A PRESENÇA DO  GÊNERO TEXTUAL TIRA DE HUMOR NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

 

 

 

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Vera Lúcia Pires - UFSM (verapires@terra.com.br)

 

 

Autora: Ana Queli Tormes Machado - UFSM

Avenida Roraima Km 9 CEU II Campus Universitario Apt. 4209 Bairro Camobi, CEP:97105-970, Santa Maria-RS (anatormes@mail.ufsm.br)

 

 

               

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Santa Maria/ RS

2005

 

       A PRESENÇA DO  GÊNERO TEXTUAL TIRA DE HUMOR NO ENSINO DA LÍNGUA PORTUGUESA

 

                                                                              Ana Queli Tormes Machado

 

 

        Resumo:

 O trabalho com gêneros textuais na escola, conforme sugerem os PCN, colabora com a formação intelectual e social do aluno cidadão. Por isso, este artigo tem como objetivo analisar as especificidades do gênero tira de humor, a fim de sugerir estratégias de leitura e de produção textual desse gênero no meio escolar. Para isso, será analisada a tira da revista, Cláudia, do mês de maio de 2005. Acredita-se que o trabalho desse gênero em sala de aula, pode promover o desenvolvimento crítico do aluno e aprofundar os seus conhecimentos lingüísticos.

 

Palavras-chave: gêneros textuais, ensino, tira de humor

 

  1 INTRODUÇÃO

 

                  A concepção de linguagem humana como instrumento de interação social, apesar de sua origem nos estudos de Bakhtin datados dos anos 20 e 30, somente se difundiu no Brasil entre os anos 80 e 90.  Segundo o lingüista (1986, p. 60), a linguagem se concretiza através da língua, o sistema material e formal dos signos verbais. É ela que fornece a base de construção dos enunciados orais ou escritos realizados por participantes das várias áreas de atividade humana. Se a linguagem pode acompanhar todas essas atividades, haverá tantos gêneros de discurso quanto atividades humanas.   

                  Na comunicação verbal, cada esfera humana desenvolve seus próprios “tipos relativamente estáveis de enunciados” (Bakhtin, 1986, p.60), que podem ser chamados de gêneros discursivos, os quais refletem o contexto sócio-histórico que os geraram. O discurso, por sua vez, deve ser considerado como um processo social e histórico de produção da linguagem.

                  Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), já em 1998, apontavam para a necessidade da discussão sobre os gêneros textuais, sendo colocada como base de uma proposta que os considera como necessidades comunicativas a serem desenvolvidas ou aperfeiçoadas no contexto escolar brasileiro

                  Dessa forma, o objetivo deste artigo é fazer uma análise da tira de humor, “Como Um Filho Muda A Sua Vida”, retirada da revista, Cláudia, do mês de maio de 2005. Os critérios de analise do corpus estão baseados nos pressupostos teóricos de Bakhtin (1997), Marcuschi (2002) e Meurer & Motta-Roth (2002), no que diz respeito à teoria dos gêneros discursivos e  textuais; já no que se refere à teoria  da dicotomia sócio-cultural entre os gêneros culturais (masculino/feminino), os fundamento teóricos são de Coracini (2001)

                  Nesse sentido, para verificar as especificidades da tira de humor como gênero textual, levou-se em consideração a composição textual (tema, marcas lingüísticas, elementos icônicos) e contextual (condições de produção e recepção,finalidade, veículo de circulação) da tira.  

 

   2 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS SOBRE O GÊNERO TEXTUAL

2.1 GENERO TEXTUAL

         Segundo a concepção sócio-interacional da língua, o texto é considerado um meio  de interação, e os interlocutores são vistos como sujeitos ativos que nele se constroem e são construídos. Nesse sentido, o filósofo da linguagem Bakhtin (2000) e Maingueneau (2001) usam a terminologia “gênero do discurso” para eventos comunicativos cuja função e forma são reconhecíveis socialmente. Já Meurer & Motta- Roth (2002) utilizam a terminologia “gênero textual”, a qual também é adotada no texto dos PCNs. Nesse artigo utilizarei a terminologia “gênero textual” apenas para que a relação do trabalho com os PCNs pareça mais próxima, já que não pretendendo aprofundar as discussões do conceito, e sim utilizar a teoria como subsídio de análise.

