PRODUÇÃO ORAL EM LÍNGUA ESTRANGEIRA: COMO AVALIAR?

 

Arice Cardoso Tavares (UCPel)

Daniele Corbetta Piletti (UCPel / FURG)

 

 

INTRODUÇÃO

 

            O objetivo deste trabalho é investigar como se dá a avaliação, em especial a avaliação oral em Língua Estrangeira. Para isso serão feitas, primeiramente, breves considerações acerca do que a literatura oferece nesta área temática. Em seguida, esses conceitos serão utilizados para fundamentar a análise do material selecionado para este trabalho e, finalmente, procuraremos oferecer informações a respeito da avaliação afim de que professores de Língua Estrangeira reflitam sobre suas visões do processo de produção oral e que busquem aprimorar seus instrumentos de avaliação.   

Quando falamos em Educação sabemos que muitos autores escrevem sobre a avaliação, entre eles Celso Vasconcelos, Antoni Zabala e Luiz Carlos de Menezes. Tais autores compartilham a idéia de que o sistema de avaliação há séculos não é reformulado, passando a idéia de que o professor transfere conhecimentos e o aluno recebe. Se ele for bem nas avaliações é porque aprendeu. Se for mal, que pena, mas é necessário seguir com o conteúdo. Sendo assim, os referidos autores afirmam que além de fatos e conceitos, é importante que os estudantes, independente do nível em que estejam, conheçam os objetivos da avaliação a qual são expostos e desenvolvam competências.

Segundo Zabala (2000) “é na maneira de avaliar que aparece tudo o que é importante para o professor, se avaliamos somente os conceitos (...) não estamos mudando nada.” Ao fazer tal afirmação demonstra que os professores preocupam-se mais com o produto do que com o processo de ensino-aprendizagem.

Compartilha este pensamento Celso Vasconcelos (2000) quando afirma que “avaliar é localizar necessidades e se comprometer com sua superação, (...) no sentido escolar, a avaliação só deve acontecer para haver intervenção no processo de ensino e aprendizagem.” Menezes (2000) também entende que "é preciso romper definitivamente o estereótipo do mestre com a fita métrica na mão, pronto para medir, julgar e rotular cada um de seus estudantes.”

Com base nas citações apresentadas buscamos demonstrar que os teóricos da educação entendem que os métodos de avaliação estão ultrapassados e que não basta apenas mudar o método; é necessário sim que cada professor reflita sobre sua intenção com relação ao ato de avaliar.

Embora exista bastante referencial teórico sobre avaliação, este não explicita nada com relação à Língua Estrangeira (daqui em diante LE). Talvez por isso exista tanta divergência entre os professores de LE quanto à metodologia de avaliação.

 

REFERENCIAL TEÓRICO

           

             Ao longo da história de ensino de Línguas Estrangeiras muitas foram as abordagens que perpassaram seu ensino. Faremos, a continuação, uma breve revisão dos métodos mais usados nas aulas de LE. Durante os últimos anos, no Brasil e em especial a partir da segunda metade do século XX, ocorreram diversas mudanças no ensino de LE.

Até os anos 70 adotavam-se abordagens tradicionais de ensino centrados na gramática e tradução, depois desse período as abordagens audiolingual e audiovisual, que se inspiravam nas teorias de Skinner e Saussure, produziram uma mudança radical no panorama de ensino de língua, com ênfase na automatização que era conseguido a partir de exercícios de repetição. Após passar por um período de transição, surgiu a tão famosa e adotada abordagem comunicativa. Conforme essa abordagem, os alunos devem criar sua própria língua em um ato de comunicação com os demais. 

            A abordagem comunicativa funciona aplicando as estruturas à situações reais de cada dia. Diferentemente de outras abordagens que se baseiam na repetição, esta se caracteriza por abarcar as quatro habilidades dando mais ênfase à comunicação. Seu principal objetivo é ampliar a competência comunicativa do aluno. Que para D. Hymes (1972) relaciona-se com saber ‘como, quando, com quem, onde, de que forma e sobre o que falar’; ou seja, trata-se da capacidade de formar enunciados que não sejam corretos apenas gramaticalmente, como também socialmente apropriados. A chave do sucesso desta abordagem é a interação entre os sujeitos da aprendizagem.

