PRESSUPOSTOS E SUBENTENDIDOS NA CONSTRUÇÃO DA CAPA DA REVISTA VEJA

 

Desirée Reinehr Mirapalhete (CAPES/UCPEL)

INTRODUÇÃO

 A construção das capas de veja ocorre em “condições específicas” e com “finalidades” próprias da atividade jornalística, preocupada com o conteúdo, o estilo e a composição do enunciado que reflete o interesse da própria revista. As capas de veja têm uma estrutura composicional que é mantida com o uso constante – semanal – das linguagens verbal e não-verbal.

Portanto, para fazer a análise, este trabalho abordará os elementos que conduzem ao entendimento da mensagem persuasiva da capa da revista Veja juntando essa imagem a embalagem do sabão em pó Omo, tanto na forma explícita como na implícita. Ou seja, a situação global que envolve o enunciado, composta pelo que se diz e pelo que não é dito, de acordo com os pressupostos que possibilita ao locutor dizer implicitamente algo, recorrendo ao interlocutor para, juntos, interpretarem o que foi dito e subentendidos, de Ducrot (1987).

1. ARCABOUÇO TEÓRICO

É válido ressaltar que na Análise do Discurso o texto é tocado e abordado num contexto bastante amplo, incluindo todos os interlocutores e suas respectivas bagagens: a história pessoal, a situação da produção textual e a própria ideologia dos sujeitos. Assim, o texto dentro da AD não é de forma alguma tido por transparente. Ele é entendido e aceito como opaco, principalmente a partir da compreensão da multiplicidade de sentidos que cada texto pode gerar. Nesta hora, é importante lembrar a proposta de Pêcheux (1999) de que nos discursos não vamos achar transparência, mas opacidade e um certo mutismo. Portanto, o caminho é o de marginalizar as significações e procurar sentidos em construção na opacidade do discurso. Assim fazendo, não estaríamos promovendo a re-significância da significação, já que isso não diz respeito simplesmente a uma rejeição ao abandono do “semântico”, contudo é concebida e pensada no contexto teórico-metodológico da AD – “traduzindo” a língua em seus termos, a ideologia , o discurso , e ainda o inconsciente.

“A noção de memória discursiva exerce, portanto, uma função ambígua no discurso, na medida em que recupera o passado e, ao mesmo tempo, o elimina com os apagamentos que opera”. Já que um discurso é sustentado por outros e aponta para o futuro, os sentidos são produzidos a partir de posições. Neste contexto, a memória discursiva é presumida a partir de um momento sócio-histórico, fazendo que o sujeito “migre” de uma situação empírica para uma posição discursiva.

Na relação discursiva é que as imagens constituem as diferentes posições e assim fazem de fato, algum sentido. Vale ressaltar que este sentido não está nas palavras, mas antes delas e depois delas, simplesmente porque palavras remetem a palavras. Além do que, os sentidos não estão irrevogavelmente dependentes das intenções, mas permeados e atravessados pelas suas próprias relações com uma formação discursiva peculiar e com uma memória. Portanto, não existe sentido em si, ele nasce de colocações de caráter ideológico fazendo com que as palavras mudem de sentido de acordo com as posições em que são enunciadas, apreendidas a partir do exterior do discurso.

1.2. Adjetivação

Adjetivos são palavras avaliativas, o seu uso comprova que não somos neutros diante do que estamos vendo, dizendo ou participando. A avaliação revel não um objeto neutro no mundo, mas um alinhamento que ocorre através do fenômeno por um ator particular. Através da escolha de determinados adjetivos, os editores se posicionam em relação ao que publicaram.

1.3. Metáfora

Charaudeau e Maingueneau (2004), diferentes daquelas da gramática tradicional que classifica a metáfora como sendo apenas uma figura de linguagem, ou seja, o uso de uma palavra em sentido conotativo. Para os autores acima, a metáfora é uma figura do discurso e possui funções discursivas, a saber: a) uma função estética: ornamentar o discurso, sobretudo o literário; b) uma função cognitiva: explicação por meio de analogias de algo novo ou de pouco conhecimento; c) uma função persuasiva: os diversos discursos – políticos, morais – usam a metáfora como forma de impor opiniões de maneira não explícita.

