Intervenção VYGOTSKIANA: os alunos e seus dizeres

                        Fátima Cristina CÁLIPPO CHUFFI (PG-FURB)

 

RESUMO: Este trabalho intenciona refletir sobre uma experiência de intervenção terapêutica com uma turma de sexta série do Ensino Fundamental de uma escola da rede particular de ensino de Blumenau. A partir de uma solicitação da coordenação dessa escola, objetivou-se proporcionar a reflexão sobre os ruídos de comunicação que vinham ecoando entre educandos e professores e entre os próprios alunos. Havia três profissionais envolvidos nessa dinâmica: o coordenador, a professora de Artes e a psicóloga, olhar sob o qual nos situaremos. Observou-se a turma diante de algumas situações distintas: na sala de aula, no trabalho de argila que realizaram fora do contexto da sala de aula e em textos escritos entregues após esse encontro, no dia seguinte, sob o comando “o que foi essa experiência para você?” Essas expressões e seus efeitos de sentido é o que se vai analisar, considerando os nichos de significação que eclodiram desses trabalhos das crianças após suas criações. Os resultados, dos quais foram recortados dez para esta apresentação, possibilitam analisar em seus dizeres algumas direções da constituição do sujeito e parecem sinalizar o que povoa o imaginário dessas crianças nesse momento de vida. A heterogeneidade, com a qual os sujeitos desta pesquisa têm dificuldade em lidar, parece estar marcada entre eles quando apresentam sua produção artística. Alguns nichos puderam ser traçados como o das imagens fálicas, o das caveiras e das máscaras. Para Vygotsky, a relação constitutiva do EU-OUTRO ocorre enquanto tomamos conhecimento do eu e do outro (eu alheio) e do auto-conhecimento e reconhecimento, no que nos baseamos para esta intervenção.

 

PALAVRAS-CHAVE: Análise do Discurso. Vygotsky. Auto-conhecimento.

 

 

            Nos primórdios quando não existia ainda uma linguagem falada com convenções, os homens já produziam suas marcas no meio onde viviam; elas eram em forma de pinturas rupestres nas cavernas, ou na pedra lascada e com o passar do tempo em produções mais elaboradas de cerâmica.

           Pressupõe-se que antes de existir a fala como um meio de comunicação elaborado, com seus códigos e acordos, já existiam linguagens não verbais que expressavam emoções e sensações primárias dos homens como: medo, raiva, fome, curiosidade, afetos, atração sexual, entre outras.

           Nossa proposta ao se deparar com uma problemática em sala de aula, foi a de através de um exercício de intervenção e quebra de hábitos, que chamamos “Rompendo a Inércia” oportunizar a estes indivíduos um espaço-momento reflexivo e quem sabe construtivo de novos significados, através de várias dinâmicas conjuntas.

           Eram três profissionais envolvidos nesta intervenção: um professor de artes, uma psicóloga e um dos coordenadores da própria escola. A argila foi aqui um dos mediadores que proporcionou a construção de imagens simbólicas e aí sim, com a fala, e a socialização das mesmas, a construções de novos significados para um grupo que em princípio não possuía uma coesão para funcionar de maneira produtiva.

           Estamos falando de numa classe de sexta série com dificuldades de comunicação, a fala destes alunos aparece truncada, interrompida e muitas vezes silenciada, partem muitas vezes de sensos comuns para construir crenças que nem sempre são verdadeiras, como vamos ver mais à frente no caso da imagem de psicólogo, mas a grande dificuldade para construção de qualquer conceito, ou mesmo uma identidade social, é de que eles não escutam os professores, não se escutam entre si e nem a sua própria fala interior, pois expressam dúvidas do tipo: “não sei quem sou, ou o que quero”...                                                           Neste colégio particular, na cidade de Blumenau, esta classe de sexta série vinha apresentando problemas em sala de aula. As queixas dos professores eram: muitas conversas durante as aulas, brigas e comportamentos agressivos (muitas vezes chegavam a agressões físicas) entre os alunos e dos alunos para com os professores, “bagunça”, queda no rendimento escolar e diminuição nas notas finais.

           Nossa preocupação era a de observar os problemas que estariam gerando aquelas condutas, um tanto sintomáticas de que algo interferia na harmonia ou até mesmo nos conflitos necessários para a passagem dos conceitos cotidianos aos conceitos científicos, uma vez que o comportamento era um tanto infantil para uma classe de faixa etária entre doze e treze anos: agressões físicas entre colegas por causa de discussões acerca de identificações, “birras” para com os professores e competições entre os alunos para ver que professor sairia da sala chorando antes.