                  Considerando-se o ponto de vista metodológico de ensino  que propicie uma efetiva interação do aluno com a linguagem, o trabalho com a língua portuguesa na perspectiva de gêneros textuais possibilita o desenvolvimento da aptidão para a leitura e a produção textual.  Essa é a idéia que parece nortear a proposta dos  PCNs (1998, p. 23): “toda a educação comprometida com o exercício da cidadania precisa criar condições para que o aluno possa desenvolver sua competência discursiva”. Consta, também nos PCNs (1998, p. 7), como um dos objetivos das atividades do ensino fundamental na disciplina de português o ensino com ênfase na pluralidade sócio-cultural.

         Por isso, estudiosos como Meurer e Motta-Roth (2002) e Marcuschi (2002) têm se preocupado com o estudo dos variados gêneros textuais existentes em nosso contexto (social e cultural), bem como com o caráter pedagógico desse trabalho em sala de aula. Em vista disso, embora não se tenha ainda um conceito acabado para gênero textual, estudos têm sido feitos compartilhando definições convergentes, tendo como ponto de partida o trabalho de Bakhtin (2000).

        Meurer (2002, p.8) afirma que o gênero textual é um “tipo específico de texto de qualquer natureza, literário ou não, oral ou escrito, caracterizado e reconhecido por função e organização retórica mais ou menos típica e pelo(s) contexto(s) no qual é utilizado”. Logo, as especificidades contidas em cada gênero textual possibilitam que esse seja reconhecido pelas pessoas no meio social em que elas vivem. Meurer (2002, p 28) ainda menciona que, ao descrever e explicar gêneros textuais, é possível evidenciar que, no discurso, os indivíduos produzem, reproduzem e desafiam as estruturas e as práticas sociais.

        Assim, baseando-se nas observações de Meurer, a respeito da teoria dos  gêneros,  é possível inferir que os gêneros textuais utilizados, em sala de aula, pelos professores de língua portuguesa, devem estar adequados às diversidades das relações sociais dos alunos. Com isso, um gênero textual específico deve ser usado para trabalhar com uma prática social específica, já que para Bakhtin (2000, p. 279), “a riqueza e a variedade dos gêneros de discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável”. Dessa maneira, os gêneros textuais vão, com o passar do tempo, diferenciando-se e ampliando-se para se adaptarem às mudanças ocorridas na sociedade.

         Por conseguinte, Maingueneau (200, p. 161) conceitua “gêneros do discurso” como “dispositivos de comunicação que só podem aparecer quando certas condições sócio-históricas estão presentes”. Assim, as afirmações feitas por Maingueneau sobre gêneros evidenciam que esses se modificam com o passar do tempo, logo, estas transformações (de conteúdo e de forma) ocorrem para satisfazer as necessidades comunicativas das pessoas.

         Marcuschi (2002, p. 19), por sua vez, define gêneros textuais como “fenômenos históricos, profundamente vinculados à vida cultural e social”, assim como “são entidades sócio-discursivas e formas de ações sociais incontornáveis em qualquer situação comunicativa”. Portanto, baseando-se nos estudos de Marcuschi com relação aos gêneros textuais, conclui-se que estes são o reflexo dos acontecimentos sociais, sofrendo alterações (com relação tanto ao conteúdo como à forma) para poderem desempenhar suas funções comunicativas específicas.

         No que se refere às aplicações dos gêneros textuais em sala de aula, Marcuschi  (2002, p. 35) ressalta que, no ensino, pode-se trabalhar com gêneros para incentivar os alunos a produzirem ou analisarem eventos lingüísticos variados (tanto escritos como orais). Para Marcuschi “o trabalho com os gêneros textuais é uma extraordinária oportunidade de se lidar com a língua em seus mais diversos usos autênticos do dia-a-dia”.

