Literatura no rádio


João Batista Neto Chamadoira

UNESP – Bauru

 

Esta comunicação tem como escopo de apresentar o relato de uma experiência de transposição de textos literários para o veículo Rádio, o programa POESIA E PROSA. Minha formação no curso de Letras e o fato de eu ministrar aulas de Língua Portuguesa e Literatura, nos cursos Fundamental e Médio em escola da rede estadual e no CEFET – São Paulo,   durante 28 anos, bem como e a experiência de adolescente na RÁDIO TÉCNICA DE ATIBAIA – ZYR-95,  onde fazia operação de áudio e programação estão na base deste trabalho.. Por outro lado,  durante algum tempo, apresentei em jornais de Atibaia, a título de colaboração, uma coluna sobre Língua Portuguesa e Literatura. Ingressei na UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP, campus de Bauru, em 1997,  e comecei a trabalhar na área de Jornalismo, ministrando  .aulas de Técnica Redacional para Radiojornalismo e Telejornalismo. Nas aulas de redação para Radiojornalismo, tive oportunidade de revisitar as lides radiofônicas e, assim,. já que o Campus de Bauru, possui uma rádio cultural e educativa – a RADIO UNESP FM, elaborei um projeto de um programa de Literatura.  Evidentemente, o fato de que o Rádio é um excelente veículo para divulgação de conhecimento, no caso da Literatura, iria ao encontro dos meus objetivos no tocante à vida profissional e à vida pessoal.

É claro que foi necessária uma verificação nas diferenças entre a linguagem do veículo impresso, do livro e do veículo sonoro, no caso o rádio. Dessa forma, será pertinente, apresentarmos as peculiaridades relativas ao veículo Rádio, no que diz respeito aos aspectos do meio de expressão- o som – à maneira como o locutor deve-se portar ao transmitir a mensagem, à forma de se escrever um texto que será lido.

Em primeiro lugar, para Ferrareto (2001:25), O rádio é o meio veículo de comunicação que utiliza emissões de ondas eletromagnéticas para transmitir a distância mensagens sonoras destinadas a audiências numerosas.

Para Rabaça  e Barbosa (2002:615), rádio é o veículo de radiofusão sonora que transmite (entre outras coisas) programas de entretenimento, educação e informação.

 Segundo Ferraretto, o rádio apresenta os seguintes aspectos condicionantes, para a apreensão da mensagem: capacidade auditiva do receptor; a própria linguagem radiofônica; a tecnologia de transmissão e recepção; a fugacidade; o tipo de público; as formas de recepção

Em relação à capacidade receptiva do receptor, é claro que a ausência física do emissor, obriga o receptor a uma tentativa de percepção e atenção maiores,   e, inclusive, compensa,,com a imaginação,  a distância e ausência.

Por sua vez, a linguagem radiofônica procura compensar a exclusividade do aspecto sensorial da audição com inserção de música e outros sons combinados e, até, com a presença do silêncio. Dessa forma, a riqueza ou a pobreza de recursos técnicos terá influência na melhor ou pior recepção do ouvinte, aumentando ou não a eficácia do processo comunicativo tanto no que diz respeito à transmissão propriamente dita, quanto em relação à clareza e entendimento da mensagem.

Como o emissor não está presente, a forma de exposição oral e a maneira como o receptor apreende a mensagem são fundamentais à concretização dos objetivos propostos pelo  produtor do programa.

Uma das peculiaridades do rádio é    o caráter fugaz desse veículo, o que torna  imprescindível, por parte do emissor,  a clareza, já que o receptor não poderá ”reler”o texto ouvido.. É Prado (1985:19) quem fala de um condicionamento temporal que sofre a decodificação. O tipo de público condiciona a programação radiofônica.  Em se tratando de uma emissora pertencente a uma universidade, no caso a RÁDIO UNESP FM, cujos objetivos são diferentes dos objetivos de uma emissora comercial, pode-se dizer que é uma emissora alternativa. Assim, um programa sobre Literatura poderia fazer parte da grade de programação da RÁDIO UNESP FM, diferentemente, à primeira vista, da programação de outras emissoras..

Um outro aspecto a ser considerado em relação ao Rádio, é o que nos diz  Moles (apud Ferrareto), que apresenta quatro de escutas.:

a) escuta ambiental: o ouvinte busca no rádio um fundo musical ou palavras;

b) escuta em si: o ouvinte presta atenção marginal interrompida pelo desenvolvimento de uma atividade prática;

c) atenção concentrada: supõe um aumento no volume de som do receptor, superando os sons ambiente e permitindo a concentração do ouvinte na mensagem;

d) escuta por seleção: o ouvinte sintoniza intencionalmente um determinado programa e a ele dedica sua atenção.

O   texto radiofônico difere da linguagem comum do dia-a-dia, da linguagem do jornal impresso e, evidentemente, do texto para a televisão.

