A alternância de código na aula de língua estrangeira: uma alternância na posição-sujeito do aprendiz?

 

Letícia Stander Farias (UCPel/ CAPES)

 

 

RESUMO: Entre professores e alunos é bastante comum a crença de que o processo de ensino e de aprendizagem pode ser beneficiado através do não uso da língua materna na aula de língua estrangeira. Entretanto, sabe-se que são freqüentes os casos em que a alternância de código é, na verdade, um importante meio de comunicação lingüística e social. Neste sentido, à luz da Análise do Discurso de Linha Francesa, o presente trabalho visa a analisar as formações discursivas que constituem a fala de aprendizes de língua inglesa de níveis elementar, intermediário e avançado, procurando evidenciar que a alternância inglês/português na sala de aula revela não apenas uma alternância de código, mas também uma alternância na posição-sujeito desses aprendizes.

 

Palavras-Chave: alternância de código – análise do discurso – posição-sujeito

 

 

INTRODUÇÃO

 

O presente trabalho visa apresentar uma análise discursiva das alternâncias de código Inglês/Português de aprendizes de língua inglesa em nível elementar, intermediário e avançado, todos alunos de um curso livre de idiomas situado na cidade de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil.

Através dessa análise pretende-se evidenciar que esse tipo de alternância, que em princípio poderia se mostrar simplesmente como um indicativo de deficiência lingüística do aluno na língua-alvo, acaba por se mostrar motivada por diversos outros fatores, destacando-se, para esse estudo, a diversidade de posições-sujeito ocupadas pelo aluno durante a aula de língua estrangeira.

A pesquisa foi estruturada em quatro capítulos. O primeiro tem como objetivo fundamental refletir sobre os principais pressupostos da Análise de Discurso de Linha Francesa, linha de estudos que embasará esse trabalho, e apresentar algumas considerações acerca do discurso pedagógico e da alternância de código em aula de língua estrangeira.

O segundo remete à metodologia utilizada para a coleta, análise e interpretação dos dados. No terceiro, será apresentada a análise das seqüências discursivas selecionadas, divididas em três grupos: uma de nível elementar, uma de nível intermediário e uma de nível avançado. Finalmente, no quarto capítulo, são estabelecidas as considerações finais dessa investigação. 

 

 

1. REFERENCIAL TEÓRICO

            O referencial teórico deste trabalho apresenta-se subdividido em três seções distintas: a primeira seção destina-se à discussão dos principais pressupostos da Análise de Discurso de Linha Francesa, linha de estudos que embasará todo o trabalho. Na segunda seção, serão expostas algumas considerações acerca do discurso pedagógico e, finalmente, na terceira seção, será apresentada uma breve revisão de questões relativas à alternância de código em aula de língua estrangeira.

           

1.1 A análise de Discurso de Linha Francesa

Uma vez que o presente trabalho visa analisar as formações discursivas que compõem a fala de aprendizes de língua inglesa de níveis elementar, intermediário e avançado, procurando evidenciar que a alternância inglês/português na sala de aula revela não apenas uma alternância de código, mas também uma alternância na posição sujeito desses aprendizes, faz-se essencial revisar os principais pressupostos da Análise do Discurso de Linha Francesa, linha de estudos que embasará toda a análise dos dados.

Nesse sentido, deve-se iniciar definindo a concepção de linguagem sustentada por tal linha. Segundo Orlandi (2005), a AD[1] concebe a linguagem como uma relação necessária entre o homem e a sua realidade natural e social. Essa relação, que é o discurso, permite que se estabeleça tanto a continuidade quanto o deslocamento do homem e da realidade na qual ele está inserido, e sugere que o sentido seja interpretado em função do tempo e do espaço em que se encontra.

Em concordância com essa concepção, Nóbrega (2001) acrescenta que para a AD a fala passa a ser parte do discurso social, que tem como base o indivíduo, interpelado em sujeito pela ideologia. Isso significa que a fala está diretamente ligada ao sujeito que dela faz uso, e que esse sujeito é submetido a crenças, saberes, valores e preconceitos que o constituem e fazem dele um ser assujeitado.

