Fala e escrita: dados da Educação Infantil e do Ensino Fundamental

 

Cátia de Azevedo Fronza

Micheli Stein

Cristiane Gomes

            UNISINOS[1]

 

RESUMO

Estudos sobre a aprendizagem da escrita por crianças de 1ª a 4ª série do ensino fundamental (Fronza e Geremias, 2002; Fronza, 2003; Fronza e Varella, 2003a, 2003b; Fronza 2004a, 2004b) indicaram que seus textos mostram alterações em palavras semelhantes às que podem ser produzidas por crianças de 2 a 4 anos. Tais dados deram origem à seguinte questão: é possível que, nos primeiros contatos da criança com o sistema de escrita da língua, esteja se repetindo o mesmo que ocorrera durante a idade de 2 a 4 anos, em relação à fala? Por exemplo, é comum ouvirmos uma criança de 3 anos pronunciar [a’basu] para abraço. Esse tipo de ocorrência, sem o uso do encontro consonantal [bR], também tem sido verificado em textos de crianças nas séries iniciais do Ensino Fundamental, apesar de elas produzirem, em sua fala,  [a’bRasu]. Tomando esse fato como foco de pesquisa, apresentar-se-ão dados sobre um estudo longitudinal, que ocorre desde junho de 2004, com crianças cuja idade inicial era 2 anos. Ao mesmo tempo, será explicitado o andamento das coletas de fala e das produções textuais de crianças de 6 a 10 anos, que vêm sendo realizadas desde julho de 2005. Pensando nestas duas modalidades da língua, a fala e a escrita, como dotadas de mecanismos distintos, mas com função sócio-comunicativa em comum, destaca-se que dados e reflexões oportunizados por esses estudos podem colaborar com os profissionais que se dedicam à linguagem, especialmente os da Educação Infantil e do Ensino Fundamental, pois auxiliam no conhecimento que esses devem ter sobre a aquisição e o domínio da língua portuguesa pelas crianças.

 

Palavras-chave: linguagem, fala, escrita

 

 

 

 

 

Introdução

 

A aquisição da linguagem é, sem dúvida, um dos mais férteis campos de estudo da Lingüística. Investigar como se constrói a relação que o falante estabelece com a sua língua é um desafio estimulante e, ao mesmo tempo, inquietante devido à investigação de como a criança se vale de estratégias para dominar a linguagem. Nesse contexto, tem-se como objetivo aprimorar e detalhar estudos a respeito da aquisição de fala e de escrita. Entende-se que ambas as modalidades de aquisição são como processos que pressupõem etapas de construção de conhecimento e podem apresentar características comuns. Assim, a necessidade de se averiguar a produção de palavras no momento de aquisição da fala concomitantemente ao de escrita faz-se imprescindível para verificar como se dá ou não a relação entre ambas as modalidades. Por este motivo, em 2004, deu-se início ao estudo Produção de vogais e de consoantes por crianças de 2 a 10 anos: evidências de fala e de escrita. Esta investigação partiu de considerações sobre pesquisas voltadas a textos escritos por crianças de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental (Varella, 1993; Fronza, 2000, 2003a, 2003b; Fronza e Geremias, 2002; Fronza e Varella, 2003a, 2003b), em que se verificaram ocorrências de palavras escritas muito semelhantes às faladas por crianças de 2 a 4 anos, no uso de encontros consonantais, como em abraço®abaso, presentes®pesentes, florzinha®forsinha. Exemplos de escrita como esses motivaram o estudo em que estão sendo analisadas amostras longitudinais de fala de crianças de 2;0 a 3;7, cuja idade corresponde à faixa etária em que a maior parte de processos fonológicos operam (Ingram, 1989), acompanhado de um estudo transversal que se voltará à fala e/ou escrita de crianças de 3;8 a 10;0, para verificar como evolui a produção de vogais e consoantes, e se os mesmos aspectos fonético-fonológicos presentes na fala dos informantes de 2;0 a 3;7 ocorrem na escrita dos sujeitos mais velhos. Neste artigo destacam-se, então, procedimentos metodológicos da pesquisa e resultados obtidos.

