Lançando um olhar crítico sobre a construção identitária

do acadêmico de Letras Português/Inglês

 

Luciani Salcedo de Oliveira Malatér (FURG)

Maria Ignêz Ávila Velloso (FURG)

1. Introdução

Este artigo foi inspirado na experiência de duas professoras de Língua Inglesa da Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e do contato, por elas estabelecido, com acadêmicos do Curso de Letras Português/Inglês dessa instituição. A partir dessa vivência, observaram diferentes motivações e interesses pelo referido curso. Entre as razões demonstradas pelos alunos, as mais recorrentes foram: aquisição de um diploma universitário; participação em um curso de inglês gratuito e de qualidade; não obtenção de uma vaga em um curso considerado de maior prestígio através do processo seletivo; e interesse em tornar-se professor de línguas.

As autoras acreditam que o último fator mencionado deveria ser o único apontado pelos alunos em suas diversas representações analisadas ao longo das duas pesquisas realizadas por elas e aqui relatadas (em forma de uma única pesquisa), uma vez que o Curso de Letras Português/Inglês tem como enfoque principal a formação de professores.

Malatér investiga a construção identitária de três formandas do Curso, focando as suas auto-representações enquanto futuras professoras de língua.

Velloso, por sua vez, levanta algumas questões referentes à postura do acadêmico/calouro e seu futuro comprometimento profissional, tentando estabelecer uma relação entre esses dois fatores.

Ambas as autoras investigam, ainda, as motivações que levaram os participantes das pesquisas a ingressarem no referido curso de graduação.

Este texto leva em consideração as inúmeras pesquisas desenvolvidas acerca da construção da identidade profissional do professor de línguas estrangeiras no contexto brasileiro (Leffa, 1994; Gimenez, 2002; Castro, 2003; Magalhães, 2004; Telles, 2004).

Além disso, as autoras percebem que “para poder entender o que queremos construir, parece ser necessário antes de mais nada definir aquilo que estamos construindo” (Celani, 2001, p. 22). Através do compartilhamento das investigações aqui relatadas, as professoras esperam contribuir para um melhor entendimento sobre a Licenciatura em Letras e a emancipação do profissional das Letras.

 

2. Fundamentação teórica

A formação de professores vem sendo amplamente discutida por vários autores, fato esse justificado pela constatação de que “é cuidando da formação de nossos professores e fazendo disso uma prioridade que estaremos contribuindo para a melhoria da educação” (Barcelos et al., 2004, p. 12).

Dessa forma, as autoras propõem-se, nesta pesquisa, a lançar um olhar crítico sobre a construção identitária de acadêmicos do Curso de Letras Português/Inglês de uma Instituição Federal de Ensino Superior, considerando suas motivações iniciais ao ingressarem no curso, bem como suas percepções enquanto professores-em-formação.

Por acreditarem que o Curso de Letras deva proporcionar oportunidades de reflexão acerca das complexidades envolvidas no processo de tornar-se professor, e que tais oportunidades contribuiriam para o esclarecimento do “papel fundamental dos cursos de Letras como formadores de professores” (Ortenzi et al., 2002, p. 153), as autoras desenvolveram a presente pesquisa a fim de buscar um maior entendimento do acadêmico e, por conseqüência, contribuir de maneira mais efetiva para sua formação profissional.

Como apontado por Castro (2003), há “necessidade de uma reflexão mais ampla e profunda sobre o processo de formação do futuro professor de língua estrangeira em cursos de Letras” (p. 317). Nessa perspectiva, e seguindo “uma visão do discurso como uma forma de co-participação social” (Moita Lopes, 2002, p. 30), as autoras analisam o discurso de acadêmicos, calouros e formandos, do Curso de Letras sobre seu agir no mundo [do tornar-se professor de língua estrangeira] por meio da linguagem. Em outras palavras, investigam como seus participantes de pesquisa constroem sua realidade social e a si mesmos como futuros docentes.

Celani (2000) salienta a importância dessa auto-investigação ao afirmar que “é refletindo sobre seu próprio processo de aprendizagem que ele [graduando] irá desenvolvendo a compreensão crítica de seu trabalho como educador-professor de línguas” (p. 25).

