FALAR NA LÍNGUA DO OUTRO:

Regressão ao Infans ou Desconstrução do Sujeito de Língua Materna

 

CAVALHEIRO, Ana

 

 

O presente trabalho focaliza a experiência do estranhamento de aprendizes de espanhol e de inglês em relação à oralidade desenvolvida na língua estrangeira. Outras palavras, outros sons e movimentos articulatórios diferentes favorecem ao aprendiz regredir ao infans e desestabilizar o sujeito de língua materna. Dessa forma, o sujeito, que encontra na linguagem a forma de dizer seu desejo, expressar suas necessidades e relacionar-se com o mundo, quando “entra” na língua estrangeira propicia o próprio estranhamento. Risos, desconcertos, ansiedade e satisfação compõem o cenário que nos propomos estudar. Com base em fundamentos da Psicanálise freudo-lacaniana e da Análise de Discurso (AD), discutimos, então, os conceitos de “sujeito de língua materna”, “sujeito na língua estrangeira” e as atitudes de alunos brasileiros frente à prática da oralidade na aula de espanhol e de inglês como línguas estrangeiras. Como professores, compreendendo como o aluno lida com tal experiência, acreditamos poder criar um ambiente mais favorável, motivá-lo e facilitar, assim, sua relação com a “nova oralidade”.

 

Palavras-chave: Estranhamento; Oralidade; Língua Estrangeira

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

Na sala de aula de língua estrangeira (LE), as primeiras experiências com uma articulação fonética diferente necessária para uma também diferente forma de nomeação das coisas do mundo, provocam atitudes diversas, muitas vezes contraditórias. Alegria e prazer confundem-se com ansiedade, timidez ou vergonha. O riso, ora nervoso, ora demonstrando satisfação, é atitude natural nesse contato inicial com a oralidade na “língua estranha”, o que evidencia a existência de um conflito nesse processo.

A didática das línguas estrangeiras comumente descarta e desconsidera o confronto existente entre a língua materna do aprendiz e a língua que quer aprender. Ocorre que, inevitavelmente, os aprendizes convivem com  pontos de bloqueio na hora de “ser um outro”, de  “ver com o olho de um outro”, a outra forma de “dizer o mundo e a si no mundo”.

Torna-se relevante, portanto, verificar, na subjetividade do sujeito-aprendiz de língua estrangeira, como ele convive com a experiência  do estranhamento frente à “nova oralidade”. Também nos interessa discutir se o aprendizado de uma língua genealógica e geograficamente “mais próxima” da língua materna (LM) do aprendiz – no caso, o Espanhol – produz atitudes diferentes aos propiciados por uma língua genealogicamente “mais estranha”, como o inglês. Cabe-nos salientar, a guisa de sermos bem compreendidos, que o inglês, “do jeito em que se encontra”, enquanto “territorialidade dispersa”, também se apresenta como geograficamente próximo se considerarmos que está em toda parte.

Para tanto, analisamos, pela ótica da Análise de Discurso e subsidiados por conceitos da Psicanálise freudo-lacaniana e da Teoria da Enunciação – na perspectiva  de Jacqueline Authier-Revuz –, relatos de aprendizes de Espanhol e de Inglês a respeito das primeiras experiências de “falar na língua do outro”. Os aprendizes descrevem como se sentiam nas primeiras aulas, quando nos momentos de falarem o novo idioma.

 

O MOSAICO

 

O processo de aprendizagem de um novo idioma comparamos a um grande mosaico, o qual está formado por diferentes fatores de diferentes ordens, onde cada parte tem suas especificidades. Na complexidade desse “mosaico”, tentar compreendê-lo como um dado, isto é, como um todo objetivo e homogêneo seria tarefa árdua e inalcançável. Porém, pode-se descrever e tentar compreender o valor de partes e sua função na relação com o todo, problematizando questões não gramaticais referentes, por exemplo, à afetividade/desafetividade para com a língua alvo, ao interesse/desinteresse, à satisfação/insatisfação, sejam estes fatores movidos por questões profissionais, instrumentais, pela busca de status ou mesmo pela emergência a que estão condenados os imigrantes.

