UM ESTUDO SOBRE A AQUISIÇÃO
DAS FRICATIVAS DENTAIS POR ESTUDANTES BRASILEIROS EM AULAS DE INGLÊS COMO LE
Fernanda Martins Wasserman*
Universidade Federal do Rio Grande do Sul -UFRGS
Esta comunicação tem como objetivo apresentar os dados de uma pesquisa
sobre a percepção e a produção dos fonemas fricativos dentais [T] e [D] por
estudantes brasileiros. O estudo foi realizado em quatro escolas da rede
estadual de Porto Alegre e insere-se no campo de ensino-aprendizagem da Língua
Inglesa (LI) enquanto Língua Estrangeira (LE), tendo sido motivado pela
constatação de certa escassez de bibliografia acerca do processo de aquisição
fonológica em LE. Na busca por respostas sobre como se dá a aquisição
fonológica de sons não pertencentes ao sistema fonológico da língua materna do
aprendiz, esta pesquisa levanta as seguintes questões: a) como se dá a
percepção das fricativas dentais por estudantes brasileiros? b) quais são as
formas de substituição dessas fricativas mais empregadas pelos estudantes? c) qual a relação que se estabelece entre as
substituições encontradas e as características da fonologia do português
brasileiro? e d) quais são as
possibilidades de explicação, em termos de fonologia teórica, para os padrões
de substituição encontrados? A bibliografia consultada insere-se no campo da
fonologia e trata também do papel da interferência da língua materna,
interlíngua e princípios universais de aquisição. A metodologia utilizada
fundamenta-se em testes de leitura e de produção oral aplicados antes do feedback
da professora e após explicações explícitas a respeito dos fonemas
fricativos dentais. Os dados analisados apresentam algumas formas de
substituição não encontradas na literatura especializada, tais como as
fricativas labiodentais, e apontam para a necessidade de uma pesquisa com maior
atenção à delimitação dos contextos silábicos em que ocorrem as substituições,
a fim de que se possa ter maior clareza em identificar/reconhecer se
determinadas substituições ocorrem por interferência do input gráfico na
produção oral, por influência do feedback corretivo ou por motivações
fonético-fonológicas, presentes nos contextos observados.
Palavras-chave: aquisição de Inglês como LE; aquisição fonológica;
fricativas dentais
Este
trabalho visa a apresentar os dados e os resultados provenientes de minha
monografia de final de curso intitulada “As dificuldades na percepção e
produção de fricativas dentais por estudantes brasileiros: implicações teóricas
e observações da prática docente”.
Buscou-se verificar as seguintes questões fonético-fonológicas
envolvidas em tais processos de aquisição da língua inglesa enquanto língua
estrangeira: a) como se dá a percepção das fricativas dentais por
estudantes brasileiros; b) quais são as formas de substituição dessas
fricativas mais empregadas pelos falantes; c) qual a relação que se
estabelece entre as substituições encontradas e as características da fonologia
do português brasileiro e d) quais são as possibilidades de explicação,
em termos de fonologia teórica, para os padrões de substituição encontrados.
Para
tal verificação, foram necessárias descrições de dados fonéticos provenientes
de observações em minha prática docente durante os anos de 2003 e 2004 em
escolas da rede pública estadual de Porto Alegre com estudantes de Ensino Médio
e Fundamental. Como suporte teórico, foram utilizados dois textos que
contemplam explicações acerca das formas de substituição dos fonemas fricativos
dentais em questão.
2. JUSTIFICATIVA
Evidenciamos um crescente
avanço dos estudos lingüísticos, principalmente no que tange aos estudos de
Aquisição de Linguagem e Fonologia. Podemos afirmar que ambos são prósperos em
termos de produção acadêmica, intelectual e científica. Porém, apesar de tantos
estudos, percebe-se ainda certa escassez de abordagens mais específicas no que
se refere à questão da aquisição fonológica por parte de estudantes de línguas
estrangeiras quanto aos sons pertencentes à língua alvo, mas inexistentes em
suas línguas maternas[1].
