Fala e escrita: dados da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental
Cátia
de Azevedo Fronza
Micheli
Stein
Cristiane
Gomes
UNISINOS[1]
RESUMO
Estudos
sobre a aprendizagem da escrita por crianças de 1ª a 4ª série do ensino
fundamental (Fronza e Geremias, 2002; Fronza, 2003; Fronza e Varella, 2003a,
2003b; Fronza 2004a, 2004b) indicaram que seus textos mostram alterações em
palavras semelhantes às que podem ser produzidas por crianças de 2 a 4 anos.
Tais dados deram origem à seguinte questão: é possível que, nos primeiros
contatos da criança com o sistema de escrita da língua, esteja se repetindo o
mesmo que ocorrera durante a idade de 2 a 4 anos, em relação à fala? Por
exemplo, é comum ouvirmos uma criança de 3 anos pronunciar [a’basu] para abraço. Esse tipo de ocorrência, sem o
uso do encontro consonantal [bR], também tem
sido verificado em textos de crianças nas séries iniciais do Ensino
Fundamental, apesar de elas produzirem, em sua fala, [a’bRasu]. Tomando
esse fato como foco de pesquisa, apresentar-se-ão dados sobre um estudo
longitudinal, que ocorre desde junho de 2004, com crianças cuja idade inicial
era 2 anos. Ao mesmo tempo, será explicitado o andamento das coletas de fala e
das produções textuais de crianças de 6 a 10 anos, que vêm sendo realizadas desde
julho de 2005. Pensando nestas duas modalidades da língua, a fala e a escrita,
como dotadas de mecanismos distintos, mas com função sócio-comunicativa em
comum, destaca-se que dados e reflexões oportunizados por esses estudos podem
colaborar com os profissionais que se dedicam à linguagem, especialmente os da
Educação Infantil e do Ensino Fundamental, pois auxiliam no conhecimento que
esses devem ter sobre a aquisição e o domínio da língua portuguesa pelas
crianças.
Palavras-chave: linguagem,
fala, escrita
Introdução
A aquisição da linguagem é, sem dúvida, um dos mais férteis campos de estudo da Lingüística. Investigar como se constrói a relação que o falante estabelece com a sua língua é um desafio estimulante e, ao mesmo tempo, inquietante devido à investigação de como a criança se vale de estratégias para dominar a linguagem. Nesse contexto, tem-se como objetivo aprimorar e detalhar estudos a respeito da aquisição de fala e de escrita. Entende-se que ambas as modalidades de aquisição são como processos que pressupõem etapas de construção de conhecimento e podem apresentar características comuns. Assim, a necessidade de se averiguar a produção de palavras no momento de aquisição da fala concomitantemente ao de escrita faz-se imprescindível para verificar como se dá ou não a relação entre ambas as modalidades. Por este motivo, em 2004, deu-se início ao estudo Produção de vogais e de consoantes por crianças de 2 a 10 anos: evidências de fala e de escrita. Esta investigação partiu de considerações sobre pesquisas voltadas a textos escritos por crianças de 1ª a 4ª séries do ensino fundamental (Varella, 1993; Fronza, 2000, 2003a, 2003b; Fronza e Geremias, 2002; Fronza e Varella, 2003a, 2003b), em que se verificaram ocorrências de palavras escritas muito semelhantes às faladas por crianças de 2 a 4 anos, no uso de encontros consonantais, como em abraço®abaso, presentes®pesentes, florzinha®forsinha. Exemplos de escrita como esses motivaram o estudo em que estão sendo analisadas amostras longitudinais de fala de crianças de 2;0 a 3;7, cuja idade corresponde à faixa etária em que a maior parte de processos fonológicos operam (Ingram, 1989), acompanhado de um estudo transversal que se voltará à fala e/ou escrita de crianças de 3;8 a 10;0, para verificar como evolui a produção de vogais e consoantes, e se os mesmos aspectos fonético-fonológicos presentes na fala dos informantes de 2;0 a 3;7 ocorrem na escrita dos sujeitos mais velhos. Neste artigo destacam-se, então, procedimentos metodológicos da pesquisa e resultados obtidos.
