A  DICOTOMIA ORALIDADE/ESCRITA E A INSERÇÃO INTENCIONAL DA CORPOREIDADE NO PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO EM  AULAS DE LÍNGUA PORTUGUESA

 

 

Profª. Dra. Lúcia Maria Blois Villela

(CEFET/RS – Apoio FAPERGS)

 

 

RESUMO

As concepções disjuntivas e reducionistas, fundamentadas  no paradigma cartesiano-newtoniano, vêm justificando diversas dicotomias geralmente reforçadas nas escolas. Entre essas dicotomias, encontram-se as que fragmentam o próprio ser humano, conferindo predominância ao aspecto mental. Com relação ao ensino da Língua Portuguesa, percebe-se, também, entre outras fragmentações, um tratamento disjuntivo quanto ao tratamento dado à oralidade e à escrita . Sendo assim, este trabalho justificou-se pela necessidade de a educação assentar-se nos achados da ciência contemporânea, de maneira que conceitos e teorias atuais, que consideram o ser humano na sua complexidade, estivessem subjacentes às práticas pedagógicas.  Para tanto, sendo a corporeidade um conceito pós-dualista, partiu-se da curiosidade em saber se a corporeidade poderia ser inserida, de forma intencional, no processo de construção de conhecimento em sala de aula, tendo,  por hipótese, a de que o desenvolvimento de estratégias didático-pedagógicas, subsidiadas por concepções epistemo-metodológicas contemporâneas poderiam propiciar essa inserção. Portanto, neste trabalho propôs-se a inserção intencional da corporeidade no processo de construção de conhecimento em aulas de Língua Portuguesa, em nível médio, de maneira que as práticas pedagógicas considerassem desejos, vontades e curiosidades dos alunos, aliando-os às suas necessidades de desenvolvimento lingüístico, de forma lúdica. A pesquisa configurou-se como Pesquisa-ação, uma vez que a observação e análise dos procedimentos foram conduzidas de forma a possibilitar redirecionamentos continuados, à medida que as ações programadas e executadas pelos participantes serviram como referencial para novas iniciativas, e assim sucessivamente. Desse modo, docente-pesquisador e alunos estiveram constantemente envolvidos em cada momento das estratégias de ensino-aprendizagem propostas, tanto no que diz respeito à observação, acompanhamento, como no curso das ações e redirecionamentos. O referencial teórico contemplou a Teoria da Complexidade em que se insere o conceito de corporeidade. Os resultados corroboraram a hipótese do trabalho.

 

Palavras-chave: corporeidade; epistemologia; Língua Portuguesa

 

INTRODUÇÃO

A concepção científica newtoniana-cartesiana (disjuntiva, reducionista, fragmentária e simplificadora) prega, entre outras noções, a ordem, a estabilidade, as certezas, a objetividade, a separação para promover a análise e a classificação. Esse ideário científico transformou-se em paradigma, porque, saindo de sua área de abrangência, penetrou todos os campos do conhecimento. Dessa forma,  atingiu a Teoria Educacional, chegando à sala de aula.

Entre elas encontram-se a fragmentação do ser humano e, inserida nesta, a polarização entre oralidade e escrita.

É inegável o papel que  educação formal exerce sobre os seres humanos. Entretanto, esse papel vem sendo questionado, na medida em que se percebem os aspectos negativos da inserção de seus modelos pedagógicos no paradigma newtoniano-cartesiano.

            Esse modelo de educação, em que se baseia a escola, trata os seres, fatos, coisas e fenômenos de forma fragmentada e, por isso mesmo, não propicia o desenvolvimento do pensamento complexo.

            Esse questionamento quanto ao papel da escola deve-se à evolução científica que, ao evidenciar limites e insuficiências do ideário científico da modernidade, demonstrou a emergência de um novo paradigma entre cujas idéias encontramos a instabilidade, a incerteza, a importância do papel da subjetividade, entre outras concepções.

            A teoria da Complexidade encontra-se entre essas concepções e, ligado a ela, o conceito de corporeidade pelo qual se percebe o ser humano como um ser multidimensional (biológico, psicológico, espiritual, emocional, auto-eco-organizador na sua corporeidade viva).