            Assim, tem-se na AD uma a relação entre língua-discurso-ideologia. Orlandi (2005) acredita que tal relação é fruto da idéia de que a materialidade específica da ideologia é o discurso, enquanto que a materialidade específica do discurso é a língua. Cabe também ressaltar, no que diz respeito à ideologia, que o sujeito da linguagem não tem controle sobre o modo como a língua e a história o afetam, já que as palavras que significam nele e para ele já estão carregadas de outros sentidos. 

            De fato, Orlandi (2005) acrescenta que os sentidos não estão apenas nas palavras, mas na sua relação com a exterioridade, ou seja, nas condições em que são produzidos. Deste modo, ao dizer alguma coisa, o sujeito pensa que sabe o que diz, mas, na verdade, não tem acesso ou controle sobre o modo pelo qual os sentidos se constituem nele. Aliás, só uma parte do dizível é acessível ao sujeito, pois até mesmo aquilo que não é dito significa em suas palavras.

            A partir daí, pode-se deduzir que existe uma relação entre o já-dito e o que se está dizendo, que é a mesma existente entre o interdiscurso – conjunto de formulações feitas e já esquecidas que determina o dizer – e o intradiscurso – o dito em determinado momento e em determinadas condições.

Os esquecimentos típicos do interdiscurso são, pois, involuntários, e servem para que o sujeito se constitua ao se identificar com o que diz. Orlandi (2005) afirma, inclusive, que é assim que as palavras proferidas pelo sujeito adquirem sentido, é assim que ele significa retomando palavras já existentes como se elas tivessem origem nele, e é assim que sentidos e sujeitos estão sempre em movimento, significando sempre e de variadas formas.

Na verdade, essa concepção baseia-se nas duas formas de esquecimento no discurso propostas por Pêcheux e Fuchs (1993). Segundo eles, podemos distinguir o esquecimento número um, por meio do qual o sujeito tem a ilusão de ser a fonte daquilo que diz, e o esquecimento número dois, devido ao qual o sujeito tem a ilusão de ter o domínio sobre aquilo que diz, acreditando que o que é dito só pode ser de uma maneira e não de outra. 

Outro aspecto que merece destaque especial nos estudos do discurso é a relação de força entre os sujeitos, já que vivemos em uma sociedade hierarquizada e, portanto, o lugar a partir do qual fala o sujeito, certamente, constitui o seu dizer. Deste modo, as palavras significarão diferentemente se o sujeito falar da posição de professor ou de aluno, por exemplo. É nesse sentido que, segundo Orlandi (2005), os sujeitos são intercambiáveis. Quando se fala da posição de professor ou de aluno, o que é dito deriva seu sentido em relação à formação discursiva em que se está inscrevendo as palavras, e é isso que determina a identidade.

A compreensão dos processos de produção dos sentidos e sua relação com a ideologia dão-se, deste modo, através das formações discursivas, definidas como a materialização discursiva dos saberes que constituem as formações ideológicas, ou seja, como tudo aquilo que pode ou deve ser dito em determinada situação. Dessa definição surge a compreensão de que as palavras em si nada significam, já que seus sentidos serão derivados apenas em função da formação discursiva em que se inserem, e da idéia de que palavras iguais podem significar diferentemente se inscritas em formações discursivas diferentes.

A linguagem é caracterizada, deste modo, por uma permanente incompletude, fazendo com que sujeitos e sentidos se constituam apenas em seu contato com ela. Neste sentido, Orlandi (1987) afirma que, ao dizer, o sujeito significa em condições determinadas, estimulado tanto pela língua quanto por sua experiência de mundo e por um saber/poder/dever dizer.

A analista deve ser capaz, portanto, de esclarecer as relações do discurso com as formações discursivas no qual está inserido, e as relações dessas formações com a ideologia.  Cabe lembrar que sendo o discurso heterogêneo, em um texto não se encontra apenas uma formação discursiva, mas várias que se organizam em torno de uma dominante.