Em qualquer um destes contextos, inevitavelmente, o corpo entra em jogo. Ocorre que, além de ser objeto de uma prática social baseada na interação, as línguas também são objeto de uma prática corporal (CHRISTINE REVUZ, 1998). Para Revuz, a dificuldade de aprender uma língua estrangeira pode ser compreendida se levarmos em conta que ela exige uma interação de dimensões do sujeito que nem mesmo convivem em harmonia: afirmação do eu, trabalho de corpo e dimensão cognitiva. O aprendizado da língua estrangeira solicita, a um só tempo, nossa relação com o saber – por exemplo, é necessário interar-se e memorizar novas estruturas lingüísticas –, com nosso corpo – uma nova articulação fonética é necessária – e com nós mesmos enquanto sujeito-que-se-autoriza-a-falar-em-primeira-pessoa, ou seja, tem-se que se  assumir como sujeito que fala por si, que deseja, que nomeia, que se posiciona, que constrói significados, que atua na prática social da comunicação. No presente trabalho, nos interessa descrever como se manifesta na linearidade do dizer o que diz respeito à dimensão corporal.

Com relação ao trabalho do corpo que a língua estrangeira exige, é básica e evidente a necessidade de  articular de outra forma do que a que estamos acostumados e que nos parece, até então, como única. E, se “o corpo já fala” quando se fala ou até mesmo quando “se cala” em língua materna, na língua estrangeira o corpo tem que falar diferente, ou melhor, o aparelho fonador articula diferente. Essa nova articulação pode ser mais difícil para uns, mais prazerosa para outros. Christine Revuz chama  a atenção não só para a flexibilidade psíquica que o aprendiz tem que ter para aprender uma LE, como também para essa flexibilidade articulatória:

 

Tentar pronunciar o “r” francês, o ‘j’ espanhol, o som de “th” do inglês, é proporcionar uma liberdade esquecida ao aparelho fonador, explorar movimentos de contração, relaxamento, abertura, fechamento, vibração que produzem, ao mesmo tempo que os sons, muitas sensações surpreendentes no plano dessa região bucal, tão importante no corpo erógeno (CHRISTINE REVUZ, 1998, p. 221).

 

 

Então, para renomear a tudo, dando-se conta de que não há paralelo entre linguagem e mundo e que ambos pertencem, portanto, a ordens distintas, tem-se que produzir novos sons através de uma nova forma de articular o aparelho fonador e, ainda, ser enunciador responsável pelo que se diz. Paralelamente a estas exigências, solicitam-se também, “as bases mesmas de nossa estruturação psíquica, e com elas aquilo que é, a um mesmo tempo, o instrumento e a matéria dessa estruturação: a linguagem, a língua chamada materna” (CHRISTINE REVUZ, 1998, p.217).

 

ENTRE O FAMILIAR E O ESTRANHO:

 

O Sujeito de Língua Materna

 

Colocamos em pauta a abordagem psicanalítica de um “sujeito de linguagem”, sedimentado afetivamente pelo amor à língua materna. Esse sujeito, que quando criança encontra na linguagem a forma de dizer seu desejo, denominamos “sujeito de língua materna”. O que ocorre é que a criança, a princípio, impossibilitada de perceber-se como indivíduo, tem-se como algo desestruturado e esfacelado; é continuação da própria mãe. Considerando a si como objeto único de desejo da mãe – o falo –, pelo recalque originário[1]  a criança substitui o objeto perdido em uma troca de significante na qual o pai tem o papel de substituto do significante recalcado que corresponde ao significado do desejo da mãe para o sujeito. Segundo Lacan, é no advento da linguagem como acesso ao simbólico que se configura o controle simbólico do objeto perdido, em uma relação metafórica de substituição de significantes. Essa relação metafórica explica-se pelo fato de que a criança necessariamente deve abandonar o “ser” o falo da mãe para deslocar-se para o “ter” um substituto simbólico para representar a coisa perdida. Segundo o autor, é necessário “que a criança seja conduzida a colocar-se como ‘sujeito’, e não mais apenas como ‘objeto’ de desejo do outro”. E acrescenta: “o advento desse ‘sujeito’ atualiza-se numa operação inaugural de linguagem, na qual a criança se esforça por designar simbolicamente sua renúncia ao objeto perdido” (apud DOR, 1989, p.90).

A linguagem primeira, portanto, seria a forma de o sujeito expressar simbolicamente seus desejos. Nestes termos, entendemos por que a língua materna é tão fortemente caracterizada enquanto traço marcante da identidade do sujeito.

 

O Sujeito na Língua Estrangeira

 

“O que me chamou atenção naquilo foi como aquilo me atacou o físico, como eu saia suando todo de tentar fazer aquilo com a boca e que  eu sabia o que eu queria dizer. Não queria pronunciar tão certo, apenas ser entendido, apenas conseguir falar, não precisava ser sem sotaque, era só eu conseguir. Prá falar é é é foi uma tranqueira, e ainda é uma tranqueira” (estudante de agronomia,44 anos, aprendiz de inglês, nível básico).