            A escola desconsidera esses aspectos, privilegiando a questão mental no tratamento que dá ao conhecimento. O ensino da língua não foge a essa lógica, uma vez que, além de fragmentar os diversos conteúdos dessa disciplina, dicotomiza oralidade e escrita, dando relevância a esta última.

Esses são apenas alguns dos desdobramentos da disjunção dos aspectos envolvidos em ser-se humano. Por isso, os aspectos existenciais, devem nortear as estratégias de ensino, fornecendo condições para que os alunos possam perceber-se como unos e indivisíveis, extrapolando essa percepção para a realidade em que se inserem.

Disso decorre a necessidade de a escola trabalhar com a complexidade, tendo em vista o conceito de corporeidade.

 

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

É comum a distinção  corpo, alma, espírito. Essa tem sido a condição de existência do homem, proposta pela cultura. A explicação para esse fato encontra-se em  Fontanella (1995, p. 18): “O homem é obrigado a participar fisicamente de uma guerra, embora ele a deteste. Um outro é obrigado a ganhar o próprio sustento em um lugar e de um modo que ele detesta. Os exemplos são inúmeros”.

Em diversos universos as concepções dualistas podem ser encontradas. Fontanella (1995) elenca algumas ocasiões em que essas concepções floresceram, como, por exemplo, o caso da descoberta, pelos filósofos gregos,  da razão, que recebeu um caráter absoluto, passando a ser  condição para se chegar à verdade, sendo que a verdade, nesse caso, é da esfera do pensamento e não do sentido. Logo, seu sujeito só pode ser a alma, o que elimina a instância corporal. Nesse mesmo sentido, na tradição cristã, ainda permanece a supremacia do espírito, uma vez que a virtude ainda consiste em controlar, sujeitar o corpo pelo espírito.

Também a dualidade tempo-eternidade serviu para aprofundar definitivamente o dualismo. “A alma, como espírito permanente, seria hipervalorizada; o corpo tornou-se seu hospedeiro e servo”[1]. Na modernidade, as idéias de Descartes, contidas em “O discurso do método”, reforçaram as dicotomias, penetrando todas as áreas do conhecimento. Isso tudo fez parecer que a divisão entre espírito e corpo, entre pensamento e matéria atingiu o auge.

A Teoria Educacional foi impregnada por essas concepções, o que afastou a Educação de muitos aspectos da existência humana, razão por que ela pode formar ou deformar o homem.

Entretanto,  a evolução científica, supera a idéia de fragmentação do ser humano.

Segundo Assmann (1998, p 75),  “ o conceito de corporeidade está a serviço de temas urgentes como: a aprendizagem como processo corporal”. É importante destacar que As relações que o homem estabelece, além de serem constitutivas dos seres humanos, são conseqüências de seu modo de vida e do tipo de corpo que tem. O comportamento, que é abstrato, também é uma relação que tem conseqüências na concretude do corpo e nas características do meio. Assim, a relação interfere na corporalidade que, por sua vez, interfere no agir. Desse modo, nenhuma ação é trivial (MATURANA, 1999).

 Desse modo, a  corporeidade manifesta-se de forma espontânea. Em muitos momentos, o homem vive e se realiza intensamente, uno e total.  Fontanella (1995, p. 21), explicita alguns desses momentos.

a .  quando dança. O corpo não dança, a razão não dança. O homem dança. Há um embalo tão humano e racional quanto natural, quando o homem dança. Natureza, entorno, som, convívio, alegria, ritmo, enlevo, existência, convivência.

[...]

c.  no esporte: o homo ludens também é simplesmente homem. Não como o intelectual. Age todo ele em consonância com o meio, com o universo, sem precaver-se disso. É o homem indiviso.

d. na arte. Imaginemos um pintor. Ao executar os traços e combinações na tela, ele não sente o braço e o corpo como instrumentos. Ele traça, ele pinta, ele é o que faz.

 

Parece, num primeiro momento, que somente as situações prazerosas propiciam a emergência da corporeidade. Entretanto, é necessário salientar que, numa discussão no trânsito, por exemplo, que, em princípio é desagradável, o homem também expressa espontaneamente sua corporeidade.