Na mesma linha de pensamento, Meurer (2002), ao apontar a necessidade de novos estudos sobre diferentes gêneros textuais, afirma que nossa narrativa pessoal como seres humanos é determinada pela produção e exposição que temos a textos orais e escritos. Dessa forma, a construção do conhecimento do professor (Castro, 2003) e de sua identidade profissional seriam consideradas como um processo em constante desenvolvimento (Moita Lopes, 2002), no qual os professores-educadores têm um importante papel a desempenhar na formação/construção de outros seres humanos, lembrando no entanto, que essa “não é tarefa de um professor só, mas de todo o corpo docente do curso” (Barcelos et al., 2004, p. 13).

Faz-se necessário, ainda, discorrer acerca das motivações que levaram os participantes da pesquisa a ingressar no curso (como mencionado na seção ‘discussão dos dados’), uma vez que muitos deles não se identificavam com a questão do tornar-se professor, mesmo sendo esse uma Licenciatura. Tal fator mostra que a opção pelas Letras “não foi exatamente uma escolha, mas uma contingência” (Ortenzi et al., 2002, p. 153). Comportamento esse, talvez, menos evidenciado em cursos considerados de maior prestígio social.

Neste texto, então, as autoras estabelecem uma relação entre as motivações dos seis participantes das pesquisas para o ingresso no Curso de Letras com o comprometimento que esses demonstram não só para com a graduação, mas também para com a futura carreira docente.

 

3. O estudo

Ambas pesquisas aqui relatadas têm em comum o contexto de investigação: o Curso de Letras Português/Inglês da FURG. Sendo que os participantes da primeira são acadêmicas/formandas do Curso, e os da segunda, acadêmicos/calouros da mesma instituição. Apesar das pesquisas terem sido realizadas com alunos em diferentes momentos de formação acadêmica, os interesses de investigação das autoras convergem no que diz respeito à relação existente entre comportamento do acadêmico no curso e seu futuro comprometimento profissional docente, além de considerarem a influência do próprio curso na construção da identidade profissional do aluno egresso. Por conseqüência, as autoras respondem, neste texto, as mesmas perguntas de pesquisa.

 

3.1. Perguntas de pesquisa

O presente estudo responde a duas perguntas de pesquisa:

– Quais as motivações que levaram os participantes da pesquisa a escolher o Curso de Letras Português/Inglês da FURG?

– Os participantes da pesquisa percebem-se enquanto professores-em-construção?

 

3.2. Coleta de dados

Os instrumentos de coleta de dados utilizados por Malatér foram: a) questionários; b) entrevistas; c) desenho/colagem sobre a auto-representação enquanto futuras professoras; d) texto escrito explicando a representação visual; e e) observação de sala de aula, tendo como participantes três formandas do Curso de Letras Português/Inglês da FURG: Bizuka, Gueguinha e Rulitz[1]. Os dados foram coletados entre julho de 2002 e maio de 2003 (Malatér, 2005).

Os instrumentos de coleta de dados utilizados por Velloso foram: a) desenho/colagem sobre a auto-representação enquanto acadêmicos do Curso de Letras; b) texto escrito explicando a representação visual; c) discussões sobre o tornar-se professor e sobre as implicações dessa escolha profissional; e d) texto dissertativo baseado na temática do filme ‘Patch Adams – O amor é contagioso’, associando esse tema à formação crítica de professores, tendo como participantes todos os trinta alunos do primeiro ano do Curso de Letras Português/Inglês da FURG. No entanto, neste trabalho, os dados analisados e discutidos consideram apenas três desses participantes: Florzinha, Lindinho e Docinho[2]. Os dados foram coletados no primeiro e segundo semestres de 2005.

 

4. Discussão dos dados

Nesta seção, as autoras trazem evidências lingüísticas presentes nos dados coletados a fim de responder as perguntas de pesquisa. Primeiramente, fazem um levantamento sobre as motivações que levaram os participantes da presente pesquisa a ingressar no Curso de Letras Português/Inglês. Num segundo momento, elas analisam a percepção dos alunos enquanto professores-em-formação. É necessário dizer ainda que há uma correlação entre motivação para ingresso no Curso e interesse pela docência. Dessa maneira, a discussão dos dados considera a interface entre esses fatores.

