Título:      A oralidade nas aulas de língua portuguesa: uma contribuição para a melhoria da qualidade de vida

Autores:         André Mielke (andremielke@ig.com.br)

Hildegard Link (hildelink@sinos.net)

Curso:         Letras – Português/Espanhol (Centro Universitário Feevale)

 

RESUMO

 

Embora a fala seja adquirida naturalmente em diferentes contextos nas relações sociais desde o nascimento, a aprendizagem do uso dos diferentes níveis de linguagem é primordial para a inserção do indivíduo na sociedade. Nas aulas de língua estrangeira dá-se grande ênfase ao trabalho com a oralidade. Nas aulas de língua materna, os professores dão pouco valor a essa prática, porque partem do princípio de que todos sabem falar; vivemos numa sociedade em que prepondera a linguagem escrita, “é preciso encher cadernos”, o trabalho com a oralidade nem sempre contribui para isso. Muitos professores têm clareza da necessidade de desenvolver projetos que contribuam para o desenvolvimento da competência discursiva também na modalidade oral do aluno. Essa prática vem fazendo parte de inúmeros estudos realizados por professores/pesquisadores, acadêmicos de Letras, que pretendem fazer a diferença com  sua prática. Desenvolvemos, numa de nossas disciplinas de prática do curso de Letras, junto a um Projeto de Extensão Universitária, um projeto que teve como objetivo principal a promoção do desenvolvimento da expressão oral dos alunos, pois uma boa expressão oral é importante na busca por trabalho e para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos. O trabalho buscou a compreensão e uso da língua portuguesa como geradora de significação e integradora da organização do mundo empresarial, tendo como legitimação a identidade do aluno em sua comunicação diária. Foram trabalhados conteúdos comunicativos como conceitos de comunicação, cultura; linguagem oral e escrita; comunicação interpessoal e comercial, níveis e funções da linguagem, importância da língua portuguesa no contexto mundial. Os resultados alcançados apontam para a constatação de que os alunos aprimoraram sua competência lingüística, esclareceram dúvidas quanto ao ingresso no mercado de trabalho, aprenderam sobre os impactos das novas tecnologias da comunicação sobre a língua escrita e oral nos processos de produção, no conhecimento e vida social.

 

 

Palavras-chave: Comunicação. Competência discursiva. Níveis de linguagem.

 

Introdução

 

O trabalho está norteado pela necessidade do repensar as nossas metodologias como professores da língua materna, visto que a natureza dialógica da oralidade em sala de aula é pouco desenvolvida, uma vez que, na maioria dos casos, o estilo discursivo do professor é determinado pela escrita. Não podemos ser vistos como meros aplicadores de regras ou reprodutores de um sistema gramatical, visto que não há uma única forma de conceber a linguagem. Precisamos desenvolver projetos de ensino que ofereçam amplo domínio para os alunos nas modalidades ler, escrever, ouvir e falar.

A linguagem verbal, oral e escrita ocupa o papel de viabilizar a compreensão e o encontro dos discursos utilizados em diversas esferas da vida social.

Empreender o estudo de uma realidade é, de algum modo, identificar corretamente certo número de dados precisos, com a intenção de organizar de maneira sistemática, para melhor compreendê-los e determinar a clareza do objeto de estudo. Enfrentar a mudança é uma necessidade, como enfrentá-la é um desafio para os indivíduos e para o grupo. Uma comunidade estudantil não se define pelos comportamentos comuns, mas pelo interesse compartilhado por alguém. Um ambiente de aprendizagem deve favorecer a internalização dos valores, o interesse pelo que pode acrescentar à vida ou ao grupo, de seus valores e de suas expectativas.