Com base nas premissas expostas acima, neste estudo, assim como Hoff (2001), parte-se do pressuposto de que o sujeito é constituído por uma multiplicidade de discursos e que, ao enunciar, ocupa diferentes posições. Essas posições marcam a heterogeneidade, constituída por filiações históricas e ideológicas. Assim, o discurso só produzirá sentido em relação a essas posições-sujeito e às formações discursivas nas quais essas posições se encontram.

 

1.2 O discurso pedagógico

Considerados os principais pressupostos da Análise do Discurso, observou-se a importância da explicitação do contexto social e ideológico em que se encontram os sujeitos autores das transcrições a serem analisadas. Em função disso, torna-se essencial apresentar algumas reflexões a respeito do discurso pedagógico e, em especial, abordar as questões de poder e de perpetuação da ideologia presentes em uma sala de aula.

Primeiramente deve-se ter sempre claro o fato de que, conforme Nóbrega (2001), a fala, na Análise de Discurso de linha francesa, deixa de ser vista como uma manifestação individual da língua e passa a ser considerada como parte de um discurso social, interpelada pela ideologia do sujeito que dela faz uso.  Esse sujeito é, portanto, um ser histórico, inscrito em uma sociedade com seus hábitos e costumes, não tendo plena liberdade para dizer o que quiser. Deve, ao contrário, falar de acordo com uma situação social determinada que o constitui.

Neste sentido, segundo a autora, a fala acaba sendo uma manifestação de poder, uma vez que a sociedade, ideologicamente marcada, é formada por relações de poder. No caso da relação entre professor e aluno, o professor é, segundo o imaginário social, aquele que detém o saber, enquanto que o aluno é aquele que precisa aprender. Em outras palavras, o professor manda, o aluno recebe ordens.

Fleuri (2001) acrescenta que essa “autoridade” do professor abrange todos os momentos fundamentais do processo pedagógico em sala de aula: os “educandos” não passam de “objeto” da ação educativa do “educador”. Em conseqüência disso, são levados a pensar, falar e agir conforme os interesses ditados pela escola ou pelo professor, e, portanto, sua fala é, certamente, influenciada e marcada pela ideologia dessas instituições.

Semelhantemente, Coracini (1996) acredita que as vozes e os pontos de vista do professor estão constantemente presentes no discurso do aluno, uma vez que é sempre o professor quem “dá” ou “deixa” espaço, quem “permite” ou não que o aluno fale, discuta ou reaja. Na verdade, ela defende a idéia de que o professor foi e é formado exatamente para isso: para controlar, para decidir, para assumir os turnos principais, enfim para reafirmar sua posição de poder.

Neste sentido, Pachalski (2004), acrescenta que supondo esse contexto, em que o professor é o detentor do saber e o aluno é o que precisa aprender, como verdadeiro, o discurso de poder da escola e o discurso pedagógico do professor circulam juntos, um respaldando o outro. Segundo ela, eles funcionam para perpetuar os valores hegemônicos, reproduzindo saberes que submetem tanto o sujeito-aluno quanto o sujeito-professor, uma vez que ambos estão mergulhados nesse processo social.

Cabe observar, portanto, que essas premissas são de fundamental importância para a análise dos textos que constituem o corpus desta pesquisa. De fato, as afirmações apresentadas aqui servirão de embasamento para que as vozes institucionais sejam evidenciadas nas vozes dos alunos no capítulo destinado à análise dos dados.  

 

1.3 A alternância de código em aula de língua estrangeira

O fenômeno de alternância de código em aula de língua estrangeira, comumente tratado na literatura pelo termo em língua inglesa “code-switching”, tem sido definido por diversos pesquisadores como o uso de duas ou mais línguas na execução do ato de fala.