1. O contexto da
pesquisa
1.1 Estudo longitudinal
O estudo longitudinal iniciou em 2004, quando foram identificados os informantes que atendiam aos seguintes critérios: ter 2 anos de idade, pertencer ao nível sócio-econômico cultural de classe média, ser falante monolíngüe do português e não ter limitações físicas ou cognitivas com influência sobre a produção de fala. As crianças foram observadas durante atividades realizadas nas suas escolas, com o intuito de avaliar sua produção lingüística, verificando como usavam a língua em situações cotidianas. A partir disso foi possível planejar as coletas e elaborar o instrumento que seria utilizado. Optou-se por estimular a nomeação espontânea através de brinquedos, jogos, livros infantis, cujos nomes remetem a estruturas significativas do ponto de vista fonético-fonológico.
As
coletas, que tiveram início em junho de 2004, são realizadas a cada três
semanas e têm, aproximadamente, 20 minutos de duração. Durante esse tempo, o
informante é estimulado a falar, através de questionamentos feitos pelas
pesquisadoras, em momentos de brincadeira e interação. A pesquisa conta com 12
informantes. As coletas, que já somam 180, são gravadas digitalmente através de
aparelho de Mini Disc[2]. Depois de gravadas,
inicia-se a
transferência para o formato wave, a
fim de que se possa lidar com esses dados no software
de análise Multi-Speech. Depois das
edições, coletas e dados selecionados são salvos em arquivos de CD-ROM.
Inicialmente, estão sendo
consideradas para análise as produções nas quais deveriam ser realizados onsets
complexos, como na palavra [pRatu], a
seqüência CC [pR] da primeira
sílaba. Mais dados serão discutidos na seção 2.
1. 2 Estudo
transversal
Para o estudo transversal foram
identificados, em escolas da rede privada que atendem a Educação Infantil e o
Ensino Fundamental, 57 informantes que estavam na faixa etária entre 3;8 e
10;0.
As coletas de escrita,
que serão 4, foram iniciadas em julho de 2005, nas dependências das escolas, e
estão em fase de finalização. Nessas atividades, junto com sua turma, o
informante escreve, em sala de aula, uma narrativa espontânea, cuja produção é
estimulada pela professora titular da turma. A(s) pesquisadora(s) presencia(m)
a situação de produção do texto. Assim que conclui e revisa sua produção, a
criança é convidada a ir a uma outra sala, onde conversa sobre a história que
escreveu, lê seu texto e conta outra(s) história(s). Os livros “A menina e o
dragão”, “Catarina e Josefina” e “Ritinha Bonitinha”, de Furnari (1990), e
“Truks” (Furnari, 1992), considerados em ordem crescente de complexidade
narrativa, são os motivadores na 1ª, na 2ª, na 3ª e na 4ª coletas,
respectivamente. A criança recebe o
livro, folheia para conhecer as gravuras e organizar sua narrativa e, depois,
faz a sua versão espontaneamente, ainda manuseando o livro. Essa conversa fora
da sala de aula está sendo gravada em Mini
Disc para análise, como é feito com as produções das crianças em fase de
aquisição de fala: as gravações são editadas em um laboratório específico para
que as falas da criança sejam selecionadas e salvas em arquivos adequados.
Assim como foi feito com as coletas de fala, estarão no CD as entrevistas e as
respectivas edições com as produções das crianças.
Em uma das
escolas, SJ, já foram realizadas as 4 coletas previstas, totalizando 74 textos
produzidos da 1ª à 4ª série. Quanto às produções de fala, há 116 gravações,
lembrando que se inserem as falas das crianças da Educação Infantil, mas não os
textos, uma vez que ainda não os produzem. Na outra escola, SD, há 3 coletas,
com 44 textos produzidos por alunos da 2ª e da 3ª séries, e 73 gravações de
fala, incluindo as crianças da Educação Infantil. Até o final de novembro
ocorrerá a 4ª coleta. É necessário dizer que os dados de escrita oriundos das
produções textuais da 1ª à 4ª série, além de serem comparados com as
ocorrências de fala de todos os informantes, serão considerados a partir da
proposta de Fronza (2004a, 2004b), que destaca as ocorrências de Modificação na
Estrutura Segmental (Fala/Escrita) e de Modificação na Estrutura Seqüencial
(Fala/Escrita).
