A ESCRITA EM TURMAS DE PROGRESSÃO E MARCAS DA ORALIDADE

 

Carla Suzana Frantz (PPGLA - UNISINOS)

Cátia de Azevedo Fronza (UNISINOS)

 

RESUMO

 

Frantz (2004) iniciou uma investigação sobre a forma como alunos de uma Turma de Progressão do 1º ciclo, em uma escola pública, tendo pouco acesso a material escrito e com dificuldades de aprendizagem, conseguem interagir com a escrita, apropriando-se desta como forma de exercício da sua cidadania. Este trabalho consiste na apresentação de reflexões sobre o processo de alfabetização de alunos que freqüentaram a turma de progressão em 2004 e que, em 2005, foram inseridos em turmas regulares do Ensino Fundamental, as quais, inicialmente, não correspondiam a sua realidade de interação com a escrita.

Palavras-chave: escrita, oralidade, ensino

 

1. Introdução

Compreender o processo de alfabetização pelo qual passam as crianças durante as primeiras séries do Ensino Fundamental e significar o ensino da escrita nem sempre é tarefa fácil. Alfabetizadores, freqüentemente, entram em conflito na busca por metodologias que contribuam para a aprendizagem dos alunos.

Quando a escrita é ensinada hoje nas escolas, parece, em alguns casos, que ela não tem relação nenhuma com a vida das pessoas; é ensinada desvinculada da vida real, como se fosse um conhecimento da escola. No entanto, de acordo com Calkins (1989, p.15), os seres humanos sentem uma profunda necessidade de representar sua experiência neste mundo através da escrita, e a escola ignora que a aprendizagem nasce de um desejo, de uma falta e perde, com isso, a oportunidade de se utilizar dessa necessidade para tornar o ensino da escrita algo real e concreto. Para Terzi (2005), a escola pública, instituída nos padrões da classe média e alta, pressupõe um desenvolvimento lingüístico e uma exposição à escrita no período pré-escolar que a criança oriunda de meios não-letrados não tem e, em conseqüência, ela passa a ser vista como deficitária.  Honório (2005, p.28), ao retomar as idéias de Cagliari (1997) sobre a forma como a escola avalia a escrita das crianças, afirma que aquele aluno que fala a variedade da escola, geralmente de classe alta, será aprovado e é o que tem prestígio; por outro lado, aquele aluno que se esforçou para aprender a falar e a escrever como a escola prevê e não conseguiu, no tão pouco tempo dado, será reprovado e desprestigiado. Esta é uma das razões que justificam a presente pesquisa.

Este estudo é decorrência de uma ação pedagógica, desenvolvida por Frantz (2004), em uma escola da periferia de Porto Alegre, objetivando a alfabetização de alunos de uma Turma de Progressão (TP), os quais não conseguiram aprender a ler e a escrever em turmas regulares pelos mais diversos motivos. O aluno que freqüenta a TP tem uma defasagem entre a faixa etária e a escolaridade. Essa defasagem pode ter sido provocada por diferentes motivos, tais como o trabalho infantil, a dificuldade de relacionamento e/ou de aprendizagem do aluno e a falta de um fazer pedagógico que considere a lógica da criança. Tendo a TP um espaço e um tempo diferenciado das turmas regulares, à medida que o aluno consegue construir e/ou resgatar a sua autonomia moral e intelectual, há possibilidade de que o mesmo avance para o ano-ciclo ou para o ciclo seguinte em qualquer época do ano letivo, permitindo, assim, que se junte aos que têm a mesma faixa etária e as hipóteses similares em relação à construção do conhecimento. Mais detalhes sobre o contato com a escrita de alunos  em TP serão apresentados a partir da seção 2.