            Grosjean (1982), acredita, inclusive, que esse é um recurso comunicativo bastante útil, e acrescenta que, na maior parte dos casos, o falante faz uma escolha involuntária pela troca de código, uma vez que sua maior preocupação é em comunicar uma mensagem ou intenção. Mello (1999) sugere que a alternância de código deve ser vista como uma habilidade lingüística do falante, não como uma inabilidade. De acordo com ela, a troca representa um comportamento verbal que requer um alto nível de competência em ambas as línguas, não podendo ser vista como uma falha causada pela falta de conhecimento em uma das duas línguas.   Da mesma forma, Romaine (1995) acredita que a deficiência lingüística não pode ser o único motivo para que bilíngües alternem códigos. A ocorrência da alternância também tem uma dimensão pragmática, se vista como um importante meio de comunicação lingüística e social.

             Mais preocupado com os estudos em sala de aula, Schweers (2003) acredita que a língua materna do aprendiz é seu principal meio de comunicação e expressão cultural, e que o seu uso na aula de língua estrangeira tem levado a atitudes positivas em relação ao processo de aprendizagem.  Semelhantemente, Tang (2002) acredita que o uso limitado de língua materna na aula de língua estrangeira não reduz a exposição do aprendiz à língua alvo, sendo, ao contrário, um meio para melhorar a sua proficiência lingüística.

             Como pode ser observado, a literatura sugere que os aprendizes são motivados tanto lingüística quanto pragmaticamente para alternarem de código. Grosjean (1982), por exemplo, lista os seguintes motivos: suprir uma necessidade de vocabulário, de marcador discursivo; continuar a conversa na última língua empregada; citar alguém; especificar o interlocutor; qualificar a mensagem, especificando o envolvimento do falante; marcar a identidade com o grupo, demonstrando solidariedade; transmitir intimidade, fúria, aborrecimento; excluir alguém da conversa; e modificar o papel do falante, aumentando seu status ou outorgando-lhe maior autoridade.

              Embora muitos desses conceitos tenham sido elaborados em contextos diferentes daquele a que este trabalho se propõe a investigar, acredita-se que muitos dos fatores responsáveis pela alternância de códigos aqui descritos sejam responsáveis também pelo uso da língua portuguesa na aula de língua inglesa. Espera-se, portanto, demonstrar que a recorrência a esse fenômeno não é apenas de caráter lingüístico ou estrutural, mas assume também uma caracterização discursiva.

 

2. METODOLOGIA

            Neste capítulo, serão apresentados dados referentes aos informantes, aos procedimentos adotados para a coleta dos dados e ao método de análise utilizado para o desenvolvimento da pesquisa.

2.1 Dados e informantes

            O corpus da presente pesquisa foi constituído a partir de gravações em áudio de aulas de língua inglesa de uma escola particular de ensino de línguas da cidade de Pelotas-RS, que utiliza o método comunicativo de ensino. Para compor o grupo de informantes para a coleta dos dados da pesquisa foram escolhidas, aleatoriamente, três turmas de alunos – uma de nível básico, uma de nível intermediário, e uma de nível avançado. 

2.2 Coleta de dados

            A coleta dos dados para a constituição do corpus foi feita durante o primeiro semestre de 2005 mediante a gravação em áudio da produção lingüística dos informantes em suas aulas de língua inglesa. Logo após a gravação, as aulas foram transcritas, possibilitando, assim, a análise dos dados.

2.3 Método de Análise

             O campo discursivo de referência dessa análise é constituído pelo discurso pedagógico produzido por alunos de língua inglesa nos níveis básico, intermediário e avançado. Dentre as produções coletadas, foram selecionadas três seqüências discursivas que formam o corpus discursivo dessa pesquisa.

 

3.  ANÁLISE DOS DADOS

A análise dos dizeres dos alunos de nível elementar, intermediário e avançado, objetiva verificar as formações discursivas que compõem a fala desses aprendizes e as principais posições-sujeito assumidas por eles ao recorrerem à alternância de código inglês/português.

 

3.1 Análise da alternância em nível elementar

Ao iniciar a aula, a professora propõe que os alunos trabalhem em pequenos grupos e comentem como foram seus fins-de-semana.