 

 

Ao tratar sobre o sujeito na língua estrangeira, Revuz diz que o estar-já-aí da primeira língua “é tão onipresente na vida do sujeito, que  tem a sensação de jamais tê-la aprendido, e o encontro com uma outra língua aparece efetivamente como uma experiência totalmente nova” (1998, p. 215). Isso nos faz pensar que normalmente não tomamos consciência do vínculo afetivo que temos com a própria língua, a não ser quando nos deparamos com outra, de corpo e alma. De corpo porque é necessário mudar o corpo, articular de outra forma que aquela a que estamos acostumados e que parece, talvez inconscientemente, ser a única; e ao mesmo tempo mexer com nossos sentidos, com nosso saber. É necessário re-pensar e re-nomear as coisas do mundo entendendo a diferença dos sentidos de palavras e expressões que não existem em nossa língua. Portanto, é ver o mundo com outros olhos, sobre uma perspectiva diferente. É deslocar-se daquela identidade aparentemente una, normal, “a identidade” (TADEU SILVA, 2000). Tão bem define Christine Revuz ao dizer que “o sujeito deve pôr a serviço da expressão de seu eu um vaivém que requer muita flexibilidade psíquica entre um trabalho de corpo sobre os ritmos, os sons, as curvas entoacionais e um trabalho de análise e de memorização das estruturas lingüísticas” (1998, p. 217). Enfim, pôr-se na língua estrangeira é transcender, é mexer com uma identidade aparentemente estável, é despertar o confronto  com a diferença que já faz parte de nós mesmos. Julia Kristeva diz que “estranhamente, o estrangeiro habita em nós: ele é a face oculta da nossa identidade (...) o estrangeiro começa quando surge a consciência de minha diferença e termina quando nos reconhecemos todos estrangeiros, rebeldes aos vínculos e às comunidades” (1994, p. 9). Para a autora, a única liberdade do estrangeiro como nômade que se afasta de suas origens, é justamente a própria liberdade. Desfeito o laço que o prende ao seu “chão” natal e à sua língua materna, sente-se “completamente livre”, ainda que seu espaço seja “como um trem em marcha, um avião em pleno ar (...)” (1994, p. 15).

Assim, mesmo quando se trata da aprendizagem de uma língua estrangeira, acreditamos que a alteridade que nos compõe faz brotar o nômade que temos em nós. O desejo de falar a língua do outro, de ser um outro, parece uma tentativa de evocar o eu estrangeiro, o próprio estranhamento. Esse desejo, Revuz (1998) situa como uma experiência de retorno e regressão ao infans, pois proporciona novamente a liberdade ao aparelho fonador, privilegiando a oralidade.

Ao “entrar” na língua estrangeira, tomar a palavra “estranha”, a um só tempo, se é tomado por ela. Como disse Serrani-Infante, o aprendizado de uma segunda língua, “talvez seja uma das experiências mais visivelmente mobilizadoras das questões identitárias do sujeito” (1998, p. 256). Em seus estudos, a autora busca aprofundar questões de ordem não cognitiva e suas implicações identitárias. Para ela, o encontro com uma língua estrangeira, seja por imersão, não imersão ou contexto formal em sala de aula, faz parte de um processo amplo e fundamental que é de tomada de palavra. Não no sentido de “tomar” a língua como mais um instrumento a serviço de sua comunicação. “Quando se toma a palavra, sabemos, toma-se um lugar que dirá respeito a relações de poder, mas, simultaneamente, “toma-se” a língua, que tem um real específico, uma ordem própria”. Neste contexto, tomados pela língua estrangeira, tem-se que ser sujeito também em língua estrangeira, ou seja, sujeito que constrói significados e  atribui sentidos ao mundo em que se insere. E  acrescenta também que, “ao tomar a palavra somos tomados pela língua”. Segundo  O. Mannoni, “uma identificação é uma captura. Aquele que se identifica talvez creia que está capturando o outro, mas é ele quem é capturado” (apud INFANTE, 1998, p.253). Relativamente a isso, achamos que o sujeito se identifica mais ou menos com a língua que aprende ou ensina,  dependendo da captura que essa língua exerça sobre ele.  Acreditamos que  a imagem que faz da língua, bem como a identificação com o país em que se fala essa língua, incluindo aí seus aspectos sociais, culturais, políticos, etc., é, sem dúvida, fator de uma maior ou menor captura do sujeito.