A partir da análise desses dados foi possível organizar três grupos: a) interessados pela docência, tendo como representantes: Bizuka e Florzinha; b) indecisos profissionalmente, representado por Gueguinha e Lindinho; e c) sem nenhum interesse aparente pela docência, representado por Rulitz e Docinho.

 

4.1. Interessados pela docência

Neste item, as autoras consideram aqueles acadêmicos que, já no momento de ingresso no curso, demonstraram-se engajados no tornar-se professores. Além disso, consideram, também, aqueles acadêmicos que ao licenciarem-se mantêm-se comprometidos com a docência.

 

 

Bizuka

“Decidi fazer este curso porque eu sempre gostei de ensinar e acho que esse assunto é interessante, não somente ensinar Português, mas também outra língua. É legal aprender, estudar e também ensinar. É diferente do que ensinar Português. Tem um processo diferente acontecendo. A razão principal que me levou a fazer este Curso de Licenciatura em Letras Português/Inglês é meu desejo em tornar-me uma professora de Inglês. (...) Eu decidi juntar estes dois amores: Inglês e ensinar.”[3]

 

Esse excerto de Bizuka mostra seu interesse pelo formar-se professora de Inglês, sendo essa sua maior motivação. Tal interesse é reforçado pelo uso das palavras: “gostei”, “interessante”, “legal”, “desejo”, e “amores”, denotando um alto grau de afetividade para com a docência.

 

Florzinha

“Até agora eu acho que este é o curso que eu queria. De alguma forma, eu estou amando-o.”

 

“Quando alguém quer fazer algo deve fazê-lo da melhor maneira possível. Isso é o que pretendo fazer quando eu começar a trabalhar. Desde criança, eu sempre tive em mente que eu me tornaria uma professora, uma professora de Inglês, porque eu amo muito o Inglês. Na minha opinião, ser professora envolve muitos aspectos, entre eles posso citar: respeito e paciência.”

 

Em seu texto, Florzinha deixa claro seu envolvimento com a Licenciatura em Letras, bem como a importância da afetividade na docência, através da escolha dos vocábulos: “amando-o”, “melhor maneira possível”, “amo muito”, e “respeito e paciência”.

Através dos relatos de Bizuka e Florzinha, as autoras evidenciam que ambas tiveram as mesmas motivações para ingressar no Curso de Letras, sendo essas relacionadas com a proposta principal do curso: formar professores de línguas e literaturas. As autoras percebem, também, que tais motivações estão intimamente relacionadas com o alto engajamento delas no tornar-se professoras, mostrando através de seus textos que essas se percebem enquanto professoras-em-formação. Esse fato pode ser evidenciado nos seguintes excertos:

Bizuka

“Enquanto professora eu sou muito preocupada com o quê eu estou ensinando, porque e para quem eu estou ensinando. Eu tento adequar o ensino ao grupo, mas enquanto professora eu sou somente preocupada com a aprendizagem dos alunos e com a interação. No meu ponto de vista, eu sou uma boa professora de Inglês. Você, enquanto professor, deve pensar com seu coração, deve tentar colocar amor, sentimento no que você está fazendo. Você deve tentar criar não somente situações para transmitir o conteúdo, que você não vai transmitir, mas você pode criar situações nas quais você pode interagir com seres humanos, que você pode ajudar a desenvolver.”

 

Florzinha

“Dentro da sala de aula, deve haver um ambiente confortável onde o aluno se sinta capaz de perguntar o que ele quiser sem se sentir reprimido. É por isso que eu acho que deve haver algum tipo de relacionamento entre professor e aluno. Porque isso irá tornar o processo de ensino/aprendizagem mais fácil. (...) Tudo o que eu sei é que eu quero me tornar uma educadora porque, dessa forma, eu poderei ‘formar’ pessoas e não somente alunos.”

