ORALIDADE E INCLUSÃO: O ENSINO DA LÍNGUA ESPANHOLA NA EDUCAÇÃO ESPECIAL

 

AUTORES:

Cintia Avila Blank - Acadêmica do Curso de Língua Espanhola – UFPel

Patrícia Duarte Garcia - Acadêmica do Curso de Língua Espanhola – UFPel

Mª Pía Sassi – Professora Orientadora – UFPel

Fabiana Lasta Beck – Professora Orientadora – UFPel

 

RESUMO: Este trabalho visa a destacar a importância do desenvolvimento de práticas diferenciadas no contexto educacional, a partir da utilização da Língua Espanhola como LE a Portadores de Necessidades Educacionais Especiais (PNEEs). Alicerçados nestes princípios, conferimos ao ensino da Língua Espanhola, no campo da Educação Especial, o mesmo tratamento disponível nos demais sistemas educacionais. Assim, trabalhamos à luz das mesmas teorias do ensino de LE disponíveis no contexto geral, adaptando somente questões de ordem organizacional. Para dar sustentação a esta prática, utilizou-se como fundamentação teórica os referenciais de pesquisadores, tais como: Sassaki, Aranha, Goffman, Baralo, Ruiz e Canale. Essa vertente teórica prevê a utilização de estratégias educacionais que enfatizem o potencial cognitivo dos educandos PNEEs, ressaltando a importância de propostas alternativas que facilitem seu desenvolvimento integral. O trabalho é realizado com um grupo de alunos do EJA – Educação de Jovens e Adultos da Escola Cerenepe, de Pelotas – RS. Para a intervenção, o grupo foi dividido em duas turmas, uma composta por 7 alunos e outra por 9, totalizando 16 alunos (7 com síndrome de down, 6 com retardo mental e 3 com retardo neuropsicomotor). Pretendemos, com esse trabalho, além de alertar para a necessidade do desenvolvimento de práticas inclusivas que sejam forjadas nos centros universitários, confirmar a hipótese de que PNEEs podem adquirir a Língua Espanhola com base nos mesmos métodos trabalhados nos demais contextos educativos.

 

Palavras-chave: Educação Especial, Língua Espanhola e Oralidade.

 

 

Para realizar um trabalho direcionado à Educação Especial é necessário, primeiramente, conhecer os caminhos que ela percorreu até a atualidade e as peculiaridades envolvidas nos processos de aprendizagem e construção do conhecimento de seus envolvidos. Retrocedendo historicamente, percebemos uma trajetória marcada por diferentes concepções que revelam os valores de uma determinada época.

Na Antigüidade, a presença dos PNEEs (Portadores de Necessidades Educativas Especiais) era ignorada no mundo e associada com a mitologia (espíritos maus).

Na Idade Média, apesar de serem poucas as informações preservadas sobre o tratamento destinado aos PNEEs, sabe-se que indivíduos nascidos com necessidades especiais eram, inicialmente, jogados nos esgotos,  segregados ou mortos. Segundo Foucault (apud MERGULHÃO, 2003), entre os séculos XIV e XVII, a prática da exclusão realizava-se constantemente, já que, para a época, todos que fugissem aos modelos morais, sociais e médicos preestabelecidos eram considerados indesejáveis para o convívio social e deveriam ser “eliminados”.

O tratamento dispensado aos PNEEs teve alguma mudança com a difusão dos   ideais cristãos, que os consideravam como seres humanos. Mesmo assim, a política da segregação seguiu seu curso.

No final do século XVII, os PNEEs começaram a ser internados juntamente com indigentes, prisioneiros, epiléticos e prostitutas, recebendo o mesmo tratamento dispensado a essas parcelas da sociedade. Mais tarde, esse “modelo” de tratamento evoluiu para o confinamento dos PNEEs em instituições residenciais segregadas ou em escolas especiais, caracterizadas por distanciar os internos de suas famílias e da sociedade. Esse modelo de atendimento, denominado Paradigma da Institucionalização (ARANHA, 2000), foi vigente por mais de 500 anos e ainda pode ser encontrado com muita facilidade na atual configuração social. As críticas a esse modelo surgiram apenas no século XX, por volta de 1960. As motivações que levaram a sua desaprovação surgiram de interesses diversos. Estudiosos, como Goffman, defendiam que a instituição era:

 

 

um lugar de residência e de trabalho, onde um grande número de pessoas, excluído da sociedade mais ampla, por um longo período de tempo, leva juntos uma vida enclausurada e formalmente administrada. (GOFFMAN, E. Apud: ARANHA, 2000, p.14)

 

 

Dessa forma, pode-se depreender que o modelo institucional é incapaz de cumprir seu papel de auxiliar no desenvolvimento e recuperação das pessoas com necessidades especiais. Seu contexto somente dificulta a vida de um PNEE fora da instituição, já que este dificilmente se adaptará à vida em uma realidade que jamais conheceu e que também não o conhece: a realidade social.