Por outro lado, alguma coisa da memória histórica da língua estrangeira, fica em suspenso ou apagada para quem a aprende – ou é apreendido por ela –, ou seja, o sujeito não comunga de todo com aspectos que dizem respeito a muitos dos pré-construídos que pertencem à nova língua, por mais que se veja interado da história que a acompanha. Queremos dizer que, inevitavelmente, se é alheio a valores, cargas morais ou afetivas que acompanham sentidos da língua que se está aprendendo. E isto talvez seja um dos aspectos chaves, senão o mais significativo, que mantém a língua estrangeira em seu estatuto de “estrangeira”, de sempre mais ou menos estranha ao sujeito. Pode-se encontrá-la de todo na gramática, fluência, musicalidade, mas alguma coisa de ordem da memória histórica ou da “não-comunhão” psíquica com uma língua que não é a da primeira infância – língua da expressão de necessidades e desejos – ficará inapreensível. Por isso, por mais perto que nos sintamos, chamaremos sempre: Língua Estrangeira.

Aproximando os estatutos de língua estrangeira e língua materna à perspectiva psicanalítica, podemos verificar como estes “opostos” se cruzam. Segundo Bley (2005, p. 54), “o interjogo linguageiro entre o eu e o Outro[2], entre um e os outros, por vezes põe uma distância e escancara ao mesmo tempo em que encobre, aquilo que a análise endereça ao âmago, ou seja, uma complexização necessária do estranho-familiar”. Isto se refere à não exclusão dos contrários feitos pelo inconsciente que a psicanálise propõe. Tais considerações provêm do texto freudiano Das Unheimliche (1919), no qual heimlich refere-se a algo familiar que coincide com seu próprio oposto unheimlich – não familiar, estranho, sinistro, inquietante.

 Conforme Bley (2005, p. 55), “o que se tornou alheio, estrangeiro (unheimilich) está associado ao processo de recalque, onde como estranho retorna inquietante”. E prossegue: “neste sentido, o desconhecido como o não nomeado, separado do familiar, de certa forma, absorvido por alguma representação como no lugar da coisa, abriga algo não identificado como si próprio ou outro”. E ainda, “Como resto de imagos, o estranho variável para cada um, não cai, necessariamente, sob um recalque definitivo. Pode estar rejeitado, recusado o ainda em reserva de ser construído, falado, elaborado”.

Parece relevante, relacionar tais postulações ao estranhamento experienciado  no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira por aprendizes já adultos, em vista de que verificam-se em sala de aula atitudes contraditórias que mesclam a tranqüilidade compatível à algo familiar, com o desassossego inquietante de algo forasteiro.

 

AS ANÁLISES:

 

O presente trabalho concorda com Infante (1998, p. 257), na medida em que pretende “dar-se escuta ao outro lugar onde a segunda língua fala: lugar do desejo de falar uma outra língua,  que não a materna”. Apresentamos e discutimos, a seguir, relatos de aprendizes iniciantes de língua espanhola  e de língua inglesa, sobre o primeiro “falar na língua estranha”.

Participaram da pesquisa um aprendiz de espanhol e um aprendiz de inglês, respondendo à seguinte questão: Você pode descrever aspectos positivos e/ou negativos, sentimentos ou sensações que experimentou ao pronunciar as primeiras palavras e as primeiras frases na língua que está aprendendo? Queremos com isso entender, mais especificamente, a dimensão ao nível do corpo, do confronto e do encontro com a alteridade que se faz presente ao ingressar em uma língua que não a materna.

 

 

ASPECTOS DO RELATO DE UM APRENDIZ DE LÍNGUA INGLESA

 

Ancorado na língua materna

 

SDR1: Eu imaginava que fosse uma coisa muito mais lite esse começo / e é encima disso que ela tem trabalhado muito: da autestima e ao mesmo tempo da cobrança. / já nos deu a autoestima e já nos conseguiu fazer a gente falar alguma coisa. Aí ela diz assim / agora na última aula mesmo / que a gente vive falando português / a gente fala português pra cacete (ela que manda quanto que a gente pode falar em português) eu tenho achado ela muito boa / se fala português e tá bom / ela conversa com a gente em português / pergunta como foi o fim de semana.

 

A língua materna, língua da afetividade, nesse ingresso tão complexo e nada fácil, vem confortar o aprendiz. Para o aprendizado da língua inglesa, tão distante na genealogia, na fonética, enfim, na oralidade, a língua materna lhe serve de âncora.Ao falar em português, a professora diminui o abismo que separa as duas línguas e colabora, assim, para elevar a autoestima do aprendiz.

A imagem que o aluno faz da professora, é de alguém que consegue com que o aluno aprenda, mais do que ele mesmo: nos conseguiu fazer a gente falar alguma coisa. Nestes termos, o sujeito-aprendiz identifica-se com o saber segundo o qual o professor tem o poder e o controle sobre a língua estrangeira e seu aprendizado. Além de “conseguir fazer o aluno falar”, o sujeito-professor controla o quanto se pode ir agarrado na LM para aprender a língua estrangeira. Mas isso não é o que mais nos interessa, e sim a atitude do aprendiz com relação às duas línguas: materna e estrangeira.

