Uma visão pragmática para a recorrência à língua materna na aula de inglês como língua estrangeira

 

Letícia Stander Farias (CAPES/UCPel)

 

RESUMO: Diversos estudos relativos ao fenômeno do bilingüismo têm evidenciado os possíveis fatores responsáveis pela mudança de código lingüístico na produção oral de aprendizes de uma língua estrangeira.  Neste sentido, observa-se que a recorrência à língua materna tem sido vista como um meio de transmissão de informação lingüística e social, e que o seu uso na aula de língua estrangeira tem levado a atitudes positivas em relação ao processo de aprendizagem. Este trabalho é, desta forma, uma pesquisa realizada em turmas de língua inglesa de níveis elementar, intermediário e avançado, com o objetivo de demonstrar que as alternâncias de código inglês/português caracterizam não somente uma deficiência lingüística por parte dos aprendizes, mas, principalmente, uma estratégia comunicativa de ordem pragmática. 

 

Palavras-chave: pragmática, alternância de código, língua materna, língua estrangeira 

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente estudo visa a apresentar uma breve revisão bibliográfica de uma estratégia discursiva bastante natural entre falantes bilíngües conhecida como alternância de código ou code-switching, e investigar os motivos pelos quais aprendizes brasileiros de inglês como língua estrangeira, nos níveis básico, intermediário e avançado de aprendizado, fazem uso dessa estratégia, alternando entre inglês e português em situações de sala de aula de um curso livre de idiomas.

Para tanto, o trabalho foi dividido em três capítulos principais. O primeiro apresenta considerações acerca de como o code-switching vem sendo definido e tratado ao longo do tempo, além de elucidar os principais tipos de alternância descritos na literatura e as razões para a sua ocorrência. Em seguida, no segundo capítulo, a metodologia de coleta dos dados e a delimitação do corpus são expostas, e, finalmente, no terceiro capítulo, os dados são analisados e discutidos à luz do referencial teórico adotado.

 

1. REFERNCIAL TEÓRICO

 

            Este capítulo objetiva, primeiramente, apontar algumas das definições que têm sido propostas por diversos pesquisadores ao fenômeno da alternância de código (code-switching), e esclarecer a diferença entre esse fenômeno e o da mistura de códigos (code-mixing). Em seguida, os tratamentos mais comumente dados ao fenômeno em questão serão apresentados, seus principais tipos descritos e exemplificados, e as principais razões para a sua ocorrência brevemente elucidadas. 

 

1.1.  “Code-switching” vs. “Code-mixing”

 

Tanto o fenômeno da alternância quanto o da mistura de códigos têm sido amplamente investigados por pesquisadores na área de línguas em contato, sendo mais comumente conhecidos pelos termos em inglês “code-switching” e “code-mixing[1] respectivamente. Em função disso, para fins deste estudo, faz-se necessário destacar que alguns autores preferiram estabelecer uma diferença entre esses dois tipos de fenômeno, como pode ser observado a seguir.

Valdes Fallis (1976 apud Grosjean 1982, p. 145), por exemplo, define “code-switching” como sendo simplesmente “a alternância de duas línguas”; Di Pietro (1977 apud Grosjean 1982, p. 145), refere-se ao fenômeno como “o uso de mais de uma língua pelos falantes na execução do ato de fala”; e Scotton e Ury (1977 apud Grosjean 1982, p. 145) propõem que “code-switching” é “o uso de duas ou mais variedades lingüísticas na mesma conversa ou interação”.

Hamers e Blanc (1989) acreditam que ambos “code-switching” e “code-mixing” são estratégias de comunicação do bilíngüe. Segundo eles, no “code-switching” elementos de uma língua alternam com elementos da outra, cada um pertencendo somente a uma das línguas, deixando tanto a gramática quanto o léxico intactos. Já no “code-mixing”, o falante transfere elementos e regras de uma língua para a outra em todos os níveis lingüísticos, alternando elementos monolíngües na língua base com elementos baseados nas regras de ambas as línguas. Essa visão é compartilhada por Sridhar (1980 apud Mello 1999, p. 94), que define “code-switching” como “a inserção ou mistura de palavras, frases ou sentenças de dois códigos diferentes no mesmo ato de fala”, e “code-mixing” como “a inserção ou mistura de diversas unidades lingüísticas, isto é, afixos, palavras, frases, e sentenças de dois sistemas gramaticais diferentes na mesma sentença ou ato de fala”. Tanto as definições de Hamers e Blanc quanto as de Sridhar foram resumidas por Grosjean (1982) para quem há no “code-switching” uma mudança total de uma língua para outra, enquanto que há uma integração dos elementos alternados no “code-mixing”.