                                                                                                                                               

            2. A escrita na Turma de Progressão

            Diferente de outros planejamentos relacionados à alfabetização, nos quais normalmente trabalha-se com a história da escrita, com o traçado das letras, com o reconhecimento do som, do nome e da forma das letras, com a categorização gráfica das letras, com as letras dos nomes dos alunos, este projeto pedagógico exigia que os alunos sentissem vontade de aprender as letras ou que, pelo menos, sentissem que eram capazes de aprender. Além disso, os alunos conviviam com poucos materiais escritos, não tendo a escrita e a leitura um lugar na vida desses estudantes, já que esta representava um fracasso para eles. Houve, então, necessidade de um trabalho de alfabetização para significar e/ou ressignificar a escrita e a leitura na vida desse grupo de crianças e conhecer mais de perto o que as impedia de ir adiante.

Assim, foi preciso transformar a sala de aula da TP num espaço de equilíbrio afetivo e cognitivo no qual as diferenças fossem respeitadas, visando à alfabetização. Várias atividades foram, então, desenvolvidas: trabalho com o corpo, através de brincadeiras de roda, músicas, danças, pesquisa na biblioteca, visita ao laboratório de ciências, registros escritos, utilizando desenhos e não escrita; passeio na comunidade, com a finalidade de fotografar tudo o que estivesse escrito no trajeto percorrido. A partir disso, a TP começou a abrir espaços para o estudo das letras, dando início ao seu processo de alfabetização. O trabalho em sala de aula, com os escritos retirados da comunidade, através de fotografias solicitadas pelos próprios alunos, provocou interesse em relação à escrita. Partindo da visão de Cagliari (1997, p.103) de que a escrita, seja ela qual for, tem como objetivo primeiro permitir a leitura e que esta é uma interpretação da escrita que consiste em traduzir os símbolos escritos em fala, organizou-se a primeira atividade envolvendo as fotos: um painel com todo o material escrito. Os alunos foram  então convidados a refletir sobre o que supunham estar escrito em cada um dos textos. Eles conseguiram se aproximar do significado da maioria dos enunciados, mesmo sem terem a habilidade de decodificar o código escrito. Após alguns questionamentos e reflexões sobre o material analisado, verbalizaram que, para conseguir ler bem certinho o que estava escrito, era preciso conhecer as letras. Pela  fala das crianças, observou-se quanto conseguiam entender o processo de aquisição da leitura e da escrita, pois sabiam que poderiam ter uma idéia aproximada do que um escrito significaria, mas, ao mesmo tempo, precisariam conhecer e entender como decifrar as letras de modo a terem certeza a respeito daquilo que supunham estar escrito em um determinado enunciado.

A próxima atividade objetivou dar conta da necessidade que surgiu na turma: os alunos precisavam conhecer as letras (nomes, sons e formas) para terem certeza daquilo que estavam tentando ler. Então, aproveitando os enunciados das fotografias, iniciou-se o trabalho com as letras: os alunos foram questionados a respeito da quantidade de letras que existiam no nosso alfabeto, se cada palavra precisava de letras diferentes, se era possível usar uma mesma letra em várias palavras. Observando as fotografias, chegaram à conclusão de que as letras podem se repetir em várias palavras, pois perceberam, por exemplo, a presença da letra A em vários textos. Na seqüência, listaram todas as letras do alfabeto e analisaram a forma como as letras se combinam para formar as palavras. Assim, cada um foi se aproximando da escrita, revelando o que esse contato propiciou. Esse tipo de prática produz resultados que contradizem o pensamento  errôneo de que o aluno de classe menos privilegiada, quando chega na escola, é considerado um “deficiente lingüístico”, como se a língua não existisse, criando um sentimento de rejeição no aluno, como se este fosse incapaz de aprender, também criticado por Honório (2005, p.28).

2.1 Análise do processo de construção da escrita

 

Tendo por objetivo analisar as hipóteses dos alunos em relação ao processo de construção da escrita e refletir a respeito do trabalho de alfabetização que estava sendo desenvolvido com a turma de progressão do 1º ciclo, periodicamente, os alunos foram convidados a mostrar quais eram os seus conhecimentos sobre a escrita. Suas produções foram inicialmente feitas a partir de um ditado individual, no qual a criança era solicitada e escrever palavras e frases. Apresentam-se, ainda, outras propostas de produção em que pode ser verificada a evolução dos alunos no uso do sistema de escrita de sua língua.