          Propusemos uma dinâmica que chamamos de “Rompendo a Inércia”, a ação consistia em tirar a classe com todos os alunos mais um professor orientador, com quem eles não tinham contato, uma professora de artes e uma psicóloga da sala de aula e removê-los para um anfiteatro onde num primeiro momento observaríamos suas ações imediatas de comportamento.

           Não lhes foi dada qualquer instrução a respeito de como deveriam se comportar, mas o chão estava todo forrado de plástico preto onde poderiam se sentar e dispor do espaço, tendo eles liberdade de escolher sentar-se no chão em círculo ou desorganizadamente.

           Nosso resultado da primeira observação já foi de surpresa, pois ao contrário do esperado pelos professores, todos entraram silenciosamente em fila indiana e se sentaram nas cadeiras do anfiteatro de maneira convencional.Quando todos já estavam acomodados, o primeiro questionamento do professor orientador a eles foi de: “por que eles haviam se posicionado daquela maneira?” Eles se entreolharam com expressões temerosas como se tivessem feito alguma coisa errada, segundos depois já estavam se justificando falando em sua própria defesa, mas todos ao mesmo tempo.

           Pedimos que falassem um de cada vez, pois daquela maneira seria impossível de ouvi-los ou entendê-los...aos poucos o professor orientador começou um diálogo propondo que eles pensassem sobre os significados da palavra inércia, primeiro conversaram timidamente entre si e depois aos poucos cada um foi falando o que achava  que inércia significava.O professor coordenador lhes explicou que eles seguiram o movimento, entraram na sala, não sabiam como agir, um se sentou, todos se sentaram na seqüência...que isso  também era inércia, mais ou menos o que eles vinham fazendo em sala de aula, movimentos automáticos sem paradas para questionamentos, do tipo: Aonde vou com esta ação? Qual o sentido desta ação? Quais as conseqüências de uma determinada ação particular?

           Naquele dia, teríamos algumas horas de uma jornada diferente das aulas de sempre, seria criado ali um espaço para questionamentos, a fim de que  pensassem sobre si e os outros, e sobre as atitudes dentro da escola; queríamos primeiro ouvi-los, quais suas queixas, o que eles achavam que produzia neles aquele comportamento que muitos traduziram como descontentamento... Todos falaram de novo ao mesmo tempo, mas aos poucos algumas pontuações interessantes foram feitas pelas crianças.

           Após as devidas apresentações o fato de estar uma psicóloga na sala, causou entre os alunos certo desconforto. Observaram que por causa da indisciplina alguns pais haviam sido chamados na escola, e que se a questão não fosse resolvida eles, os alunos, teriam que ir a um psicólogo.

           Começamos então a esclarecer que um psicólogo não era castigo, não deveria estar sendo usado como ameaça para se conseguir alguma alteração desejada no comportamento deles; e que se esta mudança não se produzisse eles não seriam “punidos” com a ida ao psicólogo.

           Explicamos que dentre algumas funções do psicólogo estava a de acolher. Psicólogos não têm como função fazer julgamentos. Devem ouvir e escutar, que são duas coisas diferentes, ajudar a entender e traduzir coisas que emocionalmente poderiam estar causando algumas falhas na sintonia entre ações e reações causadas no dia a dia deles, nas suas dificuldades de comunicação com a escola e colegas, até mesmo com a família.

         Rapidamente a reação de defesa mudou e de novo todos queriam falar ao mesmo tempo, contar casos e já não estavam mais preocupados com autocensura.

         Falaram de separações, brigas, problemas de família e como a função daquele momento não era de terapeutisar a classe, interrompemos os relatos pedindo que eles pudessem prosseguissem com as atividades programadas. Partimos para um segundo momento da dinâmica no qual a professora de artes pediu às crianças que sentassem no chão, sobre o plástico preto e lhes foi distribuída argila em pedaços grandes, a professora pediu que dividissem aquele bloco de argila em dois e com um dos pedaços começassem a trabalhar, amaciando, enrolando, socando a argila. Chamamos este segundo momento de “liberando tensões”.

          Depois de um tempo que eles haviam socado, sovado e dado diversas formas à massa foi proposto que fizessem uma escultura de algo, uma forma qualquer, que para eles representasse a classe, qualquer coisa que fosse um símbolo daquela turma em especial, de como eles se viam.