 

1. O contexto da pesquisa

 

1.1 Estudo longitudinal

 

            O estudo longitudinal iniciou em 2004, quando foram identificados os informantes que atendiam aos seguintes critérios: ter 2 anos de idade, pertencer ao nível sócio-econômico cultural de classe média, ser falante monolíngüe do português e não ter limitações físicas ou cognitivas com influência sobre a produção de fala. As crianças foram observadas durante atividades realizadas nas suas escolas, com o intuito de avaliar sua produção lingüística, verificando como usavam a língua em situações cotidianas. A partir disso foi possível planejar as coletas e elaborar o instrumento que seria utilizado. Optou-se por estimular a nomeação espontânea através de brinquedos, jogos, livros infantis, cujos nomes remetem a estruturas significativas do ponto de vista fonético-fonológico.

              As coletas, que tiveram início em junho de 2004, são realizadas a cada três semanas e têm, aproximadamente, 20 minutos de duração. Durante esse tempo, o informante é estimulado a falar, através de questionamentos feitos pelas pesquisadoras, em momentos de brincadeira e interação. A pesquisa conta com 12 informantes. As coletas, que já somam 180, são gravadas digitalmente através de aparelho de Mini Disc[2]. Depois de gravadas, inicia-se a transferência para o formato wave, a fim de que se possa lidar com esses dados no software de análise Multi-Speech. Depois das edições, coletas e dados selecionados são salvos em arquivos de CD-ROM.          

              Inicialmente, estão sendo consideradas para análise as produções nas quais deveriam ser realizados onsets complexos, como na palavra [pRatu], a seqüência CC [pR] da primeira sílaba. Mais dados serão discutidos na seção 2.

 

              1. 2 Estudo transversal

 

              Para o estudo transversal foram identificados, em escolas da rede privada que atendem a Educação Infantil e o Ensino Fundamental, 57 informantes que estavam na faixa etária entre 3;8 e 10;0.

As coletas de escrita, que serão 4, foram iniciadas em julho de 2005, nas dependências das escolas, e estão em fase de finalização. Nessas atividades, junto com sua turma, o informante escreve, em sala de aula, uma narrativa espontânea, cuja produção é estimulada pela professora titular da turma. A(s) pesquisadora(s) presencia(m) a situação de produção do texto. Assim que conclui e revisa sua produção, a criança é convidada a ir a uma outra sala, onde conversa sobre a história que escreveu, lê seu texto e conta outra(s) história(s). Os livros “A menina e o dragão”, “Catarina e Josefina” e “Ritinha Bonitinha”, de Furnari (1990), e “Truks” (Furnari, 1992), considerados em ordem crescente de complexidade narrativa, são os motivadores na 1ª, na 2ª, na 3ª e na 4ª coletas, respectivamente.  A criança recebe o livro, folheia para conhecer as gravuras e organizar sua narrativa e, depois, faz a sua versão espontaneamente, ainda manuseando o livro. Essa conversa fora da sala de aula está sendo gravada em Mini Disc para análise, como é feito com as produções das crianças em fase de aquisição de fala: as gravações são editadas em um laboratório específico para que as falas da criança sejam selecionadas e salvas em arquivos adequados. Assim como foi feito com as coletas de fala, estarão no CD as entrevistas e as respectivas edições com as produções das crianças.

Em uma das escolas, SJ, já foram realizadas as 4 coletas previstas, totalizando 74 textos produzidos da 1ª à 4ª série. Quanto às produções de fala, há 116 gravações, lembrando que se inserem as falas das crianças da Educação Infantil, mas não os textos, uma vez que ainda não os produzem. Na outra escola, SD, há 3 coletas, com 44 textos produzidos por alunos da 2ª e da 3ª séries, e 73 gravações de fala, incluindo as crianças da Educação Infantil. Até o final de novembro ocorrerá a 4ª coleta. É necessário dizer que os dados de escrita oriundos das produções textuais da 1ª à 4ª série, além de serem comparados com as ocorrências de fala de todos os informantes, serão considerados a partir da proposta de Fronza (2004a, 2004b), que destaca as ocorrências de Modificação na Estrutura Segmental (Fala/Escrita) e de Modificação na Estrutura Seqüencial (Fala/Escrita).