Assim, tendo-se considerado algumas das definições existentes para o fenômeno do “code-switching”, e estabelecido sua diferença com relação ao fenômeno do “code-mixing”, torna-se necessário apresentar uma breve revisão de como a alternância de código tem sido tratada na literatura. É importante destacar, entretanto, que a distinção “definição” e “tratamento” é, por vezes, complicada, já que esses conceitos geralmente se sobrepõem. 

 

1.2.  O tratamento dado ao “code-switching

 

Segundo Grosjean (1982), o “code-switching” é um recurso comunicativo bastante proveitoso que se dá inconscientemente. Normalmente, o falante não percebe que está alternando de uma língua para outra, uma vez que seu principal objetivo é comunicar uma mensagem ou intenção. Mello (1999) acredita que o “code-switching” deve ser considerado como uma habilidade da performance lingüística do bilíngüe, não como uma inabilidade. De acordo com ela, a alternância entre línguas é um comportamento verbal que requer um alto nível de competência em ambas as línguas utilizadas e, por isso, não pode ser vista como uma falha causada por falta de conhecimento em qualquer das línguas.

Romaine (1995) também acredita que a deficiência lingüística não pode ser vista como o único motivo para que falantes bilíngües alternem códigos. A ocorrência da alternância também tem uma dimensão pragmática se considerado o fato de que ela é um importante meio de transmitir não apenas informações lingüísticas, mas também sociais. Segundo ela, a diferença entre a visão estrutural e pragmática para o estudo do “code-switching” está principalmente no nível em que as explicações se encontram. Ela acredita que a perspectiva estrutural preocupa-se principalmente com a busca de explicações para as restrições lingüísticas que motivam a alternância, enquanto que a perspectiva pragmática procura entender os motivos que levam a essa alternância, assumindo, assim, que ela seja um recurso estilístico, uma estratégia discursiva. Mozzillo (2001) acrescenta que as alternâncias são um meio de negociar mudanças no que se refere a distanciamentos e aproximações sociais entre interlocutores bilíngües.

Mais voltado para os estudos da alternância de código em sala de aula, especialmente com o uso da língua materna dos aprendizes por parte do professor, Parrott (1993), entende que as alternâncias para a língua materna dos aprendizes devem ocorrer nas situações em que há uma quebra na comunicação em língua estrangeira, mas enfatiza que os professores devem ser cuidadosos para não se tornarem demasiadamente confiantes na língua materna dos alunos e, conseqüentemente, perderem a habilidade de se fazerem entender na língua-alvo.

Schweers (2003), também interessado em questões de sala de aula, acredita que a língua materna do aprendiz é o seu principal meio de comunicação e expressão cultural e que o seu uso na aula de inglês como língua estrangeira tem levado a atitudes bastante positivas com relação ao processo de aprendizagem. Esta também é a visão de Tang (2002), de acordo com quem o uso limitado da língua materna do aprendiz na aula de inglês não reduz sua exposição à língua-alvo, sendo, pelo contrário, um meio de aperfeiçoar a proficiência na língua estrangeira.

 

            1.3 Os tipos de “code-switching”

 

            O fenômeno do “code-switching” tem sido categorizado de acordo com diferentes perspectivas. Dabène & Moore (1995 apud Mozzillo 2001), por exemplo, classificam os tipos de “code-switching” em intra-sentencial, intersentencial e entre enunciados, baseadas na posição das alternâncias na sentença. Uma breve definição de cada um destes tipos, acompanhada de alguns exemplos, é dada seguir:

 

      Intra-sentencial: ocorre quando, dentro de uma mesma sentença, o falante realiza a alternância entre os dois sistemas de que dispõe. Esse tipo de “code-switching” pode ocorrer tanto sob forma unitária (inserção no discurso de uma palavra de outro código) quanto sob forma de segmental (inserção no discurso de segmentos de outro código), como pode ser observado em (1).

(1)

Why would you like to travel abroad?

Because I’d like to aperfeiçoar my English.

 

 

Intersentencial: acontece no momento em que as línguas se alternam de uma sentença a outra. Esse tipo de “code-switching” não ocorre no mesmo turno conversacional, mas em turnos próximos, como se vê em (2).

(2)

                       A (conversando com um colega): Como se faz o exercício?

                             B: Eu não entendi.