Há estudos recentes em universidades
brasileiras sobre a aquisição do sistema vocálico da Língua Inglesa por
falantes de Português Brasileiro, como a dissertação de mestrado “The
Acquisition of English Vowels by Brazilian-Portuguese Speakers” (Batista,
2000) e a tese de doutorado “Uma Proposta de Ensino de Pronúncia da Língua
Inglesa com Ênfase nos Processos Rítmicos de Redução Vocálica” (Bollela,
2002). Na UFRGS há estudos semelhantes, porém relacionados à percepção do
sistema vocálico da Língua Espanhola, como a dissertação “Aspectos da
aquisição da vogal oral /a/ em língua espanhola por estudantes de língua
portuguesa: a questão da percepção” (Pasca, 2003), que discute a
nasalização das vogais por estudantes brasileiros[x1]. Da mesma forma, em
outras universidades há estudos relacionados à aquisição de vogais do francês
como “O processo de aquisição das vogais frontais arredondadas do francês
por falantes nativos de português” (Alcântara, 1998).
Buscando em sites de algumas
universidades gaúchas, tais como
UFRGS, UFSM, PUC-RS, UCPel, UFPel e UNILASALLE[x2], percebemos que a
bibliografia disponível concernente à aquisição fonológica trata, em sua
maioria, da aquisição fonológica da língua portuguesa. Pouco se encontra sobre
a aquisição fonológica do espanhol e praticamente nada sobre a do inglês,
exceto trabalhos com abordagens otimalistas, que crescem a cada ano. Parece
haver então aspectos lacunares no que diz respeito aos estudos de aquisição
fonológica do sistema consonantal como parte do processo de aprendizagem de
línguas estrangeiras.[2]
Quanto aos estudos sobre ensino e
aprendizagem de línguas estrangeiras, notamos ainda certa escassez de
bibliografia[3]. Temos à
nossa disposição livros como “How Languages are learned” (Lightbown
& Spada, 2001), que apresenta estudos, atividades e discussões sobre a
aquisição de línguas, principalmente sobre teorias de aquisição de primeira e
segunda línguas, mas que pouco trata de especificidades da aquisição de línguas
estrangeiras. São poucas as obras dedicadas ao estudo de aprendizagem e
aquisição de Língua Estrangeira especificamente. Contamos também com
monografias, dissertações e teses sobre ensino e aprendizagem de língua inglesa
como língua estrangeira. Tais produções começaram a ter maior expressividade a
partir da década de 90, mas, ao que parece, suas áreas de intersecção têm sido
em sua maior parte com estudos de sintaxe, semântica e pragmática, não de
fonologia[4][x3].
Não temos
à nossa disposição muitas pesquisas que relacionem teorias de aquisição
fonológica de fonemas inexistentes na língua-mãe a abordagens concernentes às
dificuldades que se configuram durante a aprendizagem de uma língua
estrangeira. Encontramos atualmente bibliografias referentes ao estudo das substituições de
fricativas dentais, contudo, tais produções abordam aquisição de segunda
língua. Podemos citar Lombardi (2000) e Hancin-Bhatt (1994).
Possibilitando, então, a interface
entre estudos de áreas tão relevantes para o contexto educacional brasileiro e
para a universidade como um espaço de produção científica/intelectual nos
estudos da linguagem, o presente trabalho mostra-se relevante no que tange às
questões relacionadas com os processos de ensino/aprendizagem que constituem
partes fundamentais do ensino de línguas estrangeiras no sistema escolar brasileiro.
3. EMBASAMENTO
TEÓRICO
3.1 Lombardi
(2000)
A autora
explica as substituições das fricativas dentais através de restrições de modo
em dados de segunda língua. Ela afirma
que as imperfeições apresentadas na fonologia por aprendizes de uma segunda
língua podem ser explicadas, em parte, como sendo interferência da língua
materna. O efeito mais comum nessa fonologia de interlíngua é o transfer
effect. Ele é uma aplicação de uma regra óbvia da L1 para a L2.
Entretanto, nem todos os efeitos
podem ser explicados desta forma. Basta pensar na pronúncia de sons da L2 que
não existem na L1 do falante, como as fricativas dentais. Elas são substituídas
por [t] ou [s] com a distinção quanto ao vozeamento se a L2 tem este contraste.