Tais produções estão em fase de levantamento. Serão analisadas de acordo com as alterações em relação às convenções de escrita, os grafemas que representam o segmento ou seqüência de segmentos, considerando o tipo de segmento/seqüência, posição na estrutura da sílaba e da palavra, como critérios lingüísticos. Nos critérios não lingüísticos, incluem-se, inicialmente, idade dos informantes, número da coleta e sexo.

Os usos evidenciados pelas crianças na fala e/ou escrita serão comparados a fim de também verificar quais estratégias cognitivas são utilizadas e em que medida elas revelam “um modo de operação caracteristicamente lingüístico”, conforme Corrêa et. al. (2003, p. 48). Devido ao andamento da pesquisa, não é possível apresentar neste artigo mais dados.

Para poder entender melhor o objetivo do estudo evidenciado aqui, no quadro 1 apresentam-se exemplos de palavras com alterações relacionadas aos encontros consonantais (cf. Fronza 2005), verificados nos textos de alguns alunos, de acordo com séries e escolas. Percebe-se a ocorrência de apagamento da consoante líquida, mudança de posição de algumas letras no contexto da palavra (metátese), entre outros casos. É interessante observar que há apenas um registro de não realização de consoante plosiva (grande ® rãnde). Tal ocorrência também é rara na fala. Apesar de não representarem o maior número de alterações nos textos das crianças, o que se verifica nessas produções, nas quais deveriam aparecer onsets complexos, remete a dados bem característicos de aquisição de fala.

Quadro 1 – Exemplos de alterações envolvendo onsets complexos

 
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Os dados estão organizados a partir do que os informantes da 1ª à 4ª série, em 3 escolas, manifestaram. Como pode ser visto, os textos dos alunos da escola SJ foram os que mais alterações mostraram. Isso não significa dizer que esses alunos têm mais dificuldades que outros. Precisam ser considerados fatores como tipo de texto e freqüência de palavras. Uma observação inicial poderia indicar que esses dados registram meras trocas de posição das letras. Como destaca Abaurre (1999, p. 176), são exemplos “absolutamente normais, representativos da complexa relação existente entre as estruturas da oralidade e aquelas da escrita”. O professor deve refletir a respeito dessas ocorrências, não simplesmente ignorá-las ou acentuar tais casos como “erros” de escrita, que mostram que os alunos “não sabem escrever”. Para isso, o professor precisa estar consciente das relações que se estabelecem na escrita de seus alunos. Este estudo pretende dar subsídios que possibilitem tal entendimento.

            As ocorrências apresentadas no quadro 1 surgiram nos textos dos alunos, apesar de eles não apresentarem casos de substituição, reorganizações, não realizações e inserções desse tipo em sua fala: a idade mínima das crianças era 6 anos. Então, tais produções motivaram o estudo voltado à fala e/ou escrita de crianças de 3;8 a 10;0 (mencionado na seção 1.1), que tem como meta verificar como evolui a produção de vogais e consoantes, se os mesmos aspectos fonético-fonológicos presentes na fala dos informantes de 2;0 a 3;7 ocorrem na escrita desses sujeitos mais velhos e, ainda, observar e explicitar como estes falam e escrevem.

Apresentam-se, na seção 2, reflexões sobre  uma parte dos dados de fala já coletados.

 

2. Dados preliminares sobre a aquisição da fala

 

            Em razão das ocorrências de alterações de escrita, como as que estão no quadro 1, optou-se por considerar, inicialmente, as palavras que apresentaram consoantes em posição de onset, numa estrutura C1C2V (Consoante 1+Consoante 2+vogal), a qual, conforme Ribas (2004), é a que possui mais complexidade e é a última a ser adquirida em português. Retoma-se o estudo de Gomes (2005), que selecionou 4 crianças, das 12 que integram o estudo longitudinal: dois meninos e duas meninas. Nesta discussão, então, apresentam-se dados de 12 coletas para cada informante, totalizando aproximadamente 1.800 minutos de gravação e 452 possibilidades de produção. Com o objetivo de preservar a identidade dos informantes, foram-lhes atribuídos os seguintes códigos: “L”, “M”, “J” e “C”. Devido às limitações de espaço para este texto, destacam-se os dados a partir do primeiro uso de onsets complexos pelas crianças. Isso ocorreu com o informante L, aos 2;7,  na coleta 7, de onde inicia a ilustração do gráfico 1. Como a estratégia de reparo mais utilizada pelos informantes foi a não-realização da consoante líquida, decidiu-se apresentar apenas esta alteração acompanhada das realizações da estrutura CCV. Verificaram-se outras estratégias, mas em quantidade inferior às que são indicadas no gráfico.  É necessário definir “estratégia de reparo”, a qual, segundo Lamprecht (2004), caracteriza as estratégias usadas pelas crianças com o objetivo de adequar a realização do sistema-alvo (língua falada pelos adultos em seu contexto social), aos seus sistemas fonológicos, que indicam o que elas realizam no lugar de segmento(s) e/ou de estrutura(s) silábica(s) que desconhecem ou ainda não dominam.

