(RE)CONSTRUINDO O GÊNERO A PARTIR DA PARÓDIA

 

Orientadora: Dra. Susana Bórneo Funck

 

Orientanda : Gabriela Gehrke

 

 

            Sabe-se que atualmente a mídia tem influenciado muito na construção das relações de gênero, principalmente quando direcionada às crianças, pois ao apresentar corpos, por exemplo, como os das princesas tradicionais cria nas crianças certos comportamentos e necessidades.

            Dentre os diversos tipos de entretenimento que a rede midiática infantil possui estão os filmes. Esses têm ultrapassado gerações com os clássicos desenhos Disney e com os tradicionais Contos de Fadas. No entanto, vêm ganhando espaço entre adultos e crianças as chamadas “produções animadas”, com estilo inovador, apresentando personagens diferentes dos modelos clássicos.

Inserido nessa última categoria está o filme Shrek, que retoma cenas e personagens dos contos de fadas popularizados. A partir de uma paródia, conta a história da princesa Fiona, a única personagem feminina do filme, a qual se apaixona pelo ogro Shrek, mas sente-se confusa, pois sua vida não vem seguindo as ideologias ou padrões socialmente estabelecidos pelos contos de fadas. Segundo críticas feministas, essas ideologias ainda vêm assombrando a vida das mulheres, principalmente na infância e na adolescência.

            O principal objetivo deste trabalho é mostrar, com base na análise das características físicas e psicológicas da princesa Fiona, como as ideologias que subjazem ao  feminino vêm mudando e como o filme vem criticando essas visões ultrapassadas do feminino a partir de um discurso parodístico. Por meio da paródia, Shrek nos mostra que a sociedade e as relações de gênero estão sendo constantemente recriadas, embora muitas vezes o discurso parodístico acabe por trazer à tona ideologias já existentes. Pois a paródia é uma faca de dois gumes: ela nos possibilita uma dupla leitura, na qual a relação que se estabelece entre o plano paródico e o plano parodiado é de fundamental importância, não se sabendo realmente qual a leitura que vai predominar.

            Já nas primeiras cenas de Shrek são parodiadas as princesas tradicionais, quando o espelho mágico mostra ao príncipe Faarquard a opção de escolha entre três princesas: Cinderela, cujo passatempo preferido é limpar a casa; Branca de Neve, que dorme um sono profundo, esperando por um príncipe que venha acordá-la; e Fiona, descrita pelo espelho como uma jovem ruiva e quente, que se encontra na torre de um castelo, à espera de alguém que a tire de lá, pois o castelo é vigiado por um dragão, sendo este um dragão “fêmea”.

            Ao se contrapor a Cinderela, uma das figuras tradicionais mais analisadas e criticadas pelo feminismo, Fiona, além de ser diferente fisicamente, se afirma como uma mulher com vontade própria e lutadora, que no desenrolar do filme precisa tomar decisões e dar um rumo à própria vida em vez de ficar esperando o beijo do príncipe encantado. Nem tudo é simples para ela, pois ao decidir ficar com Shrek, seu verdadeiro amor, ela deixará de ter  um corpo bonito, e terá de abandonar os padrões de beleza enfatizados pela mídia nos dias de hoje. Fiona sente-se como as adolescentes, que são pressionadas pela sociedade a terem um corpo bonito, sendo que às vezes são até excluídas de certos “grupinhos” se não possuírem essas tais características culturalmente impostas. Entretanto, Fiona decide ficar com seu amor sem se importar com as ideologias existentes. Um dos muitos detalhes que diferencia Fiona de outras princesas é o seu sapato, baixo e sem salto, já que as “donzelas” costumam aparecer nos contos de fadas com saltos altos e sapatos bonitos, verdadeiros símbolos da feminidade.

            No que se refere às representações, o corpo tem cada vez mais sido interpretado como uma construção, e não mais visto como algo natural, dado. Segundo Linda Nicholson,

o gênero tem sido cada vez mais usado como referência a qualquer construção social que tenha a ver com a distinção masculino/feminino, incluindo as construções que separam corpos “femininos” de corpos “masculinos”. Esse último uso apareceu quando muitos perceberam que a sociedade forma não só a personalidade e o comportamento , mas também as maneiras como o corpo aparece... (2000, p.9).