Além disso, é preciso constatar que o dualismo  é uma criação dos homens e, por isso, é possível reverter a situação atual, se a educação formar o homem, tendo em vista uma vivência una e indivisível. Por enquanto, o sujeito ainda precisa sujeitar-se às condições da escola e, infelizmente, as condições da escola não são as condições do sujeito.

Torna-se óbvio que o cerne antropológico, explícito ou tácito, que pré-define os conceitos de aprendizagem que se adotarão, também muda. Passa-se a considerar o homem como um ser multidimensional, um ser psicológico, biológico, emocional, auto-eco-organizador na sua corporeidade viva. Assim,  “o homem {...]é um ser complexo, isto é, ao mesmo tempo, unidade e multiplicidade, em sua condição humana, inacabada e desconhecida” (MORIN, 1991, p. 71).

Essa visão de homem, portanto, traduz um ser humano imerso numa complexa rede de relações, com as coisas da natureza e com outros homens, em formas concretas de produção e reprodução social da vida humana. Isso significa levar em consideração, simultaneamente, necessidades e desejos. Daí a necessidade de desenvolver ações pedagógicas vinculadas à concretude bio-psico-energética dos seres humanos.

           

Não se podem definir de forma conclusiva e absolutamente previsível as leis da realidade dos seres vivos. Importa saber preservar, em qualquer modelo de ‘leitura’ da corporeidade, e de interferência na mesma, a máxima atenção à complexidade dos seres vivos [...]. Isso exige que se mantenha, como princípio metodológico, uma ‘abertura’ a novidades )ou seja, que se mantenha uma docta ignorantia), que não deve ser confundida com qualquer tipo de abstinência frente à aceitação ponderada de toda descoberta já ‘comprovada’ (sabendo, contudo, que o saber científico sempre está sub judice, enquanto falseável por  perguntas e hipóteses melhoradas) (ASSMANN, 1995, p. 81).

 

Para esse Autor, a corporeidade deve ser considerada como referência absolutamente central, embora não exclusiva, na elaboração de critérios valorativos e pedagógicos para a Educação em geral.

Merleau Ponty (1971, 44) descreve a presença do homem como corporeidade, não quando o homem se reduz ao conceito de corpo material, mas como fenômeno corporal, isto é, como expressividade, palavra e linguagem. Segundo esse autor, o homem instaura sua presença ou define sua fenomenologia, como corporeidade.

 

A presença é marcada pela postura. O homem é corporeidade e, como tal, é movimento, é gesto, é expressividade, é presença, é movimento que se torna gesto, o gesto que fala, que instaura a presença expressiva, comunicativa e criadora. Cada um tem seu gesto original, criativo, próprio, pessoal, que  é arte. Cada um tem seu timbre de  voz, seu sotaque, seu modo de falar. O organismo é sempre um todo. O organismo humano, acrescido e vivificado pelo psiquismo, tem maior exigência na unidade. Toda posição humana e todo movimento humano sempre serão globalizantes.

Isso posto, é possível, entre outras percepções, deixar de aceitar  o processo da linguagem da visão  tradicional a respeito do tema, que estabelece características rígidas que distanciam a linguagem oral da escrita (a escrita é planejada, sua manifestação é gráfica; e a fala é espontânea, sua manifestação é fônica, por exemplo), porque os discursos escritos mantêm relações complexas com os discursos orais. Nesse sentido, Soares afirma que letramento e oralidade não são fenômenos dicotômicos, mas circulares e complementares. 

Desse modo, percebe-se que a oralidade é tão importante quanto à escrita, evidenciando a necessidade de a escola valorizar outras linguagens às quais os alunos já têm e/ou merecem ter acesso. “É preciso revisar os parâmetros do ensino da língua portuguesa no Brasil, para que ele passe a trabalhar a língua escrita junto à oral” (Aguiar, 2003)[2].

Quanto ao trabalho com a oralidade nas escolas, parece que o importante nas atividades de uso da modalidade oral é ensinar os alunos a falarem bem, com boa dicção e com clareza. Como se produzir um seminário fosse a mesma coisa que participar de um debate, de uma mesa-redonda ou expor informações a respeito de determinado tema.