 

Tanto Bizuka quanto Florzinha são professoras-em-construção que se vêem engajadas com o processo de ensino/aprendizagem de maneira responsável e afetiva, preocupando-se com a educação de seus alunos. É interessante ressaltar ainda que Florzinha, apesar de estar no primeiro ano, já se percebe enquanto docente (em-formação). Essa constatação não é tão evidente nos dados coletados junto aos outros acadêmicos da mesma turma. Fato esse que levou as autoras a escolherem Florzinha como representante desse grupo. Por sua vez, Bizuka, depois de licenciar-se, afirmou em mensagem eletrônica já ter concluído dois cursos de especialização, além de deixar claro que “meus futuros planos profissionais estão relacionados à minha prática docente. Eu pretendo continuar ensinando e estudando, aprofundando-me em avaliação e também em estudos de letramento.”

 

4.2. Indecisos profissionalmente

Neste item, as autoras consideram aqueles acadêmicos que se demonstraram em dúvida no que diz respeito à futura prática docente. Além disso, através da análise dos dados, as autoras perceberam que o Curso de Licenciatura tem certa influência sobre a decisão profissional do acadêmico, tornando-se, em alguns casos, interessado, em outros, permanecendo na incerteza.

Gueguinha

“O exato momento no qual eu tomei minha decisão final foi próximo ao encerramento das inscrições para o Processo Seletivo, até esse momento eu estava em dúvida se deveria prestar Vestibular para o Curso de Engenharia de Alimentos ou Letras. Eu sempre tive vontade de ser professora e também sempre tive grande interesse na Língua Inglesa, então eu estava certa da minha escolha. Bem, não tão certa.”

 

“Eu não sei se ensinar será minha futura carreira profissional, mas se for, a maior influência do meu curso (Letras) está relacionada à bagagem cultural que esse nos fornece, por exemplo, os vários autores estrangeiros que eu li e sobre os quais aprendi.”

 

“Eu não sei mais se eu ainda quero ser uma professora, não agora, neste momento, mas se você me perguntar se eu prefiro ser uma professora de Língua Inglesa ou de Português ou de Literatura, com certeza eu escolheria a primeira opção.”

 

 

            Nesses excertos, Gueguinha salienta sua indecisão na escolha que fez para ingressar na vida acadêmica, mostrando que sua dúvida a acompanhou ao longo de todo seu curso. As seguintes escolhas lexicais indicam tal comportamento: “eu estava em dúvida se deveria prestar Vestibular para o Curso de Engenharia de Alimentos ou Letras”, “eu estava certa da minha escolha. Bem, não tão certa.” No entanto, apesar dessa indecisão, Gueguinha mostra um certo interesse pela docência, embora esse seja conflitante: “Eu não sei se ensinar será minha futura carreira profissional”, “Eu não sei mais se eu ainda quero ser uma professora, não agora, neste momento (durante o Estágio Supervisionado em Inglês)”. Assim, as autoras evidenciam que a motivação dela era em parte relacionada à Língua Inglesa, e em parte relacionada à vontade de ser professora: “Eu sempre tive vontade de ser professora e também sempre tive grande interesse na Língua Inglesa.”

           

Lindinho

“Como eu esperava, encontrei no Curso de Letras, um ambiente cultural dinâmico que desenvolve a criticidade e a criatividade sem oprimir o estudante, proporcionando um crescimento pessoal e intelectual a cada indivíduo. (...) Quando escolhi o curso de Letras Português/Inglês, já tinha consciência de que este, mais do que outro curso qualquer, poderia me oferecer o que eu procurava nesta altura: cultura.”

 

“Quando eu penso em me tornar um professor, uma grande dúvida surge em minha mente, porque eu acho que eu poderia ser um bom professor e eu realmente gosto do ambiente (sala de aula), mas neste momento eu estou mais próximo de uma outra carreira profissional (Direito).”

 

A escrita de Lindinho mostra que sua motivação ao ingressar no Curso de Letras foi puramente por uma busca a um “ambiente cultural dinâmico” no qual a criticidade e a criatividade do aluno é desenvolvida, trazendo-lhe crescimento. Além disso, Lindinho enfatiza a procura por “cultura”. Com relação a sua prática docente, ele se mostra em dúvida apesar de considerar a possibilidade de se tornar um “bom professor” por gostar do ambiente de sala de aula. No entanto, apesar de ser calouro no Curso de Letras, Lindinho está mais inclinado ao exercício de uma outra profissão, neste caso, relacionada ao Direito, uma vez que já é graduado em tal curso.