          Quando se pede para um estudante não pensar muito, tentar não racionalizar, mas colocar de forma simbólica na argila as representações de como ele vê algo, forçosamente haverá uma ativação do lado racional do cérebro, mas na arte nossas imagens arquetípicas vêem à tona mais facilmente e o uso do hemisfério esquerdo do cérebro é comprovadamente ativado.

          Estas imagens que povoam supostamente o imaginário destas crianças fazem parte das suas emoções e quando construídas aqui materialmente, já estão cristalizando um significado primário, mas também se cobrindo de novos significados através do olhar do outro, e deste novo olhar daquele que a fez. É esta a nossa intenção quando pedimos, construam sozinhos os seus objetos, mas depois socializem olhem o dos colegas, discutam, conversem dêem opiniões.

            Neste contato a arte propicia uma ponte com o inconsciente coletivo e as figuras simbólicas que daí emergem, são a nossa rica matéria prima para a construção de sentidos; uma vez que por meio destes símbolos os sujeitos manifestam seus desejos, sentimentos e através da observação e da fala na socialização com os outros, ele amplia sentidos e percebe também a diversidade deles.

           Esta ação faz com que as crianças se apropriem de sentidos, vivenciem-nos, os repensado e resignificando sua própria identidade, aprendendo a admirar e respeitar a identidade do outro, através da inter-relação com os diferentes, a partir daí estabelecer concepções estéticas e reconhecer-se também como autor. Conceber e construir figuras que representem a identidade da sala de aula e/ou do indivíduo faz com que tracem comparações, projetam-os num contato com vários outros eus; e na linguagem esta ação se firma configura como um acordo/contrato/trato entre as partes estabelecida esta relação social virão códigos pertinentes a uma “nova” relação resignificada. Atividades que envolvam dinâmicas de grupo e arte como um meio de resgatar a identidade, a observar as diversidades e também as singularidades são muito bem aceitas entre esta faixa etária que costuma gostar de música, cinema, televisão...

        Através da observação e escuta de relatos foi possível dividir hipoteticamente a classe em grupos de afinidades; e na verdade algumas “panelinhas” já estavam formadas por proximidade física.

         Vale a pena ressaltar alguns trabalhos destes grupos: A Turma das Caveiras, A Turma da Pizza, A Turma das Representações Fálicas, Turma das Famílias e Ninhos, Turma das Identidades, Assinaturas e Impressões, Turma das Máscaras, Turma das Bruxas, e Troféus.

         Durante o momento da manipulação da argila, em que faziam suas esculturas, os professores, circulavam pela sala e questionavam o que cada um produzia, por que via a classe daquela maneira, o que aquela peça de argila representava.

         Fomos gravando as respostas, quando todas estavam prontas ficaram um tempo no chão para serem fotografadas e para que cada um observasse o trabalho do outro e também trocarem comentários entre eles.

          Dentro de uma perspectiva Vygotskiana, este foi um dos momentos mais expressivos da dinâmica, quando algo que foi feito impulsivamente começa a ser questionado e discutido dentro do grupo e começa a adquirir signos através da linguagem para aquele grupo no qual as crianças estão trocando e construindo novos significados de pensamento e significantes.

           Por exemplo, alguns dos objetos nitidamente fálicos quando interrogados eram denominados de “Troféus” ou “lapiseiras”, mas de maneira jocosa: eles riam e falavam uns nos ouvidos dos outros, com mais risadas...

Foi discutido então, que representações daquele tipo, eram naturais de aparecer na idade em que estavam, pois era mesmo uma época em que deveriam estar resolvendo estas questões como passagem da infância para a adolescência, sexualidade...

           Seria interessante pensarem porque o tema da morte era tão presente entre eles, caveiras e ossos, o luto, será que também ao amadurecerem estariam pensando em questões mais profundas ou filosóficas que não se atinham antes?

            Ali estavam presentes várias questões como: sexo, morte e vida, família, o grupo e amizades, alimentação, música, amor e dúvidas e mais questionamentos sobre drogas, doenças; medos (na forma de bruxas e assombrações).

            Era, de fato, muito importante que tudo aparecesse ali, naquela hora sem censura, eles não precisariam se comunicar em segredo (cochichando) ninguém iria puni-los, nós estávamos abertos para discutir com o grupo.

           Ficaram calados. No grande grupo não se expressavam, mas nos pequenos grupos falavam e muito, havia alguma tensão no ar entre eles, às vezes um provocava o outro mais distante jogando pequenos pedaços de argila.

