionado a expressão meu sonho. Dessa forma, pode-se dizer que a informação não é velha porque, embora tenha sido mencionada a expressão “meu sonho”, não havia referido-se a um dia o sonho ser realizado, mas, apesar disso, também não é nova porque já mencionou “meu sonho”, então, é inferível. 

Os resultados preliminares têm mostrado que as cláusulas finais (para que) ocorrem, com mais freqüência, pospostas às cláusulas matriz, apresentando uma informação nova. Quando ocorrem antepostas, codificam informação velha. A análise ainda evidencia que as orações reduzidas traduzem informação velha e nova, e as desenvolvidas, em geral, informação nova, quando pospostas à principal.

Em relação ao corpus, foram encontrados dados, cujos resultados estão apresentados na tabela abaixo:

Posição e Informação

Quantidade

%

Anteposta e Velha

9

17,65

Anteposta e Nova

4

7,84

Posposta e Velha

2

3,92

Posposta e Inferível

2

3,92

Posposta e Nova

34

66,67

TOTAL

51

100

Tab.: 01 – Variáveis e o uso das cláusulas finais

A partir da tabela acima, percebe-se que, apesar de termos poucos dados, a cláusula final apareceu mais na posição posposta, em ralação à cláusula matriz, introduzindo uma informação nova. Dessa forma, quando a informação é nova, a tendência é o aluno, inconscientemente, escrever após a cláusula matriz para que o leitor consiga compreender melhor a informação, já que a informação está aparecendo pela primeira vez. Já na posição anteposta, a tendência é apresentar uma informação velha, uma vez que a informação já foi mencionada, tornando mais fácil a compreensão por parte do leitor.

 

Tipo de Estrutura

Quantidade

%

Reduzida de Infinitivo

45

88,24

Desenvolvida

6

11,76

TOTAL

51

100

Tab.: 02 – Tipo de estrutura e o uso das cláusulas finais

 

Nesta tabela, percebe-se que o tipo de estrutura mais recorrente, nas cláusulas subordinadas finais é reduzida de infinitivo. Isto porque, ao produzir um texto, a tendência é o aluno, inconscientemente, reduzir a quantidade de matéria lingüística, uma vez que, normalmente, a informação é velha. Já as desenvolvidas tendem a ser menos utilizadas, por apresentarem mais matéria lingüística.

 

 

Tipo de Estrutura

Posição e Informação

Quant.

%

Red. Inf.

%

Red. Inf.

%

Anteposta Velha

9

17,65

7

13,73

2

3,92

Anteposta Nova

4

7,84

4

7,84

-

-

Posposta Velha

2

3,92

2

3,92

-

-

Posposta Inferível

2

3,92

2

3,92

-

-

Posposta Nova

34

66,67

30

58,83

4

7,84

TOTAL

51

100

45

88,24

6

11,76

Tab.: 03 – Variáveis controladas e o uso das cláusulas finais

 

Essa tabela confirma os dados anteriores e a tendência é aparecerem cláusulas reduzidas como mostra a tabela, pois de 51 dados, 45 são cláusulas reduzidas. Desse conjunto de dados, 30 relacionam posição posposta e a informação nova, ocorrendo reduzida de infinitivo. Provavelmente, uma outra variável esteja interferindo nos resultados da cláusula, cuja posição é posposta e o estatuto informacional novo. A hipótese é que exista uma outra variável, a pessoa do discurso, condicionando o uso da final reduzida. Esta variável será testada num outro momento da pesquisa.

Essa preocupação em relação a esse resultado, o qual será pesquisado mais adiante, porque a previsão era que a posposta-nova, acontecesse desenvolvida, uma vez que, por apresentar uma informação nova, o usuário da língua teria necessidade de mais matéria lingüística para que, através disto, o leitor tenha mais facilidade para compreender o texto (a informação).

 

CONCLUSÃO

A partir disso, consideramos até o momento que a funcionalidade da cláusula adverbial final consiste na dinamicidade textual, resgatando a informação velha e introduzindo a informação nova. Essa distribuição da informação é um dos pressupostos do funcionalismo, que parte da atividade lingüística. Assim, pode-se dizer que, nesta teoria,  as regras da língua são descritas a partir de sua realização, isto é, percebemos a língua em uso e captamos as regras, o que foi feito acima, na análise das redações.

 

Referências Bibliográficas

NEVES, Maria Helena de Moura. A gramática funcional. 1ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1997.

PIMPÃO, Tatiana Schwochow. Variação no presente do modo subjuntivo: uma abordagem discursivo-pragmática. Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina, 1999. [dissertação de mestrado].