Assim, os autores especializados,   apresentam algumas peculiaridades do texto para o rádio.

a)      Oração na ordem direta, Sujeito + verbo+ complementos (+ (adjunto adverbial), a fim de se facilitar a compreensão do ouvinte.

b)      Frases curtas, para que o locutor não tenha problemas de apresentação e  .não haja dificuldade para o ouvinte acompanhar.

c)      Emprego de elementos lexicais simples e obedecendo-se ao nível coloquial para   rápida decodificação do ouvinte.

Outro elemento importante em relação à boa escuta do rádio,   é a locução. Ferrareto (p.311) concorda  com Jorge Valdéz e cita oito requisitos essenciais para o locutor de rádio: entender o significado, interpretar o texto, transferir as informações, medir o ritmo, matizar (dar cores), ser natural, convencer e concluir bem a leitura.

Além da voz, há que se levar em conta a entonação. Esta pode dar um “colorido” ao texto radiofônico. Assim, os elementos supra-segmentais ou paralingüísticos podem enfatizar determinadas expressões e, dessa forma, prender a atenção do ouvinte.

Cite-se, ainda, que  o rádio  pode e deve contar com outros ruídos que ajudam na matização do programa. César (1990:72) fala-nos dos fatores que favorecem a comunicação.  Sendo a comunicação do rádio rápida e objetiva, além da voz,  o locutor ainda tem que contar  pode contar, com a sua voz, com as músicas e com os efeitos sonoros para se melhor chamar a atenção do seu ouvinte. Assim, há as vinhetas, ornamentos sonoros, com as quais uma emissora de rádio se identifica em relação ao ouvinte, ou constitui a marca do programa, do quadro, ou do apresentador; e o background, conhecido também por BG, que constitui a música,  vozes ou ruídos em fundo, no programa de rádio.

RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA NA RÁDIO UNESP FM

A RÁDIO UNESP FM,   incluída  no segmento RTVCE, ou seja, a RÁDIO E TV CULTURAL e EDUCATIVA. é  sintonizada na freqüência de 105, 7 megahertz, e  situa-se  no Campus da UNESP, na  cidade de Bauru, zona oeste do estado de São Paulo. Foi fundada em 13 de maio de 1991 e, sob o ponto de vista do organograma, está subordinada diretamente à Reitoria da UNESP.

A RÁDIO UNESP FM mantém uma programação que difere das outras emissoras da cidade, já que estas são de características comerciais. A emissora tem, , entre outros objetivos, divulgar matéria educativa e cultural, provinda da UNESP, com a função de ampliar os horizontes da população regional. Assim, além de campanhas educativas   e programação alternativa, presta também serviço de utilidade pública. Como está ligada à Universidade, apresenta trabalhos de pesquisa de    professores e é um canal para determinados trabalhos de alunos do corpo discente.  especialmente,  os do  curso de Jornalismo.

Observando as características do tipo programa – Literatura –   com o qual poucos ouvintes  estão habituados, e ouvindo a Direção da Rádio, decidi pela apresentação de “programetes”, com a duração de no máximo 7 minutos. Na verdade, a intenção era mais sugerir a sonoridade da poesia, ou  a existência de um autor de poesia e ficção, em vez de uma aula de Literatura.

 O passo seguinte foi verificar as peculiaridades da apresentação. O programa, no início, tinha apenas um apresentador, no caso a minha voz. Eu produzia e eu mesmo  apresentava . Mas, como se sabe, o rádio necessita, de uma dinâmica que estimule o imaginário do ouvinte. Assim, melhor seria que houvesse pelo menos duas vozes na apresentação dos programas. Isso eliminaria eventuais dificuldades de compreensão no texto sonoro, pois há a parte de apresentação do autor e um comentário sobre o poema. Uma voz apenas poderia confundir o ouvinte: afinal onde termina o texto de apresentação e começa o poema ou crônica, ou conto ou romance?.  Assim,   após tentar com locutor da própria emissora a interpretação do texto e não ter tido êxito, passei a convidar alunos dos Cursos de Jornalismo, Rádio e TV, habilitações que integram o curso de Comunicação  da UNESP de Bauru. Hoje, ainda,  conto com a voz de uma professora muito interessada em Literatura e com boa locução e expressão..

O título do programa ficou sendo POESIA E PROSA, pois apresento sempre um texto em prosa e outro em versos.. Está sendo uma experiência excelente, pois os alunos, não tendo oportunidade de fazer locução, podem exercitar-se  na preparação e na realização do programa.. Por outro lado, os alunos gostam da experiência. Faço com eles exercícios sobre pronúncia, dicção e expressividade   que podem preencher uma lacuna na grade curricular. Os programas procuram mostrar não só os autores já tradicionais, aqueles que eu chamo, por falta de uma denominação melhor, de autores presentes nos livros didáticos. Valorizo também os autores contemporâneos com pouca divulgação, como Paulo Leminski, Ana C., Inácio Loyola Brandão, Carlos Vogt, Carlos Felipe Moisés, Eucanaã Ferraz, alguns da  geração de sessenta e setenta.

Utilizo no programa, característica do Rádio, o que se chama de música incidental ou fundo musical, ou background, ou BG, com música erudita. Para a abertura, foi escolhida a música BOURREE., de Johann Sebastian Bach, interpretada pelo conjunto  SWINGLE SINGERS, com arranjos para jazz.