As duas  alunas, cujos registros são apresentados neste trabalho, têm características comuns à maioria das crianças que freqüenta uma turma de progressão: defasagem entre a idade e a escolaridade, provocada por diferentes motivos, como dificuldade de aprendizagem, infreqüência, histórico escolar de fracasso, trabalho infantil e descaso da família com o processo de alfabetização da criança.

 

2.1.1 A escrita de B e G

 

Em primeiro lugar, consideram-se os dados da estudante B., que tem 10 anos. Em 2002, devido a uma quantidade muito grande de faltas, ficou retida no mesmo ano-ciclo por infreqüência. No ano de 2003, B continuou tendo muitas faltas e não conseguiu atingir a escrita alfabética. Então, foi encaminhada para a TP em 2004. Além disso, a família não se faz presente na escola e, pelo que se observa, é a própria aluna que se organiza para estar todos os dias na sala de aula.

No início do ano de 2004, não foi possível observar sua escrita, já que se recusava a escrever. Os momentos de escrita eram muito sofridos para a B., pois ela dizia que não sabia nada e que era “burra”. Contudo, observava-se que ela reconhecia os sons das letras, pois, nas atividades coletivas envolvendo a escrita, participava indicando as letras adequadas a serem registradas num texto, por exemplo. E foi somente no mês de maio que ela se autorizou a escrever:

 

[1]           CBS

            BCA

            PAOE

            OVO5

            OQIOQOAMM

 

Como se vê, ela representou pelo menos um fonema de cada sílaba na escrita das três primeiras palavras. Na palavra “boca”, apenas não representou o fonema “o”. Na palavra menor, com uma sílaba, não admitiu escrever usando apenas duas letras e disse que a palavra precisava de mais letras. Para a palavra maior, não representou a segunda sílaba e acabou escrevendo a palavra  “OVO” sem se dar conta. Quando questionada sobre o que havia escrito, respondeu que era a palavra “cotovelo”.  Ao escrever a frase, na última seqüência de letras, embora tenha colocado uma letra para representar cada fonema da sílaba, não conseguiu fazer uma associação de sons e letras em três sílabas.

Três meses depois[O1] , a escrita da B. apresentou progressos, conforme observa-se a seguir:

[2]     CAVALO

        SAPO

      GARAFA

      RATO

     ABELAH

     GINORO

     FOCA

     UOSO

     BATA

     OSPULA

 

No registro das palavras, B. demonstrou estar descobrindo a escrita alfabética, uma vez que tentou registrar todos os fonemas das palavras. Algumas das palavras são totalmente entendidas por qualquer leitor. Por outro lado, a forma como registrou a frase não apresentou a mesma lógica das palavras escritas de forma isolada.

B. registrou a palavra “sapo” como “SP”, dentro da frase, de forma diferente da registrada isoladamente. Além disso, ela utilizou a letra “P” para representar uma letra da sílaba “PO” e para representar uma das letras da sílaba “PU”. A estudante demonstrou avanços em relação às suas hipóteses sobre a construção da escrita, embora não tivesse alcançado a escrita alfabética na produção de frases.

O segundo caso é o da estudante G., que tem 11 anos e freqüentou uma escola, pela primeira vez, no ano de 2004. A mãe explicou que estava aguardando que as suas outras duas filhas atingissem a idade escolar para que as três, então,  pudessem ir juntas à escola.