Lombardi
refere a estudos de Ioup e Weinberger no qual os autores afirmam que o sistema
de substituições de sons apresenta efeitos de transferência e que o fato de
haver diferentes padrões, consistentes em uma dada L1, sugere que isto
caracteriza certo tipo de transferência. (Análises de Lado 1957 e Hecht e
Mulford 1987 afirmam que o som escolhido é o mais próximo de um som da L1. Mas
não é dada uma definição formal para ‘próximo’. Se nos concentrarmos no ponto
de articulação e não no modo, também não teremos explicações plenamente satisfatórias.)
Em uma tentativa de lidar com estes
efeitos de não transferência, a literatura de L2 propõe duas categorias
adicionais: “Efeitos Desenvolvimentais” e “Efeitos Universais”. Os primeiros
são mudanças explicadas como sendo o mesmo fenômeno que ocorre na aquisição de
uma primeira língua; já os “Efeitos Universais” emergem na interlíngua
como, por exemplo, a preferência por sílabas abertas, mesmo que tanto na L1
quanto na L2 sejam permitidas sílabas fechadas, dado que sílabas CV são
universalmente não marcadas[5].
Mas essas categorias adicionais não
resolvem o problema. De fato, tanto os princípios Universais quanto os
Desenvolvimentais nos levam a fazer a falsa previsão de que deva haver apenas
um padrão de substituição. Todas as crianças adquirem as plosivas antes das
fricativas, então todos os aprendizes de L2 deveriam fazer as substituições por
plosivas, dado que os princípios universais são invioláveis. Sabemos, porém,
que outras substituições são possíveis. Seria tal fato uma violação de um princípio
universal? É neste ponto que o argumento de Lombardi em favor da análise
otimalista se valida, pois na Teoria da
Otimidade (doravante TO) a aquisição de línguas ocorre por demoção e
promoção de restrições, isto é, pelo estabelecimento de valores a partir da
hierarquia inicial H0, na qual restrições de marcação dominam restrições de
fidelidade: H0 = {Marcação} >> {Fidelidade}. Marcação está relacionada
aos tipos de estruturas lingüísticas, que podem ter dois valores: marcados e
não marcados. Os não marcados são aqueles preferidos pelas gramáticas das
línguas em geral, enquanto que os marcados são evitados pelas gramáticas ou
usados apenas para criar contrastes. Marcação está relacionada às restrições de
output universais que irão escolher se o padrão das línguas será marcado
o não marcado. Conforme Kager (1999), “a língua é um sistema de forças
universais conflitantes” (p.4), e a força que contra-balanceia marcação é
fidelidade. Esta se refere à correlação
entre as formas de output com as formas do input.
Segundo
Lombardi, a TO pode, então, fornecer uma análise mais satisfatória para os
dados das fricativas dentais em segunda língua. Ela diz que em algumas línguas
ocorrem efeitos de transferência não-óbvios, e em outras, de universais, mas
que ambos são resultados automáticos de um ranqueamento de restrições da
L1. Desta forma, a TO permite uma
formalização precisa dos efeitos de universais em dados de L2, mostrando como
os efeitos de L2 estão ligados àqueles da aquisição da primeira língua.
As mudanças quanto às substituições
diferem caso elas:
1) sejam fiéis quanto ao modo de articulação: [q] → [s];
2)
resultem em um segmento ainda mais não marcado: [q] → [t], pois:
1) [q] → [s] somente acontece em
línguas onde há evidência explícita da L1 para ranquear as restrições de modo
(então seria o caso de transferência);
2) [q] → [t] em línguas onde não
há tal evidência e mostra então um ranqueamento padrão (default) não
marcado das restrições relevantes (o caso dos universais)- consistentes com
relação aos fatos de aquisição de L1.
[t]-
tailandês, russo, húngaro [s]-
japonês, alemão, árabe egípcio (Lado, 1957; Schmidt, 1987;
Altenberg e Vago, 1987, Richie, 1968) |
Lombardi apresenta as substituições atestadas para as fricativas dentais em diferentes línguas:
Contudo, a autora diz ignorar os casos de substituições por [f], a não
ser em dialetos não-padrão do inglês. Todas as línguas acima mencionadas têm
tanto [t] quanto [s] em seus inventários fonéticos. A questão colocada por ela
é “por que então alguns escolhem determinado som em detrimento de outro quando
se deparam com a fricativa dental?”