O homem jamais diria uma palavra ou produziria qualquer outro tipo de som, se não fosse impelido a tanto pelas suas mais fundamentais necessidades.

Disso decorre que todas as formas de expressão humana acontecem na corporeidade. A corporeidade, portanto, é linguagem. Já que a oralidade é uma das formas pela qual a linguagem se expressa, ela é um dos veículos de expressão da corporeidade e, por isso, não deve ser relegada a segundo plano ou a plano nenhum, como acontece em muitos casos nas escolas.

Na corporeidade viva, coexistem equilíbrios e desequilíbrios, ordem e desordem. Assim, a educação necessita partir do princípio de que o ser humano, com seus paradoxos e singularidades se envolve, por inteiro, em todos os seus empreendimentos. Cumpre ressaltar, portanto, que uma das possibilidades de manifestação da corporeidade são as situações prazerosas  ligadas a seus desejos , curiosidades e/ou necessidades. Isso nos permite inferir que a escola pode desenvolver estratégias que propiciem a construção do conhecimento, que é ação e ocorre também a partir de desejos vontades e necessidades, mediante situações prazerosas.

Tal consideração exige iniciativas pedagógicas, intencionalmente orientadas e desafiadoras para que esse envolvimento se torne efetivo.

Sendo assim, é necessário que a educação se fundamente cientificamente na contemporaneidade, de forma que estejam subjacentes às práticas pedagógicas, conceitos e teorias atuais, que considerem o ser humano na sua complexidade, favorecendo o exercício de diferentes formas de linguagem. 

Portanto, neste trabalho, entre as concepções  e teorias que são propostas, privilegia-se o conceito de corporeidade por expressar um conceito de organismo vivo indiviso, tentando superar conhecidas dicotomias como corpo/alma, matéria/espírito e cérebro/mente. Nesse caso, não é sinônimo de corporalidade, porque corporeidade não distingue o que é e o que não é corporal.

Dito isso, a educação revela-se  mal orientada,  porque diminui o homem, ao reduzi-lo ao aspecto mental e ao restringir sua capacidade de expressão. É necessário, pois,  que a educação forme o homem em uma vivência una e indivisível.

Desse ponto de vista, temos de questionar em que medida o conceito de corporeidade faz parte do cotidiano da escola; até que ponto essa integridade encontra incentivo em sua totalidade; até que ponto são desafiadas capacidades, potencialidades, possibilidades; até que ponto exerce, o aluno, sua corporeidade; até que ponto é-lhe possibilitado, na escola, o exercício da própria expressão, nas diversas linguagens a que merece ter acesso. Sabemos que proporcionar tais oportunidades de forma intencional e sistemática, não se constituem em preocupação da escola.

Sendo assim, desenvolveu-se este trabalho, levando em consideração o ser humano global, com seus desejos, vontades e necessidades existenciais, daí a utilização do conceito de corporeidade, apontando a necessidade de a escola considerar essas instâncias do humano, entre as quais, encontram-se diversas possibilidades de expressividade.

Finalmente, se a compreensão do modo de ser do homem exige o concurso de muitos campos do conhecimento, como a educação física,  a educação intelectual e moral, a filosofia, a sociologia, a psicologia, etc; a educação tem de pensar o homem global, como um todo unitário. Assim, toda educação deve ser formação do homem, não apenas de uma de suas partes, sendo  a  realidade da educação, a realidade humana. Isso, porque a educação pode e deve proporcionar realização pessoal e coletiva, uma vivência feliz, uma atividade engrandecedora do homem.

 

METODOLOGIA

A pesquisa configurou-se como Pesquisa-ação e o desenvolvimento metodológico orientou-se pelos seguintes pressupostos: contextualização, considerando peculiaridades humanas e características espaço-temporais; envolvimento da corporeidade no processo de construção do conhecimento; a prazerosidade como elemento mobilizador do ser integral; auto-aprendizagem, com propostas em que a produção do conhecimento acontece de forma independente; a oralidade vista como complementar a qualquer forma de expressão humana; ludicidade e auto-avaliação constante.