          Não foram contidos ou reprimidos, a intenção era observar a tensão crescente da turma.

          Num terceiro momento, foi sugerido que observassem um pouco mais os trabalhos dos colegas e conversassem entre eles. Fizeram poses para fotografá-los juntos com suas criações, deixamos que socializassem os trabalhos e comparassem as visões diferentes que cada um tinha da classe, ou de como e o porquê daquelas imagens emergindo.

                 Se para e Vygotsky (apud MOLON, 2000) a constituição do sujeito passa pelo reconhecimento do outro, mas fundamentalmente pelo autoconhecimento do eu, e se considerarmos que estes processos são idênticos, podemos visualizar na prática uma situação onde a consciência (processo de conscientização) tem suas origens no grupo, isto é, no social mais uma vez ressaltando a importância da linguagem.

         Aí podemos observar várias formas de linguagem, não só na fala, mas também na postura, o gestual e na própria representação artística que as crianças fizeram de si mesmas e da sala de aula em argila.

        Após uma pausa para lavar as mãos, fizeram um lanche. Havia leite com chocolate, pão de queijo, maçãs e bolo. Notamos mais uma vez a grande diferença de comportamento entre as crianças, alguns pegavam frutas, outros pão de queijo e leite, outros entraram na fila inúmeras vezes para repetir o leite ou pão de queijo.

         A dinâmica estava passando para um outro momento mais à vontade agora, os adolescentes ou conversavam em pequenos grupos ou espalharam-se pelo anfiteatro; um grupo um pouco maior se reuniu em volta do piano onde uma das crianças que sabia tocar executou algumas músicas enquanto os outros escutavam, depois alguns tocaram juntos “O Bife” e ainda um pequeno grupo dos que estavam em volta do piano dedilhou conjuntamente o instrumento, produzindo diferentes sons; aparentavam mais calma, falavam mais baixo, não corriam ou gritavam, conversavam e riam e pareciam estar bem descontraídos, posicionavam-se de maneira relaxada.

           Nosso próximo momento seria uma sessão de relaxamento. Apesar da aparente descontração e tranqüilidade após o comando, mostraram-se um tanto excitados para tal exercício mudando a atitude descontraída para muita ansiedade... Falavam sem parar, alto e todos ao mesmo tempo, alguns arrumaram uma briga, outros começaram a tomar partido geraram alguns empurra-empurra e antes que se agredissem o professor coordenador simulou uma bronca falando mais alto e tendo um tom agressivo: todos ficaram quietos; ele então, ponderou com a turma dos porquês de muitas vezes, aceitarmos ser subjugados enquanto alguém usa de poder (sendo mais forte, maior, mais bravo ou mais velho...) e porque atribuímos poder a alguém mais velho e do sexo masculino? Talvez fosse este um momento oportuno para que refletissem sobre o sentido de autonomia e a questão dos gêneros...

          Já que o momento não era exatamente de relaxamento, resolvemos propor então uma outra dinâmica para que tivessem um pouco de contato físico e tomassem consciência de suas sensações. Pedimos que formassem um círculo, e que cada um desse “suaves” tapinhas nas costas do colega da frente, enquanto recebia tapinhas nas suas costas do colega de trás. Mais tumulto! Não foi dado o comando para que caminhassem, e mesmo assim eles andavam, ou corriam enquanto faziam o exercício, falavam alto e alguns se socavam.

          Pedimos uma pausa, e nesse momento foi solicitado que se observasse a questão da inércia, o movimento que era feito no automático sem que isto fosse pedido, e a importância do feed back: dizer ao colega como queria que fosse o toque, mais forte ou mais fraco, para que não machucassem uns aos outros, a importância de dizer o que se quer, se impor, mas ao mesmo tempo ouvir e respeitar o outro.

         Tomemos esta como uma oportunidade de extrema importância não só de construção de novos conceitos, mas de reflexão sobre eles, principalmente no que tange a observação de si mesmo, suas sensações frente aos estímulos proporcionadas a si pelo grupo.

                    Para Vygotsky (apud MOLON, 2000) a relação constitutiva do EU-OUTRO ocorre enquanto tomamos conhecimento do eu e do outro (eu alheio) e do autoconhecimento e reconhecimento, isto é, temos consciência de nós, porque nós somos para nós o mesmo que os demais são para nós, nos reconhecemos enquanto somos outros para nós mesmos.