É nítido o conforto do aprendiz que louva poder falar na língua materna, quando na aula de língua inglesa: a gente vive falando português / a gente fala português pra cacete (ela que manda quanto que a gente pode falar em português) eu tenho achado ela muito boa / se fala português e tá bom / ela conversa com a gente em português / pergunta como foi o fim de semana. Compreendemos que a professora eleva a autoestima do aluno muito pelo fato de permitir a fala em português tanto entre os companheiros de aula, como na relação entre professor e aluno: eu tenho achado ela muito boa. O sujeito-aprendiz, ao reiterar o “falar português”, reitera a necessidade de um porto seguro, ou seja, sua língua materna, sua intimidade, sua identidade maior. A língua materna funciona como  uma pausa necessária no sufoco da aprendizagem de uma língua, a princípio, tão estranha e diferente.

 

 “Eu”, “tu” e “a gente”: o desdobramento do sujeito

 

SDR2: Tu não tá conseguindo falar / era assim o que eu sentia / então tu tá com uma tranqueira aqui e para superar essa tranqueira a gente faz um esforço. / E aquilo começa  a ficar cansado / é que dá uma angustia de  tu não conseguir / de tu ter muita dificuldade / de ser um parto para tu dizeres uma frase simples e banal. / Tanto esforço para conseguir dizer aquilo.

 

SDR3: Eu como li / como aprendi a letra do inglês correndo quilômetros sempre na frente da pronúncia ou do ouvido / coisas que pareciam simples quando tu lês ta bom / tu não tá pronunciando / não tem ninguém ouvindo / é eu com as letras / agora quando eu tenho que falar e as outras pessoas .... eu não posso ficar falando [Ja’pan] / eu tenho que falar [Ja’pen] / nem [‘Japen] / e isso tem que sair normal .... é aquele negócio do errar.

 

            Vemos, na SDR2, que o sujeito-enunciador fala de si mesmo tratando-se por “tu”, como se houvesse uma parte realmente estrangeira em si. Assume duas posições-sujeito ao falar consigo mesmo como se fosse um outro: Tu não tá conseguindo falar / era assim o que eu sentia. Essa alternância de posições, ora “Eu”, ora “Tu”, relacionamos ao episódio do estranhamento que sugere Kristeva. Segundo a autora, “estranhamente, o estrangeiro habita em nós: ele é a face oculta da nossa identidade (...)” (KRISTEVA, 1994, p. 9). Nesse emaranhado, onde o “Eu” é o falante de português, o “Tu” é o que tenta falar inglês, ou seja, o outro, a outra parte de si. O “Eu” fala de um outro lugar para o “Tu” que não ta conseguindo, que ta com uma tranqueira, que sente angustia e tem dificuldade.

            Essa alternância, como um “tique”, revela um sujeito dividido no sentido de que experimenta a identidade  desdobrada, tanto é que se assume como dois. Em determinado momento, o “a gente”, com valor retificativo, vem unificar e reduzir a diferença entre o “Eu” e o “Tu”: para superar essa tranqueira a gente faz um esforço. Relacionamos tal episódio à forma de não-coincidência interlocutiva[3] proposta por Authier-Revuz, por entendemos que o enunciador busca apagar “a não-coincidência do “Eu” e do “Tu”, ‘anexando’ o outro ao seu próprio querer, reduzindo, assim, a diferença entre ambos pela assimilação na unidade de um ‘nós-enunciador’” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 92).

            De forma semelhante, na SDR3, o sujeito permanece cindido entre “Eu” e “Tu”: eu como li; é eu com as letras; quando eu tenho que falar e as outras pessoas; eu não posso ficar falando [...]; eu tenho que falar[...] e quando tu lês ta bom; tu não tá pronunciando / não tem ninguém ouvindo. Notamos, então, a assimetria do sujeito consigo mesmo, por se dividir entre pessoas distintas – tu; eu – e unificar-se no “nós”.

 

No compasso da melodia

 

SDR4: Eu pensava assim que fosse... / porque tu ta falando as frases mais simples / então vai ser uma coisa alegre / vai ser uma coisa tranqüila / eu vou dizer ... eu sabia como que era / mas como é que eu faço? Como é que eu faço para falar? / sei como é que tem que sair / sei que tem que ser [a’gronomi] / mas como é que eu faço [aa’gronomi]? / Como é que eu faço / para fazer [a’gronomi]?  E aí tu faz! / e depois de toda aquela preparação / FAZ! / saiu errado: falei [agrono’mi] / e ela diz com todo carinho yes! mas só que não é [agrono’mi] é  [a’gronomi].