Aluno A: What did you do last weekend?

Aluno B: I studied Chemistry /[2] Ai, meu Deus do Céu / Eu tenho prova hoje //[3] And you? What did you do?

Aluno A: Bom, eu // I go / I went to the church / listened to music, watched a movie on Rede Globo.

 

A transcrição apresentada acima revela que ao alternar o código, a aluna não somente deixa de falar em língua inglesa, passando a utilizar sua língua materna, como também revela a transição da posição-sujeito aprendiz de língua inglesa, na qual precisa desempenhar uma tarefa proposta pela professora, para uma posição-sujeito na qual a aluna mostra-se como realmente é, com problemas reais a serem resolvidos após a aula de LE[4]. A língua materna é, então, usada para fazer um desabafo sobre sua preocupação, e logo em seguida a LE volta a ser utilizada evidenciando que a aluna volta a ocupar a posição de aprendiz, e evidenciando a “autoridade” exercida pela professora, uma vez que esta permite o uso de língua materna neste nível de aprendizagem, mas exige que a língua-alvo seja usada o máximo possível durante atividades de produção oral. Assim, ao perguntar a sua colega como foi seu fim-de-semana, principal objetivo da atividade, a aluna volta a usar a LE. Ela, então, fala e age conforme as regras ditadas pela professora, que por sua vez fala e age conforme os interesses da escola.

Acredita-se, também, que ao recorrer à alternância de código, a aluna não esteja demonstrando uma deficiência lingüística, pois mesmo freqüentando aulas em nível elementar, a aluna caracteriza-se por ser bastante proficiente, o que leva a crer que a alternância deu-se em função de sua necessidade de transmitir emoção, como sugerido por Grosjean (1982). Assim, a alternância de código serve para que a aluna se constitua ao se identificar com o que diz, e regule/aumente a intensidade que suas palavras terão no seu interlocutor.  Isso se dá uma vez que um “Ai, meu Deus do Céu” é certamente muito mais enfático e significativo do que um “Oh, my God”, pois é na língua materna que somos capazes de melhor demonstrar nossas emoções e sentimentos. Além disso, a alternância comprova que os sentidos não estão apenas nas palavras, mas também no código empregado e na sua relação com a exterioridade e, conseqüentemente, com os efeitos entre os interlocutores.

Pode-se observar, também, na expressão “Ai, meu Deus do Céu” uma forte relação entre o dito e o não-dito na construção dos sentidos objetivados pela aluna. Ao pedir ajuda a Deus para fazer a prova, a aluna deixa clara a sua preocupação e o quanto a idéia de ter que se submeter a uma prova está presente em seus pensamentos mesmo durante a aula de língua estrangeira, podendo inclusive estar influenciando no seu desempenho. Observa-se, ainda, que ao dizer “Ai, meu Deus do Céu” a aluna silencia outro dizer, em língua estrangeira, e que remeteria a outros sentidos e, conseqüentemente, significaria outra posição-sujeito, a de alguém que está simplesmente completando uma tarefa e isentando os seus sentimentos de sua fala.

Interessante é, ainda, a afirmação “Eu tenho prova hoje”, afirmação essa utilizada para justificar o estudo durante o fim-de-semana, evidenciando, pelo menos, duas representações subjacentes ao dizer da aluna: 1) a aluna estuda somente para passar nas provas, 2) e prova é sinônimo de tensão e preocupação. Certamente, tais representações estão ligadas a uma formação discursiva pedagógica típica do sistema educacional brasileiro, segundo a qual os aprendizes são preparados para obter aprovação em exames e não para aplicar os conceitos aprendidos em suas vidas diárias.

Deste modo, observa-se que, de fato, assim como proposto pela Análise do Discurso de Linha Francesa, a linguagem caracteriza-se por uma permanente incompletude, fazendo com que os sujeitos e os sentidos se constituam apenas em seu contato com ela. Cabe acrescentar, então, que a escolha do código utilizado pelo sujeito também é responsável pela maneira como o sujeito significa, uma vez que implica a sua inserção em formações discursivas diferentes.