          Algo interessante que pudemos observar na dinâmica desta turma é de que eles não se configuravam como um grupo coeso, uma turma unida por algum ou alguns propósitos, mas vários subgrupos, o que é louvável já que dentro de uma proposta onde pretendemos celebrar a inclusão desejamos celebrar as diferenças, pois quanto mais heterogêneo for o grupo mais rico em bagagens para trocas culturais, porém as maiores dificuldades ocorrem quando há necessidade de uma negociação entre eles.

           A turma não consegue se valer de meios racionais para chegar a acordos e ainda tem dificuldade no uso da linguagem falada como ferramenta política. Assim as crianças acabam por apelar para o uso da agressividade a fim de se imporem ganhando respeito frente aos outros. Acreditam obter algum tipo de poder, primeiro com as palavras na forma de xingamentos, depois gritos, até que por fim partem para o embate físico com tapas, socos, pontapés... Sem dúvida há o uso da linguagem (seja ela qual for) como função de contato social, mas também como constituinte da consciência. Porém é impossível para a escola permitir qualquer risco para a integridade física ou mental das crianças, por isso a necessidade de tirá-los momentaneamente de um contexto onde estão presos num círculo vicioso, e proporcionar-lhes o uso de novas ferramentas que possam agir como mediação e assim possam entrar em contato com suas emoções, através de seus sentimentos (afetos) possam fazer uso da fala silenciosa (ou fala interior) e que através de um evoluir do pensamento (consciência) possa também evoluir a vontade (motivação) aqui no caso o interesse por estar em sala de aula, por trocar conhecimentos e socializá-los, evoluir e superar conceitos; passar das funções psicológicas inferiores para as superiores.

          Para compreender as relações entre as funções psicológicas superiores e funções psicológicas inferiores, Vygotsky utilizou uma expressão da dialética hegeliana, a noção de superação. Hegel afirma o duplo significado da expressão alemã superar, que quer dizer eliminar, negar e também conservar. Desta forma, as funções psicológicas inferiores não são liquidadas no sentido de deixar de existir, mas sim incluídas, são transformadas e conservadas nas funções psicológicas superiores, como uma dimensão oculta. O nível inferior não acaba quando aparece o novo, mas é superado por este, é negado dialeticamente pelo novo, passando a existir no novo.

           Se para Vygotsky (apud MOLON, 2000) todo o processo psicológico é volitivo, sendo que a vontade é inicialmente social, interpsicológica e posteriormente intrapsicológica, nesta perspectiva o que determina o desenvolvimento das funções psicológicas superiores não é fundamentalmente a mudança biológica, mas primordialmente a utilização dos instrumentos e o papel destes também são de mediação social. Uma vez que encontrar o conceito de mediação na obra de Vygotsky é algo auspicioso, ao mesmo tempo dialético, pois não se trata de um conceito estanque e sim algo que vai se superando e adquirindo muitos sentidos, mesmo porque não é um conceito, é um pressuposto norteador de todo o seu arcabouço teórico-metodológico. É um pressuposto que se objetiva no conceito de conversão, superação, relação constitutiva Eu - Outro, intersubjetividade, subjetividade, etc.

          A mediação é processo, não é o ato em que alguma coisa se interpõe; mediação não está entre dois termos que estabelece uma relação. É a própria relação. A mediação pelos signos, as diferentes formas de semiotização, possibilita e sustenta a relação social, pois é um processo de significação que permite a comunicação entre as pessoas e a passagem da totalidade à partes e vice-versa

          Passamos então para um novo momento da dinâmica no qual colocamos uma música do Caetano Veloso, “Terra”. No começo tiveram dificuldade de ouvir, colocamos a música pela segunda vez e aí ficaram bem silenciosos e atentos. Discutimos o que eles acharam da letra.

          Pontuações muito interessantes foram feitas, disseram que no começo da música pensaram que Caetano falasse de uma mulher, depois foram perceber que ele falava da terra, quando perguntamos que terra era aquela, alguns disseram Brasil...perguntamos se eles sabiam o que era exílio e ditadura, e a maioria não sabia, então o professor coordenador reuniu todos em roda e contou um pouco da história dos antepassados como chegaram a Blumenau, e contextualizou isto na história do Brasil, parece ter sido este um momento de igual importância comparado às outras dinâmicas pois as crianças ficaram muito concentradas falavam de seus bisavós e realmente conseguiam colocar-se na história, temas como cidadania, opressão, autonomia, democracia foram discutidos sempre tentado contextualizar as crianças e suas atitudes em casa e na escola, consigo mesmas e para com os outros com relação a estes temas.