            Quando falamos em sucesso não significa dizer que essa abordagem deva ser amplamente adotada, pois, muitas das outras abordagens também trouxeram grandes contribuições para o ensino de LE que são adotadas em muitas instituições de ensino. Conforme Leffa (1988) ”Nenhuma abordagem contém toda a verdade e ninguém sabe tanto que não possa evoluir. A atitude sábia é incorporar o novo ao antigo”. Em outras palavras, isto quer dizer que não devemos adotar uma única abordagem, devemos sim aproveitar o ponto positivo de cada uma delas, adaptando-o ao alunado e aos objetivos da aprendizagem.

            Mesmo com o advento da abordagem comunicativa, falar sobre avaliação sempre foi muito complicado, isto porque muitos dos professores que dizem adotar essa abordagem, em geral não conhecem os pressupostos teóricos que envolvem tal método, como também desconhecem os objetivos e modelos de avaliação em LE.

            Avaliar não é optativo, é inevitável; sempre temos que avaliar, o que não fazemos, normalmente, é avaliar bem.          Mas o que é mesmo avaliar? Vamos ver o que diz em alguns dicionários.

·        Aurélio – 2005

AVALIAR – v.t.d.

1. determinar a valia ou o valor de

2. calcular

 

·        Larousse - 2000

AVALIAR - v.t.

1.      determinar o valor, o preço, a importância de

2.      apreciar o mérito de.

3.      calcular, estimar

4.      imaginar, fazer idéia de

           

Como se pode ver, avaliação (ato ou efeito de avaliar) está intimamente ligado à noção de valor, isso significa dizer que se deve atribuir uma nota ao aluno. Avaliar é medir, classificar, expressar um julgamento, muitas vezes injusto. Segundo Celso Vasconcelos (2000) “Nota é ridículo”. É claro que em muitas situações se faz necessária uma apreciação do aprendiz até para permitir um avanço de nível no idioma. Mas esta apreciação não necessita estar atrelada a números, pode ser por meio de conceitos, relatórios, pareceres, entre outros. Também é importante salientar que a atribuição de conceitos não necessita ser pontual (momentos isolados), podemos estar avaliando o aprendiz constantemente.

O que se quer mostrar é que deve haver um equilíbrio entre avaliação parcial e continuada. Será papel do professor usar seu bom senso durante sua prática. Assim como também será sua função descobrir os porquês e as maneiras de realizar as avaliações.

Heaton (1999) apresenta sete razões para a prática avaliativa, são elas:

 

·        Descobrir dificuldades da aprendizagem;

·        Selecionar candidatos;

·        Descobrir o nível de proficiência;

·        Dar continuidade a um progresso alcançado;

·        Situar estudantes em cursos ou formar grupos homogêneos;

·        Descobrir ganhos;

·        Incentivar aos alunos.

 

Já que temos motivos de sobra para avaliar, basta descobrirmos a melhor maneira desde que seja confiável e viável. O professor poderá escolher entre avaliar diariamente seu aluno, avaliá-lo em momentos pré-determinados, ou ainda das duas formas.

Os motivos pelos quais devemos avaliar determinam a freqüência e o tipo de avaliação que será realizada. A continuação faremos a análise de dados na qual buscaremos identificar como os professores de LE estão avaliando atualmente.

 

METODOLOGIA

 

O nosso trabalho surgiu da necessidade de tentar entender porque os professores de Língua Estrangeira têm opiniões tão divergentes com relação à avaliação. Para tal, primeiramente, realizamos uma breve revisão da literatura disponível sobre o tema abordado e logo após recolhemos alguns dados para a análise.

Os dados que compõem esta pesquisa fazem parte de um corpus que foi coletado com professores de Língua Estrangeira em escolas e universidades públicas e particulares das cidades de Pelotas e Rio Grande. Realizamos entrevistas individuais gravadas em áudio que posteriormente foram transcritas.

Os sujeitos que fazem parte desta pesquisa são falantes nativos de Português e aprenderam o Espanhol e o Inglês como LE em ambiente formal de ensino. Participaram desta investigação seis sujeitos dos seguintes níveis: Fundamental (séries finais), Médio e Superior. Três dos informantes professores de Língua Inglesa e três de Língua Espanhola, com idades entre 23 e 38 anos, de ambos os sexos.

A pesquisa foi de caráter qualitativo. Parece-nos importante ressaltar aqui que não elaboramos um questionário, apenas fornecemos tópicos, a partir dos quais os entrevistados podiam expor livremente suas idéias, opiniões e conceitos com relação ao tema abordado neste trabalho.

Os tópicos da entrevista foram os seguintes:

 

·        avaliação;

·        abordagem de ensino;

·        oralidade.