Com base em Nicholson, podemos dizer que Fiona passa às crianças, especialmente às meninas, a idéia de que não é necessário ter um corpo esculpido para buscar a felicidade, tentando assim mudar algumas das atuais ideologias que subjazem às relações de gênero.

            De acordo com muitas criticas feministas, a mulher ainda se encontra em desvantagem na sociedade e na cultura, e é preciso que se faça algo para que isto mude. Entretanto, existe ainda muita ambigüidade quanto à situação da mulher, o que pode ser percebido em Fiona. Pois, paradoxalmente, embora Fiona deixe de lado os padrões de beleza e de boas maneiras, ela ainda aspira a um casamento, reforçando a expectativa feminina de um final feliz, como nos contos de fadas, em que as personagens se casam e são felizes para sempre. Mesmo na paródia, o texto parodiado não se apaga completamente.

Mesmo assim, a partir de leituras sobre teorias de gênero, paródia, feminismo e contos de fadas, pode-se dizer que Shrek está contribuindo para mudar a visão típica de princesas e de príncipes na mídia infantil. Com base em alguns textos encontrados na internet e num levantamento informal feito numa cidade do interior do Rio Grande do Sul com crianças entre oito e dez anos de idade, verifica-se que as personagens deste filme são queridas pelo público infantil, sendo carismáticos não pelo seu físico, mas sim pelos sentimentos que passam, através de seus gestos e comportamentos. Provavelmente se perguntarmos para uma menina de seis ou sete anos se ela gosta mais da Fiona ogra ou da Fiona princesa, ela logo vai dizer que prefere a ogra, pois essa passa a idéia de felicidade e simplicidade e tira o mito da mídia de que todas as princesas têm que ter rostos lindos e uma educação exemplar. Então, na imaginação, as crianças também se permitem estar mais perto daquela realidade, do vocabulário e das “boas maneiras” de Shrek e Fiona.

            Conclui-se que, embora ainda permaneça a ideologia de um casamento que traga à mulher uma vida tranqüila e feliz, em Shrek podemos perceber muitas mudanças com relação à personagem feminina. (não submissa, lutadora, tem voz no filme, características físicas, etc.) Nota-se também que o filme, por se tratar de uma paródia, uma crítica à visão tradicional de princesa, mostra às crianças uma nova maneira de ver essas princesas, apresentando uma princesa mais real, não tão perfeita, loira, de voz doce e afinada e que faça muito bem os trabalhos domésticos, assim como Cinderela e Branca de Neve, que eram freqüentemente apresentadas cozinhando e arrumando a casa.

Desta maneira, tendo-se em conta que é muito comum as crianças se espelharem nas princesas, e se esta mídia efetivamente continuar apresentando novas animações que tragam princesas como Fiona, mais reais, menos perfeitas, podemos prever um futuro em que as adolescentes poderão não ter mais a preocupação exagerada com a beleza que elas têm hoje em dia. Sendo assim, pode-se afirmar que a mídia vem mostrando e incentivando novas visões e relações de gênero, o que é de fundamental importância para que no futuro a sociedade possa apenas se lembrar desses padrões de beleza e comportamento exigidos para as mulheres como uma ideologia que passou.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS:

 

BUTLER, J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

GROSS, E. Qué es la teoría feminista? Debate Feminista, v. 12, p. 85-105, 1995.

HUTCHEON, L. Uma teoria da paródia. Rio de Janeiro: Edição 70, 1989.

NICHOLSON, L. Interpretando o gênero. Revista Estudos Feministas, v. 8, n. 2, p.9-41,

2000.

PEREIRA, Aracy E. , FUNCK, Susana B. Discurso parodístico de contos de fadas. Trabalho apresentado no XII Encontro Nacional da ANPOLL. 1998.

SANT’ANNA, A. Paródia, Paráfrase & Cia. São Paulo: Editora Ática, 1991.

http://www.shrek2.com, acessado em 29 de agosto de 2005.

http://www.shrek.com, acessado em 14 de setembro de 2005.

http://www.rottentomatoes.com, acessado em 16 de setembro de 2005.