Em abril, quando lhe foi solicitado que escrevesse uma lista de palavras e uma frase, sua escrita apresentava-se da seguinte forma:

[3]     ACR                    

      EL            

      CAE                     

      GREL                   

      ULELAFB

 

A partir destes registros, observou-se que G. sabia que deveria utilizar letras para escrever, conseguindo distinguir desenho de escrita. Embora essas sejam representações gráficas da mesma natureza, segundo Massini-Gagliari e Gagliari (2001, p.136), há uma diferença fundamental: o desenho refere-se a objetos do mundo, e a escrita refere-se à linguagem oral. A noção de palavra é, pois, uma das mais importantes nos sistemas de escrita e, segundo os autores, tem um valor especial no processo de alfabetização. Sobre as letras, constatou-se que G. não fazia relação dos sons com as letras e, quando questionada sobre o nome das mesmas, evidenciava muita dificuldade em distinguir as letras entre si e demonstrava insegurança ao fazer seus traçados. As letras representadas nas palavras ditadas foram, em sua maioria, as letras de seu nome.

Sete meses depois, G. tentava representar a maioria dos fonemas das palavras, apesar de nem sempre conseguir: a idéia de que a escrita é alfabética tornou-se um fato dado para a aluna. Nesse envolvimento com uma prática pedagógica, cuja intenção fora significar a escrita dentro da sala de aula, relacionando-a à vida e ao mundo do aluno, Frantz (2004) constatou que o grande desafio da ação do professor alfabetizador está em provocar o desejo de aprender. Isso se tornou possível a partir do momento em que foram consideradas e valorizadas as diferenças culturais da comunidade. Na prática, essa atitude implica em não fazer julgamentos de valores pelo fato de a escrita, por exemplo, não se mostrar relevante no cotidiano das pessoas da comunidade e de esta dar pouca importância para a aprendizagem da leitura e da escrita. As intervenções que possibilitaram avanços nas hipóteses de escrita de B e de G. precisaram ser muito cautelosas para não frustrá-las de forma que se recusassem a fazer tentativas de escrita. Assim, as interferências exigiam sensibilidade da educadora para não prejudicar sua evolução nesse processo. Acredita-se que uma proposta de trabalho que valoriza a lógica da criança e significa o processo de aquisição da escrita viabiliza a alfabetização.

Em julho, quando solicitada a escrever uma lista de animais, G o fez da seguinte maneira:

[4]     CAVALO              (cavalo)

      SPO                                  (sapo)

      GIRAFA                (girafa)

      RATO                               (rato)

      BOLETA               (borboleta)

      ABLA                               (sapo)

      USAPULA                        (O sapo pula.)

 

O avanço, neste mês, aconteceu em relação à escrita da frase, pois G. começou a utilizar mais letras para representar os fonemas presentes em cada sílaba. Nesses escritos, constatou-se, mais uma vez, que ela confundiu o nome das letras com os fonemas de uma determinada sílaba, como no caso da palavra “abelha”. Para a sílaba “be”, registrou somente a letra “B” (bê).

No acompanhamento da evolução da escrita de B. e G., matriculadas em turmas regulares do ensino fundamental, em 2005, depois de 15 meses, há aspectos importantes e significativos a serem registrados, principalmente, em relação à influência da variedade da linguagem oral sobre a escrita. Segundo Morais (1998), a linguagem escrita é diferente da língua oral, mas são vistas como se fossem iguais, e esse é um dado que deve ser considerado, no decorrer do processo de alfabetização, sob a possibilidade de se fazer uma avaliação equivocada a respeito das hipóteses das crianças sobre a escrita.

A estudante B. está freqüentando diariamente uma turma regular do Ensino Fundamental e demonstra muita satisfação em mostrar o quanto evoluiu no seu uso da escrita. Isso  porque  sua escrita está sendo respeitada. Conforme Honório (2005, p.16), os professores deveriam trabalhar a língua-padrão com a preocupação de conhecer e de respeitar a língua não-padrão com a qual se deparam. Ao ser convidada a reescrever uma história que conhecesse, escolheu o conto “Os Três Porquinhos”:

 

TE POQUINHOS

U POQUINHOS FIZERO A CASA DE PALHA.

O LOBOMAO A PARESEO DI ATATIUMA AVORE.