Fatos
da aquisição de L1 demonstram claramente a substituição de plosivas e
fricativas: as fricativas são aprendidas posteriormente. Isto condiz com a
evidência dos sistemas sonoros quanto à relativa marcação de plosivas e
fricativas, onde as plosivas são menos marcadas que as fricativas. Conforme
estatísticas de Maddieson (1984), todas as línguas têm plosivas, mas nem todas
fricativas: 100% das línguas apresentam oclusivas, porém 93,4% apresentam as
fricativas em seu inventário. Se uma língua tem fricativas, ele deve também ter
plosivas. Em uma dada língua há normalmente menos fricativas do que plosivas.
Então, as fricativas são menos marcadas quanto ao modo de articulação.
Lombardi afirma que, se plosivas são
menos marcadas que fricativas, o ranking da GU seria: *[cont]>> *[stop].
A autora assume uma restrição contra a fricativa dental não estridente: *q. Todas essas línguas apresentam
distinções entre plosivas e fricativas, embora não tenham a fricativa em
questão. Então, para algumas línguas, a restrição de fidelidade quanto ao modo
é ranqueada acima de restrições de marcação.
Com
o ranking invertido, não seria possível haver fricativas, visto que seriam
neutralizadas pelas plosivas. Nenhuma língua tem esse ranking. Então, a análise
das substituições deve ranquear fidelidade acima de marcação para todas L1 em
questão. As violações de fidelidade para modo serão somente ótimas quando a
restrição ranqueada mais acima contra as interdentais for violada.
Conclui-se então que, conforme
Lombardi, os casos de substituições das fricativas dentais por oclusivas são,
então, explicados através dos universais lingüísticos. As mesmas substituições
são feitas por crianças, que estão passando por uma fase sem fricativas, pois
as fricativas são aprendidas depois das oclusivas. Além disso, todas a línguas
apresentam oclusivas, mas nem todas têm fricativas. Este é o resultado da
relação de marcação universal, em que as oclusivas são menos marcadas do que as
fricativas quanto ao modo. Já, quando os falantes realizam as substituições por
fricativas, estão demonstrando um efeito explícito de transferência.
3.2 Hancin-Bhatt (1994)
Em “Segment tranfer: a consequence of a dynamic
system. Second Language
Research” 10, 3 p. 241-269, a
autora trata de uma teoria sobre aquisição fonológica de L2 e aplica a proposta
ao fenômeno de transferência de segmentos, utilizando um modelo chamado “Feature Competition
Model” (FCM).
Segundo Hancin-Bhatt, a escolha de
substituição não é arbitrária, pois as línguas tendem a ter padrões de
substituição, como no caso da substituição das fricativas (Hancin-Bhatt,
1994 a):
/q/ank you → /t/ank you
(hindu, húngaro, português, sueco, indonésio, javanês, turco, etc. →
/s/ank you (tcheco, hebraico, francês continental, polonês, árabe do Cairo,
chinês, japonês
|
De acordo com o FCM, estas são as
hipóteses apresentadas sobre as representações e transferências de segmentos:
1)
Aprendizes de L2
não iniciam desprovidos de padrões de sons. Os padrões sonoros
disponíveis na aquisição em estágios iniciais são os mesmos da L1.
Isto sugere uma transferência total do inventário fonológico da L1 para a L2.
Os sons que são os mesmos na L1 e na L2 são um caso de transferência positiva,
eles não precisam ser aprendidos, são simplesmente transferidos. Os sons de L2
que não são os mesmos, mas similares aos sons de L1 são relacionados a sons
específicos da L1 até que ocorra a reestruturação das categorias fonológicas
que ocorrem para acomodar os padrões da L2 aprendidos.
2) Os
padrões de características da L1 são usados/transferidos em estágios iniciais
de
percepção,
produção e aprendizagem.
3) A
não especificação é utilizada para derivar a proeminência das características.
4) Durante a percepção em L2, as características competem para serem reconhecidas no
input. As
características de proeminência mais elevada são mais salientes e são
percebidas acima daquelas que são menos proeminentes.