 

SDR5: Não queria pronunciar tão certo / apenas ser entendido / apenas conseguir falar / não precisava ser sem sotaque / era só eu conseguir / se a sílaba tônica... /  eu não queria errar a sílaba tônica total.

 

                 Querer controlar totalmente a língua estrangeira é um objetivo que causa, muitas vezes, a frustração tanto do professor quanto do aluno. Ocorre que a aprendizagem de línguas estrangeiras, comumente, busca ter um molde, um exímio “monitorador krasheniano” (Coracini, 2003), um aluno “falante chomskiano” (Rajagopalan, 2003), fluidez, gramaticalidade, adequação lexical, respostas corretas, espontaneidade, musicalidade, porém se esquece de considerar a subjetividade de um sujeito aprendiz que tem que “retornar ao infans” ou desestabilizar aquele sujeito até então de uma só língua: a língua da infância, da estruturação psíquica, enfim, da afetividade. Para Coracini (2003, p.152), como o desejo de controlar a linguagem é cultural, quer dizer, é uma ilusão necessária ao sujeito, a escola e o ensino também se pautam na crença da possibilidade de controle da aprendizagem pelo professor e pelo aluno. É necessário que se revejam esses valores, que não se almeje um aluno “cartesiano”, “tábua rasa” de sons, palavras ou estruturas, nem de  línguas perfeitas.

                 Nas SRD4 e 5, o esteriótipo do erro que se evidencia refere-se à pronúncia da entonação. As sílabas tônicas marcam as curvas entoacionais características do idioma; dão ritmo e comandam uma melodia que o aprendiz considera completamente inseparável da língua. Por isso, ao errar a musicalidade da língua, o aprendiz vê-se sair da língua, como se fosse o erro mais intolerável nesse começo.

                 A harmonia da musicalidade que caracteriza a língua é a marca forte da língua. Tanto é, que podemos falar/imitar uma língua sem que se esteja dizendo algo. Simplesmente juntar fonemas característicos; e quem vai dizer que não estou “falando russo”? Que não estou “falando grego”? Em expressões que evidenciam o incomunicável – “falar russo”; “falar grego” –, podemos agora verificar outro efeito de sentido, o de um canto sem sentido. Jô soares, famoso por falar bem em Espanhol, satirizava seu “bem falar” ao pronunciar, talvez no improviso, a musicalidade e o ritmo da língua espanhola em frases ortográfica e gramaticalmente totalmente equivocadas em relação às normas e a estrutura da língua. No entanto, era “uma bela pronúncia, um belo sotaque”. Uma sátira fundamentada e aprovada pela força da melodia que constituem as línguas. Talvez a imagem maior que o aprendiz tem da língua estrangeira bem falada, a princípio, seja realmente a sua sonoridade, a música do significante.

 

                 ASPECTOS DO RELATO DE UM APRENDIZ DE ESPANHOL

 

                 Falando em portunhol...

 

SDR1: Nas primeiras vezes que eu falei espanhol, e até agora / né / senti insegurança assim de falar errado / de falar portunhol (risos) / não falar espanhol / não saber algumas palavras / que eu não tenho vocabulário para falar todas as frases / mas a primeira impressão foi muito boa eu gostei de começar a falar / é uma língua que eu gosto o espanhol / se fosse outra língua já não ... já teria mais dificuldade / inglês eu não gosto / alemão também não / Espanhol eu acho bonita a língua / me atrai / acho bonito a escrita e a maneira falada também / inglês é muito feia a fala do inglês / eu acho.

 

O sujeito-aprendiz significa sua identificação com a língua espanhola, na relação com a língua portuguesa e com a língua inglesa. Enuncia: é uma língua que eu gosto o espanhol; espanhol eu acho bonita a língua, me atrai; espanhol acho bonito a escrita e a maneira falada também; inglês eu não gosto; inglês é muito feia a fala do inglês.

Na relação estabelecida entre português e espanhol, o sujeito-aprendiz identifica e relaciona as duas línguas pela genealogia em comum, a qual se manifesta na fala sob o rótulo de portunhol. Em vista disso, sente-se, ao mesmo tempo, seguro/inseguro por ver-se entre as duas línguas, sem saber ao certo o que pertence a uma ou a outra. Por mais estranha – enquanto estrangeira – que seja, o espanhol lhe será sempre familiar.