 

3.2 Análise da alternância em nível intermediário

Seguindo uma atividade proposta pela professora, os alunos convidam seus colegas para participar de uma festa. 

Aluno A: Do you want to go to a Junina Party?

Aluno B: Maybe.

Aluno A: It will be at the teacher’s house on Saturday night.

Aluno B: (risos)

Aluno A: There will be quentão, rapadura and pé-de-moleque.

Aluno B: And popcorn?

Aluno A: Popcorn? No.

 

Na transcrição apresentada acima é interessante observar que ao serem solicitados a organizar uma festa, um dos alunos logo planeja uma comemoração tipicamente brasileira, demarcando, desde o princípio, a formação discursiva na qual está inserido. Fica claro seu desejo de valorizar a sua cultura em detrimento da cultura dos países de língua inglesa, marcando, assim, conforme Grosjean (1982), sua identidade com seu grupo.

Essa necessidade de explicitar sua ideologia é, então, enfatizada no momento em que ele recorre à alternância de código. A língua inglesa deixa de ser usada no instante em que ele informa aos colegas qual será o cardápio da festa, passando à língua portuguesa o domínio de seu discurso, evidenciando, assim como proposto por Orlandi (2005), que os sujeitos são intercambiáveis: o aluno deixa de ocupar a posição-sujeito “aprendiz de língua inglesa” para ocupar a posição de “cidadão brasileiro”, orgulhoso da cultura de seu país.

Além disso, pode-se dizer que a língua inglesa seria insuficiente para transmitir o significado exato que o aluno pretendia. Isso se dá uma vez que as palavras “quentão”, “rapadura” e “pé-de-moleque” são inexistentes nessa língua e, portanto, caso optasse por continuar seu discurso na língua estrangeira, o aluno teria como único recurso explicar em que consiste cada um desses pratos e, mesmo assim, seria incapaz de provocar o significado desejado em seu interlocutor. Não há dúvidas, portanto, que seu dizer em língua materna significou diferentemente ao interlocutor do que um dizer em língua estrangeira, especialmente neste caso em que a língua materna é compartilhada entre todos. Isso comprova que o discurso constitui-se pelos efeitos de sentido que é capaz de provocar.

Observa-se, ainda, que o desejo de afirmação da cultura brasileira fica mais evidenciado no momento em que um colega pergunta sobre a possibilidade de haver “popcorn” na festa. É claro que pipocas também são comuns em festas juninas, mas o aluno A é bem enfático ao dizer que esse tipo de guloseima não estará disponível na festa. Uma possível justificativa para essa negação seria o fato de que pipocas também são bastante comuns em países de língua inglesa.

Cabe lembrar, além disso, que o sujeito-aluno não tem controle sobre o modo como a língua e a história o afetam, uma vez que as palavras e, conseqüentemente, os códigos por ele escolhidos já estão carregados de sentidos outros no momento em que ele se apropria deles. Isso significa que, assim como sugere Orlandi (2005), o sujeito pensa que sabe o que diz, mas, na verdade, não tem controle sobre o modo como os sentidos se constituem nele. 

 

3.3 Análise da alternância em nível avançado

Ao iniciar a aula, a professora solicita que os alunos trabalhem em duplas e, bastante brevemente, reportem o que fizeram durante o fim-de-semana.

Aluno A: So, did you have a nice weekend?

Aluna B: Hmmm, on Saturday, I stayed at school in the morning and in the afternoon / at night I went to a friend’s house. And on Sunday I studied because I had to take a make-up text today // (a aluna mexe em sua bolsa) Alguém quer uma bala? (a professora olha para a aluna) Does anybody wanna a candy?

Aluno C: (pertencente a outro grupo): Yes, yes!

Aluna B: (apontando para sua dupla): How about you? How was your weekend?

Aluno A: I went downtown to buy myself a gift (...)