 

Conforme o gráfico, cada coluna (4 na cor azul e 4 na cor verde musgo) indica um informante, na ordem L, M, J e C para cada cor. Como indica o gráfico, a estratégia de apagamento da líquida, como nas realizações de cobra ® [‘kba], foi a mais adotada pelos informantes no contexto de onset complexo. As coletas 9, 7 e 8 são as que evidenciam mais casos. É importante ressaltar que, após as primeiras realizações da estrutura CCV, na coleta 7, o informante L continuou fazendo usos adequados nas coletas 9, 10 e 11, apesar de menos ocorrências em relação às outras crianças. Considera-se relevante dizer que essa criança sempre foi muito falante, com vocabulário rico.

O informante L também mostrou casos de alongamento da vogal, logo após o apagamento da consoante líquida, em palavras como grande ® [‘g«:ndZi] e quebrou ® [ke’bo:] (nas coletas 10 e 12), e de substituição de líquida, na posição de C2 (coletas 9, 10, 11 e 12), como em florzinha ® [fwo’ziNa] e igreja ® [i’gleza], em que há uma semivocalização l ®w e a substituição r ®l, respectivamente.

O informante M (segunda coluna de cada grupo de cores) apresentou menos variações nos usos dos onsets. Nas coletas 10 e 11, a realização da estrutura CCV ocorreu em maior quantidade que os apagamentos. Na coleta 7 houve casos de apagamento da sílaba com onset complexo e a substituição da líquida[3]. Esse informante produziu a estrutura pretendida somente na coleta 9, ocasião em que estava com 2;9. Entretanto, a freqüência com que a realizou nas coletas seguintes foi muito mais intensa do que o informante L. Esta criança sempre foi muito falante também.

Os dados de J apresentam mais variações que os dos outros informantes. Na coleta 11, os apagamentos são seguidos pela realização do onset complexo; na coleta 12, pela realização e pela epêntese, como [‘kbaRa], para a palavra cobra; na C3, por substituição de C1, como na palavra abre® [‘api], em que há o apagamento da C2  e a substituição da plosiva sonora [b] pela surda [p]; substituição da líquida e assimilação, como no exemplo de bicicleta ® [ba’tEta], que mostra a influência do /t/ postônico sobre o tônico /k/, transformando-o em [t]; as coletas 7 e 8 mostram apagamento do encontro consonantal; a coleta 2 apresenta substituição de líquida e assimilação; e a coleta 4, a substituição da C1. A coleta 12 é a única em que as realizações superam os apagamentos, com alguns casos de epêntese.

J foi o único informante que sempre produziu onsets complexos desde a coleta 9, em que esta estrutura apareceu pela primeira vez. Somente na fala de J encontram-se casos de assimilação e epêntese. Esta tendo ocorrido em uma situação bastante peculiar: na coleta 11, ao realizar essa estrutura pela primeira vez, [‘kbRa], despertou a surpresa e o interesse da entrevistadora, que o estimulou a produzir a mesma palavra novamente; a criança, então, percebendo que havia conseguido realizar o onset complexo, tentou pronunciá-la outra vez, mas realizou a epêntese [‘kbaRa], transformando uma palavra dissílaba em trissílaba.  Devido ao interesse nesse fenômeno, a entrevistadora estimulou o informante a produzir a palavra mais uma vez, e, a exemplo do caso anterior, a criança usou outra estratégia de reparo: o apagamento da consoante líquida, [‘kba]. Isso pode indicar o quanto a criança vai percebendo e lidando com o sistema da língua.