Ao consideramos a metáfora como inserida nos discursos, veremos que sua manifestação pode ocorrer por meio de uma heterogeneidade mostrada que é a incidência sobre as manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciação (MAINGUENEAU, 1997).

Ao inserirmos a noção de formação discursiva, estamos considerando as implicações para o sujeito que enuncia. Ou seja, ele não é mais a fonte de seu dizer, pois mesmo este tendo uma intenção, esta não é a garantia de sentido. Para a AD o sentido é o efeito de sentido entre interlocutores em posições ideológicas, institucionais.  É a partir da formação discursiva na qual esse sujeito se inscreve é que ele poderá dizer ou citar x e não y. Para entender o dito e a citação, é importante esclarecer a noção de intertexto e intertextualidade. Para Maingueneau (1997), a noção de intertexto de uma formação discursiva é entendida como o conjunto dos fragmentos que ela efetivamente cita e, por intertextualidade, o tipo de citação que esta formação discursiva define como legítima para sua própria prática. O autor esclarece também que a intertextualidade pode ser interna ou externa. A primeira seria quando o discurso se relaciona com discurso(s) de um corpus discursivo do mesmo campo. Já a segunda se dá quando um discurso se relaciona com discurso(s) de outros campos. 

2.TIPOS DE LINGUAGEM

2.1. A linguagem verbal

 O discurso guiado pela linha editorial tem como objetivo provocar efeitos de sentido no leitor, seja de forma explícita ou implícita. O significado explícito de uma frase é percebido no texto, através de uma análise gramatical ou lingüística, a questão é perceber como ocorre o enunciado (particular, individual), que requer uma outra forma de compreensão, quando é preciso analisar o sentido que lhe está sendo atribuído em determinada situação. A argumentação de um texto está na forma como este é produzido levando-se em conta o que está pressuposto e o que está subentendido nele.

Se o posto é o que afirmo, enquanto locutor, se o subentendido é o que deixo meu ouvinte concluir, o pressuposto é o que apresento como pertencendo ao domínio comum das duas personalidades do diálogo, como o objeto de uma cumplicidade fundamental que liga entre si os participantes do ato de comunicação. Em relação ao sistema dos pronomes poder-se-ia dizer que o pressuposto é apresentado como pertencendo a “nós”, enquanto o posto é reivindicado pelo “eu”, e o subentendido é repassado ao “tu” (DUCROT, 1987).

Para compreender uma mensagem, é preciso conhecer o que está fora dela, pois a enunciação também abrange o extraverbal. Uma palavra deve ser analisada num determinado contexto, que envolva uma situação global, pois “o dito é apenas um dos elementos do ato comunicativo, onde cabe também o não-dito” (MACHADO, I.: 1995).

 2.2. A linguagem não-verbal

As imagens também oferecem a possibilidade de diferentes leituras, dependendo da bagagem do leitor, sua experiência de vida, seu posicionamento em relação ao que está sendo visto e ainda os recursos utilizados pelo autor da imagem.

Ao significar algo, uma imagem remete a idéias, sentimentos, interferindo na interpretação do leitor, transformando esse algo representado, o que é diferente de simplesmente reproduzi-lo. Com relação ao mundo das imagens, Santaella e Nöth (2001), afirmam existir dois domínios: O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais e o domínio imaterial das imagens da nossa mente.

A composição nada mais é do que a arte de dispor os elementos do tema – formas, linhas, tons e cores – de maneira organizada e agradável e deve levar em conta que a leitura dessa imagem, sua conotação, dependerá da forma como chegar ao leitor, pois não existe um entendimento que seja considerado universal, comum a todos os leitores, principalmente se os mesmos não estiverem preparados para a interpretação que farão. Para Lima (1988), essa leitura é feita em três fases distintas, a percepção, a identificação e a interpretação. A percepção é puramente ótica: os olhos percebem as formas e as tonalidades dominantes sem as identificar. Ela é igualmente muito rápida e não ultrapassa cerca de meio segundo, sendo que o hábito da televisão reduz ainda mais essa duração, sobretudo nas crianças. A leitura de identificação é uma ação às vezes ótica às vezes mental, como a leitura de um texto. O leitor identifica os componentes da imagem e registra mentalmente o seu conteúdo. A terceira fase que é a interpretação, é uma ação puramente mental. É nesse estado que se manifesta o caráter polissêmico da fotografia, quando se estabelecem as analogias, quando se buscam relações entre as imagens e o que significam. Também fazem parte da linguagem não-verbal as cores e o planejamento gráfico, que criam sentimentos diferentes em relação à mensagem pretendida e indicam o caminho de leitura que deve ser seguido pelo olho do leitor.