                  Marcuschi (2002, P. 35-36) comenta sobre a incidência dos gêneros textuais nos manuais de ensino de língua portuguesa, argumentando que há variedade de gêneros presentes nessas obras, porém essa variedade não corresponde a uma realidade analítica, ou seja, os gêneros textuais trabalhados em sala de aula pelos professores são sempre os mesmos. Devido a isso, outros gêneros (que fazem parte do cotidiano dos alunos) que não aparecem nos livros didáticos com tanta freqüência, não são trabalhados pelos professores. Desse modo, tais gêneros ficam presentes nos livros apenas para “enfeite” e “distração do aluno”.

         Baseando-se nas afirmações feitas por Marcuschi (2002), pode-se inferir que o material didático utilizado pelo professor de língua portuguesa deverá conter gêneros textuais que façam referência às situações de comunicação específicas, nas quais os alunos possam estar inseridos ou virem a se inserir futuramente. Posterior a isso, o professor deve propiciar exercícios de linguagem que envolvam diferentes gêneros textuais, para que o aluno desenvolva plenamente sua aptidão com relação à leitura e à produção textual.

         Com base nos estudos de Maingueneau (2001), Meurer e Motta-Roth (2002) e Marcuschi (2002) sobre gêneros textuais, conclui-se que o trabalho (em sala de aula pelos professores de língua portuguesa) com os variados gêneros presentes no contexto (social e cultural) do aluno possibilita que este apreenda a utilizar adequadamente os recursos da língua no seu dia-a-dia, a fim de efetivamente participar dos eventos comunicativos nas diferentes situações de uso da língua na sociedade.

         De acordo com Meurer (2000, p. 151), os gêneros textuais, diferentemente das modalidades retóricas (que podem ser facilmente numeradas) constituem textos de ordem variada, como: contos de fada, ensaios, entrevistas, noticias, reportagens, propaganda, entre outros.

2.2 O FEMININO

Estudando a discriminação feminina,  Pires (2001, p.3001), afirma:

 

“o discurso é uma construção cultural que representa, produz sentido e estrutura a identidade do sujeito feminino, levando em conta padrões sócio -históricos deterministas que atestam a desigualdade entre os sexos nas relações sociais. Tal desigualdade tem por sustentáculos as diferenças biológicas”.

         Para Oliveira (1993), em nosso meio social, o masculino costuma ser relacionado ao público e ao social, enquanto o feminino é visto como privado e particular. Dessa forma, socialmente estabelecemos na hierarquia do homem em relação à mulher  “a origem da hierarquia que fez do masculino a autoridade política e social, impondo seu modelo a todas as dimensões da convivência humana”, (Oliveira p. 31).

         Nesse sentido, é possível considerar que o homem, ao longo dos séculos, conquistou o espaço exterior (político e social) da sociedade, já que sempre foi ele quem partiu para a guerra, para, caça e utilizou-se das posições sociais de chefe e de sacerdote, facilitando, assim, a imposição de “regras e valores que fundam a cultura e a sociedade”, Oliveira (p. 36).

         Porém, a mulher, devido às privações sociais  impostas pelo homem, conquistou apenas o espaço interior (privado e particular) na sociedade na qual vive. Logo, essa situação colaborou para que ela somente tenha tido acesso ao mundo doméstico. Por isso, durante muito tempo a mulher foi proibida  de conquistar o seu espaço na sociedade, ou seja, de lutar por seus direitos e deveres na constituição administrativa do seu país.

         Também Oliveira argumenta sobre o fato de o masculino estar associado ao social (forte) em oposição ao feminino que se identifica com a condição natural (frágil) humana (ao fazer essa relação da mulher com o natural, o homem objetiva depreciar o feminino, pois todos nós temos como meta adquirir cultura para, conseqüentemente, nos distanciarmos do natural). “Naturalizadas, as mulheres não foram incorporadas ou tornadas significativas na cultura humana masculina” (p. 40).

         Devido a isso, é importante destacar que o ser humano, sem distinção de gênero, faz parte dos acontecimentos que ocorrem na sociedade e, com isso, caracteriza-se como ser social. Portanto, são crenças e valores culturais, ligados ao senso comum das pessoas, que levam à sociedade atribuir à mulher a característica de ser natural, e não social.