Tais produções
estão em fase de levantamento. Serão analisadas de acordo com as alterações em
relação às convenções de escrita, os grafemas que representam o segmento ou seqüência
de segmentos, considerando o tipo de segmento/seqüência, posição na estrutura
da sílaba e da palavra, como critérios lingüísticos. Nos critérios não
lingüísticos, incluem-se, inicialmente, idade dos informantes, número da coleta
e sexo.
Os usos evidenciados
pelas crianças na fala e/ou escrita serão comparados a fim de também verificar
quais estratégias cognitivas são utilizadas e em que medida elas revelam “um
modo de operação caracteristicamente lingüístico”, conforme Corrêa et. al.
(2003, p. 48). Devido ao andamento da pesquisa, não é possível apresentar neste
artigo mais dados.
Para poder
entender melhor o objetivo do estudo evidenciado aqui, no quadro 1
apresentam-se exemplos de palavras com alterações relacionadas aos encontros
consonantais (cf. Fronza 2005), verificados nos textos de alguns alunos, de
acordo com séries e escolas. Percebe-se a ocorrência de apagamento da consoante
líquida, mudança de posição de algumas letras no contexto da palavra
(metátese), entre outros casos. É interessante observar que há apenas um
registro de não realização de consoante plosiva (grande ® rãnde). Tal ocorrência também é rara na fala. Apesar
de não representarem o maior número de alterações nos textos das crianças, o
que se verifica nessas produções, nas quais deveriam aparecer onsets complexos,
remete a dados bem característicos de aquisição de fala.
Quadro
1 – Exemplos de alterações envolvendo onsets complexos
As ocorrências
apresentadas no quadro 1 surgiram nos textos dos alunos, apesar de eles não
apresentarem casos de substituição, reorganizações, não realizações e inserções
desse tipo em sua fala: a idade mínima das crianças era 6 anos. Então, tais
produções motivaram o
estudo voltado à fala e/ou escrita de crianças de 3;8 a 10;0 (mencionado na
seção 1.1), que tem como meta verificar como evolui a produção de vogais e
consoantes, se os mesmos aspectos fonético-fonológicos presentes na fala dos
informantes de 2;0 a 3;7 ocorrem na escrita desses sujeitos mais velhos e,
ainda, observar e explicitar como estes falam e escrevem.
Apresentam-se, na seção 2, reflexões sobre uma parte dos dados de fala já coletados.
2. Dados preliminares sobre a aquisição da fala
Em
razão das ocorrências de alterações de escrita, como as que estão no quadro 1,
optou-se por considerar, inicialmente, as palavras que apresentaram consoantes
em posição de onset, numa estrutura C1C2V (Consoante 1+Consoante 2+vogal), a qual,
conforme Ribas (2004), é a que possui mais complexidade e é a última a ser
adquirida em português. Retoma-se o estudo de Gomes (2005), que selecionou 4
crianças, das 12 que integram o estudo longitudinal: dois meninos e duas
meninas. Nesta discussão, então, apresentam-se dados de 12 coletas para cada
informante, totalizando aproximadamente 1.800 minutos de gravação e 452 possibilidades
de produção. Com o objetivo de preservar a identidade dos informantes,
foram-lhes atribuídos os seguintes códigos: “L”, “M”, “J” e “C”. Devido às
limitações de espaço para este texto, destacam-se os dados a partir do primeiro
uso de onsets complexos pelas crianças. Isso ocorreu com o informante L, aos
2;7, na coleta 7, de onde inicia a
ilustração do gráfico 1. Como a estratégia de reparo mais utilizada pelos
informantes foi a não-realização da consoante líquida, decidiu-se apresentar
apenas esta alteração acompanhada das realizações da estrutura CCV.
