UM OLHAR
ATRAVÉS DO EROTISMO DE FLORBELA ESPANCA[1]
Da vida e obra de Florbela Espanca, numa perspectiva analítica em poesia, podemos observar certas peculiaridades acerca da escritora e poeta portuguesa que somente se tornou lida após sua morte, além de ainda assim, ter se tornado alvo de ruidosos escândalos, que sua obra e sua biografia causaram devido ao puritanismo do público português, que vivia sob o jugo da ditadura salazarista e cujos valores sociais e morais da época não se encaixavam nos padrões inovadores propostos pela escritora.
Florbela D’Alma Conceição Espanca nasceu no Alentejo em Vila
Viçosa, em 1894 e suicidou-se na madrugada em que completava 36 anos, em 1930.
Formou-se em Direito quando existiam em sua turma de 347 alunos, apenas 14
mulheres. Teve uma infância e uma adolescência relativamente tranqüilas.
Publicou dois volumes de poesia, o “livro de mágoas” (1919) e o livro de “Sóror
saudade” (1923), além da publicação póstuma de “Charneca em flor” (1931).
Nasceu do fruto de um relacionamento extraconjugal de seu
pai, com o consentimento da esposa já que esta não podia ter filhos. Apesar
disso, Florbela teve, durante toda a sua vida, devotado amor pelo pai e pelo
único irmão Apeles que morreu em 1927 num trágico acidente de avião no Tejo e
de cuja perda jamais se recuperou totalmente. Casou-se por três vezes (um
acontecimento inaceitável para a época) e tinha uma maneira curiosa de falar
sobre o casamento em cartas enviadas à amiga Júlia Alves, pois o definia como “brutal
e que somente as mulheres mais animais que espirituais não se desiludiam para
sempre num casamento”, ainda neste mesmo ano em outra carta à amiga
Florbela fez o seguinte relato: “Acho o casamento uma coisa revoltante!
(...) que revolta tudo o que tenho de delicado e de bom no íntimo da minha
alma”. Estas cartas foram escritas para sua amiga em 1916, ainda durante
seu primeiro casamento que terminou em abril de 1921, quando se casou pela
segunda vez. No segundo casamento a escritora e o marido, que era um homem anti-poético e agressivo, quase nunca são vistos nas ruas do Porto
onde residem.
Após ter sofrido dois abortos espontâneos a poeta se refugia
em Gonça sob os cuidados do médico Mário Pereira Lage, que viria a ser o seu
terceiro marido. Por conta deste último relacionamento, que parece ter sido o
mais equilibrado de todos e com quem permanece casada até sua morte, Florbela é
acusada de agir com pouca seriedade pelo fato de ainda não estar legalmente
divorciada.
Ao analisarmos um pouco mais detidamente a obra de Florbela
Espanca, percebemos que seu próprio nome, inclusive já traz consigo, e por si
só, uma forte carga tanto no plano ideal quanto num plano metafórico, ou seja,
há uma espécie de antítese entre “Florbela”, que ao separarmos têm-se “flor
bela” e “Espanca”, que além de ter uma conotação de violência e espancamento,
também tem um conteúdo semântico de “fuga”, “renegação” e “dissipação”, donde
podemos realizar uma associação à figura feminina complexa e um tanto
enigmática que foi a escritora. Além
disso, dentro da perspectiva política que ela representava, havia o ideário do
destino feminino e, por isso, sua obra acabou ficando “emperrada” e percorrendo
um lento caminho até que chegasse aos leitores.
A obra de Florbela foi marcada pela valorização do amor
segundo a dor que deste decorre e, ao mesmo tempo, ela transforma as
prerrogativas masculinas em femininas dentro de um processo de inversão de
valores e de papéis que até então só era permitido aos homens, essa atitude
acaba por desmistificar o verdadeiro agente da vassalagem numa concepção de
luta pelo poder.
Em outras palavras, o que acontece é que, ela transforma a
inatividade social da mulher da época em força produtiva colocando em tensão a
condição feminina e a marginalidade. Isso ocorre em sua poesia através da
utilização constante da sensualidade e do erotismo em seus versos, como uma
espécie de grito de liberdade, de grito pela busca dos direitos femininos,
tanto no que tange ao prazer, quanto ao direito de tomar decisões fossem elas
políticas, econômicas ou sociais, o que para ela, também representava uma forma
de prazer. Nessa atitude comportamental masculina, onde a mulher tem autoridade
para exercer o jogo da sedução, a poeta se apodera da força e toma frente às relações
de erotismo e de sensualidade como participante ativa, como a amante e não
somente como a amada, como era até então. Além disso, ela deixa bastante claro
que a dor (dote feminino), decorre do olhar e das atitudes masculinas, criando
novamente uma tensão que coloca o homem numa situação de desconforto e de
causador dos males e das dores femininas.