        Contudo, para Oliveira (p. 46), não existe diferença social entre masculino e feminino. Assim, é uma visão preconceituosa do homem em considerar que o universo cultural e social humano está organizado em torno do eixo da dicotomia social. Pois o homem se utiliza das diferenças biológicas entre feminino e masculino, a fim de estabelecer diferenças sociais entre os sexos.

 

   3 ORIGEM DAS TIRAS DE HUMOR

                  O Professor de Língua Portuguesa, na tentativa de despertar o interesse de seus alunos pela disciplinA, pode trabalhar, em sala de aula com os vários tipos de gêneros textuais que estão presentes no contexto social e cultural dos estudantes.

                  Logo, o gênero textual tira de humor pode ser estudado no meio escolar, pois faz parte da variedade de gêneros, existentes em nosso dia-a-dia, com os quais os alunos estão familiarizados. Por conseguinte, a analise do gênero textual tira de humor na disciplina de Língua Portuguesa ajudará a desenvolver o aprimoramento da visão crítica, do conhecimento cultural e do despertar da consciência social dos estudantes.

                  Dessa forma, para a realização de atividades escolares com o gênero textual tira de humor, é importante que o professor informe a seus alunos sobre a origem desse gênero. Assim, o Dicionário de Comunicação, da Editora Ática, informa que as primeiras comis strips (tiras cômicas) ou daily strips (tiras diárias), surgiram em jornais norte-americanos, no final do século passado, com tamanha receptividade que hoje são raros os jornais em todo o mundo que não incluem algumas séries de tiras em suas edições  diárias (e também quase sempre, nas edições de domingo, tablóides especiais de quadrinhos -os sunday comics- com os mesmos personagens das tiras diárias).

                  A partir do modelo implantado nos EUA e praticado em vários outros países, atualmente a distribuição de tiras para jornais é feita, na maioria dos casos (com exceção das produzidas por artistas independentes), por intermédio de agências especializadas (sindicatos), cuja estrutura de produção diminui as responsabilidades de inovação no gênero por estar presa às exigências do mercado.

 

   4 PARTICULARIDADES DO GÊNERO

                  O Dicionário de Comunicação (1987) descreve a tira de humor como uma historieta ou história  em quadrinhos com característica atemporal. Ao contrário da charge, a tira, para que ocorra a leitura e a compreensão do receptor, não depende de um conjunto de dados e fatos contemporâneos ao momento específico em que se estabelece a relação discursiva entre o produtor e o receptor. Ela é geralmente apresentada em uma única faixa horizontal, em uma seqüência curta de quadrinhos com uma história completa, para ser publicada em jornais ou revistas. Uma tira de HQ pode conter uma história curta e completa (como geralmente ocorre com as tiras cômicas ou humorísticas e com historinhas didáticas), ou pode ser um capítulo de uma história seriada (é o caso das tiras de aventura em geral). 

                  A história em quadrinhos comunica uma mensagem narrativa através de dois canais – a imagem e o texto. Pode-se dizer que, na história em quadrinhos, são veiculadas duas mensagens: uma mensagem icônica e uma mensagem lingüística. O relacionamento dessas duas mensagens constitui a mensagem global.

                 A mensagem lingüística compreende dois aspectos: o aspecto narrativo (descrição do quadro, da  situação, das ações) e o diálogo, o qual é geralmente apresentado no estilo direto. O diálogo das histórias em quadrinhos não é, na realidade, uma transcrição da língua falada, mas sim uma linguagem carregada de convenções inerentes ao tipo de narrativa e a sua comunicação com o leitor. As personagens das histórias em quadrinhos falam muito, explicam-se muito, não para si mas para o leitor.

                  Outra característica importante das histórias em quadrinhos é que do ponto de vista técnico elas recorrem - para apresentar os diálogos- a meios específicos: balões, apêndices, símbolos diversos.

                  No que se refere aos balões, eles marcam a incorporação do texto à imagem. Assim, enquanto a técnica do “texto sobre a imagem” separa nitidamente a imagem icônica da mensagem lingüística, prestigiando a segunda, a técnica do balão une as duas mensagens e permite infinitas variações em sua interação. O desenhista deve ter o cuidado de harmonizar texto e imagem, e, principalmente, de não “espremer” a imagem sobre um texto pesado demais.              