Já com o inglês, o aprendiz se contra-identifica. Segundo Pêcheux, é a determinação do inconsciente e da ideologia que “faz com que todo sujeito ‘funcione’, isto é, tome posição, ‘em total consciência e em total liberdade’” (PÊCHEUX, 1995, p. 171). O sujeito desconhece que é determinado em seu discurso e, por assim ser, “a tomada de posição não é, de modo algum, concebível como um ‘ato originário’ do sujeito falante devendo ser compreendida como efeito da exterioridade do real ideológico-discursivo” (PÊCHEUX, 172). Segundo o autor, o sujeito da enunciação desdobra-se, identificando-se, contra-identificando-se ou ainda desidentificando-se com saberes da Formação Discursiva dominante. Se, na identificação o assujeitamento é realizado sobre a forma de “livremente consentido”, na contra-identificação o sujeito “se volta” contra saberes impostos e dominantes pelo interdiscurso. Na desidentificação, não há relação alguma entre o sujeito e a Formação Discursiva dominante, seja porque esta não o integra, ou porque a desconhece.

Ocorre que as opções social e historicamente instituídas, são inglês e espanhol.  Durante muito tempo as instituições escolares ofereceram, como LE, somente o inglês. Essa oferta instigou a procura, ou seja, o inglês foi manipulado e imposto como se fosse uma prática social neutra. E, assim como a matemática mantém suas fórmulas para todas as línguas, tem o inglês ocupado o posto de língua denominador comum entre todas. Essa promoção do inglês, situado no ápice de uma hierarquia lingüística, como sendo a única língua que pode servir aos propósitos modernos, só reforça a ideologia dominante que pressupõe que o inglês é a mais qualificada das línguas (PHILLIPSON, 1992, p. 42). Revuz também propõe também que se questione o sucesso do inglês:

 

Qual é o estatuto desse inglês do qual nos é dito que é o veículo inevitável da comunicação internacional? É realmente a língua natural de uma comunidade social ou é um código construído a partir do princípio do menor denominador comum para usos tecnicamente, socialmente ou culturalmente delimitados? Aprender inglês é aceder à diferença britânica, americana, neozelandesa etc. ou é dar-se os meios de partilhar com um grande número de pessoas os lugares comuns científicos, econômicos, ideológicos que criam, além das diferenças nacionais, uma semelhança na hegemonia de um sistema econômico? (REVUZ, 1998, p. 228).

 

 

No entanto, já se verifica um deslocamento, a medida que o Espanhol expande-se no mundo como segunda língua estrangeira mais falada e, no Cone Sul, como a língua franca favorecida pelo advento do Mercosul. Além disso, muito pelo fato da diminuição das distâncias entre os povos e entre as culturas, pela valorização das diferenças, incluindo aí as diferenças lingüísticas, escolas de idiomas expandem suas ofertas. Já se fraga o alemão, o francês, o italiano e o japonês constituindo nosso contexto sócio-histórico de valorização das línguas estrangeiras.

O espanhol e o inglês, sem dúvida, são as línguas que concorrem pela hegemonia, em termos de pretenderem-se como “mais faladas” (CAVALHEIRO, 2004). São línguas que se encontram em situação de contato/conflito tanto em termos mundiais como em contextos mais imediatos – escolas; universidades; cursos de idiomas, etc. Usamos aqui o termo contato não com referência a questões puramente territoriais, mas um contato circunscrito dentro do espaço escolar. Alunos dos respectivos cursos muitas vezes não estabelecem vínculos, ao contrário, disputam  a diferença pelo próprio uso da língua estrangeira, seja nos corredores ou nos intervalos de aulas, percebem-se atitudes de conflito dentro do próprio contato. Entendemos, no entanto, que é o contexto amplo, isto é, o político-ideológico, que determina o contexto restrito.

O sujeito-aprendiz, ao valorizar e enaltecer o espanhol, demonstra, além de motivos afetivos gerados pela familiaridade genealógica com o português, motivos culturais, isto é, “talvez seja um sintoma de negação frente ao imperialismo lingüístico norte-americano” (CAVALHEIRO, 2004). Há muitos estudantes de línguas estrangeiras que não aceitam o poderio dos EUA e a dominação ou atitudes que o país exerce sobre muitos países. Essa atitude está, inegavelmente, marcada por uma ideologia de ruptura social contra a imposição de uma língua que leva o rótulo de mais qualificada.

 

Não mais que “um pouco difícil”

 

SDR2: A pronúncia eu tenho um pouco de dificuldade porque é um pouco diferente do português / tive um pouco de desconforto quando a gente esquece / não lembra quando fala tal letra ou tal som que é diferente do português / vergonha de estar falando errado (risos) acho que é assim mesmo.