Essas relações de tensão entre o sujeito lírico e seu objeto
já eram bastante comuns em poesia, mas por parte dos homens como podemos ver
claramente na obra do parnasiano Olavo Bilac, por exemplo, que põe a sua musa
numa situação de causadora do seu “desvio” moral, isto é, a mulher é a
sedutora, a mulher o conduz a pecar e ele, sem forças, seduzido por sua beleza
não resiste.
Evidentemente, essas idéias de que o mal reside
originariamente na mulher nasceram bem antes de Olavo Bilac, já no jardim do
Éden e também estão presentes em obras contemporâneas como em Vinícius de
Morais que também se mostra sempre como o seduzido, o escravizado pela figura
feminina e pelos seus atributos, numa imagem arquetípica de superioridade
feminina porque tal superioridade na verdade não existe, o que existe é um
complexo tenso entre o desejo masculino latente e a interdição causada pela
culpa trazida pelos preceitos cristãos.
Analisaremos a seguir, dois
sonetos de Florbela intitulados “A
vida” do livro de “Sóror saudade” e “Amar!”, do livro “Charneca em flor”,
respectivamente.
A vida rimas
É/ vão/ o a/MOR/, o
/ÓDIO/, ou/ o /des/DÉM; A
I/nu/til/ O/ de/SE/jo
e/ o/ sem/ti/MEN/to... B
Lan/çar /um /GRAN/de
a/MOR/ aos/ pés /d’al/GUÉM A
O/ mes/mo/ É/ que LAN/car/
flo/res/ ao /VEN/to! B
To/dos/ so/MOS/ no/ MUN/do
/“Pe/dro/-SEM”, A
U/ma a/le/GRIA/ é /FEI/ta/
dum/ tor/MEN/to, B
Um/ ri/so é/SEM/pré/
O E/co/ dum/ la/MEN/to, B
Sa/be/-se/ LÁ/ um/ BEI/jo/
don/de /VEM! A
A/ ma/is/ NO/bre
ilu/SÃO/ mo/rre/... des/FAZ/-se... C
U/ma/ sau/DA/de/ MOR/ta
em/ nós/ re/NAS/ce C
Que/ no/ mes/MO/ mo/MEN/to
é /já /per/DIda... D
A/mar/-te a /VI/da
in/TEI/ra eu /não/ po/DIA... C
A/ gen/te es/QUE/ce/
SEM/pre o/ bem/ dum/ DIA C
Que/ que/res/, Ó
/meu/ AMOR/, se is/to é/ a /VI/da!... D
E. R. = E 10(4,6,10)
Em um nível lexical, observamos uma linguagem culta e própria
de quem costuma filosofar. O predomínio de verbo de ligação “é”, que aparece
seis vezes no poema, complementa a idéia de conceituação, de alguém que está
conceituando a vida, falando como acredita que esta seja. O predomínio dos
substantivos abstratos também dá a idéia de generalização e eles estão, em
maioria, acompanhados por adjetivos de sentido negativo ou pessimistas. A
predominância dos verbos no presente do modo Indicativo, com exceção apenas no
último terceto onde aparece no primeiro verso o verbo amar no infinitivo,
apontam para uma idéia de permanência ou de constância e o verbo poder
flexionado no pretérito imperfeito do modo Indicativo, pode expressar um fato
no passado que não foi consumado ou concluído, o que nos dá uma idéia de
(in) possibilidade.
Em um nível sintático, observamos que o uso das reticências
serve para demonstrar que algumas idéias foram propositalmente omitidas pelo
sujeito lírico para que o próprio leitor possa interpretar tal ausência e
realizar, segundo sua interpretação pessoal os preenchimentos. As exclamações, por sua vez, demonstram
alguma ilusão ou euforia frente à vida, assim como as vírgulas trazem consigo
uma idéia de pausa, explicação, definição, etc. Além disso, a presença das
inversões sintáticas nas orações aponta para o sentido de que a vida, apesar de
se saber como é, ainda assim nos iludimos (e gostamos disso) quanto aos
sentimentos de maneira geral. Essas inversões, juntamente com as antíteses,
também dão conta do encadeamento do poema que gera a tensão entre o sentido
global e as construções sintáticas isoladas.