Ademais, somaram-se aos interesses dos estudiosos os do sistema econômico. Devido ao grande número de instituições e ao alto custo necessário para mantê-las, tornou-se agradável o discurso da igualdade, autonomia e produtividade. Uma vez que ao capitalismo comercial só interessava (e ainda interessa) expandir os lucros, era preciso diminuir os gastos públicos e aumentar a mão de obra. Assim, tanto a visão dos intelectuais como a dos capitalistas convergiram para a reformulação do modo de atendimento aos PNEES.

Passou-se a defender, então, a desinstitucionalização, tendo como base ideológica a normalização. Segundo Aranha, essa ideologia defende:

 

 

a necessidade de introduzir a pessoa com necessidades educacionais especiais na sociedade, procurando ajudá-la a adquirir as condições e os padrões da vida cotidiana, no nível mais próximo possível do normal. (ARANHA, 2000, p. 16)

Em função disso, criou-se o Paradigma de Serviços (ARANHA, 2000). A partir de então, procurou-se modificar a pessoa com necessidades educacionais especiais, tentando moldá-la de acordo com os demais cidadãos. Com isso, ela poderia ser inserida no convívio social e no mercado de trabalho.

Entretanto, tal paradigma não tardou em receber suas críticas, especialmente por impor a já citada normalização. Para os próprios PNEEs, a ideologia da normalização tenta mascarar as direfenças entre as pessoas, dando-lhes uma posição de inferioridade. Por isso, é preciso ter claro que “diferenças, na realidade, não se ‘apagam’, mas sim, são administradas na convivência social” (ARANHA, 2000, p. 17). Com essa visão, as discussões em Educação Especial evoluíram até o ponto de entender o cidadão com necessidades especiais como qualquer outro na sociedade, possuidor dos mesmos direitos, oportunidades e recursos disponíveis para a comunidade. Dessa forma, não cabe só ao PNEE a responsabilidade de reorganizar-se para fazer parte da sociedade, pois o processo deve ocorrer em ambas as direções. Tanto a sociedade como os PNEEs devem readaptar-se de forma a garantir o acesso e o uso dos recursos disponíveis a todos, sem distinção.

Arraigado nesse pensamento, surge um terceiro e último paradigma, chamado Paradigma de Suporte (ARANHA, 2000).  Caracterizado por fornecer “suportes” aos PNEEs, esse modelo pretende possibilitar o acesso imediato aos recursos existentes na sociedade. Os suportes oferecidos podem ser de natureza social, econômica, física ou instrumental. Esse novo modelo ainda encontra-se em processo de implementação e apreciação, mas seu compromisso é o de favorecer o processo de Inclusão Social, que para Aranha:

 

 

não é um processo que envolva somente um lado, mas sim um processo bi-direcional, que envolve ações junto à pessoa com necessidades educacionais especiais e ações junto à sociedade.  (ARANHA, 2000,p.18)

 

 

Novos documentos em prol da Educação Especial foram surgindo a partir de grandes Congressos Internacionais promovidos pela UNESCO, buscando estabelecer uma nova política educacional mundial menos excludente e mais inclusiva. Dentre os principais documentos mundiais destacamos: a Convenção de Direitos da Criança (1988), a Declaração sobre Educação para Todos (1990) e a Declaração de Salamanca (1994). Todos os documentos defendem a inclusão social como primordial para a Implantação da Sociedade Inclusiva. A Declaração de Salamanca preconiza que:

 

 

 