                  Portanto, a tira humorística é tratada como uma anedota gráfica e tem o objetivo de provocar o riso do espectador. É uma das manifestações da caricatura, em sentido amplo, e chega ao riso através da crítica mordaz, irônica, satírica e principalmente humorística do comportamento humano, de suas fraquezas e de seus hábitos e costumes.

 

   5 ANÁLISE TEXTUAL DO GENÊRO

                  Na tira de humor, “Como Um Filho Muda A Sua Vida”, há predomínio do tipo textual narrativo e argumentativo. Logo, cada quadrinho contém a voz de um narrador, o qual está explícito na história. Esse narrador introduz, no início de cada quadrinho, uma narração que dará seqüência ao discurso argumentativo das personagens.

                  No que se refere à seleção lexical do texto, a tira contém uma linguagem coloquial própria do cotidiano familiar. 

                  A tira como texto humorístico contém a junção entre os recursos lingüísticos -  pressuposições, inferências, estratégias conversacionais - e a imagem visual do texto (importância dos desenhos, detalhe das expressões faciais das figuras representadas nos quadros, exagero em descrever iconicamente as atividades domésticas da mulher em  seu dia-a-dia).

                  O humor surge na tira do confronto entre as condições sócio-culturais entre homens e mulheres  e do estilo de vida diversificado. Exemplificando: enquanto o homem disponibiliza totalmente o seu tempo para obter realização profissional, a mulher deve, além de se dedicar à carreira profissional, também cuidar com inteira responsabilidade da vida doméstica. 

                  Assim, a surpresa, a criatividade, o exagero, a sátira e a irreverência são alguns dos elementos presentes na tira analisada, os quais causam o humor negro. Esse tipo de humor  é provocado pela incongruência  texto. Logo, a incongruência, que tem o propósito de fazer rir, ou mais do que isso, de criticar severamente a estrutura ideológica da família,  é a ruptura da ideologia sócio-cultural que se estabelece em relação à mulher.

 

   6 ANÁLISE DO CORPUS

                  O autor da tira de humor pode ser considerado um produtor de textos que se utiliza do humor para fazer críticas à sociedade. Logo, ao produzir suas tiras, o humorista tem como objetivo principal atrair a atenção de um determinado público leitor (o produtor precisa ter delineado o perfil do público  receptor, para poder dosar as informações veiculadas por sua produção discursiva, ou seja, é necessário que o autor tenha em mente o reflexo do pensamento que o leitor gostaria de exprimir), assim, uma das técnicas usada por ele, para seduzir o leitor, é a articulação entre diferentes linguagens, especialmente a verbal e a visual. Dessa forma, é possível perceber que, além do texto escrito, o produtor de tiras também recorre ao texto com imagens, pois o texto imagético prende a atenção do leitor e transmite a ele, através das personagens, um posicionamento crítico às questões  ideológicas da sociedade.

                  Assim, o produtor, ao elaborar a tira de humor enquanto discurso humorístico, pretende analisá-la como um texto crítico, o qual contém emoções que envolvem os fatos. O cartunista, através do humor, desvela no leitor uma visão de mundo sobre as irregularidades culturais e, com isso, torna a tira um meio de comunicação que denuncia os preconceitos sociais. Nesse sentido, além de transmitir informações com criatividade e humor, a tira também favorece a realização de uma leitura crítica da condição social da mulher moderna,  adequando-se, nesse caso, às leitoras de hoje que, cada vez mais, passam a ler a imagem associada à palavra.

                  O produtor da tira de humor faz com que esta apresente ao mesmo tempo o paradoxo da leveza e o da profundidade, ou seja, ao mesmo tempo em que a tira é um texto de lazer e entretenimento,  ela aborda também  questões de ordem social e cultural. Logo, os efeitos de sentido da tira não são ocasionados pela simultaneidade dos movimentos opostos, mas justapostos, que possibilitam um riso de zombaria sobre a vida familiar da mulher na atualidade.