O informante C, conforme observado no gráfico, realizou o onset complexo pela primeira e única vez durante a coleta 9, quando estava com 2;9. Sua estratégia de reparo preferida é, como os outros 3, a não-realização da C2. Produções semelhantes aos demais informantes também ocorreram em pequena quantidade e em coletas anteriores à de número 9.

Os dados anteriores referem-se ao que foi produzido nos contextos em que deveriam ocorrer onsets complexos, considerando a estratégia de reparo mais utilizada e as realizações da estrutura.  Então, como indica o gráfico 1, a produção da estrutura CCV ocorreu, pela primeira vez, na seqüência: L, aos 2;7, >> M e C, aos 2;9,  >>  J, aos 2;11.

         É importante dizer que, para esses dados, realizou-se uma experimentação das ferramentas disponibilizadas pelo VARBRUL (Pintzuk, 1988). O uso de tal programa possibilita um tratamento estatístico dos dados, também baseado em variáveis lingüísticas, que será aprimorado para o levantamento e para a análise dos dados deste estudo, dando-lhe maior confiabilidade quantitativa.

           Devido às limitações de espaço, apresentam-se aqui os últimos resultados das rodadas estatísticas, que serão retomadas assim que forem inseridos os dados dos outros informantes. Após as rodadas determinadas pelo programa, foram consideradas como variáveis estatisticamente relevantes, que serão explicitadas oportunamente: contexto seguinte à estrutura: /a/, /u/, /i/ e /o/; sonoridade da C1: [+son] e [-son]; tipo de consoante líquida como C2: /l/ e /r/; ocorrências: apagamento da líquida, substituição da C1, substituição da líquida (C2) e realização. Devido ao fato de os usos indicarem o que realmente aconteceu quando as crianças deparavam-se com a estrutura CCV, comenta-se apenas os dados da tabela 1, que foram obtidos a partir do VARBRUL.

 

Tabela 1 – Ocorrências em contexto CCV

 

Plosivas

Fricativas

ocor.

possib.

%

P. R.

ocor.

possib.

%

P. R.

Ap. da C2

378

452

83,6%

0.54

12

452

2,6%

0.46

Subst, da C2

8

452

1,76%

0.26

1

452

0,22%

0.84

Subst. da C1

8

452

1,76%

0.02

2

452

0,44%

0.98

Realização

42

452

9,3%

0.38

1

452

0,22%

0.62

 

A tabela apresenta dados sobre as ocorrências, possibilidades de realização, percentuais e pesos relativos quanto às realizações para cada grupo de consoantes: plosivas como C1 (br, pr, tr, dr, kr, kl, gr, gl) e fricativas como C1 (fr, fl, vr). Em relação às plosivas, percebe-se, como indica o percentual de 86%, que o apagamento da C2 é o uso preferido pelos informantes e apresenta o maior peso relativo (0.54), seguido das realizações da estrutura (0.38), que, diante de todas as outras ocorrências é a de maior freqüência. No que diz respeito às fricativas, uma vez que se decidiu separar esses grupos, o VARBRUL indica que, apesar do percentual menor em relação às plosivas, há preferência pela substituição da C1 (0.98), seguida da substituição da C2 (0.84), da realização (0.62) e, por último, o apagamento da C2 (0.46). Como se vê, os percentuais informam as produções de acordo com as possibilidades de ocorrências, mas valor do peso relativo não equivale a esses valores, pois varia de acordo com a influência estatística de um fator sobre outro, conforme o que é definido pelo pesquisador e considerado pelo VARBRUL.

Esses dados precisam ser retomados, e a análise, implementada, uma vez que os valores aqui apresentados são fruto de um contato bem inicial das pesquisadoras com o programa. Além disso, é importante lembrar que essas reflexões referem-se a 4 dos 12 informantes que integram a pesquisa. Esses resultados poderão mostrar alterações significativas quando forem comparados aos outros informantes. Muito ainda precisa ser feito. Pretende-se, ainda, analisar os dados com base nos fundamentos da Teoria da Otimidade (Prince e Smolensky, 1993; Maccarthy e Prince, 1993; Bernhardt e Stemberger, 1998;  Maccarthy 2002; Matzenauer e Bonilha, 2003), pois acredita-se que tal arcabouço teórico tem muito a contribuir para o que se verifica na produção de onsets complexos dos informantes, e, quem sabe, em relação aos dados de escrita já coletados e aos que estão por vir.