As necessidades educativas especiais incorporam os princípios já aprovados de uma pedagogia equilibrada que beneficia todas as crianças. Parte do princípio de que todas as diferenças humanas são normais e de que a aprendizagem deve, portanto, ajustar-se às necessidades de cada criança, em vez de cada criança se adaptar aos supostos princípios quanto ao ritmo e a natureza do processo educativo. Uma pedagogia centralizada na criança é positiva para todos os alunos e, conseqüentemente, para toda a sociedade. A experiência tem demonstrado que é possível reduzir o número de fracassos escolares e repetições, algo muito comum em muitos sistemas educativos, e garantir um maior índice de êxito escolar. Uma pedagogia centralizada na criança pode contribuir para evitar o desperdício de recursos e a frustração de esperanças, conseqüências freqüentes de má qualidade e da mentalidade de que “o que é bom para um é bom para todos”. As escolas que se centralizam na criança são, além disso, a base para a construção de uma sociedade centrada nas pessoas, que respeite tanto a dignidade como as diferenças de todos os seres humanos. Existe a imperiosa necessidade de mudança da perspectiva social. Durante muito tempo, os problemas das pessoas com deficiência foram agravados por uma sociedade mutiladora que se fixava mais em sua incapacidade do que em seu potencial. (Declaração de Salamanca, 1994)

 

 

         Assim, a sociedade começou a preocupar-se com a educação daqueles que permaneceram excluídos do sistema de ensino. Idealizou-se uma educação que não discriminasse nenhum tipo de aluno, independentemente de suas necessidades especiais.

         No entanto, apesar do amparo legal, legitimado pela Lei de Diretrizes Básicas da Educação (LDBEN – Cap. V, art. 58), para atender todas as crianças e adolescentes PNEEs, em idade escolar, será preciso multiplicar quase por seis o número de vagas nas escolas brasileiras para esse alunado[1].

Além disso, para que todos possam estudar em uma mesma escola, é necessário, também, a adaptação de vários outros pontos, sendo um deles a capacitação dos professores, que em geral, necessitam estar preparados para essa nova realidade. Infelizmente, não existe até o momento um trabalho que prepare os futuros professores nos cursos de graduação, o que indica que muito pouco está sendo realizado para que essa verdade seja efetivada.

Nossa prática específica, não obstante realizar-se numa instituição voltada exclusivamente aos PNEEs, pretende colaborar para o aceleramento da unificação do ensino, pois possibilita a preparação de futuros docentes a essa nova configuração educacional, antevendo  suas futuras necessidades. Além do mais, está interessado em diminuir as diferenças existentes entre o currículo desenvolvido para a Educação Especial e o Ensino Regular. Dessa forma, partindo do princípio de que todos possuem os mesmos direitos, espera-se contribuir para a inclusão social do PNEE, efetivando o seu acesso ao aprendizado de uma língua estrangeira.                                                                                                                                                                                                                                                                            

Ao planejar o ensino no contexto especial, assim como no ensino regular, o professor deve considerar algumas modificações no seu trabalho e primar por respeitar, acima de tudo, o seu aluno, buscando nunca fazer da comparação de seu desempenho com o de outos alunos um empecilho a sua prática. Esse comportamento auxiliará o professor a obter melhores resultados. È importante saber que os PNEEs, a partir de seu contato com o entorno educacional, têm afloradas uma série de necessidades que, por refletirem diretamente no processo de aprendizagem, precisam ser observadas. De acordo com Ruiz (2002), destacaremos algumas de suma relevância, pelo menos no que diz respeito ao aprendizado de uma língua estrangeira, como:

- colocar em prática estratégias didáticas individualizadas;

- ensinar levando em consideração que o processo de consolidação é mais lento, o que corrobora a necessidade de mais tempo de escolarização;

- disponibilizar um maior número de exemplos, exercícios, atividades, práticas, ensaios e repetições para que sejam alcançados bons resultados;

- compreender as dificuldades de abstração e transferência;

- avaliar em função das capacidades reais e dos níveis de aprendizagem individuais.

Em nossa prática, como as turmas envolvidas estão sendo preparadas para ingressar no mercado de trabalho e, como se sabe, o conhecimento de línguas é reconhecido como uma ferramenta de extremo valor para um melhor desenvolvimento das atividades do trato social, optamos por oferecer um ensino preocupado em satisfazer as necessidades básicas de comunicação. Dessa forma, a prática realizada oportuniza as condições para que os alunos apliquem na interação social os conhecimentos adquiridos. Com essa visão, calcada nos princípios do método comunicativo, que privilegia o uso sobre o código, adotamos uma perspectiva mais pragmática que estruturalista, é dizer, um ensino mais centrado no uso real da língua (Teoria da Pertinência).

Assim, com o objetivo do trabalho definido, coube às ministrantes seguir uma metodologia enfocada no desenvolvimento da capacidade oral discursiva de seus alunos, sem negligenciar, entretanto, que o desenvolvimento pleno da expressão oral está intrinsecamente associado às demais habilidades.