                  Nesse sentido, com o propósito de fazer rir, o autor utiliza a ruptura de esquemas para atingir o ouvinte. Essa  ruptura dos esquemas cognitivos relativos à ideologia materna, que é causada pela incongruência do texto, provoca o riso no receptor e viola os tabus impostos ao tema da dicotomia sexual. Com isso, através da incongruência do texto, o produtor causa um rompimento flagrante dos esquemas culturais do leitor, proporcionando o “humor negro”, o qual possui a finalidade de surpreender o receptor.

                  A incongruência é utilizada pelo humorista como forma de ridicularizar a condição submissa da mulher na família e na sociedade em geral e, dessa forma, fortalecer o estereótipo feminino.

                  Desse modo, o produtor de tiras tem como objetivo principal persuadir, ou seja,  influenciar o imaginário do interlocutor ao revelar a ideologia subjacente aos discursos sociais, despertando o interesse pelo humor.

                  No que diz respeito ao leitor da tira de humor, ele é, no caso da tira analisada, a leitora da revista Cláudia. O público receptor da tira é feminino, porque a revista é predominantemente destinada à mulher, uma vez que contém reportagens sobre moda e beleza feminina, amor, entre outras. Supõe-se que a leitora da tira de humor seja uma mulher moderna, ou seja, que possui uma vida profissional agitada, porém está sempre preocupada com a sua aparência física.

                  A receptora da tira é uma mulher que está disposta a criticar os valores, as crenças e os costumes de uma sociedade hierarquizada pelo homem. Logo, através de uma leitura crítica à leitora reflete sobre as injustiças sociais de uma cultura dominada pelo machismo do  gênero masculino. 

                  Portanto, o leitor é quem dá sentido ao texto, pois um único texto pode ter vários sentidos dependendo do contexto sócio-cultural de seu público leitor. O sucesso de um texto não  depende somente da opinião do autor e, sim, do conhecimento partilhado entre seus interlocutores. O produtor do texto precisa estar atento para o que cada leitora gostaria da dizer e não tem oportunidade na mídia para expressar-se verbalmente, isso faz com que ocorra uma relação de confidência entre produtor e consumidor.Do repertório de conhecimento de seu receptor, das características determinadas pela tipologia textual, enfim, do contexto em que o discurso é produzido e interpretado, ou seja, das condições de seu funcionamento. Com isso, estabelecidos os limites e as regras próprias, desenvolve-se uma interação prazerosa entre os interlocutores.

                  No que diz respeito ao tema central da tira analisada, é interessante abordar dois tópicos.

                  O primeiro tópico diz respeito à discriminação, em relação ao mercado de trabalho, que a mulher moderna (retratada na tira), integrante de uma família argentina de classe média, enfrenta, mesmo depois de muitos anos de luta feminista em busca da igualdade de direitos, pois, ainda nos dias de hoje, ela é  inferiorizada pela sociedade machista. Esse machismo, que está presente no “senso comum” das pessoas, é fruto de uma cultura familiar, escolar e social e por isso prevaleceu sempre vivo entre os sexos, fortificando a dicotomia sócio-cultural dos gêneros culturais.

                  Porém, mesmo com o predomínio do pensamento e da atitude machista em nosso meio social, o sistema globalizado da sociedade colaborou para a ampliação da interação profissional entre os sexos, pois as mulheres cada vez mais saem de casa para trabalhar. Logo, o trabalho é um valioso recurso para diminuir a distância sócio-econômica entre os gêneros culturais. A mulher, em busca de uma especialização profissional, alterou o seu status social de inferioridade e evoluiu  na conquista de seu espaço no mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Assim, mudanças na representação da mulher no mercado de trabalho demonstram que vivemos em um país globalizado que está em constante atualização.

                  O segundo tópico questiona a relação da mulher com a esfera privada (vida familiar e pessoal) e com a esfera pública (vida social e profissional) e, além disso aborda a não valorização (da família e da sociedade) do sentimento feminino, ou seja, aos “olhos da sociedade” ser mãe é apenas uma “graça” alcançada, por isso nada mais importa. Logo, as dificuldades físicas e psicológicas vivenciadas pela mulher em sua dedicação ao lar não são relevantes.