5) As
características que são percebidas no input determinam a que som da L1
os padrões da
L2
irão se associar para obter reconhecimento fonêmico. Se o padrão de
características reconhecido não se aproximar de nenhum padrão da L1, então, uma
nova categoria estará sendo formada na
L2.
Em suma, em estágios iniciais de aprendizagem de L2, a fonologia da
primeira língua é transferida durante a percepção e relação estabelecida com a
fonologia da L2. Devido ao alto grau de similaridade entre os inventários
fonêmicos da L1 e L2, os aprendizes podem fazer um número expressivo de
associações entre o novo input (L2) e o sistema previamente definido da
L1. A transferência ocorre devido ao
relativo grau de similaridade acima citado, permitindo que os aprendizes usem a
gramática da L1 para processar a L2. Tal processo ocorre por motivos de
economia, pois a transferência permite que o sistema cognitivo minimize a
aprendizagem de novos padrões fonológicos.
Hancin-Bhatt explica também que a transferência ocorre no início da
percepção do input da L2 e continua até que os novos padrões sejam
reconhecidos e incorporados ao desenvolvimento da gramática da L2. Quando os
sons da L2 são os mesmos da L1, ocorre a transferência positiva. Quando os
sistemas fonológicos são semelhantes, os sons da L2 são aproximados de sons
similares na L1, o que caracterizam relações guiadas pela proeminência das
características dos sons. Mas, quando os sons são completamente diferentes, não
existe transferência, e novas categorias fonológicas precisam ser construídas.
4.
UM BREVE ESTUDO DE CASO
4.1
Sujeitos analisados e metodologia da coleta
As observações aqui apresentadas
dizem respeito à minha experiência docente em escolas estaduais no período de
maio de 2003 a dezembro de 2004.
Foram observados 370 alunos de
idades entre 11 e 49 anos em 4 escolas: Escola Estadual de Ensino Fundamental
Nações Unidas, Colégio Estadual Odila Gay da Fonseca, Centro Estadual de
Formação de Professores General Flores da Cunha e Escola Estadual de Ensino
Médio Alberto Torres. Decidi
classificar os 370 alunos das 23 turmas observadas em 11 grupos de análise, de
acordo com alguns critérios[6],
tais como: a) Pertencer à mesma escola; b) Estar cursando a mesma série; c) Ter
a mesma carga horária semanal[7].
Então, comecei a observar as produções destes 11 grupos.
Foram observadas as produções das
seguintes palavras: ‘thank you’, ‘think’, ‘without’ e ‘that’. A recolha foi
realizada basicamente durante as práticas em sala de aula. Nessas aulas, nós
conversávamos sobre algumas peculiaridades da pronúncia da língua inglesa,
tínhamos momentos de leitura em voz alta, momentos em que os alunos falavam[8]
em inglês, momentos em que eles liam após o feedback da professora e
outros em que eles produziam sons após o feedback. Eu também procurava
explicar a diferença entre alguns sons do PB e da língua que eles estavam
aprendendo, dando ênfase aos “sons do th”, modo como eu me referia às fricativas
dentais. Pronunciava várias vezes tais fonemas e também incentivava os alunos a
pronunciá-los sem preocupações com possíveis erros. Explicava e mostrava
também, repetidas vezes, como deveriam fazer tais sons, i.e., que órgãos
do aparelho fonador deveriam tentar utilizar para produzir os sons. A partir
destas observações, ao final das aulas, eu fazia anotações quanto ao modo como
eles produziam tais sons. Não houve testes de específicos de percepção com os
alunos, portanto, as análises presentes nas seções seguintes baseiam-se nas
produções realizadas em sala de aula e são inferências com relação à percepção
dos mesmos.
4.2
Resultados
Os dados apresentados nas tabelas a
seguir dizem respeito à produção realizada pela maioria dos estudantes de todos
os grupos. Foi realizada a transcrição fonética apenas
dos fonemas em análise.