Apesar de trabalharmos partindo do enfoque comunicativo, que não foi desenvolvido para levar em consideração as necessidades especiais de nossos alunos, procuramos adaptá-lo a essa nova realidade, observando sempre as condições primordiais para que os PNEEs desenvolvam com mais êxito o processo de aquisição da Língua Espanhola. Com a intenção de melhor descrever nossa prática, comentaremos nossos procedimentos utilizando como recurso algumas atividades preparadas e já aplicadas no decorrer de nosso trabalho.

 É atendendo à premissa de Canale (1995), que diz haver sempre um objetivo quando nos comunicamos, que associamos os conteúdos língüísticos pertinentes ao desenvolvimento em caráter básico da oralidade às temáticas mais corriqueiras e possíveis de serem realizadas nas interações sociais (dando sentido às práticas orais). Em nosso primeiro encontro com a turma, tínhamos o objetivo de introduzir o verbo ser no presente do indicativo, as apresentações informais e alguns adjetivos. Contextualizamos da seguinte forma:

 

CONTEÚDOS LINGÜÍSTICOS

CONTEÚDOS COMUNICATIVOS

- verbo ser no presente do indicativo e adjetivos.

- apresentar a si e a um colega, atribuindo uma qualidade a ambos.

 

Assim, com todos os conteúdos contextualizados, procuramos ainda, para facilitar a aprendizagem dos alunos, uma vez que possuem déficits cognitivos, sempre “materializar” de alguma maneira o tema da aula em questão (RUIZ, 2000). Para isso lançamos mão de um recurso lúdico já exaustivamente usado nas aulas de língua estrangeira, mas de suma importância para esse contexto. Após escutarem as ministrantes apresentarem-se e tecerem comentários a respeito de algumas de suas qualidades, os alunos, recebendo como estímulo uma música em espanhol, participaram do tradicional jogo da “batata quente”, representada, nesse caso, por uma pequena caixa de papelão. A caixa circulava entre os alunos, enquanto tocava uma música em espanhol. Logo que o recurso auditivo era desativado, o aluno portador da caixa tinha a missão de retirar, aleatoriamente, um dos papéis nela contido, que trazia sempre um adjetivo e uma imagem que representasse a referida qualidade.  Então, as ministrantes solicitavam aos alunos que lessem o adjetivo. Após, corrigiam a pronúncia, através da repetição da palavra, para depois pedir que o adjetivo fosse relacionado a algum colega da classe. Além da contextualização dos conteúdos, essa atividade gerou uma comunicação maior entre os alunos, que refletiram juntos no momento de escolher, dentre eles, quem tinha mais salientada a referida qualidade.

Ao considerarmos as dificuldades que os PNEEs possuem no processo de internalização dos conteúdos, foi-nos de grande valia adotar a prática do “Fio Condutor”, pois segundo Moor & Vetromille-Castro:

As atividades de uma unidade devem ter uma coerência interna que as costure, promovendo uma sensação de fluxo contínuo que leva a uma maior facilidade de aprendizagem. (MOOR, 2001)

 

 

A aplicação desse conceito vem proporcionando uma maior integração dos conteúdos, já que as atividades desenvolvidas em um encontro sempre buscam estabelecer um “elo” com o seguinte, e assim sucessivamente. Para efetivar esse preceito teórico, usamos as atividades de dramatização, induzindo o aluno a expressar-se de maneira que se crie um entorno que transpareça uma situação real de uso da LE.

Podemos citar, como exemplo, uma das aulas ministradas, que pretendia introduzir o vocabulário relacionado às cores.  Para abordá-lo, usamos como fio condutor as aulas anteriores, que tratavam a respeito das partes do corpo e vestuário. Dessa forma, as ministrantes transformaram a sala de aula em uma loja, levando peças de roupas e acessórios, o que facilitou o trabalho dos alunos, dando mais verossimilhança às dramatizações. Divididos em duplas, os alunos ora faziam o papel de vendedores ora de clientes. Ao realizarem uma compra, tinham que, além de escolher as cores das roupas que queriam, verificar se as peças estavam no tamanho correto, se os sapatos não estavam apertando os pés, as mangas muito curtas para os braços, etc. Para que soubessem os nomes das cores e relembrassem os nomes das vestimentas, foi fixada uma etiqueta  em cada peça com essas informações. Dessa forma, não houve necessidade de interromper demasiadamente os diálogos dos alunos, que puderam realizar suas práticas orais com mais espontaneidade. Conseguimos explorar, com essa prática, um trabalho que utilizou não só os conhecimentos lingüísticos em LE adquiridos até o momento pelo aluno, mas também toda sua bagagem cultural, ativada nesse momento.