                  Nesse sentido, o sexo feminino tem uma relação especial com a esfera privada da família e da vida pessoal. A esfera da vida pessoal teve papel importante na modificação da sexualidade e na contracultura nos anos 60. O ano de 1968 representou o triunfo da esfera privada – um tempo de narcisismo apolítico; mas também representou um período de politização da esfera privada, realizada pelo movimento de  mulheres, único movimento (surgiu nos EUA, no final dos anos 60, com objetivo de uma nova forma de vida política, chamada “política de identidade” e procurava recuperar uma identidade estigmatizada a fim de revalorizar o pólo desvalorizado de uma hierarquia dicotomizada como masculino/feminino)  pós 68 que sobreviveu e deu frutos. Assim, o movimento da política da identidade  foi parte de uma luta continua das mulheres pela igualdade e conseguiu uma conquista histórica ao separar o público do privado, as conexões internas entre a família e a economia. Essas conquistas possibilitaram grandes mudanças estruturais, especialmente a entrada em grande escala das mulheres na economia pós-industrial, baseada no serviço. 

                  Dessa maneira, atualmente nossa sociedade globalizada amplia a interação profissional entre os sexos, pois as mulheres cada vez mais saem de casa para trabalhar. Logo, o trabalho é um valioso recurso para diminuir a distancia sócio-econômica entre os gêneros culturais. A mulher, em busca de uma especialização profissional, alterou o seu status social de inferioridade e evoluiu  na conquista de seu espaço no mercado de trabalho cada vez mais competitivo. Assim, mudanças na representação da mulher no mercado de trabalho demonstram que vivemos em um país globalizado que está em constante atualização.

                  Porém, apesar de ter conquistado o mercado de trabalho, a inferioridade social da mulher ainda continua e já se transformou em um mito, em um sistema de crenças das sociedades tradicionais. Embora ela tenha alcançado espaços cada vez maiores na economia, na política e na educação do país, essa independência pessoal ainda não está acessível a todas elas, pois em nossa sociedade o sexo feminino ainda sofre restrições de ordem machista.

                  Na tira analisada, a incongruência textual ocorre na forma como o autor critica, através da linguagem verbal (a maneira irônica de relatar os diálogos entre as personagens) e não-verbal (o modo sarcástico de desenhar as expressões faciais e o comportamento das personagens) o comportamento submisso da mulher perante as atividades domésticas do seu cotidiano, ou seja, a mulher nesse caso pode ser considerada uma “rainha do lar”.

                  Dessa forma, já nos três primeiros quadros, é possível perceber  a insatisfação da figura feminina perante as suas relações familiares, pois a mulher é vista pela família como a única responsável pelos cuidados domésticos. Ao assumir a responsabilidade de ser mãe,  ela não dispõe mais de tempo para sair e se divertir, por isso é obrigada a abrir mão daquilo que gosta de fazer como: assistir ao filme preferido, jantar fora (ao invés de ficar só em casa cozinhando o tempo todo), ouvir a música, que gosta e sair com os amigos para se divertir.

                  No terceiro quadro, a dona-de-casa recebe críticas da própria mãe, a qual assim como os outros membros da sociedade, também, é preconceituosa. Nesse caso, a mulher é dominada pelo poder (essa questão ideológica de o homem deter o poder familiar, devido ao fato de ele ser o responsável pelas condições financeiras da  família, e também, por ter tido  oportunidade de estudar, e por isso, é considerado culto, colabora para que se mantenha o “título social” da superioridade do sexo masculino) familiar e social masculino, pois enquanto ela fica em casa esperando o marido retornar do trabalho, ele pode estar se divertindo, com outra mulher, por exemplo.

                  Do quarto ao sexto quadro, estão expressas as relações sociais do gênero feminino em seu cotidiano. Nesses quadros, é possível evidenciar que a vida social da mulher, assim como a vida familiar, sofreu alterações, pois ela, devido às questões maternas, é levada  a abandonar um modo de vida tranqüilo e organizado (proporcionado pelo descomprometimento civil) para adotar a rotina desgastante, adquirida depois do casamento,  das responsabilidades maternas.