O LOBOMAO ASOPO A CASA DE MADEMADERA.

OSO TE POQUINHO FO PA CASA DE TIGOLOS.

O LOBOMAO NE QUISIQUI ASOPA A CASA DE TIGOLO.

DAÍ ELECUSIQUIO I DAÍ ELE CAIUNU FOGO.

QEI ISIVEU VOA B.

 

O avanço da estudante em relação ao início de seu contato com o sistema de escrita foi muito significativo. B. consegue escrever a maioria das palavras de forma alfabética, sua escrita é espontânea, não precisa mais que a professora fique direcionando o que vai escrever. Não que essa atitude fosse uma prática da professora, mas, no ano anterior, era comum ouvi-la pedindo ajuda para cada palavra que iria escrever. Na produção de B. é possível observar várias alterações de escrita que são decorrentes da linguagem oral, tais como: a substituição de –o por –u, como na palavra “nu”, para no; a substituição de –e por –i, como se vê em “di”, no lugar da preposição de; a substituição de –am  por –o, como se verifica em “fizero”, ao invés de fizeram; a segmentação indevida das palavras, como em “lobomao”, para lobo mau. Há, ainda, alterações que revelam que a aluna não domina as convenções ortográficas. Tais ocorrências mostram que ainda há um caminho a percorrer para que sejam dominadas as formas ortográficas, mas as aprendizagens que realizou até o momento precisam ser consideradas e valorizadas. Assim, a confiança em sua própria capacidade e um trabalho que estimule discussões sobre as diferenças entre fala e escrita, em que sejam respeitadas as variações da língua, auxiliarão o aluno na superação de suas limitações.

Com o objetivo de trazer mais dados sobre o processo de aquisição da escrita da estudante, registra-se que, em março de 2005, após ouvir a história O Segredo dos Ovos de Páscoa, de autor desconhecido, foi sugerido a G. que reescrevesse o texto do seu jeito, tendo como referência uma seqüência de figuras relacionadas à história. O fato mais significativo deste trabalho produzido por G. foi a atitude de confiança da estudante em relação à escrita: ela não demonstrou receio algum ao registrar suas idéias. Isso parece simples, mas considerando que, no ano anterior, mostrava-se muito dependente da presença da professora para escrever e, caso a mesma não estivesse ao seu lado, direcionando sua escrita, simplesmente não escrevia palavra alguma, essa nova atitude surpreendeu a todos que acompanhavam sua trajetória na escola. A produção do texto sobre os ovos de Páscoa, sem o auxílio da professora, foi algo inédito para G., que demonstrou satisfação ao concluir suas idéias. Ficou feliz e queria mostrá-las a todos.

No final de maio de 2005, G. foi incentivada a reescrever a história Sanduíche da Maricota, que ouviu, na hora do conto, em companhia de seus colegas de turma. Os avanços em relação à organização das idéias narradas e à forma como registrou suas hipóteses sobre a escrita, aliados à segurança com que escrevia o texto, apresentaram uma estudante apropriando-se do mundo letrado e do seu próprio processo de aquisição da língua escrita, sem receios, medos ou constrangimentos.

 

SÊNDUIXEDAMARICOTA

UM DIA – AMRICOTA –RESOVEFA -S -UMSEDUIXE

BODI -IDISI-I TASAIDOUM SEDUIXENAORA PAFICAMASBOUM TEQUICOLOCAUMCAPIN/

EXEGO-GATO ETASAIDOUMSDUIXENAORAPARFICAMASBOUMTEIQUICOLOCAUM-MA SADINHA/ E XEGO-O-OCACHORRO E TASAIDOUMSADUIXE NAORA PARAFICA MAIS BONESISÃ DUXETEQUICOLOCAOSOS/

EXEGOABELHAEFALOEITASAIDOUM SÉDUIXEPAFICAMASIBOUVÉUCOLOCAUM– MEU/ATEQUELAGALINHAISIPUSOTODOMUDO ? I FE UM SÉDUIXE SO PARAELA

ATORAÉ G.