Esse projeto se apóia nas referências teóricas apreendidas no decorrer do curso de Letras e nas atuações efetivadas no Projeto Pescar na Artecola Indústrias Químicas, empresa situada na cidade de Novo Hamburgo. Tivemos como resultados previstos confrontar opiniões e pontos de vista sobre as diferentes manifestações da linguagem verbal, entendendo os impactos das tecnologias da comunicação da língua escrita e oral, nos processos de produção, no desenvolvimento do conhecimento e no ambiente social. Conforme Ramos, 1999, p. 28, “o recurso de utilização de textos falados, vazados no dialeto culto, pode contribuir para melhorar a produção escrita dos alunos”.

O Projeto Pescar foi instituído em 1975, pelo empresário Geraldo Tollens Linck, diretor da Linck S.A., revenda de máquinas rodoviárias de Porto Alegre/RS, com a finalidade de educar e profissionalizar jovens em situação de vulnerabilidade social. O nome do projeto teve origem no conhecido provérbio chinês: "Se quiseres matar a fome de alguém, dá-lhe um peixe. Mas se quiseres que ele nunca mais passe fome, ensine-o a pescar. (www.pescar.com. PLANO DA INSTITUIÇÃO).

A instituição referida, unida à Fundação Projeto Pescar, busca, através de sua escola, dar formação profissional e de cidadania para jovens provenientes de famílias de baixa renda e em situação de vulnerabilidade social, oportunizando uma alternativa para a condução de sua história de vida, conforme as características do Projeto Pescar. Tem por objetivo resgatar os jovens que estão em situação de vulnerabilidade social, partindo do pressuposto de que um número reduzido de oportunidades são ofertadas a eles no meio social em que vivem, devido às condições econômicas precárias que obstaculizam o acesso a experiências positivas de educação e convivência social. E, após o aprendizado, inseri-los no mercado de trabalho, onde vão colocar em prática todo o conhecimento adquirido durante o curso.

O projeto pedagógico das escolas da Rede Pescar deve constituir-se na expressão do que está definido como sua Missão: “a promoção de ações sociais que possibilitem o desenvolvimento pessoal e profissional de adolescentes em situação de vulnerabilidade social”.

 

Desenvolvimento

 

As aulas ocorreram no turno da manhã, no horário das 8h às 10h. Os 19 jovens, com idade entre 16 e 17 anos, permanecem o dia inteiro na empresa, onde recebem lanches e almoço. As aulas se dividem entre Informática, Língua Portuguesa e estrangeira (Espanhol e Inglês), parte técnica das atividades desenvolvidas na empresa, além de um grande incentivo às relações pessoais e valores humanos. À noite, estudam em escolas regulares, todos no Ensino Médio, 1º a 3º anos, com exceção da aluna de 18 anos, que estuda na 6ª série do EJA – Educação de Jovens e Adultos. Ramos, 1999, p. 25, diz que: “Reconhecer a escola como um espaço em que se pode falar sobre temas de interesse e ser ouvido com atenção e respeito pelos pares é algo que constitui uma aquisição importante na superação dos problemas”.

            O projeto de estudos da Língua Portuguesa foi elaborado sob o tema “Comunicação Comercial”, com o objetivo de estabelecer a compreensão e o uso do idioma materno do aluno em suas atividades diárias, tendo em vista a escola em que foi aplicado. Os conteúdos comunicativos, gramaticais e culturais foram abordados com base nos conceitos de comunicação e cultura. As atividades de leitura e produção de texto foram planejadas com o objetivo de ampliar o conceito de leitura e escrita, apresentar textos que abordassem a vida social e atual, para socializar idéias, opiniões e vivências do grupo, através da oralidade. Antunes (2003, p. 102) afirma que “como se pode facilmente constatar, os textos orais igualmente ocorrem sob a forma de variados tipos e gêneros, dependendo dos contextos mais ou menos formais em que acontecem e realizar essas formas de atuação verbal, requer competências que o professor precisa ajudar os alunos a desenvolver, para que eles saibam adequar-se às condições de produção e de recepção dos diferentes eventos comunicativos”.