Tabela 1 - PRODUÇÃO DO FONEMA [q] ANTES DO FEEDBACK DA PROFESSORA
Produção em voz alta baseada sem estímulo visual
(leitura) |
Produção em voz alta (diálogos entre alunos) baseada
na memória acústica (sem estímulos visual ou auditivo) |
/q/ank you → /t/ank you (90%) /q/ank you → /q/ank you (10%) |
/q/ank you → /t/ank you (80%) /q/ank you → /f/ank you (10%) /q/ank you → /q/ank you (10%) |
/q/ink → /t/ink
(50%) /q/ink →
/f/ink (40%) /q/ink → /q/ink (10%) |
/q/ink → /f/ink
(60%) /q/ink →
/t/ink (30%) /q/ink → /q/ink (10%) |
Tabela 2 -
PRODUÇÃO DO FONEMA [q] APÓS O FEEDBACK DA PROFESSORA
Produção em voz alta baseada em estímulo visual
(leitura) + auditivo (fala da professora) |
Produção em voz alta baseada no estímulo auditivo
(fala da professora) |
/q/ank you → /f/ank you (40%) /q/ank you→ /s/ank you (30%) /q/ank you → /t/ank you (20%) /q/ank you → /q/ank you (10%) |
/q/ank you → /f/ank you (60%) /q/ank you → /s/ank you (20%) /q/ank you → /q/ank you (10%) /q/ank you → /t/ank you (10%) |
/q/ink → /f/ink
(60%) /q/ink →
/s/ink (20%) /q/ink →
/t/ink (10%) /q/ink → /q/ink (10%) |
/q/ink → /f/ink
(60%) /q/ink →
/s/ink (20%) /q/ink → /q/ink (10%) /q/ink →
/t/ink (10%) |
Tabela 3- PRODUÇÃO DO FONEMA [D] ANTES DO FEEDBACK DA PROFESSORA
Produção em voz alta baseada em estímulo visual
(leitura) |
Produção em voz alta (diálogos entre alunos) baseada
na memória acústica (sem estímulos visual ou auditivo) |
wi/D/out → wi/t/out
(95%) wi/D/out → wi/d/out (5%) |
wi/D/out → wi/d/out (100%) |
/D/at →/t/at
(50%) /D/at →/d/at
(50%) |
/D/at →/d/at
(100%) |
Tabela 4 -
PRODUÇÃO DO FONEMA [D] APÓS O FEEDBACK DA PROFESSORA
Produção em voz alta baseada em estímulo visual
(leitura) + auditivo (fala da professora) |
Produção em voz alta baseada no estímulo auditivo
(fala da professora) |
wi/D/out → wi/d/out
(50%) wi/D/out → wi/z/out
(45%) wi/D/out → wi/t/out (5%) |
wi/D/out → wi/d/out
(95%) wi/D/out → wi/z/out (5%) |
/D/at →/d/at
(94%) /D/at →/v/at
(5%) /D/at →/D/at (1%) |
/D/at →/d/at
(94%) /D/at →/v/at
(5%) /D/at →/D /at (1%) |
5.
REFLEXÕES SOBRE AS OBSERVAÇÕES
É interessante notar que os
resultados obtidos representam as realizações da maioria dos alunos de cada um
dos 11 grupos observados. Apesar das diferenças entre alguns grupos quanto à
carga horária de exposição à língua estrangeira – 5 grupos com 90 minutos
semanais e 6 com 135 minutos – as estatísticas apontam uma semelhança de
comportamento nas substituições das fricativas dentais.
Uma das conclusões mais visíveis no processo de produção dos fonemas fricativos dentais é o papel exercido pela forma gráfica das letras equivalentes aos sons. Nos casos em que os alunos liam as palavras sem a correção da professora, eles eram induzidos, na maioria das vezes, a pronunciar os sons de acordo com as letras que enxergavam. Isto ocorreu nos dois exemplos com a fricativa dental desvozeada. Ao enxergarem o ‘t’ inicial das palavras ‘thank’ e ‘think’, a maioria pronunciou o [t]. O mesmo ocorreu, de maneira considerável, com a produção de ‘thank’ sem o estímulo visual. Baseados, então, em suas memórias sobre os sons, a ocorrência da plosiva em substituição da fricativa dental foi de 80%.