                       A: (perguntando ao professor): What are we supposed to do here?

 

 

Entre enunciados: implica alternar para a outra língua após um período bastante longo de uso da primeira. Um exemplo desse tipo de “code-switching” pode ser observado em (3).

 

(3)

Em uma aula de língua estrangeira, dois bilíngües falam em inglês até o momento em que a aula termina.

 

A: What are you doing on Friday?

B: I guess I’ll stay at home. And you?

A: We’re going to the movies. Would you like to join us?

B: Hmm! It sounds interesting.

            A (ao sair da sala de aula): Então tá, se quiser ir conosco é só ligar.

            B: Certo! Qual é o teu número, mesmo?

 

Blom & Gunperz (1972 apud Mello 1999), por outro lado, identificam dois tipos de “code-switching”, o metafórico e o situacional, que se referem não apenas à língua, mas também ao seu contexto de uso. Uma breve definição de cada um desses tipos de “code-switching” é apresentada a seguir na tabela 1.

 

Tabela 1 – Tipos de “code-switching” (Blom & Gumperz ,1972 apud Mello 1999)

Metafórico: relaciona-se ao efeito comunicativo de discurso, ou seja, às intenções do falante e aos sentidos pretendidos por ele. Semelhantemente ao que acontece no discurso monolíngüe, os elementos alternados fazem parte do mesmo evento de fala e estão inter-relacionados por aspectos semânticos e sintáticos. Essas alternâncias são determinadas por regras sociais e situacionais que fazem parte do conhecimento do falante sobre o uso da língua e, por esse motivo, não acontecem aleatoriamente.

Situacional: refere-se à língua e ao contexto social em que ela é usada, de modo que cada código tem um papel específico no repertório discursivo do falante. Assim, os códigos são alternados em função da situação e/ou dos interlocutores.

 

      É importante observar, entretanto, que apesar de os tipos de “code-switching” mencionados acima terem sido classificados em categorias distintas, mais de um tipo de alternância pode ser encontrado em um mesmo discurso. Outro aspecto que merece atenção especial, assim como proposto por Hamers & Blanc (1989), é o fato de que muitas variáveis situacionais podem afetar o tipo e a freqüência das alternâncias, como por exemplo, o tópico da conversa, os participante, o cenário, o aspecto afetivo da mensagem, entre outras.

 

1.4    As razões para o “code-switching

            Segundo Mello (1999), o uso de um código ou outro é um processo dinâmico no qual as habilidades naturais do falante e fatores sociopsicolingüísticos estão associados. Ao alternar códigos, o falante é capaz de determinar não apenas seu status no contexto social, mas também suas intenções comunicativas.

            Neste sentido, Grosjean (1982) apresenta os seguintes motivos para o “code-switching”: suprir uma necessidade de vocabulário, de marcador discursivo; continuar a conversa na última língua empregada; citar alguém; especificar o interlocutor; qualificar a mensagem, especificando o envolvimento do falante; marcar a identidade com o grupo, demonstrando solidariedade; transmitir intimidade, fúria, aborrecimento; excluir alguém da conversa; e modificar o papel do falante, aumentando seu status ou outorgando-lhe maior autoridade.

            Mozzillo (2001) também acredita que as motivações para o uso de duas ou mais línguas na mesma conversa podem ser classificadas em diferentes tipos, como, por exemplo, lingüístico, sociolingüístico, estilístico, emocional, de disponibilidade de memória, de solidariedade com o interlocutor, de mudança de tópico, de preferência pessoal por um dos códigos, entre outros.

            Deste modo, cabe salientar que apesar de muitas das motivações apresentadas acima terem sido elaboradas com base na realidade de bilíngües equilíngües, acredita-se que elas possam também ser responsáveis pela alternância de código inglês/português na sala de aula de língua estrangeira. Espera-se, assim, através da seção destinada à análise dos dados, demonstrar que ao recorrerem à língua materna os aprendizes de língua estrangeira não estão somente explicitando uma insuficiência lingüística, mas também utilizando um recurso estilístico de grande importância.

 

2.        METODOLOGIA

Neste capítulo, serão apresentados dados referentes aos informantes, aos procedimentos adotados para a coleta dos dados e ao método de análise utilizado para o desenvolvimento dessa pesquisa.