Semanticamente, o predomínio do verbo de ligação “é”,
demonstra que o soneto tem como um de seus objetivos, filosofar ou teorizar
acerca da vida e da efemeridade desta. A presença abundante dos substantivos
abstratos também demonstram que a vida
não pode ser definida concretamente ou com exatidão e que os amores, de uma
maneira geral, vêm e vão assim com as ilusões a respeito da vida.
Essa ambigüidade cria uma tensão do sujeito poético em relação
às idéias e ao significado global da
vida amorosa e dos relacionamentos afetivos entre o homem e a mulher. O
primeiro quarteto que tem como sujeito um alguém que fala (define) com
desalento e tristeza (características de Florbela) se utilizando de uma
metáfora em que aproxima o amor às flores e os pés do amado (subserviência), ao
vento que é uma força da natureza por si só enigmática, forte e invisível. No
segundo quarteto a poeta faz uma aproximação entre o sujeito leitor e o sujeito
poético ao utilizar o verbo “ser” flexionado na terceira pessoa do plural
(somos), trazendo assim, um toque intimista para o poema, seduzindo e induzindo
o leitor a concordar com a idéia de que é preciso ter um olhar racional frente
aos relacionamentos amorosos, além de introduzir a expressão “sabe-se lá”, que
aqui está sendo utilizada como um pensamento de senso comum.
No primeiro terceto ocorre uma espécie de comprovação das
idéias já apresentadas nos versos anteriores com o propósito de convencer,
finalmente o leitor da inutilidade das ilusões pelo fato de que, apesar de
renascerem, sempre se desfazem como se fossem fumaça. E o segundo terceto que
inicia pelo verso amar no infinitivo está demonstrando a inexatidão de um
sentimento que traz consigo uma abrangência e uma subjetividade que se tensiona
quando o verso termina com outro verbo no pretérito imperfeito com o
antecedente negativo “não”, que demonstra que não há essa possibilidade
trazendo à tona a fragilidade e a fugacidade, assim como a inconstância do
amor.
Amar! rimas
Eu/ que/ro a/MAR/,
a/MAR/ per/di/da/MEN/te! A
A/mar/ só/ POR/ a/MAR:/
A/qui/... a/LÉM... B
Ma/is /este a/QUE/le/,
O OU/tro e / to/da/GEN/te... A
A/mar/! A/MAR!/ E/ NÃO/
a/mar/ nin/GUÉM! B
Re/cor/dar?/ ES/ que/ CER?/
In/di/fe/REN/te!... A
Pren/der/ ou/ DES/pren/DER?/
É/ mal?/ É BEM? B
Quem/ dis/ser/ QUE/
se / PO/de/ a/mar/ al/GUÉM B
Du/ran/te a/VI/da/ IN/teira
é/ por/que /MEN/te! A
Há/ u/ma/ PRI/ma/VE/ra em/ ca/da/ VI/da:
C
É/ pre/ci/so / CAN/tá-/LA/
a/ssim/ flo/RI/da, C
Po/is/ se / DEUS/
nos/ DEU/ voz/ foi/ pra/ can/TAR! D
E/ se u/m/ dia/ HEI/
de/ SER/ pó/, cin/za e/ NA/da C
Que/ se/ja a/ MIN/ha/
NOI/te uma/ al/vo/RA/da, C
Que/ me/ sai/BA/ per/DER/... pra/ me en/con/TRAR... D
E. R. = E 10(4,6,10)
Em um nível lexical, percebemos a utilização de uma linguagem
simples e não rebuscada, o que já era uma ousadia em sua época, porque os
poetas de maneira geral utilizavam somente linguagem culta. Isto dá uma idéia
de avanço, de modernidade e de um sentimento de estar à vontade.
Quanto às categorias gramaticais, nos dois primeiros
quartetos, é abundante a presença de verbos no infinitivo, que denotam
abrangência, subjetividade e, ao mesmo tempo, uma atitude em relação ao
substantivo abstrato “amor” ao qual não se pode tocar, e que está sendo
relacionado o ato de amar (que é feito essencialmente pelo toque).