Mas na palavra ‘think’, não foi a forma gráfica que determinou o padrão
de substituição. Uma explicação para a
realização da labiodental seria que em ‘think’, a vogal anterior [ i ] chamaria
para perto de si o primeiro som da palavra, fazendo com que este se assemelhe
ao de uma labiodental. Quando o aluno busca em sua memória a palavra ‘think’,
provavelmente, ele pensa ter escutado as pessoas pronunciarem a fricativa
dental desvozeada como uma labiodental desvozeada, dado que estas são realmente
muitos próximas quanto ao ponto de articulação, além de ambas apresentarem
semelhanças por serem sons sibilantes. Então, na hora em que vai produzir tal
som, acaba por fazer um som de [f]. E isso fica mais acentuado após o feedback
demonstrativo da professora não só na palavra ‘think’, mas em ‘thank’ também.
Os alunos realmente pensam estar ouvindo a labiodental, que existe em seu
inventário, e não algum som que desconheçam ou com o qual não estejam muito
familiarizados.
No caso da fricativa dental vozeada, quando os alunos liam as palavras
‘without’ e ‘that’ baseados apenas nas letras que viam, eram influenciados pelo
grafema ‘t’, mas quando falavam sem ter a forma visual das palavras,
pronunciavam som de [d]. Tal fenômeno pode ser explicado pela semelhança entre
a fricativa dental vozeada e a plosiva dental vozeada. E foi por esta semelhança
que muitos alunos podem ter internalizado o som que não faz parte de seu
inventário como sendo um som que lhes é comum. Após o feedback, para
alguns alunos o som que antes era percebido como um [d], pode ser percebido
como [v], ou como o próprio fricativo dental vozeado no caso de ‘that’. Em
‘without’, as duas únicas maneiras em que a fricativa dental vozeada foi
produzida foram substituindo-na por [d] ou [z], que são semelhantes à fricativa
dental. Cada um destes difere apenas quanto ao modo de sua articulação; o ponto
é o mesmo.
As observações demonstraram que em determinadas palavras, o padrão
considerado universal para substituição de fricativas dentais, como o uso da
plosiva dental [t], foi empregado pelos falantes por motivos de interferência
da grafia durante a leitura, e não por representar um padrão universal.
Da mesma forma, o fonema fricativo
alveolar [s], que em casos de substituição pode ser considerado uma evidência
da interferência da L1 na aquisição de LE não demonstrou estar sendo muito empregado
por falantes de PB para substituir o fonema fricativo dental desvozeado.
Em algumas palavras, a forma com
maior ocorrência para substituir a fricativa dental desvozeada foi a fricativa
labiodental [f], substituição esta que não encontra respaldo na literatura.
Por fim, verificamos a necessidade
de estudos relacionados aos contextos silábicos de ocorrência das fricativas
dentais, além de estudos longitudinais de modo a realizarmos uma análise mais
consistente quanto à aquisição de tais fonemas e observarmos a dinamicidade dos
processos de aquisição fonológica descritos por Hancin-Bhatt.
7.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final desta pesquisa, podemos apontar que as teorias fonológicas que
explicam as substituições das fricativas dentais não tratam de um padrão de
substituição muito freqüente no PB: as substituições por fricativas
labiodentais. A hipótese apontada neste trabalho para tais substituições
precisa ser verificada de maneira mais pontual. Torna-se difícil predizer o comportamento dos sons explicando a
produção com base em inferências sobre a percepção.
Resultados apontam a necessidade de análises
mais específicas quanto aos contextos de ocorrência das fricativas dentais,
assim como uma maior atenção a fatores como nível de conhecimento na LE, faixa
etária e sexo para que possamos identificar/reconhecer se determinadas
substituições se devem a fatores intrínsecos à aquisição de uma língua, como
padrões universais e interferência da L1, ou aos diferentes contextos silábicos
em que tais fricativas aparecem.
REFERÊNCIAS
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frontais arredondadas do francês por
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LIGHTBOWN, P.M. & SPADA
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LOMBARDI, L. (2000). Second
language data and Constraints on Manner: Explaining Substitutions for The
English Interdentals. University of
Maryland.
REIS, M. S. The
perception and production of the English interdental fricative phonemes -
/T/ and /D/ - by Brazilian
EFL learners. Unpublished thesis. Florianópolis, UFSC.
SILVA, T. C. (2001). Fonética e
fonologia do português. São Paulo:
Contexto.