A escolha do autor e texto é aleatória, salvo quando aproveito alguma referência ao autor, como, por exemplo, a comemoração do aniversário da morte ou nascimento do escritor.. As músicas que compõem o back ground procuram acompanhar o clima, o significado do poema que a temática sugere, e o fluir rítmico do texto apresentado. Busca-se, por exemplo, fazer corresponder um poema medieval com música medieval; poema barroco com música de características barrocas (Bach, por exemplo); poema ou romance romântico com música romântica (Chopin, Liszt, Schumann, por exemplo); simbolista, com música de Debussy; modernismo, com Villa Lobos; em casos de autores contemporâneos, a música erudita contemporânea,  como s compositores  Stockhausen, Bartock, Honegger, Jindrich Feld, John Adams. No caso de textos em prosa, uma crônica, uso desde Wagner (sugerindo a violência) ou Hermeto Paschoal, ou Kroma, (sugerindo alegria, malandragem.)

O programa é sempre gravado, o que facilita uma eventual correção. Os alunos recebem os roteiros com antecedência, quando isso é possível . Quando não é possível, ensaiamos no tempo que antecede a gravação, lá mesmo na rádio, uma hora de se iniciar a gravação.

É evidente que tudo isso, apesar de altamente motivador para mim e os alunos, não são flores. Alunos há que têm dificuldade em soltar a voz, são inibidos e, muitas vezes, a pronúncia, já que não estão acostumados, deixa muito a desejar. Mas os exercícios permitem uma melhora substancial. E o próprio estúdio de gravação cria um ambiente e um clima favoráveis.

As dificuldades de pronúncia que encontro nos alunos e, por que não, até em mim, se prendem ao fato de que a fala do dia-a-dia influencia muito. Percebo certa dificuldade em pronunciar todas as sílabas, às vezes na ausência de califasia, isto é, falta de entonação necessária ao pronunciar algumas palavras do texto. Procuro  mostrar a eles que a pronúncia da variante retroflexa do fonema /r/,  aquele “erre” interiorano, de algumas cidades de Minas Gerais e São Paulo, que a Rede Globo condena em seu MANUAL DE TELEJORNALISMO e caracteriza como o {r] pronunciado pelo norte-americano (sic), não constitui erro. Mas digo que essa pronúncia pode causar reprovação em testes para locução, já que a classe dominante reprova a pronúncia.

Concluindo, espero que esse trabalho contribua para uma melhor divulgação da Literatura e possa criar raízes.

À guisa de exemplo, apresento um roteiro radiofônico de um dos programas.

 

“Apresentamos o poeta Antônio Paladino (1925-1950).

BG – CD Nº 25

FAIXA 1 – l=78 -John Adams e Philip Glass – Robert McDufie (violin)

DESCE BG

Nascido em Santa Catarina, Antônio Paladino  colaborou com jornais, escrevendo poemas e prosa,  e críticas  literárias na Folha da Juventude, no jornal o Cicuta e na Revista Sul. Teve papel marcante no movimento modernista catarinense.

SOBE BG

DESCE BG

Entre suas produções, vale a pena lembrar as obras A ponte e Edições Sul. Vamos ouvir  o poema TRISTEZA. A voz é da Prof.ª Neidy Marly Carvalho.

MUDA BG – CD Nº  20

FAIXA  2  -  Consolation nº. 3D Flat Major – Silvia Capova ao piano

DESCE BG

Ruas compridas

De pensamentos em linhas pardas

Paralelas

Ausências justapostas

                                             Que se anulam e se cristalizam

Nas ruas.

Por um jogo ritmado

De notas complementares

Que esboçam nos entretons

As formas irregulares

Dos sentidos.

SOBE BG

DESCE BG

                                             Sombras espessas

Rodeiam os pensamentos

Em contraste concordante

Com ondas luminosas

Que descem de um sol permanente

Envolvendo

Revelando

Os meandros dúbios

Das ruas.

SOBE BG

DESCE BG

O título Tristeza aparece justificado pela incerteza, pela ambigüidade presente nos versos: “ausências justapostas”, “sobras espessas, revelando os meandros dúbios das ruas.”

MUDA BG -  CD Nº 25

FAIXA  - L=78 -John Adams e Philip Glass– Robert McDuffie (violin)

DESCE BG

Antônio Paladino: modernismo catarinense.

ENCERRAMENTO”

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

CÉSAR, Ciro. Como falar no rádio. São Paulo :Editora Bluna, 1998.

FERRARETO Luiz A. Rádio – o veículo, a história e a técnica. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2001.

PALADINO, Antônio. Tristeza. In: PEREIRA, Valdésia,  A poesia modernista catarinense da décadas de 40 e 50. Florianópolis: Editora da UFSC, 1998.

RABAÇA, Carlos A. e BARBOSA Gustavo Guimarães. Dicionário de comunicação. Rio de Janeiro, Editora CAMPUS, 2001.