No primeiro terceto há uma afirmação do verbo haver no
presente do indicativo em relação à vida e em uma intertextualidade com o outro
soneto “A vida!”, anteriormente analisado, de forma metafórica, numa
aproximação entre a primavera, uma estação do ano, e a vida. E, no segundo
terceto ocorre uma alusão ao futuro evidenciado pela forma verbal “hei de ser”
no futuro do subjuntivo o que nos sugere uma possibilidade. Além disso, há aqui
uma idéia de presente e de proximidade em todo poema (apesar de sua
subjetividade).
Em um nível sintático, percebemos que a organização sintática
é a natural e não correm inversões, as orações e frases são, na maioria, curtas
e se encadeiam e se completam musicalmente à medida que se lê o poema. A
omissão de alguns termos, relativo ao ato de amar fica evidente nas reticências
e são vazios a serem preenchidos pelo leitor, bem como as exclamações que
denotam euforia (inclusive no título), êxtase e exaltação, resultando numa
tensão complexa e ambígua entre o sentido literal e o sentido metafórico do
poema. Semelhantemente, temos as interrogações que dão conta das dúvidas acerca
do que seria o amor, ou do que seria amar.
Semanticamente, o predomínio do verbo “amar” no infinitivo,
demonstra que há, por parte da autora, um desejo de atitude e cujas
conseqüências consideradas negativas pela sociedade não são tidas por ela como
muito importantes. Ao aproximar o amor ou o ato de amar de “perdição”, Florbela
subverte o papel da mulher numa sociedade que tem seus valores arraigados às
idéias repressoras e machistas, causando assim, um alvoroço e um escândalo
tanto nos homens quanto nas próprias mulheres que não desejavam expressar
livremente seus pensamentos, desejos ou idéias por medo de sofrerem algum tipo
de represália política ou social.
Além disso, este poema traz consigo uma carga de erotismo e
sensualidade dentro de uma busca pela liberdade para “amar perdidamente”, ou
seja, sem restrições, da maneira que desejar, sem formas nem fôrmas e, acima de
tudo, sem convenções, além de ironizar o casamento quando diz que “quem diz que
se pode amar a vida inteira é porque mente”, contrariando e atacando o famoso
dito católico: “até que a morte os separe”, mencionado costumeiramente em
cerimônias de casamento.
Ao fazer pouco das lembranças amorosas e da nostalgia
saudosista (característica portuguesa), Florbela também está criticando seu
próprio povo que se preocupa demais com o passado e não têm atitudes no
presente para que melhorem o futuro. Tal crítica ao povo português também pode
ser entendida, segundo Linda Hutcheon em “Paródia, codificação e
Descodificação”, como uma espécie de paródia em que a poeta satiriza e
reprova as atitudes (e a falta delas)
tanto das mulheres portuguesas, quanto das mulheres de maneira abrangente.
Podemos entender, ainda,
que a autora está metaforizando os relacionamentos às estações do ano
que são cíclicas e mutantes, isto é, embora mudem, se repetem sempre. Ela
acredita, que a vida e os amores devem ser vividos (e cantados) intensamente,
apesar de perceber que a vida é como uma noite escura, onde não temos uma visão
perfeita do que está logo à frente, mas quer acreditar e viver como se a vida
fosse uma alvorada que, metaforicamente, significa a esperança de um novo dia,
mesmo sabendo que, após o dia, virá novamente (e sempre) outra noite.
Sabemos, evidentemente, que tanto no poema “A vida”, que
passaremos a chamar de 1, quanto no poema “Amar”, que chamaremos 2, está
fortemente marcado uma personalidade artística e um talento admiráveis do ponto
de vista estético e criativo.
Ambos os poemas, foram construídos com grande riqueza lírica e
suas rimas, assonâncias e aliterações, produzem belos efeitos musicais e
estéticos que podem ser lidos intertextualmente, numa concepção de completude
em que um completa o outro, embora tenham sido extraídos de livros diferentes
que também diferem por suas temáticas.
O poema 1 que faz parte do livro “Sóror saudade”, está
inserido numa obra que tem por característica básica a melancolia e o
sofrimento. O próprio vocábulo sóror significa o feminino de frei, ou seja,
trata-se de uma clara demonstração de retratar como seria a vida de uma mulher
enclausurada em muros e portões de uma instituição religiosa, de como estariam
castradas sua inteligência, sua sexualidade, seus desejos, etc. e isso não era
muito diferente na época, já que as mulheres eram preparadas para esperarem
pela chegada do príncipe encantado, que as faria felizes para sempre,
teoricamente.