A partir da análise dos dados coletados com Gueguinha e Lindinho, as autoras percebem que ambos possuem motivações convergentes no que diz respeito ao interesse pela aquisição de “cultura” viabilizada pelo Curso de Letras, bem como no que se refere à “dúvida” relacionada ao ser professor, deixando claro que essa seria uma opção secundária em suas vidas profissionais. 

 

4.3. Sem nenhum interesse aparente pela docência

Neste item, as autoras consideram aqueles acadêmicos que já, no momento de ingresso no curso, demonstraram-se desinteressados no tornarem-se professores, mesmo sendo esse um curso de formação de docentes. Além disso, através da análise dos dados, observam que o Curso de Licenciatura não os influenciou, de forma efetiva, para que uma decisão profissional docente fosse tomada.

Rulitz

“Eu decidi fazer este curso porque quando eu fui para o meu Programa de Intercâmbio eu sabia nada de Inglês, e eu aprendi lá e quando eu voltei eu não sabia o que fazer. E a única coisa que eu sei é que não queria perder este contato que eu tive com a língua e fluência, então eu decidi fazer este curso. Foi somente por causa disso porque, desde o início do curso, eu nunca pensei que seria uma professora de Inglês ou alguma coisa assim.”

 

“(...) a partir da metade do segundo ano, eu estava nem um pouco envolvida. Eu estava lá somente para terminar o meu curso e eu estava tentando fazer tipo o mínimo. É, o mínimo possível somente para passar. Nada!”

 

 

Em seu texto, Rulitz mostra seu total desinteresse e completa negação pela docência. Através do uso de palavras, tais como: “eu não sabia o que fazer”, “não queria perder este contato com a língua”, “eu nunca pensei que seria uma professora de Inglês ou alguma coisa assim”, Rulitz enfatiza que sua única motivação para com o curso era praticar a Língua Inglesa, tentando manter a fluência adquirida em um programa de intercâmbio. Dessa maneira, ela mostra uma certa confusão entre Curso Livre de Idiomas e Curso de Licenciatura em Letras (como mencionado pelas autoras na introdução deste texto). Diferentemente dos dados de Docinho, apresentados a seguir, Rulitz mostra um total descomprometimento com relação a sua graduação, fazendo apenas “o mínimo possível somente para passar. Nada!”

 

Docinho

“Eu espero que, até o final do curso, eu adquira muitos conhecimentos da língua inglesa e aprenda muito com isso. Embora eu não pretenda me tornar uma professora, eu vou levar este curso a sério até o quarto ano. Então, eu vou continuar amando a língua (Inglesa) e aprendendo mesmo quando o curso terminar.”

 

Docinho, em seu texto, mostra que sua única motivação ao ingressar no curso está relacionada ao aprendizado de Inglês e na aquisição de conhecimentos lingüísticos, como evidenciado em: “espero que eu adquira muitos conhecimentos da língua inglesa”. Nesse aspecto é possível estabelecer um paralelo entre as motivações de Docinho e Rulitz. Mesmo não tendo comprometimento com a docência, Docinho tem um comportamento de menor rejeição no que diz respeito ao curso. Fato esse evidenciado pelas seguintes escolhas lingüísticas: “embora eu não pretenda me tornar uma professora, eu vou levar este curso a sério”.

Apesar de Rulitz e Docinho distanciarem-se com relação ao modo como se referem ao curso, no qual a primeira afirma ter feito “o mínimo para passar” e a segunda diz que “vou levar este curso a sério até o quarto ano”, ambas demonstram motivações semelhantes para ingressar no curso, bem como uma rejeição à docência.

 

5. Implicações

Através desta pesquisa, foi possível traçar o perfil do acadêmico que está ingressando no Curso de Letras Português/Inglês e, portanto, as autoras acreditam que isso irá auxiliar na questão de como esse aluno vê o Curso e comporta-se dentro dele a partir das motivações que teve no momento de ingresso.