Verificaram-se outras estratégias, mas em quantidade inferior às que são
indicadas no gráfico. É necessário
definir “estratégia de reparo”, a qual, segundo Lamprecht (2004), caracteriza
as estratégias usadas pelas crianças com o objetivo de adequar a realização do
sistema-alvo (língua falada pelos adultos em seu contexto social), aos seus
sistemas fonológicos, que indicam o que elas realizam no lugar de segmento(s)
e/ou de estrutura(s) silábica(s) que desconhecem ou ainda não dominam.
Conforme o gráfico, cada coluna (4 na cor azul e 4 na cor verde musgo) indica um informante, na ordem L, M, J e C para cada cor. Como indica o gráfico, a estratégia de apagamento da líquida, como nas realizações de cobra ® [‘kba], foi a mais adotada pelos informantes no contexto de onset complexo. As coletas 9, 7 e 8 são as que evidenciam mais casos. É importante ressaltar que, após as primeiras realizações da estrutura CCV, na coleta 7, o informante L continuou fazendo usos adequados nas coletas 9, 10 e 11, apesar de menos ocorrências em relação às outras crianças. Considera-se relevante dizer que essa criança sempre foi muito falante, com vocabulário rico.
O informante L
também mostrou casos de alongamento da vogal, logo após o apagamento da
consoante líquida, em palavras como grande
®
[‘g«:ndZi] e quebrou ® [ke’bo:] (nas coletas 10 e 12), e de
substituição de líquida, na posição de C2 (coletas 9, 10, 11 e 12),
como em florzinha ® [fwo’ziNa] e igreja ® [i’gleza], em que há uma semivocalização l
®w
e a substituição r ®l, respectivamente.
O informante M
(segunda coluna de cada grupo de cores) apresentou menos variações nos usos dos
onsets. Nas coletas 10 e 11, a realização da estrutura CCV ocorreu em maior quantidade que os apagamentos. Na coleta 7
houve casos de apagamento da sílaba com onset complexo e a substituição da
líquida[3].
Esse informante produziu a estrutura pretendida somente na coleta 9, ocasião em
que estava com 2;9. Entretanto, a freqüência com que a realizou nas coletas
seguintes foi muito mais intensa do que o informante L. Esta criança sempre foi
muito falante também.
Os
dados de J apresentam mais variações que os dos outros informantes. Na coleta
11, os apagamentos são seguidos pela realização do onset complexo; na coleta
12, pela realização e pela epêntese, como [‘kbaRa], para a
palavra cobra; na C3, por
substituição de C1, como na palavra abre® [‘api],
em que há o apagamento da C2 e
a substituição da plosiva sonora [b] pela surda [p]; substituição da
líquida e assimilação, como no exemplo de bicicleta ® [ba’tEta], que mostra a influência do /t/
postônico sobre o tônico /k/, transformando-o em [t]; as coletas 7 e 8 mostram
apagamento do encontro consonantal; a coleta 2 apresenta substituição de
líquida e assimilação; e a coleta 4, a substituição da C1. A coleta
12 é a única em que as realizações superam os apagamentos, com alguns casos de
epêntese.
J
foi o único informante que sempre produziu onsets complexos desde a coleta 9,
em que esta estrutura apareceu pela primeira vez. Somente na fala de J
encontram-se casos de assimilação e epêntese. Esta tendo ocorrido em uma
situação bastante peculiar: na coleta 11, ao realizar essa estrutura pela
primeira vez, [‘kbRa],
despertou a surpresa e o interesse da entrevistadora, que o estimulou a
produzir a mesma palavra novamente; a criança, então, percebendo que havia
conseguido realizar o onset complexo, tentou pronunciá-la outra vez, mas
realizou a epêntese [‘kbaRa],
transformando uma palavra dissílaba em trissílaba. Devido ao interesse nesse fenômeno, a entrevistadora estimulou o
informante a produzir a palavra mais uma vez, e, a exemplo do caso anterior, a
criança usou outra estratégia de reparo: o apagamento da consoante líquida, [‘kba].
Isso pode indicar o quanto a criança vai percebendo e lidando com o sistema da
língua.