O processo de pesquisa operacionalizou-se da seguinte maneira: nos primeiros encontros, propuseram-se trabalhos, cuja análise permitiu detectar os desejos e vontades dos alunos relacionados a suas vivências, bem como evidenciar suas necessidades/dificuldades lingüísticas.  Cabe ressaltar que, nesses primeiros encontros, a tônica dos trabalhos propostos envolvia, fundamentalmente, a emoção, de maneira a propiciar a emergência de uma série de informações, raramente trabalhadas na escola (relacionamento com padrastos, namorados, irmãos, etc), como também o estabelecimento de vínculos empáticos entre os alunos e entre eles e a professora-pesquisadora. Além disso, esses encontros contribuíram para que os alunos percebessem que a fala, em determinados contextos, pode valer-se de recursos e apoios escritos, ser planejada previamente, utilizar um registro formal e tender a ser completa e precisa, características tidas como inerentes à escrita.

Durante esses primeiros encontros, a análise do material escrito produzido, bem como da expressividade oral dos alunos, mediante seminários, debates, apresentações teatrais e discussões espontâneas, possibilitou os primeiros direcionamentos quanto a conteúdos a serem trabalhados, bem como à metodologia a ser utilizada em sala de aula.

Em outras palavras, a partir da análise dos resultados de trabalhos propostos em sala de aula, em um primeiro momento, verificou-se quais eventos, práticas, assuntos, entre outros do cotidiano dos alunos promoviam prazer e, concomitantemente, diagnosticou-se que necessidades lingüísticas apresentavam quanto às modalidades escrita e oral.

Em continuidade, os conteúdos que necessitavam aprender foram abordados de acordo com o que trazia prazer a eles, segundo o que foi apurado no diagnóstico, ou seja, os conteúdos foram trabalhados sob forma de brincadeira, jogo, música, teatro, mímica, desenho palavras cruzadas, debates, seminários, de maneira que necessidades e desejos/prazer estivessem sempre vinculados ao processo de construção de conhecimento. Assim, oralidade e escrita foram trabalhadas de forma a possibilitar a reflexão sobre ambas.

Nessa metodologia, quanto à modalidade escrita, as atividades iniciavam com informações que, num crescendo, iam despertando a curiosidade dos alunos, propiciando que se transformassem em alunos-pesquisadores.

Nesses momentos, a interferência do professor-pesquisador era mínima, uma vez que o material de apoio, com os conteúdos a serem enfocados, trazia informações suficientes, a partir das quais, mediante inferências, deduções, reflexões, os alunos pudessem ser capazes de estabelecer conclusões racionais, logicamente sustentadas no conteúdo expresso no material e em suas experiências de vida, avançando no saber.

Quanto à oralidade, oportunizaram-se debates e seminários, além da informalidade das interações em sala de aula.

Além disso, a cada atividade, após a conclusão da experiência de aprendizagem, eram propostas atividades que permitissem a memorização dos conteúdos, também de forma lúdica.

Como instrumentos de avaliação foram utilizados: diário de ensino do professor, diário de aprendizagem dos alunos, relatórios narrativos do professor e dos alunos, auto-avaliações e portfólios dos alunos.

O projeto foi executado durante um ano, nas aulas de Língua Portuguesa, em nível médio, numa turma de 12 alunos, no Centro Federal de Educação Tecnológica de Pelotas – CEFET/RS. Os encontros ocorriam uma vez por semana, no espaço da sala de aula, durante duas horas.

No primeiro encontro, esclareceram-se a dinâmica da disciplina, o propósito do trabalho e o sistema de avaliação. Os alunos foram informados de que fariam parte de um projeto de pesquisa e de que a presença em sala de aula não seria obrigatória.

Durante os encontros, o pesquisador-docente preenchia um diário de ensino, com observações referentes à turma como um todo e a cada aluno em particular. Ao final de cada dia, um diário de aprendizagem, com considerações referentes às atividades de cada encontro, era preenchido pelos alunos. Esses diários de aprendizagem eram lidos pelo pesquisador-docente que anotava em seu diário de ensino as observações/críticas dos alunos e respondia, nos diários de aprendizagem de cada aluno, às indagações e/ou críticas feitas por eles.

Essa dinâmica era necessária para, além de manter um vínculo permanente com os alunos, propiciar os redirecionamentos necessários às práticas e conteúdos pedagógicos.  