 

Por meio do instrumento de pesquisa coletamos as impressões dos professores em relação aos tópicos explicitados anteriormente, os quais serão analisados ao longo do trabalho.

 

ANÁLISE DE DADOS

 

            Como já foi dito anteriormente nosso trabalho é analisar à luz do referencial teórico, como alguns professores de LE procedem em suas avaliações. Os professores entrevistados utilizam tipos diferentes de avaliação. Durante as entrevistas buscaram explicitar, em sua maioria, a preferência por avaliações que valorizem o aluno em todos os momentos de sala de aula. Alguns professores afirmam conseguir desenvolver avaliações ao longo dos trimestres; como podemos observar no trecho a seguir:

 

“Eu entendo que avaliar seja um conjunto de atitudes tanto que a minha avaliação é constante, eu acho que em língua estrangeira não tem como avaliar em momento isolado (...) a avaliação acaba se tornando assim tão continua que eu dificilmente eu tenho uma prova, um momento pontual assim, as coisas vão acontecendo ao longo do trimestre.” (Professor 2)

 

“Nos dois últimos bimestres eu fiz avaliação continuada.” (Professor 4)

 

Em outros momentos das entrevistas observamos que mesmo os professores demonstrando preferência por uma avaliação continuada, muitas vezes por imposição da instituição na qual estão inseridos têm que realizar provas pontuais, trabalhos, etc. Observemos o trecho abaixo:

 

“A avaliação eu acho que é tudo aquilo que o aluno faz em sala de aula, eu acho que a gente tem que avaliar não só o desempenho em prova que a gente, que a gente, tem que fazer prova (...) tem várias outras coisas que a gente tem que fazer, a gente é cobrado é trabalho, prova escrita, isso tudo é mais considerado em língua inglesa pelo colégio, pelos pais, então...” (Professor 1)

 

            Diferentemente dos exemplos anteriores em que alguns professores querem, mas não podem realizar avaliações continuadas, existem aqueles que embora tenham esta possibilidade, não o fazem; dando preferência à provas parciais e finais, sejam elas escritas ou orais. Vejamos:

 

“Quando eu avalio a questão oral tem que ser o momento da prova em si” (Professor 4)

 

“Quando é uma prova específica, ai sim não dá pra... É o que acontece aí, é aquela nota ali da hora.” (Professor 5)

 

            Quanto ao desenvolvimento da oralidade na aula de Língua Estrangeira os professores divergiram bastante em suas práticas. Destacamos o fato de quatro deles trabalharem com LE em escolas e dois deles em universidades. Estes últimos afirmam ser indispensável a cobrança e a atribuição de conceitos para seus alunos, uma vez que estes devem ser proficientes nas quatro destrezas da LE que aprendem. Observemos os trechos a seguir:

 

“A gente não pode diminuir a nossa avaliação porque se não o que acontece é que tá saindo muita gente sem formação, ai eu já ouvi muitas vezes dizerem que não vou fazer faculdade nessa universidade.” (Professor 6)

 

            Em contraposição os professores das escolas, muitas vezes orientados por seus Planos Políticos Pedagógicos não trabalham a oralidade, uma vez que os instrumentos de avaliação são determinados pelas idéias e modelos da realidade em que o profissional atua (instituição). Observemos:

 

Nós obedecemos ao projeto da escola que é um projeto de ler e escrever, então a minha avaliação é mais escrita e leitura, né... Até mesmo porque as turmas são muito grandes, fica muito difícil de fazer a avaliação oral, né?” (Professor 3)

 

“A minha avaliação é toda escrita.”(Professor 2)

            Outro fato que afirmam ser decisivo na ausência de práticas orais em LE está intimamente ligado ao social. Alguns professores, como veremos nos próximos trechos, conservam preconceitos visíveis com relação aos seus alunos.

 

“O meu público tem um problema muito grande de bloqueio com a oralidade. Eu trabalho em geral com adolescentes egressos do dia que não tiveram vaga ou com adultos que também têm certa tendência à timidez. Por isso eu não trabalho a avaliação oral. Trabalho só a parte escrita.”(Professor 2)

 

“São alunos vindos de uma clientela mais carente, não tem material didático disponível na escola. E... a gente faz o que pode assim né...Infelizmente a avaliação oral não tem condições.” (Professor 3)

           

Esses professores não têm intencionalidade no processo de ensino-aprendizagem, pois uma vez detectada uma dificuldade, o professor precisa se comprometer com a busca de uma estratégia e com a superação da barreira, fato este que não é observado nos exemplos acima. Diante dos primeiros obstáculos ambos os professores desistiram. Desta forma, se querem uma avaliação tradicional estão perfeitos em suas práticas.