WASSERMAN, F. (2004) As dificuldades na percepção e
produção de fricativas dentais por estudantes brasileiros:
implicações
teóricas e observações da prática docente. Monografia de final de curso. Letras/UFRGS.
WASSERMAN, F. (2005) Uma
análise de dados de variação na aquisição das fricativas dentais com base no
ranqueamento de restrições. Ensaio escrito para a disciplina Teoria
Fonológica Moderna. do PPG/Letras- UFRGS
www.pucrs.br/biblioteca -pesquisa em 19/11/1004
bibsrv.ufsm.br/bib/biblio.htm –pesquisa em 19/11/2004
www.ufpel.edu.br/bvl/ -
pesquisa em 19/11/2004
biblioteca.lasalle.tche.br/biblioteca/php/opcoes.php - pesquisa em
19/11/2004
http://rle.ucpel.tche.br/v4n1/i_tela.pdf
- pesquisa em 08/12/2004
http://biblioteca.ucpel.tche.br/portalbiblioteca/
-pesquisa em 08/12/2004
www.rebsig.com/LL/lombardi.html
-pesquisa em 08/12/204
200.17.170.152/tede/tde_busca/
tde.php?id=4&id2=4&id3=1 – pesquisa em 08/12/2004
ANEXO
Tabela
com os dados dos grupos participantes da pesquisa:
|
G1 |
G2 |
G3 |
G4 |
G5 |
G6 |
G7 |
G8 |
G9 |
G10 |
G11 |
Período de análise (nº meses) |
7 |
7 |
7 |
7 |
7 |
7 |
9 |
9 |
9 |
9 |
8 |
Número de participantes |
47 |
70 |
103 |
12 |
15 |
17 |
9 |
10 |
14 |
14 |
59 |
Série |
5ª |
6ª |
2ª |
1ª |
2ª |
3ª |
1ª |
2ª |
2ª |
3ª |
2ª |
Carga horária semanal (minutos) |
90 |
90 |
90 |
135 |
135 |
135 |
135 |
135 |
90 |
135 |
90 |
Faixa etária |
11-14 |
11-19 |
16-49 |
14-17 |
15-17 |
16-18 |
14-16 |
15-17 |
15-17 |
16-19 |
15-49 |
* Mestranda em
Lingüística Aplicada do Programa de Pós-Gradução em Letras da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul e bolsista CAPES. E-mail: fernandamw@yahoo.com.br
[1] Gostaria de deixar claro que não pretendo com
este comentário desvalorizar os estudos existentes sobre fonologia e aquisição
de linguagem, mas que, tal afirmação é resultado de uma busca realizada por mim
nos sites de algumas universidades brasileiras no ano de 2004.
[2] Aqui novamente não pretendo desvalorizar as
produções existentes, apenas estou citando os dados que encontrei sobre obras
disponíveis relacionadas à aquisição fonológica nos sites das
universidades acima mencionadas.
[3] A maior parte dos livros, monografias,
dissertações e teses relacionadas à aquisição de linguagem tratam sobre segunda
língua.
[4] Estou me referindo ao que encontrei sobre o
assunto, não estou afirmando categoricamente que não haja estudos unindo
aquisição de línguas estrangeiras e fonologia.
[5] Conforme Silva (2001, p. 218): “A
lingüística procura marca para determinar o grau de atuação de uma propriedade
em uma língua”. Isto significa dizer que “determinada propriedade de um
língua é pouco marcada em termos de universalidade quando sua presença é
significativa em tal língua. Uma propriedade é dita altamente marcada em termos
de universalidade quando esta não ocorre (ou tem ocorrência mínima)”.
[6] Sexo, faixa etária e nível de conhecimento não
foram considerados para as análises.
[7] A tabela ilustrativa dos participantes segue
está apresentada no anexo.
[8] Aqui há diferenças entre as falas dos alunos.
Em apenas uma das escolas, os alunos estavam acostumados a realizar diálogos
com os colegas, o que tornava as práticas de conversação melhor aceitas e mais
verdadeiras. Nas outras escolas, em geral, os alunos gostavam mais de repetir
palavras e frases em voz alta, e não tinham um nível de conhecimento que
permitisse a criação de diálogos espontâneos. Nestes casos, as observações
foram baseadas no tipo de produção oral explicitado acima.