         Nosso próximo passo foi pedir às crianças que retomassem a argila e agora fizessem outra figura, uma representação de si mesmos, como indivíduos, como se viam.

         Novas imagens vieram à tona e geraram mais comparações e discussões entre eles, desta vez, bem mais tranqüilos.

          Quando falamos que o próximo passo era ir para a classe, grande parte deles pediu para levar a argila para casa e isto foi permitido. Terminamos aqui nossa dinâmica, na verdade, intervenção, que chamamos de ação terapêutica e no dia seguinte pedimos aos alunos que colocassem num papel em poucas palavras suas impressões sobre a experiência do dia anterior.            

         Ao finalizar esta etapa do trabalho sugerimos à direção da escola que dinâmicas deste tipo também poderiam ser feitas com os professores, e seria muito bom se pudéssemos fazê-las  também em conjunto “professores e crianças” numa outra circunstância.

          Sugerimos um trabalho conjunto com todo o quadro que compõe esta sexta série professores e alunos num ambiente ao ar livre quem sabe poderíamos falar de cerimônias de iniciação já que as crianças estavam saindo da puberdade e entrando na adolescência. E aguardamos uma data para que isto seja colocado em prática.

            Através destas dinâmicas e principalmente do uso de assembléias para discussões pudemos observar na prática alguns pontos fundamentais da teoria de Vygotsky: O papel da escola comprometido com a sociedade e transformando-a da mesma forma que é transformada por ela.

           Se para Vygotsky (apud MOLON,2000) a constituição do sujeito passa pelo reconhecimento do outro, mas fundamentalmente pelo autoconhecimento do eu, considerando que esses processos são idênticos, que acontecem pelo mesmo mecanismo, isto é, pelo mecanismo dos reflexos reversíveis, desta maneira, a consciência é construída no contato social, é originada social e historicamente, mas enquanto experiência duplicada - já que ela é a duplicação do mesmo, tal como acontece com o trabalho -, a consciência é, também, um contato social consigo mesmo, como pode ser observado na fala silenciosa e na fala interior.

        Vygotsky referiu-se à consciência enquanto reflexividade, capacidade do homem de se desdobrar, de ser objeto de si mesmo, isto é, a consciência de estar consciente de ter consciência, em que a palavra possibilita esse desdobramento.

 

 

ABSTRACT: This work’s intention is to reflect about an experience of therapeutic intervention with a group from sixth grade from the basic studies from a private school of Blumenau. Upon a demand from the coordinators of the school, was target to provide a reflexion about disturbances in communication that had been happening between students and teachers and between the students themselves. There were three professionals involved in this dynamic: the coordinator, the art teacher and a Psychologist, view from where we take position. The group was observed from distinct situations: during class, clay work outside class context and in essays given after this event, in the day after, over the call “what this experience for you meant?” These expressions and their effect of senses is what will be analyzed, considering niches of meanings that ecloded from these children assignments after their creation. The results, from which 10 were selected for this presentation, allows an analysis in its sayings some directions of the constitution of the subject and seem to  signal what inhabits the imaginary of these children at this moment of their lives. The heterogeneity, with which the subjects of this research have difficult to deal, seem to be marked within then when they present their artistic production. Some niches could be traced like the falics images, the skulls, and the masks. For Vygotsky, the constitutive relation of ME-OTHER happens during while we take acknowledgment of ME and the OTHER (me another’s) and from self-acknowledgment and recognition, in what we were based for this intervention.

 

Key-words: Discourse Analysis. Vygotsky. Self-acknowledgment

 

 

Referências

 

MOLON, Susana Inês Subjetividade e Constituição do sujeito em Vygotsky. In: III Conferência de Pesquisa Sócio-cultural: novas condições de produção do conhecimento: globalização e práticas sociais, Campinas 2000 Anais v.1p. 1-19 local: Unicamp, 2000. Disponível em <http://www.fae.unicamp.br/br2000/trabs/2330.doc>

Acesso: agosto de 2005

Vygotsky, Lev S. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes1993.

Vygotsky, Lev S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes 1989

Vygotsky, Lev S. A Constituição do Pensamento e da Linguagem (Texto integral traduzido do russo Pensamento e Linguagem).São Paulo: Martins Fontes 2001