Perceberam, também, que há uma estreita relação entre a motivação inicial para a docência e o engajamento com a proposta do Curso de Letras que é a de formar professores.

Como defendido neste texto, a construção identitária do professor é um evento socialmente construído (Maláter, 2005), no qual o Curso de Licenciatura desempenha papel central. Mesmo porque, como afirma Celani (2001) “esse profissional [reflexivo e crítico] não brota do nada. Deve ser educado para tal.” (p.34).

Diferentemente do que muitos acadêmicos acreditam, ensinar não é um dom, é um processo a ser desenvolvido, através do qual o licenciando precisa “deixar-se atravessar pela ‘pedagogia’” (Telles, 2004, p.60) proposta no Curso de formação inicial.

Para tanto, essa questão requer, ainda, que nós, professores-educadores, repensemos nossos papéis. É de extrema importância que sintamo-nos responsáveis e engajados na construção do conhecimento do professor pré-serviço.

No entanto, os dados desta pesquisa fornecem evidências de que o comprometimento por parte do acadêmico também se faz essencial no processo pedagógico. Tais evidências são fornecidas pelo discurso dos participantes da pesquisa: Bizuka e Florzinha, por exemplo, mostram-se inclinadas para o exercício da docência desde o momento de ingresso, ao contrário de Rulitz e Docinho que deixam claro uma total rejeição pelo tornar-se professor desde o início da graduação. Essas distintas motivações refletem no comprometimento dos participantes da pesquisa enquanto acadêmicos das Letras.

Dessa forma, as autoras atrevem-se a sinalizar que há uma relação entre engajamento acadêmico e futuro docente. Em outras palavras, um acadêmico comprometido resultará possivelmente em um profissional engajado no desenvolvimento da profissão e que se vê “como alguém que tem um compromisso com seu aluno, com a sociedade e consigo mesmo.” (Celani, 2001, p.33).

Por fim, as autoras apontam a necessidade de desenvolver pesquisas de caráter longitudinal a fim de acompanhar o desenvolvimento do acadêmico ao longo do Curso, como forma de evidenciar como a identificação com a docência é (re)construída/ negociada.

 

6. Referências bibliográficas

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CASTRO, S. T. R. de. A construção da competência docente do futuro professor de língua estrangeira: um estudo com alunos de inglês de um Curso de Letras. In L. BARBARA & R. de C. G. RAMOS (Orgs.) Reflexão e ação no ensino-aprendizagem de línguas: homenagem a Antonieta Celani. Campinas, SP: Mercado de Letras, p. 317-336, 2003.

CELANI, M. A. A. A Relevância da Lingüística Aplicada na Formulação de uma Política Educacional Brasileira. In M.B.M. FORTKAMP & L.M.B. TOMITCH (Org.) Aspectos da Lingüística Aplicada: Estudos em homenagem ao Professor Hilário Inácio Bohn. Florianópolis: Insular, p. 17-32, 2000.

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MAGALHÃES, M. C. C. (Org.). A Formação do Professor como um Profissional Crítico: Linguagem e Reflexão. Campinas: Mercado de Letras, 2004.

MALATÉR, L. S. de O. (2005). What I am teaching, why I am teaching and also to whom I’m teaching”: Discursive Construction of Prospective EFL Teachers. Tese inédita de Doutorado. Florianópolis, Pós-graduação em Letras/Inglês. UFSC.

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MOITA LOPES, L P. Identidades fragmentadas: a construção discursiva de raça, gênero e sexualidade em sala de aula. Campinas: Mercado de Letras, 2002.

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TELLES, J. A. Reflexão e identidade profissional do professor de LE: Que histórias contam os futuros professores? Revista Brasileira de Lingüística Aplicada. Vol. 4, n° 2, 2004, UFMG, p. 57-83, 2004.

 



[1] Pseudônimos escolhidos pelas próprias participantes da pesquisa.

[2] Pseudônimos escolhidos por Velloso.

[3] Os dados de Malatér e Velloso foram coletados em Língua Inglesa e, aqui, livremente traduzidos.