Nas nossas aulas, utilizamos diversas metodologias sobre a comunicação comercial. Baseados em questões de sondagem, nas quais grande número de alunos diziam não gostar de ler e de escrever, que não gostam de “inventar” textos, deixando-nos intrigados, uma vez que não gostam de estudar a Língua Portuguesa. Conforme Antunes (2003, p. 115), “a única linguagem que faz sentido, para qualquer pessoa, é aquela que expressa o que queremos dizer, por algum motivo, de nós, dos outros, das coisas, do mundo”. Segundo Ramos (1999, p. 78), “a utilização de narrativas de experiência pessoal em sala de aula neutralizaria o problema de o aluno ter de produzir um texto sobre um tema do qual nada teria a dizer”.

Tendo como parâmetro as respostas dadas pelos alunos, trabalhamos dentro da comunicação comercial três aspectos: comunicativos, abordando conceitos de comunicação e cultura, linguagem oral e escrita, verbal e não-verbal, comunicação interpessoal e comercial.

Chamou-nos atenção, ao trabalharmos a redação de uma carta endereçada ao diretor da empresa, na qual os alunos foram incentivados a falar de sua participação no projeto, foi, sem dúvida, uma inspiração no que diz Cury: “O elogio alivia as feridas da alma, educa a emoção e a auto-estima. Elogiar é encorajar e realçar as características positivas” (CURY, 2003, p. 143). No nosso entender, é importante que as pessoas saibam elogiar, agradecer e reconhecer o trabalho daqueles que dão oportunidades de crescimento pessoal e profissional. Os alunos souberam passar essa emoção. Alguns disseram-se agradecidos por ter a oportunidade de expressar isso, o que nunca antes acontecera, e que se fossem para falar ao diretor diretamente jamais o fariam. Agradeceram por esse incentivo. Citamos Rubem Alves: “Um educador, ao contrário, é um fundador de mundos, mediador de esperanças, pastor de projetos” (1981, p. 29).

Outro ponto interessante foi a palestra proferida por um especialista em Recursos Humanos, que interagiu com os alunos, perguntando, tirando dúvidas, fazendo sugestões a respeito da postura que se deve ter em uma entrevista de emprego.

No nível gramatical, abordamos os níveis de linguagem e funções da linguagem, o que, no nosso entender, se faz necessário, uma vez que a empresa em que se realizou o projeto tem por objetivo construir habilidades de compreensão e relativas à aplicabilidade da comunicação em seu dia-a-dia e a relação com o sujeito.

No aspecto cultural, desenvolvemos a importância da Língua Portuguesa no contexto mundial, com o objetivo de identificar as predominantes formas de se comunicar, estabelecendo-se processos de comunicação eficazes entre receptor e emissor.

 

Considerações finais

 

Os resultados alcançados apontam para a constatação de que os alunos aprimoraram sua competência lingüística, esclareceram dúvidas quanto ao ingresso no mercado de trabalho, aprenderam sobre os impactos das novas tecnologias da comunicação sobre a língua escrita e oral nos processos de produção, no conhecimento e na vida social.

Cada estudante deve questionar-se sobre o que espera de si e sobre o que a comunidade espera dele. Deve, também, avaliar suas aspirações pessoais: quer apenas a especialização ou também conhecimentos, competências e habilidades genéricas com aprofundamento menor, mas em várias áreas? Não podemos nos especializar sem estudo, mas também não podemos nos basear somente nele. Precisamos aprender a pensar, a escrever, a interpretar as regras impostas por um mercado cada vez mais acirrado.

 

Referências Bibliográficas

 

ALVES. Rubem. Conversas com quem gosta de ensinar. São Paulo: Cortez, 1981.

 

ANTUNES, Irandé. Aula de português: encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

 

CURY, Augusto Jorge. Pais brilhantes, professores fascinantes. Rio de Janeiro: Sextante, 2003.

 

RAMOS, Jânia M. O espaço da oralidade na sala de aula. São Paulo: Martins Fontes, 1999.