Como G. escrevia as palavras pronunciando-as, foi fácil anotar tudo o que queria registrar na história Sanduíche da Maricota:

 

Sanduíche da Maricota

Um dia a Maricota resolveu fazer um sanduíche.

Bode – e disse – está saindo um sanduíche na hora para ficar mais bom tem que colocar um capim.

E chegou gato esta saindo um sanduíche na hora para ficar mais tem que colocar sardinha.

E chegou o cachorro está saindo um sanduíche na hora para ficar mais bom esse sanduíche tem que colocar ossos.

E chegou a abelha falou ei ta saindo um sanduíche para ficar mais bom vou colocar um meu.

Até que a galinha expulsou todo mundo.

E fez um sanduíche só para ela.

 

Comparando as hipóteses iniciais de G. sobre a escrita,  observou-se que houve uma evolução no seu processo de alfabetização, apesar do caminho que ela ainda tem a percorrer em relação à escrita alfabética e ortográfica. O que tem facilitado essa construção é o fato de a escrita começar a ser um conhecimento significativo para ela: o tempo todo G. demonstrou que tinha necessidade e o desejo de aprender. Por isso, começou a autorizar-se a escrever do seu jeito. Além disso, G. sabe, através da fala de seus professores, que está a caminho da escrita convencional e que, para isso, precisa estar ciente de que a forma como fala é diferente da forma como escreve, uma vez que são notórias as marcas da oralidade na sua escrita. Apesar de haver juntura intervocabular (Cagliari, 1997) na maior parte do texto e algumas segmentações vocabulares (op. cit), em que a aluna que ora junta palavras que deveriam estar separadas, ora separa palavras que deveriam ser escritas juntas, pode-se observar a substituição de –e por –i, em “idisi”, ao invés de e disse; a não realização da letra –n, em “tasaidoum”, para está saindo um ; a supressão do r em verbos no infinitivo, como se verifica em “paficamasboum”, no lugar de para ficar mais bom, entre outros tipos de ocorrências. Essas alterações não podem ser ignoradas pelo professor, precisam ser trabalhadas em sala de aula. É na escrita espontânea que G. está buscando, de forma autônoma, a ajuda da professora e dos colegas, permitindo-se errar. Não foi fácil para G. perceber que os professores envolvidos em seu processo de alfabetização estavam possibilitando a ela um espaço no qual pudesse ousar, errar, acertar, enfim, testar suas hipóteses de forma tranqüila, sem traumas.

É possível perceber, pela realidade aqui apresentada, que o processo de significação e de apropriação da escrita no qual  B e G. são protagonistas provocou sofrimento, angústia e crescimento pessoal e profissional de todos os envolvidos, uma vez que exigiu olhar além do código escrito, voltado ao significado da ação, da aprendizagem da língua escrita, considerando aspectos sociais, emocionais e culturais das aprendizes.

 

Considerações Finais

              Frantz (2004), a partir de seu trabalho de conclusão do Curso de Letras,  concebeu uma nova visão a respeito do ensino e aprendizagem da língua escrita: as experiências vivenciadas e registradas regularmente mostraram o quanto é necessário refletir e democratizar o uso da palavra oral e escrita dentro e fora da escola. Para que esta forma de trabalho atinja seus objetivos, é preciso que os professores consigam descentralizar o poder de decisão, saindo do lugar de detentores únicos do conhecimento e buscando a participação ativa dos alunos na construção dos projetos da escola.