 

                  Na seqüência, o sétimo e o oitavo quadro dão continuidade à comparação (antes e depois da maternidade) do modo de vida da mulher. Assim, após assumir as responsabilidades familiares, ela se encontra em uma situação deprimente, sem expectativas de alcançar  futuramente a igualdade dos sexos.

                  No último quadro, pode-se verificar melhor essa questão da ausência de perspectiva positiva da mulher em relação à sua posição social e familiar. Isso é constatado através do diálogo deprimente da personagem (a qual demonstra uma aparência física de cansaço e desilusão), em sua fala, ela apresenta a falta de esperança de que o estereotipo, de “mulher objeto”, de  “ser inferior”, possa ser desfeito algum dia. Nesse quadro, pela primeira vez, tem-se a presença da figura masculina colaborando nas tarefas familiares. Com isso, constata-se que, apesar de vivermos em uma sociedade moderna, ainda continuamos com a visão ultrapassada de que é a mãe quem deve dispor de maiores responsabilidades no cuidado e na educação dos filhos.

                 Por conseguinte, pode-se constatar, na tira analisada, que o autor, por meio do desenho associado à palavra, critica a desigualdade social entre sexos, ou seja, ele questiona a condição submissa da mulher perante a família e a sociedade. Esse posicionamento do autor sobre as dificuldades familiares enfrentadas pela mulher  leva o leitor a refletir sobre o tema abordado e a formar sua própria opinião a respeito do assunto. Assim, o humor crítico traz à tona episódios do cotidiano propiciando ao leitor um momento de entretenimento e, ao mesmo tempo, de reflexão. Logo, o estudo da tira  aponta para uma outra forma de o leitor observar a realidade familiar e  social do sexo feminino, pois a tira tem a função de retratar a discriminação que a mulher, “como mãe”, enfrenta tanto dentro quanto fora de casa.

 

 

 

 

 

   7 CONSIDERAÇÔES FINAIS

         Ao concluir a análise da tira de humor como gênero textual, constatou-se que  essa possui especificidades contextuais e textuais e que contém uma função social específica, e uma forma relativamente estável. Isso possibilita que ela seja considerada um gênero textual.

                  O ensino de Língua Portuguesa pode, portanto, ser abordado por meio de leitura e produção de textos sob  perspectiva de gêneros textuais. Cabe destacar que o estudo da tira de humor contribui para um trabalho diferenciado com leitura e produção textual em sala de aula.

                  A tira constitui-se em uma alternativa para desenvolver as habilidades lingüísticas dos alunos, pois possui um grande potencial crítico-argumentativo e explora recursos de linguagem verbal e não-verbal.  Assim, ensinar nessa perspectiva, contextualizando-se e tendo a noção de como a língua pode ser utilizada, é a função do professor de língua materna contemporânea, e nada mais propício para isto do que o trabalho com gêneros textuais.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

BAKHTIN, Milshail. Estética da Criação Verbal. São Paulo : Martins Fontes, 2000.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Brasília : Mec/SEF, 1998.

COULTHARD, Malcolm. Linguagem e sexo. Trad. Carmen Rosa Caldas-Coulthart. São Paulo, Ática, 1991. (Série Princípios).

GHILARDI, Maria Inês. O humor na charge jornalística.In: Comunicarte. Vol.12.n 20 (1995/1996) Campinas. SP.

MAINGUENEAU, D. Análise de Textos de Comunicação. Tradução de Cecília P. de Souza-e-Silva e Décio Rocha. Asão Paulo : Cortez, 2001.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros Textuais: definição e funcionalidade. Rio de Janeiro : Lecerna, 2002.

MEURER. J. L. & MOTTA-ROTH, D. (Org.) Gêneros Textuais e Práticas Discursivas. Bauru, São Paulo : Edusc, 2002

RABAÇA, Carlos Alberto & BARBOSA, Gustavo. Dicionário de Comunicação, Editora Ática S.ª São Paulo, 1987.

VANOYE, Francis. Usos de linguagem: problemas e técnicas na produção oral e escrita. 7. ed. São Paulo, Maritns Fontes, 1987.

 

 

ANEXO 1