Já o poema 2, que está
inserido no livro chamado “charneca em flor”, tem todo um apelo ao
erotismo e é menos marcado pelas metáforas, o que demonstra a clara intenção do
sujeito poético de exaltação da libido de maneira natural, à vontade e livre de
regras ou restrições. O termo charneca é utilizado segundo o dicionário para
designar terreno árido, onde crescem
poucas plantas e está sendo utilizado intencionalmente como florido, ou como um lugar onde as flores
estão desabrochando, crescendo e, automaticamente, embelezando a aridez e a
secura da charneca. Metaforicamente também podemos entender que uma flor, ao
brotar, traz consigo uma idéia de sensualidade e de beleza erótica, que são
muito atribuídos ao amor e ao próprio ato do amor.
O apelo ao erotismo na obra de Florbela Espanca tem como um de
seus objetivos demonstrar que a mulher tem e pode reivindicar seus direitos em
relação ao amor. Essa busca desenfreada para obter seus direitos e ter seus
desejos sexuais satisfeitos, resulta numa exaltação da sensualidade erótica em
seus versos.
Durante muito tempo a poeta foi considerada como uma mulher
sem preceitos, sem moral, uma devassa e uma devoradora de homens, além de
também ser considerada por muitos como uma mulher que não agia nem possuía um
juízo perfeito, devido à intensidade e eloqüência da sua personalidade literária.
Evidentemente, Florbela Espanca não foi a única mulher a
escrever poesias de cunho erótico e audacioso. Aqui no Brasil, por exemplo,
semelhantemente ao seu estilo e na mesma época, temos a poeta carioca Gilka
Machado, detentora também de extremo
requinte e qualidades estético-literárias e que, “curiosamente”, também se
tornou lida e admirada pela crítica
somente após sua morte.
Sabemos, entretanto, que hoje, à luz dos estudos teóricos e
estéticos sobre técnicas de poesia, que a poeta construía seus versos em
perfeito estado de lucidez, de aceitação de regras, por meio de um trabalho
árduo, obstinado e de maneira motivadamente profissional.
Por outro lado, se isolássemos sua obra apenas ao âmbito do
erotismo e da sensualidade estaríamos reduzindo e rotulando uma obra que vai
muito além de uma demonstração conotativamente erótica.
Em outras palavras, Florbela Espanca buscava, entre outras
coisas, contribuir para abrir os olhos das mulheres da sua época para que se
apercebessem de que não eram animais domesticados para se comportarem desta ou
daquela maneira diante dos homens para que estes desejassem se casar com elas,
completando assim, o que elas entendiam por destino feliz. Florbela buscava
demonstrar que as mulheres tinham cérebro, podiam raciocinar, podiam opinar,
decidir, fazer escolhas e criticar em pé de igualdade com os homens, ao invés
de apenas servi-los como se fossem seres incapazes ou inferiores. E isto fica
evidenciado quando ela coloca em seus versos o homem como o causador de seu
sofrimento, situando-o numa posição de desconforto e caracteristicamente como
mau, numa posição que este homem não quer estar, já que se sente incomodado e
atacado, quando na verdade, seu desejo era ser reverenciado e admirado pela
mulher.
Nesta inversão de papéis a escritora se apodera do mundo e das atitudes masculinas, num contexto de
igualdade e não de superioridade, como muitos a acusaram na época, isto porque
ela não deseja ser superior ao homem, deseja apenas demonstrar que o homem não
é superior às mulheres. Estes aspectos são alguns dos que resultaram em tantas
críticas negativas e em tanto repúdio pela obra e pela própria figura humana da
escritora portuguesa.
Portanto, ao nos depararmos com um poema ou com a obra de
Florbela Espanca, é necessário que nos detenhamos um pouco mais em seus versos
de maneira que saibamos separar a autora como sujeito comum e a autora como
sujeito-poético, ou seja, devemos realizar uma busca interpretativa em termos
de estética de poesia, para que consigamos perceber um pouco da grandiosidade e
da riqueza das construções líricas que nos são apresentadas, resultando num
maravilhoso deleite literário para todos aqueles de apreciam uma literatura e,
neste caso, uma poesia de qualidade.
Bibliografia
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[1] Autor: Eliege Marizel Moreira Marques. Aluna do 4ºde Letras da FURG – Fundação Universidade Federal do Rio grande.