No caso de Veja, por exemplo, existe toda uma relação estrutural da capa, que é mantida em todas as edições, para que a revista seja facilmente identificada por seus leitores na banca. Dessa forma, como gênero do discurso, a capa de Veja tem uma estrutura estável, que lhe confere uma identidade visual, o que facilita sua identificação. Os elementos não são dispostos de forma aleatória, seguem regras de acordo com a movimentação comum dos olhos, que fazem um caminho de leitura específico dentro da página. De acordo com Silva (1985), esse caminho segue um condicionamento do olho relacionado à escrita ocidental, da esquerda para a direita, o que leva o olhar a fazer sempre esse primeiro percurso, partindo do lado superior esquerdo para o restante da página.

As cores utilizadas na composição das capas são escolhidas de acordo com a mensagem pretendida, pois mexem com a sensibilidade e emoção do leitor. Um ponto importante para a definição de qual cor utilizar é o condicionamento generalizado, pois as cores despertam reações esperadas, previstas na grande maioria dos leitores. É lógico que fatores como idade e contexto sócio-cultural, entre tantos outros, também influenciam na reação à recepção da cor, porém, de acordo com a sinestesia (estudo da influência das cores no comportamento das pessoas), as cores produzem sensações que podem ser consideradas gerais.

3. CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS

Orlandi (1995), a interpretação é uma junção, e a vida é função da significação e de gestos de interpretação do cotidiano. Sendo assim não podemos pensar em uma separação entre uso e significado, ou seja, pensar que os objetos seriam usados apenas pelo caráter utilitário e não em função do seu significado dentro de um contexto social. Seguindo a idéia da autora, se considerarmos que diante de qualquer objeto  simbólico o sujeito tem necessidade de dar sentido e que para o sujeito que fala dar sentido em construir sítios de significância, é tornar possíveis gestos de interpretação, podemos ver o discurso publicitário como um tipo de texto facilitador, construtor e manipulador do processo de interpretação.

O processo de criação de uma propaganda é um evento discursivo que busca gerenciar os gestos de interpretação do sujeito, usando criatividade e originalidade no processo de efeitos de sentido. Isso pode ser observado se levarmos em conta que  muitos produtos, como é o caso de materiais de limpeza, são tão parecidos e executam a mesma função, que sem uma diferença discursiva, promovida pela propaganda, não seria possível uma venda significativa  de uma determinada marca.

Acreditamos que essa diferença discursiva, capaz de consolidar e fortificar imagem e conceitos, é possível porque a publicidade interpreta um objeto, ou seja, dá aos objetos um significado além do funcional e do prático, dentro de um contexto social.

Assim, um modo de interpretação ou vários modos de interpretação pode ser conferido a um objeto a partir de uma configuração discursiva que, por se constituir a materialidade de uma certa memória social, age sobre os centros sensoriais, emocionais e lógicos do consumidor. Portanto, criatividade e originalidade na escolha e apresentação de enunciados e/ ou imagens que vêm contribuir com a construção de sentido, de que a memória social é suporte. A criatividade pode ser entendida na tensão entre duas forças que trabalham continuamente o dizer: os processos parafrásticos e os polissêmicos. O processo parafrástico representa o retorno constante ao mesmo espaço do dizível, produzindo a reiteração de processos já cristalizados. O processo polissêmico implica equívoco, deslocamento, ruptura de processos de significação  (ORLANDI ,1995). O sujeito no discurso é constituído pela interpelação ideológica e representa uma “forma-sujeito”, historicamente determinada. Essa forma sujeito pode ser diferente nos diferentes momentos históricos.