Uma outra atividade que gerou resultados bastante positivos foi a utilização de um material didático inspirado nos conhecidos Emoticons[2]. Com o pretexto de saber como estava o humor dos alunos, em cada encontro, confeccionamos várias figuras em EVA (ANEXO A). Em cada uma delas pintamos um rosto apresentando certas feições. Os alunos, após lerem um pequeno texto (ANEXO B) caracterizando um determinado  sentimento, tiveram que associá-lo à respectiva expressão contida no desenho, o qual já trazia no verso um signo lingüístico “correspondente” em espanhol. Em seguida, cada aluno leu para o grupo um dos textos e procurou expor as situações em que por sua vez experimentava tal sensação. Essa atividade pareceu-nos eficaz na realização da difícil transição de um código lingüístico (português – que só aparece como ponto de apoio) a outro (espanhol) por parte de qualquer aluno. Visto que os ícones (emoticons) têm uma abrangência universal, a sua utilização como uma espécie de significante do sentimento apreendido através da leitura permite uma ratificação da hipótese que o aluno formara em sua língua materna. Por exemplo, ao ler o texto caracterizador da “alegría” (“alegría” – “alegre”), o aluno fez, possivelmente, a associação mental com esse vocábulo em português (código lingüístico específico), chegando então ao ícone (código universal), o qual lhe revelou a palavra que buscava na língua estrangeira estudada (outro código lingüístico específico). Daí a formar frases como “estoy alegre”, foi só um passo, até porque essa estrutura sintática (inicialmente com o verbo “ser”) já era bastante conhecida dos alunos, de tal sorte que essa atividade funcionou como recapitulação e ampliação do conteúdo das aulas precedentes. A ampliação ficou por conta, além da questão da distinção aspectual “ser” – “estar”, da introdução de uma oração subordinada causal através da conjunção “porque”: “Estoy alegre porque...”. O preenchimento das lacunas corresponde às situações descritas no texto previamente fornecido, ou a outras criadas pelos alunos. O interessante dessa atividade é a abertura da possibilidade de “subversão” dos signos a partir da sua relativização. Os ícones, como portadores de significados estereotipados, não ensejam a “mobilidade” dos significados associados a um mesmo significante (polissemia). Ao permitirmos a inserção de mais de uma situação no preenchimento das lacunas, e mesmo de situações não previstas ou associadas inicialmente a outro sentimento, fomentamos uma espécie de aprendizado crítico a que os PNEEs também têm direito, partindo do pressuposto de que eles são capazes de superar os estereótipos a que são submetidos pela educação tradicional.

Ao avaliarmos o desempenho de nossos alunos na realização das tarefas propostas, como as descritas acima, usamos como instrumento uma ficha de avaliação (ANEXO C) que permite um monitoramento individualizado da progressão do aprendizado, o que possibilita que a prática esteja baseada nas necessidades específicas de cada aluno, de maneira a suprir suas deficiências e facilitar essa progressão. Se isso não chega a fazer com que a turma avance de maneira uniforme, ao menos evita grandes disparidades. Com isso, não queremos dizer que todos os alunos devam atingir uma mesma meta, pois cada um terá seu próprio trajeto. Entretanto, não podemos deixar de assinalar que, para que o ensino de uma língua estrangeira seja significativo a qualquer aprendiz, é preciso que certas metas sejam realizadas. Essa prática é o contraponto da que se vê geralmente nos cursos regulares, já que tais cursos não levam em consideração as trajetórias individuais de aprendizagem, visando sempre uma meta comum. O aluno, para a educação tradicional, é sempre um aluno ideal, de modo que mesmo os alunos ditos “normais” que não correspondem a esse estereótipo têm dificuldade na sua progressão escolar, uma vez que suas metas não coincidem com as estabelecidas de antemão pelo professor. Não percamos de vista que essas metas são, muitas vezes, ideológicas. Sabemos que nossas avaliações também são ideológicas e parciais, porém elas não apresentam uma perspectiva única, pois partem do princípio da pluralidade. Passamos de uma perspectiva centrípeta a uma perspectiva centrífuga.