 

2.1 Dados e informantes

            O corpus da presente pesquisa foi constituído a partir de gravações em áudio de aulas de língua inglesa de uma escola particular de ensino de línguas da cidade de Pelotas-RS. Para compor o grupo de informantes para a coleta dos dados da pesquisa foram escolhidas, aleatoriamente, três turmas de alunos – uma de nível básico (um semestre de contato com a língua inglesa), uma de nível intermediário (quatro semestres de contato com a língua inglesa), e uma de nível avançado (oito semestres de contato com a língua inglesa).

2.2 Coleta de dados

            A coleta dos dados para a constituição do corpus deu-se durante o primeiro semestre de 2005 mediante a gravação em áudio da produção lingüística dos informantes. As gravações foram feitas em diferentes contextos e atividades durante as aulas de língua inglesa.

           

2.3 Método de Análise

            Logo após as gravações, as aulas foram transcritas, e alguns exemplos de situações de ocorrência da língua portuguesa durante a produção oral dos aprendizes em língua estrangeira foram selecionados. Posteriormente, procedeu-se à análise dos dados, feita à luz das concepções teóricas da área de estudos de Línguas em Contato.

 

3. ANÁLISE DOS DADOS

            Neste capítulo, são feitas a descrição e análise dos dados coletados, separados de acordo com o nível básico, intermediário e avançado do curso. Deste modo, a realidade de cada grupo será mais bem especificada, o que facilitará a análise dos motivos de ordem lingüística e/ou pragmática que motivam a alternância de código na produção oral dos aprendizes.

 

            3.1 Nível básico

            No exemplo abaixo, os alunos haviam sido solicitados a falar sobre o lugar onde moram e sobre suas terras-natais.

Aluno A: Where do you live?

Aluna B: Pelotas.

Aluno A: What do you like in Pelotas?

Aluna B: I like my friends /[2] they’re funny //[3] ãhh... it’s great and / acolhedor / Como se diz acolhedor?  (olha para o professor)

Professor: cosy

Aluna B: It’s cosy.

           

 

            No caso apresentado acima fica claro que a primeira alternância de código deu-se em função da deficiência lingüística da aluna. É, portanto, segundo Grosjean (1982), uma alternância de código motivada pela necessidade de suprir uma carência de vocabulário na língua estrangeira. Observa-se, por outro lado, que o uso da língua portuguesa deu-se, também, para pedir a ajuda do professor com relação ao vocabulário desconhecido.  Assim, pode-se dizer que, em função dessas duas motivações para a recorrência à língua portuguesa, a alternância não tem apenas um caráter lingüístico ou estrutural, mas também um caráter pragmático.  O “code-switching” não pode ser visto, então, como uma simples alternância, mas como um fator indicador de significados que vão além de um caráter meramente lingüístico sendo, neste caso, usado como um fator indicador da necessidade de ajuda.  

 

            3.2 Nível intermediário

Neste nível de aprendizagem tornam-se ainda mais raros os casos de alternância de código motivados unicamente pela deficiência lingüística dos aprendizes. No primeiro exemplo duas alunas estão conversando antes de anotar em seus cadernos algumas informações colocadas no quadro pela professora.

 

Transcrição 2

Aluno A: Que dia é hoje?

Aluno B: Bah, não sei. Pergunta pra teacher.

Aluno A (para professora): Teacher, what day is today?

Professora: July 18.

 

            Neste caso, pode-se identificar uma alternância de código do tipo intersentencial, conforme Dabène & Moore (1995 apud Mozzillo 2001), uma vez que as línguas foram alternadas de uma sentença para outra em turnos conversacionais próximos. É interessante destacar, além disso, que a alternância deu-se possivelmente como uma maneira de especificar o interlocutor, que no momento da mudança das línguas deixa de ser o colega e passa a ser a professora. Esse tipo de comportamento do aprendiz é bastante freqüente na aula de língua estrangeira: toda vez que seu interlocutor é o professor, o aluno tende a usar a língua-alvo, assim como tende a usar a língua materna toda vez que quer excluir o professor da conversa. Tem-se, novamente, uma alternância de códigos motivada por razões de ordem pragmática.

 

Uma outra situação de alternância de código pôde ser evidenciada em uma conversa entre uma das alunas e a professora, na qual a aluna procura justificar o porque não trouxe o trabalho que deveria ser entregue naquela aula.

 

Transcrição 3

Aluna A: I didn’t finish writing my summary. Foi meu primeiro final de semana de férias.

Professora: Please, don’t forget to bring it next class.

Aluna A: No, no.

Professora: Ok.

Aluna A: I’ll bring it.