 

Nesta turma, o inglês é a língua que predomina tanto nas conversas professor-aluno quanto nas conversas aluno-aluno. Devido ao tempo considerável a que os alunos estão expostos à instrução formal desse idioma, em média quatro anos, todos estão cientes de que o inglês deve ser a língua oficial das aulas, e que certamente serão reprimidos pela professora caso façam uso do Português.

No caso apresentado acima, pode-se observar que a aluna B é, de fato, bastante proficiente em língua inglesa, podendo comunicar-se perfeitamente utilizando somente esse idioma. Mesmo assim, ao concluir a tarefa de falar sobre o seu fim-de-semana, ela oferece uma bala aos seus colegas através de sua língua materna, talvez como uma estratégia para chamar a atenção total da turma para sua oferta.

Mais uma vez, assim como ficou evidenciado nas outras situações apresentadas, observa-se claramente que a alternância do idioma indica, também, uma alternância na posição-sujeito da aluna, que deixa de ocupar a posição de aprendiz de língua estrangeira para ocupar a posição de amiga da turma, fazendo questão de deixar marcada sua verdadeira vontade de que aceitem uma de suas balas.  Assim, a idéia sugerida por Orlandi (2005) de que os sentidos não estão apenas nas palavras, mas nas condições em que são produzidos pode ser empregada também para uma situação de alternância de código, podendo-se dizer que o sentido depende, em grande parte, do código que é empregado.

Parece que, de fato, ao alternar de inglês para português a aluna obteve o resultado esperado. Seu discurso em língua portuguesa causou estranheza na turma, acostumada com o uso exclusivo de língua inglesa. É como se todos percebessem que naquele momento ela estava deixando seu papel de aluna de lado para dizer algo que merecia atenção especial, não somente daqueles que estavam trabalhando com ela, mas também de todos os outros membros da turma. Assim, um de seus colegas logo aceitou a sua oferta.

Pode-se dizer ainda que, caso a alternância de código, e a conseqüente alternância na sua posição-sujeito, não tivesse acontecido, sua oferta significaria diferentemente nos colegas. Isso porque o sentido está na dependência de nossa construção enquanto sujeito, ou seja, se constrói de nossas posições-sujeito.

Interessante observar, neste sentido, que ao perceber o olhar da professora, a aluna volta imediatamente a ocupar a posição de aprendiz, comprovando ser um sujeito-efeito, interpelada pelas crenças e valores da professora, segundo quem, em nível avançado de aprendizagem, a língua materna deve ser evitada ao máximo. Além disso, sendo um sujeito histórico, a aluna não tem plena liberdade para dizer o que quiser e como quiser. Deve, ao contrário, falar de acordo com a situação social na qual está inserida que, neste caso, exige o uso exclusivo de inglês na sala de aula.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

            Em função das constatações realizadas aqui, conclui-se que a questão da alternância de código em aula de inglês como língua estrangeira em cursos de idiomas no Brasil, mais do que uma mera deficiência lingüística, apresenta-se como um meio de evidenciar uma alternância na posição sujeito do aprendiz.

            Neste sentido, em conformidade com o que é proposto por Orlandi (2005), o sujeito aprendiz de língua é pensado como “posição” entre outras. O uso da língua materna permite, assim, que ele ocupe uma posição de intimidade e cumplicidade com o restante da turma e com a cultura de seu país, deixando o uso da língua inglesa para as situações em que ele exerce apenas a posição de aprendiz.

É essencial, portanto, que professores de línguas estrangeiras estejam cientes da naturalidade do fenômeno de alternância de código no processo de aprendizagem, reconhecendo que os sentidos não estão apenas nas palavras, ou no código empregado, mas nas condições em que são produzidos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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TANG, J. Using L1 in the English Classroom. English Teaching Forum. v. 40, n.1. January, 2002.

 



[1] Análise do Discurso de Linha Francesa

[2] Pausas breves são representadas, neste trabalho, por uma barra (/)

[3] Pausas longas são representadas, neste trabalho, por duas barras (//)

[4] LE representa, neste trabalho, língua estrangeira.