A prática tem demonstrado que os métodos lingüísticos difundidos no contexto regular de ensino podem ser utilizados com êxito no âmbito da Educação Especial. Mesmo numa instituição regular onde a pluralidade fosse respeitada, várias adaptações também teriam de ser feitas para comtemplar as dificuldades de cada aluno. Cientes de que a sociedade não está preparada para a inclusão do diferente, buscamos com esse projeto a transformação dessa realidade em duas frentes: a do ensino de Língua Espanhola que permita aos PNEEs  um aprendizado compatível com as necessidades de um cidadão (não idealizado) e a da formação de docentes especializados na inclusão desses alunos no seio da sociedade.

 

Referências

ARANHA, M. S. F. (2000). Projeto Escola Viva – Garantindo o Acesso e Permanência de Todos os Alunos na Escola – Alunos com Necessidades educacionais especiais. Brasília: Ministério da Educação Especial.

 

BECK, Fabiana Lasta (2004). A utilização da tecnologia computacional na Educação Especial: uma proposta de intervenção na prática docente. Dissertação (Mestrado), Pelotas.

 

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação (1961). Brasília.

 

CANALE, Michael (1995). De la Competencia Comunicativa a la Pedagogía Comunicativa del Lenguaje. In: Competencia Comunicativa – Documentos Básicos en la Enseñanza de Lengua Extranjeras. Madrid.

 

CORDE - Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (1994). Declaração de Salamanca e linha de ação sobre as necessidades educativas especiais. Brasília.

 

GARCÍA, Ángel López (2002). Comprensión Oral del Español. Madrid: Arco Libros.

 

MENDOZA-SASSI, M.P. (2003). El Enfoque Comunicativo: Interacción y Autonomia na rede pública da cidade de Pelotas. Tesis (Doctorado en Filología Hispánica) – Universidad de León, León/España.

 

MERGULHÃO, Luciana Stocco de (2003). Calma, Eu Tenho o meu Tempo: Os Caminhos da Inclusão como uma Prática Pedagógica Transgressora (e obrigatória). Dissertação de Mestrado. Disponível em: <http://www.pedagogas2na.hpg.ig.com.br/inclusao.html>. Acesso em: 7 nov. 2005.

 

MOOR, Anne & VETROMILLE CASTRO, Rafael. Aprendizagem e Ensino Colaborativos: Uma Utopia ou uma Possibilidade?Artigo. Disponível em: <http://minerva.ufpel.edu.br/~anne.moor>. Acesso em 12 nov.2005.

 

RUIZ E. Adaptaciones Curriculares Individuales para los Alumnos con Síndrome de Down. Disponível em: http://pasoapaso.com.ve/GEMAS?gemas_157.html.  Acesso em: 7 nov. 2005.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ANEXO A

 

 

                                                 

               alegría – alegre                                          tristeza – triste                     

 

 

                                               

                rabia – rabioso                                        amor – enamorado

 

 

 

ANEXO B

 

A) Ayer obtuve un diez como nota final en la escuela. Hoy es mi cumpleaños. Mi madre invitó a todos mis amigos para la fiesta. Voy a ganar muchos regalos. Mañana me voy de vacaciones. Conoceré a Buenos Aires, capital de Argentina.

 

B) Creo que mi pareja está enamorada de otra persona. No sé qué voy a hacer. Me gustaría hablar con alguien, pero no tengo amigos. Mi madre está enferma e incluso mi perro me abandonó. Estoy sufriendo mucho.

 

C) Hoy encontré María en la escuela. Ella estaba muy linda con su vestido rojo. Cuando fui para casa quedé hasta de noche en mi habitación, escuchando canciones románticas y pensando en ella.

 

D) Mi jefe me despidió. Le dijeron que yo paso todas las tardes en el ordenador, jugando en Internet. Desconfío de dos chicas, pero si descubro con seguridad quién inventó esa mentira….

 

 

ANEXO C

 

FICHA DE AVALIAÇÃO

NOME DO ALUNO:

 

DATA DA AULA:

 

ATIVIDADE PROPOSTA:

 

ATIVIDADES REALIZADAS PELO ALUNO:

 

CAPACIDADES REVELADAS:

 

CONHECIMENTOS FRÁGEIS:

 

PROPOSTA PARA A PRÓXIMO AULA:

 

OBSERVAÇÕES:

 

MEDIADOR (A):

 

 



[1] De acordo com dados do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) obtidos a partir do Censo Demográfico de 2000, do IBGE, existem cerca de 2,9 milhões de brasileiros deficientes com idade entre zero e 17 anos. Contudo, apenas 504.039 alunos PNEEs foram matriculados nas escolas de educação básica públicas e privadas do país em 2003, conforme o Censo Escolar realizado pelo MEC.

[2] Adaptado de <http//:www.smileyworld.com>.