Para fins de avaliação, analisavam-se diariamente os diários de ensino, os diários de aprendizagem e os trabalhos produzidos pelos alunos, e, bimestralmente, os relatórios narrativos do professor e dos alunos, as auto-avaliações e os portifólios que, durante a execução do projeto, permaneciam na escola.

Todos os registros, à exceção dos Diários de Ensino, eram colocados nos portifólios, os quais, ao final do projeto, foram devolvidos aos alunos.

Tanto conceitos, como princípios e estratégias empregados, encontram-se cientificamente fundamentados no pensamento dos pesquisadores que hoje se ocupam do processo de aprendizagem.

 

ANÁLISE DOS RESULTADOS

Os resultados imediatos referem-se apenas às aprendizagens realizadas pelos alunos sujeitos da experiência.

Entretanto as reações do grupo, em termos de respostas aos desafios propostos, satisfação e entusiasmo demonstrados, permitem concluir-se pela importância da proposta como possibilidade de produzir um ensino prazeroso, capaz de mobilizar, integral e voluntariamente, competências e habilidades nesse todo humano, que se tem convencionado chamar de corporeidade.

A análise dos resultados, obtidos pela leitura dos Diários de Aprendizagem e de Ensino, das Auto-avaliações, dos Relatórios Narrativos e dos Portfólios, permitiu as seguintes observações:

A dinâmica proposta para o desenvolvimento dos conteúdos fez com que os alunos, embora não obrigados, estivessem presentes em todas as aulas, à exceção de uma aluna que era bolsista e cuja ocupação, às vezes, envolvia dois turnos.

A abertura às múltiplas possibilidades de resposta às questões propostas, como, por exemplo, o desenho, a mímica e o jogo, serviram de estímulo à inserção da corporeidade, uma vez que, em todos os diários de aprendizagem, havia a referência ao prazer sentido durante a realização das tarefas propostas, conferindo-lhe uma dimensão de ludicidade e permitindo independência.

Os relatos relacionados à prazerosidade vinculada à realização de atividades, registrados nos diários de aprendizagem, traduziram-se em expressões de entusiasmo como “adorei estudar deste modo”; “aprender este assunto com palavras cruzadas fez este conteúdo parecer tão legal”; “é muito mais fácil aprender assim”; “o jogo tava ‘lega’, é muito melhor estudar assim”, “muito dez esta tarefa”.

A proposta de memorização de conteúdos, a partir de atividades lúdicas, revelou-se eficaz, uma vez que, conforme os registros nos diários, os alunos afirmaram que não estudavam para os trabalhos de avaliação, enquanto o índice de aproveitamento foi de 100%, com exceção de dois alunos: a aluna-bolsista e um outro aluno que, embora estivesse sempre presente, nem sempre completava seus trabalhos, nem preenchia os diários de aprendizagem com a freqüência requerida.

Segundo esse aluno, embora considerasse as atividades interessantes, não conseguia permanecer em nenhum lugar por muito tempo, pois sentia “desconforto físico e psicológico”. O contato com outros professores desse aluno revelou que esse era seu comportamento padrão.

O trabalho preferencialmente com a emoção, nos primeiros encontros, permitiu o estabelecimento de vínculo empático e de confiança entre os alunos e entre alunos e professora-pesquisadora. Alguns dos relatos dos alunos evidenciam, inclusive, exposição quanto a situações particulares como o relacionamento familiar problemático.

Uma das alunas, por exemplo, no início, dizia que qualquer questionamento que envolvesse seu pai não seria respondido. Com o passar do tempo, ela sentiu-se tão à vontade que revelou pormenores de seus problemas de relacionamento com o pai. Outra aluna foi, aos poucos, revelando problemas com uma irmã mais nova. Ambas, a seu próprio tempo, registraram a mudança de uma sensação de desconforto relacionada a esses assuntos, para uma sensação de alívio, quando expuseram suas dificuldades. Embora não fosse esse o propósito dos trabalhos, situações como essas foram sendo reveladas no decorrer das atividades.