3. Considerações Finais

 

Nas coletas de fala das crianças, a observação mais importante a ser feita diz respeito ao avanço fonético/fonológico ao longo do tempo e a rapidez com que os informantes aprendem e manifestam seus conhecimentos lingüísticos. Pode-se perceber claramente, a cada coleta, o progresso das crianças em relação às estruturas complexas com que se deparam, mas que, rapidamente, não mais representam dificuldades para elas. O mesmo ocorre com as crianças em fase de aquisição de escrita. A cada coleta, percebe-se que elas aprimoram o seu uso da linguagem, tanto na forma oral quanto na escrita, como já foi identificado nos estudos que motivaram esta pesquisa (Fronza, 2000, 2003a, 2003b, 2004a, 2004b, 2004c; Fronza e Varella, 2003a, 2003b), entre outros.

Uma das questões mais inquietantes nos estudos empreendidos no âmbito da aquisição de linguagem oral e escrita diz respeito ao envolvimento da criança com a língua em um processo sistemático. Mesmo assim, pergunta-se: por que a criança, ao entrar na escola, dominando fonética e fonologicamente as estruturas de sua língua, comete alterações de escrita que representam contextos inadequados no idioma, descartando-se os de natureza ortográfica, convencionais? Faz-se necessário estudar mais detalhadamente o processo de aquisição de escrita para que se possa chegar a uma resposta sobre o tema. Nesses estudos, procuram-se respostas para as seguintes questões: a) seria possível estabelecer uma relação entre os processos de aquisição fonológica e de escrita; b) até que ponto as características da aquisição de fala são evidenciadas na aquisição de escrita, influenciando assim a produção ortográfica das crianças? Para responder a essas perguntas e a outras que surgem ao longo das análises, é necessário estudar e acompanhar simultaneamente os dois processos para que seja possível estabelecer paralelos entre ambos. Nesse sentido, atribuiu-se especial atenção aos aspectos que cercam não apenas a produção de escrita, mas também ligados à produção de fala, como forma de resgatar uma espécie de histórico lingüístico dos futuros escritores em língua portuguesa. Esse resgate, ao mesmo tempo em que pode dar conta de muitos aspectos que dizem respeito ao momento da aquisição de fala, que continua merecendo pesquisas, também pode contribuir para a compreensão do processo de aquisição e do desenvolvimento da linguagem quer seja escrita, quer seja falada. As buscas por respostas não se encerram aqui!

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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FRONZA, C. A. Speech and writing: phonology acquisition during literacy. Comunicação apresentada no Second Lisbon Meeting on Language Acquisition with special reference to Romance Language. Lisboa, 2004a.

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FRONZA, Cátia de Azevedo Estudo comparativo de dados de escrita no ensino fundamental. In: II ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE LÍNGUAS E XVII SEMANA DE LETRAS. Anais... Caxias do Sul: EDUCS, 2004c. p. 1-17.

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[1] Cátia de Azevedo Fronza (catiaaf@unisinos.br) é Doutora em Letras pela PUCRS e docente do curso de Gradução em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Lingüística, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.

Micheli Stein (michelistein@yahoo.com.br) é graduanda em Letras Português-Alemão, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, e bolsista de Inciação Científica FAPERGS na pesquisa A produção de vogais e de consoantes por crianças de 2 a 10 anos: evidências de fala e de escrita.

Cristiane Gomes (cristianegomes@icaro.unisinos.br) é graduanda em Letras Português, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e bolsista de Inciação Científica UNIBIC (UNISINOS) na pesquisa A produção de vogais e de consoantes por crianças de 2 a 10 anos: evidências de fala e de escrita.

 

 

[2] O Mini Disc Sony MZR-900DPC, o software Multi-Speech e opcionais, que vêm sendo usados na pesquisa desde seu início, foram adquiridos através do Edital PROADE2, processo nº 01/1756-9 da FAPERGS, concedido em 2002.

[3] Não serão utilizados novos exemplos para as alterações que já foram mencionadas em comentários anteriores.