O informante C,
conforme observado no gráfico, realizou o onset complexo pela primeira e única
vez durante a coleta 9, quando estava com 2;9. Sua estratégia de reparo
preferida é, como os outros 3, a não-realização da C2. Produções
semelhantes aos demais informantes também ocorreram em pequena quantidade e em
coletas anteriores à de número 9.
Os dados
anteriores referem-se ao que foi produzido nos contextos em que deveriam
ocorrer onsets complexos, considerando a estratégia de reparo mais utilizada e
as realizações da estrutura. Então,
como indica o gráfico 1, a produção da estrutura CCV ocorreu, pela primeira
vez, na seqüência: L, aos 2;7, >> M e C, aos 2;9, >> J, aos 2;11.
É
importante dizer que, para esses dados, realizou-se uma experimentação das
ferramentas disponibilizadas pelo VARBRUL (Pintzuk, 1988). O uso de tal
programa possibilita um tratamento estatístico dos dados, também baseado em
variáveis lingüísticas, que será aprimorado para o levantamento e para a
análise dos dados deste estudo, dando-lhe maior confiabilidade quantitativa.
Devido
às limitações de espaço, apresentam-se aqui os últimos resultados das rodadas
estatísticas, que serão retomadas assim que forem inseridos os dados dos outros
informantes. Após as rodadas determinadas pelo programa, foram consideradas
como variáveis estatisticamente relevantes, que serão explicitadas
oportunamente: contexto seguinte à estrutura: /a/, /u/, /i/ e /o/; sonoridade da C1: [+son] e [-son]; tipo de consoante líquida como C2: /l/
e /r/; ocorrências: apagamento da líquida,
substituição da C1, substituição da líquida (C2) e
realização. Devido ao fato de os usos indicarem o que realmente aconteceu
quando as crianças deparavam-se com a estrutura CCV, comenta-se apenas os dados
da tabela 1, que foram obtidos a partir do VARBRUL.
Tabela 1 – Ocorrências em contexto CCV
|
Plosivas |
Fricativas |
||||||
ocor. |
possib. |
% |
P.
R. |
ocor. |
possib. |
% |
P.
R. |
|
Ap.
da C2 |
378 |
452 |
83,6% |
0.54 |
12 |
452 |
2,6% |
0.46 |
Subst,
da C2 |
8 |
452 |
1,76% |
0.26 |
1 |
452 |
0,22% |
0.84 |
Subst.
da C1 |
8 |
452 |
1,76% |
0.02 |
2 |
452 |
0,44% |
0.98 |
Realização |
42 |
452 |
9,3% |
0.38 |
1 |
452 |
0,22% |
0.62 |
A tabela apresenta dados sobre as ocorrências, possibilidades de realização, percentuais e pesos relativos quanto às realizações para cada grupo de consoantes: plosivas como C1 (br, pr, tr, dr, kr, kl, gr, gl) e fricativas como C1 (fr, fl, vr). Em relação às plosivas, percebe-se, como indica o percentual de 86%, que o apagamento da C2 é o uso preferido pelos informantes e apresenta o maior peso relativo (0.54), seguido das realizações da estrutura (0.38), que, diante de todas as outras ocorrências é a de maior freqüência. No que diz respeito às fricativas, uma vez que se decidiu separar esses grupos, o VARBRUL indica que, apesar do percentual menor em relação às plosivas, há preferência pela substituição da C1 (0.98), seguida da substituição da C2 (0.84), da realização (0.62) e, por último, o apagamento da C2 (0.46). Como se vê, os percentuais informam as produções de acordo com as possibilidades de ocorrências, mas valor do peso relativo não equivale a esses valores, pois varia de acordo com a influência estatística de um fator sobre outro, conforme o que é definido pelo pesquisador e considerado pelo VARBRUL.
Esses
dados precisam ser retomados, e a análise, implementada, uma vez que os valores
aqui apresentados são fruto de um contato bem inicial das pesquisadoras com o
programa. Além disso, é
importante lembrar que essas reflexões referem-se a 4 dos 12 informantes que
integram a pesquisa. Esses resultados poderão mostrar alterações significativas
quando forem comparados aos outros informantes. Muito ainda precisa ser feito.