Primeiramente, delimitamos um campo discursivo de referência, o qual é constituído por tipos específicos de discurso. Em nosso trabalho, o campo discursivo de referência é a capa da revista Veja publicada no dia 31 de agosto de 2005 e a propaganda do sabão em pó Omo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

 O leitor da revista acredita que esse veículo tem por função, dever e finalidade mostrar a realidade diária de forma transparente, sem mediações, visando apenas informar, transmitir os aconteciemtnos ao público. E é por isso e para isso que ele lê a revista: para ficar informado. O leitor acredita, portanto, que a linguagem jornalística, exceto nos maus jornais e revistas sob o domínio de jornalistas tendenciosos, é informativa, imparcial e neutar, tendo em vista unica e exclussivamente a realidade dos acontecimentos”. De fato, esse é o objetivo da revista. Contudo, a linguagem e as especificidades da linguagem na esfera jornalística, em seus gêneros e textos, fatalmente selecionam os aconteciemntos, organizando-os e expondo-os de maneira a interpretar a “realidade”, a fzer uma leitura, a encaminhar algumas conclusões.

Na verdade, é levado em conta esssa perspectiva, ou seja, os aspectos cristalizados pela tradição de recepçãp da revista, de enfrentamento de sua linguagem e de suas fianlidade, que vamos observar as formas de cosntrução dessa instãncia de comunicação, tentando identificar, enter outras coisas, as marcas que conferem ao texto jornalístico e aos vários generos discrusivos que aí circulam a diemnsão da leitura, interpretação e cosntrução do mundo e não de linguagem transparente, de veículo neutro de informação de acontecimentos. Essa  postura crítica, que não significa um posicionamento negativo diante da revista, implica o reconhecimento das formas de produção, circulação e recepção desse veículo e, necessariamente, a inclusão do leitor nessas formas. As diferentes revistas prevêem não apenas o que o leitor espera deles, especialmente credibilidade, mas as formas de atingir essas expectativas. Assim o leitor deve estar atento às formas de construção de sentidos e efeitos de sentido que acontecem a partir da organização do plano de expressão da revista, que visa, necesariamente, representar a realidade para seu público.comecemos pela atitude simple e banal de enfrentamento “físico” desse objeto denomindo revista. Na capa são colocadas em lugar de destaque, de forma bem legível, para que qualquer um possa ver/ler a principal manchete com um plano de expressão com carcteristicas particulares, que articula aspectos do discurso escrito e visual. As particularidades de seu plano de expressão diferenciam-se das de outros veículos pelo fato de tanto a linguagem verbal quanto a visual estarem acionadas, conjuntamente, de forma a levar a informação e possibilitar, ou mesmo provocar, a interpretação dos acontecimentos. Temos de levar em conta que a imagem visual nunca será um simples acompanhamento do texto verbal, um anexo que pode ser descartado. Estará articulada com os elementos verbais para produzir um efeito de sentido que vai além da leitura separada que se possa fazer dos segmentos verbais e dos visuais. Mesmo em um gênero que se quer objetivo como o jornalístico, tanto em sua diemnsão textual quanto visual, e especialmente  a notícia, que se propõem informar e não polemizar, despertar ou conduzir opiniões, o projeto visual como um todo pode produzir efeitos de sentido/ significações que vão além  da simples informção, sugerindo  interpretações.

O conjunto de elementos visuais- entendidos como operadores discursivos - favorece uma rede de associações de imagens, o que dá lugar à tessitura do texto não-verbal. A apreensão dessas relações, por sua vez, revela o discurso que se instaura pelas imagens.

O discurso, no caso, deixa antever o trabalho de um sincretismo de imagens (rede de associações) de caráter ideológico. Trata-se, então, como já referimos anteriormente, da possibilidade de falar de implícitos no âmbito da imagem. As imagens implícitas funcionam como pistas, favorecendo a compreensão das associações de ordem ideológica (o discurso), ou favorecendo a compreensão da narratividade de uma publicidade, filme, etc, sem se ater exclusivamente ao verbal, mas buscando uma articulação num plano discursivo não-verbal e revelando a tessitura da imagem em sua heterogeneidade.