 

Na SDR2, verificamos que o estranhamento da oralidade em língua espanhola caracteriza-se por uma postura pouco exaustiva devido á semelhança entre as línguas. Vemos que a dificuldade, a diferença para com a língua materna e o desconforto que gera “falar em espanhol” pela primeira vez, é sublimemente caracterizado por “um pouco”. A vergonha é banhada pelo riso. Como ele mesmo enuncia: acho que é assim mesmo.

 

Para finalizar...

 

O inglês, enquanto língua histórica e socialmente presente nas mais diversas formas –como recurso de marketing; na mídia; nas instituições de ensino; etc., integra o aprendiz fazendo-se surpreendentemente familiar. Tão familiar que “já a sabe”:  eu vou dizer ... eu sabia como que era. No entanto, quando vai falar, o reverso se evidencia junto ao familiar vindo à tona a estranheza, a distancia, o alheio que busca captar e escapa-lhe. O aprendiz vivencia o heimilich/unheimilich, enquanto comunhão solidária dos contrários, isto é, o estranho e o familiar convocando-se solidariamente.

Já para o aprendiz de espanhol, sustentado pela proximidade genealógica e prosódica, diminui-se o impacto do confronto e ameniza-se a estranheza, ou seja, mesmo sempre estrangeira, o espanhol carrega algo de familiar que é da ordem da sonoridade.

Ao inglês, então, atribuímos o estatuto de uma língua mais estranha. Estatuto que é discursivisado a partir do corpo; corpo que estranha; corpo enquanto morada do sujeito afetado pelas línguas e pela memória. Sujeito este que não parte do zero, que não regride “tão literalmente” ao infans, pois parte já de um sistema discursivo dado de antemão, ou seja, desde antes mesmo do nascimento. Em vista disso, a reelaboração/readaptação do corpo à nova forma de falar parece ser menos árdua para a língua mais próxima.

A diferença do inglês, que fez suar o aprendiz ao ter que rever mais profundamente seus movimentos articulatórios do aparelho fonador, o sujeito-aprendiz de espanhol, não nega a dificuldade oral, porém avança e o que lhe é mais difícil nesse bloqueio inicial, diz respeito à assimilação das tantas novas palavras e das estruturas. Das duas formas – aprender inglês ou espanhol – é necessário desestabilizar o ponto de vista único sobre a nomeação do mundo que a língua materna carrega, “desconstruindo o sujeito de língua materna”.

Ainda que tais deduções apresentem-se como óbvias, o que logramos com este trabalho foi iniciar uma verificação sobre a forma como o sujeito-aprendiz descreve sua relação com o nova oralidade, na relação corpo/linguagem em língua estrangeira. A princípio, o sentimento de dificuldade com o inglês encontra-se em nível de prosódia, referindo-se à musicalidade da língua (errar a sílaba tônica, segundo o sujeito aprendiz). Já no espanhol, o problema centra-se no falar portunhol, ou seja, o aprendiz construiria um sistema fonético híbrido, formado pela LM e pela LE, através do qual estaria bem mais ancorado em sua língua materna do que no caso do aprender inglês, o qual encontraria o amparo da língua materna somente nos momentos de mudança de código (do português para inglês e vice-versa) permitidos pela professora. O que se evidencia é uma inevitável “aptidão natural” à musicalidade de uma língua irmã – o espanhol –  não tão estrangeira ao português e, provavelmente, menos angustiante para o aprendiz.

 

BIBLIOGRAFIA

 

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[1]  Tal processo, fundamentalmente estruturante, consiste na metaforização que resulta da implantação natural da lei que impede o incesto. O significante fálico (do desejo da mãe) é substituído  pelo Nome-do-Pai. Ver : Lacan, J. Las Formaciones del Inconsciente (1976). Título original: Les Formations de l’inconscient.

[2] Outro enquanto inconsciente, visto por Lacan como “lugar de desdobramento da fala” onde o “desejo do homem é o desejo do Outro” e na pergunta: “que quer o Outro de mim” o humano interroga sua própria identidade (ROUDINESCO & PLON apud BLEY, 2005, p. 54).

[3] A não-coincidência interlocutiva, proposta por J. Authier-Revuz, refere-se ao fato de que “um elemento não é imediatamente ou não é absolutamente compartilhado – no sentido comum – pelos dois protagonistas da enunciação” (AUTHIER-REVUZ, 2004, p. 83). Em uma abordagem pós-freudiana, o sujeito sempre não coincide consigo mesmo, pela existência do inconsciente. Nessa perspectiva, consideramos que essa alternância de “pessoas” – eu; tu; nós – é reveladora de uma não-coincidência do sujeito consigo mesmo.