Pretende-se, ainda, analisar os dados com base nos fundamentos da Teoria da
Otimidade (Prince e Smolensky, 1993; Maccarthy e Prince, 1993; Bernhardt e
Stemberger, 1998; Maccarthy 2002;
Matzenauer e Bonilha, 2003), pois acredita-se que tal arcabouço teórico tem
muito a contribuir para o que se verifica na produção de onsets complexos dos
informantes, e, quem sabe, em relação aos dados de escrita já coletados e aos
que estão por vir.
Nas coletas de
fala das crianças, a observação mais importante a ser feita diz respeito ao
avanço fonético/fonológico ao longo do tempo e a rapidez com que os informantes
aprendem e manifestam seus conhecimentos lingüísticos. Pode-se perceber
claramente, a cada coleta, o progresso das crianças em relação às estruturas
complexas com que se deparam, mas que, rapidamente, não mais representam
dificuldades para elas. O mesmo ocorre com as crianças em fase de aquisição de
escrita. A cada coleta, percebe-se que elas aprimoram o seu uso da linguagem,
tanto na forma oral quanto na escrita, como já foi identificado nos estudos que
motivaram esta pesquisa (Fronza, 2000,
2003a, 2003b, 2004a, 2004b, 2004c; Fronza e Varella, 2003a, 2003b), entre
outros.
Uma das
questões mais inquietantes nos estudos empreendidos no âmbito da aquisição de
linguagem oral e escrita diz respeito ao envolvimento da criança com a língua
em um processo sistemático. Mesmo assim, pergunta-se: por que a criança, ao
entrar na escola, dominando fonética e fonologicamente as estruturas de sua
língua, comete alterações de escrita que representam contextos inadequados no
idioma, descartando-se os de natureza ortográfica, convencionais? Faz-se
necessário estudar mais detalhadamente o processo de aquisição de escrita para
que se possa chegar a uma resposta sobre o tema. Nesses estudos, procuram-se
respostas para as seguintes questões: a) seria possível estabelecer uma relação
entre os processos de aquisição fonológica e de escrita; b) até que ponto as
características da aquisição de fala são evidenciadas na aquisição de escrita,
influenciando assim a produção ortográfica das crianças? Para responder a essas
perguntas e a outras que surgem ao longo das análises, é necessário estudar e
acompanhar simultaneamente os dois processos para que seja possível estabelecer
paralelos entre ambos. Nesse sentido, atribuiu-se especial atenção aos aspectos
que cercam não apenas a produção de escrita, mas também ligados à produção de
fala, como forma de resgatar uma espécie de histórico lingüístico dos futuros
escritores em língua portuguesa. Esse resgate, ao mesmo tempo em que pode dar
conta de muitos aspectos que dizem respeito ao momento da aquisição de fala,
que continua merecendo pesquisas, também pode contribuir para a compreensão do
processo de aquisição e do desenvolvimento da linguagem quer seja escrita, quer
seja falada. As buscas por respostas não se encerram aqui!
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[1] Cátia de Azevedo Fronza (catiaaf@unisinos.br) é Doutora em Letras pela PUCRS e docente do curso de Gradução em Letras e do Programa de Pós-Graduação em Lingüística, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.
Micheli Stein (michelistein@yahoo.com.br) é graduanda em Letras Português-Alemão, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, e bolsista de Inciação Científica FAPERGS na pesquisa A produção de vogais e de consoantes por crianças de 2 a 10 anos: evidências de fala e de escrita.
Cristiane Gomes (cristianegomes@icaro.unisinos.br) é graduanda em Letras Português, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos e bolsista de Inciação Científica UNIBIC (UNISINOS) na pesquisa A produção de vogais e de consoantes por crianças de 2 a 10 anos: evidências de fala e de escrita.
[2] O Mini Disc Sony MZR-900DPC, o software Multi-Speech e opcionais, que vêm sendo usados na pesquisa desde seu início, foram adquiridos através do Edital PROADE2, processo nº 01/1756-9 da FAPERGS, concedido em 2002.
[3] Não serão utilizados novos exemplos para as alterações que já foram mencionadas em comentários anteriores.