           

Percebe-se, neste caso, mais um exemplo de “code-switching” intra-sentencial motivado por um fator emocional, conforme sugere Mozzillo (2001). Estar em férias é, certamente, um grande prazer e somente a língua materna é capaz de demonstrar a satisfação que a aluna está sentindo. Pode-se dizer, inclusive, que são bastante comuns os casos em que alunos de língua estrangeira alternam para sua língua materna ao falarem sobre experiências pessoais. Isso acontece porque para muitas pessoas a língua materna é a única capaz de refletir seus verdadeiros sentimentos.

 

3.3 Nível avançado

Apesar de bem mais raros do que nos outros níveis de aprendizagem, um exemplo do tipo de alternância mais freqüente nesse nível de aprendizado pode ser observado na transcrição abaixo. Ao iniciar a aula, a professora solicita que os alunos trabalhem em duplas e que, bastante brevemente, reportem o que fizeram durante o fim-de-semana.

 

 

 

 

Transcrição 4

Aluno A: So, did you have a nice weekend?

Aluna B: Hmmm, on Saturday, I stayed at school in the morning and in the afternoon /  at night I went to a friend’s house. And on Sunday I studied because I had to take a make-up text today // (a aluna mexe em sua bolsa) Alguém quer uma bala? (a professora olha para a aluna) Does anybody wanna a candy?

Aluno C: (pertencente a outro grupo): Yes, yes!

 

            Este caso evidencia que apesar de estarem estudando a língua inglesa há um tempo considerável, a língua portuguesa continua sendo aquela com a qual os aprendizes mantêm a identidade do grupo e determinam a intimidade que têm.

Pode-se observar que a aluna B é, de fato, bastante proficiente em língua inglesa, podendo comunicar-se perfeitamente utilizando somente esse idioma. Mesmo assim, ao concluir a tarefa de falar sobre o seu fim-de-semana, ela oferece uma bala aos seus colegas através de sua língua materna. Essa alternância pode ser, deste modo, vista como uma estratégia para chamar a atenção total da turma para sua oferta, e para reafirmar os laços de amizade que tem com os colegas. Pode ser vista, também, como uma maneira de qualificar sua mensagem, ou seja, a mudança de código serve para explicitar sua mudança de tópico. É interessante observar, ainda, que o simples olhar repressor de professora fez que a aluna traduzisse imediatamente sua fala para a língua estrangeira, confirmando que a alternância não foi motivada por uma eventual deficiência lingüística da aluna.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Tendo-se apresentado uma breve revisão bibliográfica sobre o fenômeno do “code-switching”, bem como investigado o quanto essas discussões disponíveis na literatura podem ser relevantes para o ensino e aprendizado de inglês como língua estrangeira em cursos de idiomas no Brasil, é interessante observar que as reflexões apresentadas na literatura podem, de fato, contribuir para a compreensão das motivações que levam os aprendizes a alternar inglês e português na aula de língua estrangeira.

            Cabe ressaltar que os exemplos de alternância de código apresentados aqui representam apenas algumas das situações em que aprendizes brasileiros recorrem a essa estratégia em aula de língua inglesa. São suficientes, entretanto, para evidenciar o fato de que considerá-los simplesmente como decorrentes da deficiência lingüística do aprendiz, significaria ignorar diversas outras motivações igualmente relevantes para a ocorrência desse fenômeno.

            Considerando, então, a alternância de código como uma estratégia discursiva de ordem essencialmente pragmática, ela passa a ser vista como um aspecto aceitável em um contexto de aprendizagem de língua estrangeira no qual todos os aprendizes compartilham a mesma língua materna. A alternância pode, inclusive, facilitar o processo de aquisição e produção da língua-alvo, uma vez que permite que o aprendiz sinta-se mais à vontade em aula, fortalecendo seus laços de amizade com a turma e enfatizando aspectos relativos a sua identidade.

            Faz-se necessário, deste modo, que professores de línguas estrangeiras estejam cientes da naturalidade desse fenômeno no processo de aprendizagem e saibam, além disso, reconhecer os motivos que levam bilíngües a alternar códigos. A partir de então estarão mais bem preparados para avaliar as eventuais alternâncias de seus aprendizes, tornando-se mais tolerantes com relação à utilização da língua materna em sala de aula.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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[1] Harmers e Blanc (1989, p. 149) apontam que “a distinção entre as duas não é absoluta, havendo enunciados que podem ser classificados em qualquer categoria”.

[2] Uma pausa breve é representada, neste trabalho, por uma barra (/).

[3] Uma pausa longa é representada, neste trabalho, por duas barras (//).