Além disso, lidar com a emoção, favoreceu significativa melhoria de desempenho de uma das alunas, a mais velha da turma, que se mostrava bastante agressiva, resistente e impaciente quanto às opiniões dos colegas, bem como quanto às atividades propostas. Essa aluna era descrita, no início dos trabalhos, com as seguintes expressões “agressiva”, “sem paciência”, “mandona” e “se acha”

No decorrer do tempo, passou a respeitar seus colegas e a apreciar a metodologia proposta. Essa modificação de postura foi percebida pelos colegas e por outros professores da turma, fato que foi relatado durante um Conselho de Classe.

Quanto aos trabalhos envolvendo a oralidade, foi possível observar a mudança de percepção que os alunos tinham a respeito dessa modalidade, uma vez que perceberam a complementaridade existente entre essa e outras possibilidades de expressão.

Ao término das aulas, todos os alunos fizeram questão de levar seus portfólios para casa.

 

CONCLUSÕES

As observações realizadas permitiram as seguintes conclusões:

A inserção da corporeidade no processo de construção de conhecimento está intimamente ligada ao grau de satisfação dos alunos o que, por sua vez, está relacionado a conteúdos significativos, trabalhados de maneira prazerosa.

Um trabalho que envolva a inserção intencional da corporeidade vinculada ao prazer certamente propicia o bom aproveitamento dos alunos, embora não o garanta, uma vez que há uma série de variáveis que podem interferir nos resultados.

O diagnóstico quanto às necessidades lingüísticas dos alunos, bem como o estabelecimento de um elenco de atividades prazerosas, servindo de base à escolha de conteúdos significativos a serem trabalhados e da metodologia a ser empregada no seu desenvolvimento são de fundamental importância para a produtividade do desempenho escolar.

Prazer e emoção não devem ser esquecidos no processo pedagógico, pois favorecem a inserção da corporeidade no processo de construção de conhecimento, o que propicia resultados positivos quanto ao desempenho escolar. Além disso, o grau de satisfação dos alunos favorece o desenvolvimento humano.

Nas práticas sociais de linguagem,  nas situações reais de interlocução, é possível verificar que a caracterização polarizada – de um lado, linguagem oral e, de outro, escrita – não se sustenta. Há, na verdade, impregnação entre uma e outra, complementaridade, como acontece em diversas situações de comunicação.

A utilização exclusiva da linguagem verbal no processo de comunicação na sala de aula reduz a capacidade expressiva dos alunos. Portanto, a escola não deve prescindir das diversas linguagens a que têm e/ou merecem ter acesso os alunos.

Como sabemos em que situações a corporeidade manifesta-se espontaneamente, é possível intencionalmente desenvolver ações pedagógicas prazerosas que a mobilizem. 

 

REFERÊNCIAS

AGUIAR, V.T. de. Língua falada e escrita. Disponível em:  <http://www2.uerj.br/~agenc/agenciauerj/htmmaterias/materias/2003mes11_13/02.htm> Acesso em: dez. 2004.

ASSMANN, Hugo. Paradigmas educacionais e corporeidade. Piracicaba: Ed. Unimep, 1995.

_____________. Reencantar a educação: rumo  à  sociedade  aprendente. Petrópolis: Vozes, 1998.

FONTANELLA, Francisco C. O corpo no limiar da subjetividade. Piracicaba: Ed. Unimep, 1995.

MATURANA, H. Ontologia da realidade. Belo Horizonte: UFMG, 1999.

MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia do espírito. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1971.

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SOUZA SANTOS, B. Um discurso sobre as ciências. Porto: Edições Afrontamento, 1999.

THIOLENT, M. Metodologia da pesquisa-ação. São Paulo: Cortez, 1992.

VIRGOLIM, A. M. R.; FLEITH, D. S.; NEVES-PEREIRA, M. S. Toc, toc...plim, plim! Lidando com as emoções, brincando com o pensamento através da criatividade. Campinas: Papirus, 1999.

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[1] Id, Ibid. p. 19

[2] Professora Vera Teixeira de Aguiar (PUC/RS), ao abordar o tema Leitura e Cidadania, na sétima edição do Fórum de Estudos Lingüísticos – Língua Falada e Língua Escrita, da UERJ, em novembro de 2003.