Segundo Mainguenau (2002) é por meio da enunciação, revela-se a personalidade do enunciador. O discurso não pode ser analisado simplesmente sob seu aspecto lingüístico, mas como jogo estratégico de ação e reação, entre enunciador e co-enunciador. Nessa visão, o discurso é uma forma de ação, pois toda enunciação visa modificar uma situação. Desta maneira, “a linguagem não é mais pura evidência, já que foge à transparência de sentido: não tem como primeira finalidade a representação do mundo, mas torna-se atuante sobre o outro, uma forma de negociação e instrumento de ação do enunciador sobre o receptor” (PAULIUKONIS, 2003).

A língua constitui a condição de possibilidade do discurso, é o lugar material em que se realizam os efeitos de sentido. Assim, podemos dizer que discurso é o espaço em que emergem as significações. Na construção do sentido, o enunciador dispõe de signos, marcas, traços, letras. É ele que anima as formas da língua, para, através do discurso, criar os significados no que diz e no que não diz.

A linguagem que usamos define nossos propósitos, expõe nossas crenças e valores, reflete nossa visão de mundo e a do grupo social em que vivemos, e pode, ainda, servir como instrumento de manipulação ideológica. Na análise do texto apresentado, buscamos evidências na linguagem e nas escolhas lexicogramaticais que demonstrem o propósito discursivo dos enunciadores.

Para comprovarmos que esse projeto visual, independentemente da intenção ou não do produtor ou dos produtores desse texto, de fato promoveu um efeito de sentido que extrapola a informação.

Desde o princípio da crise, a revista Veja tem sido a publicação mais agressiva nos ataques ao governo Lula e ao PT. Sua função, no entanto, como órgão de mídia impresso de maior circulação do país, tem sido mais importante do que as dimensões panfletárias de suas edições: é a de fornecer didaticamente uma narrativa da crise, do seu diagnóstico e de suas soluções. Esta narrativa é a que tem sido publicamente reiterada pelo ex-presidente FHC desde o início: o PT, chegado ao governo central do país, montou um "sistema" de corrupção (no sentido mafioso) de ramificações e proporções inéditas na história do país, com o intuito de controlar os poderes da República, revelando a sua identidade de esquerda de sentido totalitário.        

É por isso que tem uma importância decisiva para a disputa de narrativas da crise a edição da revista Veja de 31 de agosto de 2005. Nela, pela primeira vez, na chamada de capa, Veja admite o caráter republicano da crise da democracia brasileira. À manchete "Político artificial", segue a chamada: "O Brasil tem as campanhas eleitorais mais caras do mundo. Isso torna a corrupção inevitável e ajuda a eleger nulidades”. A questão é: por que Veja, a monolítica revista conservadora e uma espécie de âncora da crise, abriu uma brecha tão decisiva na sua narrativa de que a raiz da crise está focada no PT? A resposta é: porque diante da consciência democrática brasileira e os formadores de opinião é cada vez mais difícil sustentar a tese de FHC diante das inúmeras evidências que apontam que a raiz da crise está no próprio funcionamento do sistema político e da corrupção sistêmica do Estado brasileiro, à qual veio se adaptando nos últimos anos até o PT, o partido que mais elementos democráticos e republicanos do sistema político brasileiro incorporou desde a sua origem.

Analisando a manchete : “Político Artificial” e comparando com o “Omo Multiação”, verificamos que estão em paralelismo, pois ambos são produtos, feitos com uma finalidade específica e que se fiquefazem em espuma no primeiro jato de realidade e possuem o mesmo formato de letra e cor que despertam reações esperadas, previstas na grande maioria dos leitores.

Nota-se também que por trás do nome da revista sai um raio que atinge o Político Artificial com isso mostra a ideologia da posição-sujeito, ou seja, da revista. Uma vez  que, percebe-se que essa posição-sujeito é contra o marketing eleitoral/político à moda de Duda Mendonça que se presta tão somente a escamotear os defeitos do candidato e forjar-lhe qualidades.