             O resultado desse trabalho mostrou que é possível alfabetizar alunos, de certa forma rejeitados pelas turmas regulares no sistema de ensino e com dificuldades de aprendizagem, desde que haja um projeto que rompa com alguns preconceitos e abra o espaço da sala de aula para as reais necessidades dos alunos. A idéia de trabalhar com um projeto fechado que a professora entendia como importante para a alfabetização dos alunos não se concretizou. Foi necessário organizar  um projeto de trabalho, a partir do que era realmente necessário ensinar, a partir das hipóteses dos alunos e, principalmente, a partir do respeito e da valorização sobre a forma como a comunidade interagia com a escrita. É importante considerar que a monografia possibilitou que o trabalho fosse registrado por seis meses. A prática pedagógica continuou acontecendo e, por conseqüência, os alunos continuaram avançando em suas hipóteses sobre a escrita, como foi possível verificar nas produções de 2005.

            A organização de um projeto de trabalho, no qual a realidade dos alunos seja considerada e a forma como tentam compreender e expor a escrita seja respeitada, poderá contribuir para que as crianças tenham autonomia para registrar seus pensamentos a respeito do mundo, uma vez que, segundo Ferreiro e Palacio (1990, p.102), a escrita existe inserida numa complexa rede de relações e que, à sua maneira e de acordo com as suas possibilidades, a criança tenta compreender o que são as marcas gráficas e o que querem dizer os atos praticados pelos usuários em decorrência destas marcas.

Conforme Cagliari (1997, p.9), “o processo de alfabetização inclui muitos fatores, e, quanto mais ciente estiver o professor  de como se dá o processo de aquisição do conhecimento, de como a criança se situa em termos de desenvolvimento emocional, de como vem evoluindo o seu processo de interação social, da natureza da realidade lingüística envolvida no momento em que está acontecendo a alfabetização, mais condições terá esse professor de encaminhar o processo de aprendizagem, sem os sofrimentos habituais”. Assim, constata-se que, apesar de todas as carências e dificuldades pelas quais passam os alunos da turma de progressão, é possível, a partir de uma proposta pedagógica que valoriza o contexto lingüístico e a lógica da criança, a aprendizagem da leitura e da escrita.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[O2] CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Lingüística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 1997.

CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetizando sem o bá-bé-bi-bó-bu. São Paulo: Scipione, 1999.

MASSINI-CAGLIARI, Gládis.; CAGLIARI, Luiz Carlos. Diante das Letras. Campinas: Mercado de Letras, 2001.

CALKINS, Lucy McCormick. A arte de ensinar a escrever: o desenvolvimento do discurso direto. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.

FERREIRO, Emilia; PALACIO, Margarita G. Os processos de leitura e de escrita: novas perspectivas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1990.      

FRANTZ, Carla Suzana. (Res) Significando a escrita da criança. Trabalho de Conclusão do Curso de Letras. São Leopoldo: UNISINOS, 2004.

HONÓRIO, Denise de Souza. Alterações de escrita em textos de alunos do ensino médio: conseqüências da oralidade e de convenções ortográficas. Dissertação de Mestrado em Lingüística Aplicada. São Leopoldo: UNISINOS, 2005

MORAIS, Terezinha Loureiro. Leitura e escrita: descobrir antes de aprender a ler e escrever. Ciências e Letras, Porto Alegre, p.211-218. 1998.

TERZI, S. A construção da leitura. Campinas: Fontes, 1995.

 



[1] A escrita de B. corresponde, respectivamente, às seguintes palavras e frase: “cabeça”, “boca” ,  “pé”, “cotovelo” e “O menino quebrou a perna”.

 

[2] A escrita de B. corresponde às palavras “cavalo”, “sapo” ,  “girafa”, “rato”, “abelha”, “dinossauro”, “foca”, “urso” e  à sentença “O sapo pula”, respectivamente.

 

[3] A escrita de G. corresponde, respectivamente, às seguintes palavras e frase: “cabeça”, “boca”,  “pé”, “cotovelo” e “O pé chuta a bola”.

 

[4] A escrita de G. corresponde, respectivamente, às palavras e frase: “cavalo”, “ sapo” ,  “girafa”, “rato”, “borboleta”, “abelha” e à sentença “O sapo pula”.

 


 [O1]Em quanto tempo, exatamente?

 [O2]Conferir!!!