Alguns professores trabalham a oralidade através da leitura. Nosso questionamento é quanto à validade desta prática no que concerne a competência comunicativa que o aluno deve adquirir, já que desta forma nunca ocorrem situações de fala espontânea, prejudicando fortemente o desenvolvimento da habilidade de expressão oral. Vejamos:

 

“Prefiro avaliar quando eles lêem diálogos, quando lêem algum texto ah... eu gosto que eles leiam sabe? (...) eles participam lêem em voz alta, lêem as respostas dos exercícios e isso eu também avalio.” (Professor 1)

 

A questão básica da avaliação é: quem eu estou avaliando? Ao longo deste trabalho inúmeras vezes questionamos e criticamos o fato de avaliar o aluno através de provas, mas como muitas vezes são inevitáveis, cabe salientar aqui que este tipo de avaliação pode permitir que o professor tome consciência de seu trabalho. Consideramos este, um dos aspectos positivos dessa prática.

Em outras palavras, ao avaliar os alunos o professor está realizando uma auto-avaliação; com ela poderá constatar se os objetivos propostos foram atingidos, se aperfeiçoou sua prática pedagógica e ainda poderá refletir sobre seus conceitos de ensino-aprendizagem. Dessa forma o professor pode obter informações valiosas sobre seu trabalho. Um dos professores entrevistados é um exemplo claro desta tomada de consciência:

 

“Eu sempre procuro ver assim se é uma dúvida de 90% da turma é sinal de que eu não fui explicita adequadamente (...) depois da prova eu trabalho só em cima daquilo que eu fiz que eu considerei importante.” (Professor 6)

 

O professor que se auto-avalia faz com que a avaliação adquira um caráter de feedback, fornecendo dados para que possa melhorar (se necessário) sua atuação, contribuindo ainda mais para o sucesso de seus alunos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Com base na revisão dos conceitos teóricos anteriormente apresentados e na análise das entrevistas realizadas observamos que muitas vezes o tipo de avaliação é visto como um problema. A avaliação contínua e cumulativa parece-nos ser a mais adequada, embora para muitos ainda seja um ideal a ser atingido.

A ação do professor deve ser buscar o que o aluno tem de melhor e tentar valorizá-lo através de práticas adequadas. A função da escola é preparar para a vida, portanto, deve aceitar e permitir mudanças nas práticas de ensino-aprendizagem por meio de novas abordagens e modelos de avaliação. O importante é ter vontade de mudar para assim, poder refletir sobre os problemas e tentar resolvê-los.

Nenhum dos sujeitos participantes desta pesquisa explicitou quais parâmetros utilizava para atribuir nota, além disso, na bibliografia consultada esses parâmetros também não foram explicitados. Sendo assim, o objetivo de contribuir com subsídios teóricos para a elaboração de instrumentos de avaliação oral não pôde ser atingido. No entanto, fica a proposta de reflexão e futuras discussões uma vez que as opiniões dentro da área de Língua Estrangeira ainda estão divididas quanto ao tema tratado.

Esperamos, com esta pesquisa poder contribuir de alguma forma com o trabalho do professor de Língua Estrangeira para que seu desempenho seja facilitado possibilitando-lhe a obtenção de melhores resultados na sala de aula.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOHN, H.; VANDRESEN, P. Tópicos de Lingüística Aplicada: o ensino de línguas estrangeiras. Florianópolis: UFSC, 1988.

 

GENTILE, Paola. Avaliar para crescer. Disponível em: http://novaescola.abril.uol.com.br/index.htm?ed/138_dez00/html/avaliacao. Acessado em: novembro, 2005. 

 

 

HYMES, D.1972. "On communicative competence". Sociolinguistics. Eds. Pride, J.B. y J. Holmes. Londres: Penguin Books. 269-293.  

 

 

PERRENOUD, Philippe. Avaliação: da excelência à regulação das aprendizagens. Porto Alegre: Artmed, 1999. 

 

 

VASCONCELOS, Celso. Avaliação: Concepção Dialética – Libertadora do Processo de Avaliação Escolar. São Paulo: Ed. Libertad - 13ºEd, 2000. 

 

 

ZABALA, Antoni. A prática educativa – Como ensinar. Porto Alegre: Artmed. 1998.