O marketing político está envolta desse assunto, pois foi através dele que chegou-se a esses políticos nulidades, ou seja, políticos  produzidos, que gera corrupção, e viram mercadorias tal como o sabão em pó. Temos de levar em conta que o marketing é uma concepção que vem "de fora da política". Sua origem e natureza concentram-se com o mercado e a economia modernos - seu habitat natural. É no mercado - e para o mercado - que as sociedades industrializadas e de consumo do século XX - ditas de "massa" - criaram o marketing como técnica adhoc para gerir as suas novas realidades macrodimensionadas. Produção e consumo, metropolização e mídia - tudo nelas é grande e complexo e exige novas formas de gestão de escala. Os eleitorados massivos, em tais sociedades, por analogia - vão exigir o mesmo instrumental para serem operacionalizados. è assim que o marketing se associa à política: para atender a uma necessidade histórico-social.

Vemos uma relação da imagem do sabão em que tem por finalidade a limpeza, tirar a sujeira mais profunda e deixar o branco mais branco, e é exatamente isso que quer o sujeito enunciador do discurso, limpeza total na política. Perpassa inúmeras relações do sabão em com a capa da revista Veja  algumas delas são: lavar a lama e a sujeira de políticos e empresários envolvidos com o desvio de verbas públicas; vivemos de alguma forma tendo de aceitar esse culto à imagem, por isso os políticos são moldados para atingir seus objetivos e ludibriar a população; assim como podemos trocar a marca de um produto por outra mais adequada, o eleitor também pode trocar os políticos que não correspondem, e o que tudo indica teremos na próximascomprasnovos produtos  no “ carrinho-urna”.

No que tange a análise lingüística da manchete O Brasil tem as campanhas eleitorais mais caras do mundo. Isso torna a corrupção inevitável e ajuda a eleger nulidades” destacaremos para fins de análise os adjetivos presentes nessa manchete que são “ mais caras”, “ inevitável” e “nulidades”. Percebemos que mais caras”  possui um conceito neutro, ou seja, de que há um preço “normal” ou “ razoável” para uma campanha eleitoral. Se é “cara”, é porque foge do padrão, é acima do preço normal. Se é “mais cara” é porque está sendo comparada com os gastos referentes as eleições  americana. E se são “as mais caras do mundo” temos ainda as implicações disso, isto é, o que isso representa para o país  não só em termos de custos para a população, mas também em termos de imagem no exterior. Chega-se a conclusão de que a principal razão da explosão dos custos são os gastos exacerbados nas campanhas eleitorais transformando-as numa poderosa mola propulsora da corrupção no país. O ciclo de degeneração tem início no momento em que são feitas as doações aos candidatos, algumas feitas por pessoas físicas, mas a grande maioria advém de pessoas jurídicas que impõe o anonimato como condição para as doações, o resultado para o partido, é a formação de um vultoso caixa dois. E também outro fator é que boa parte das empresas de publicidade que atendem aos governos relacionam-se com eles politicamente.

A palavra “inevitável” aqui é importante: ela indica o caráter sistêmico da corrupção. No que se refere a “nulidades” refletimos  sobre o que se espera de um político, porque é em função dessa "formação/representação imaginária" que vai se ter um padrão  de político feito pela sociedade que este  seja honesto, digno, que esteja preocupado com a população, frente ao qual os que são eleitos ( políticos advindos do marketing do espetáculo) são muito inferiores. Mais do que isso, eles são nulos”. “Nulo” é igual a zero, então eles não existem. Se não existem, como estão lá? Por que foram moldados, produzidos para conseguirem se eleger.

Por fim sabemos que os políticos sempre tiveram seus truques para edulcorar a própria imagem junto ao eleitorado. Getúlio Vargas se apresentava como o “pai dos pobres”. Jânio Quadros “almoçava” bananas no palanque. A diferença desses políticos para os políticos artificiais é que o marketing moderno-  terceirizado, profissionalizado e elevado aos limites da ficção- não só passou a forjar nos candidatos qualidades que eles, mais tarde, provarão não ter como extrapolou as fronteiras das campanhas para invadir o território do governo. 

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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www.inilever.com.br (Omo)

 

ANEXO: