Os signos toponímicos referentes a um espaço geográfico revelam muito sobre sua história, sua geografia, a formação de sua sociedade e esclarece vários aspectos relativos à língua falada nesse lugar. Partindo desse princípio, o presente trabalho investiga as contribuições das línguas indígenas da família tupi-guarani[1][1] na nomeação dos espaços geográficos ludovicenses. Para tanto, fez-se um levantamento preliminar de alguns desses topônimos com o objetivo de conhecer suas motivações e os processos que envolveram a escolha de tais denominações. Pretende-se estudar essa influência indígena na toponímia como um fato que contribui para a diversidade lingüística de São Luís, capital do Maranhão. Embora este trabalho tenha uma abordagem voltada para a linguagem, a abrangência de seu tema abre espaço a contribuição de outras ciências. Por isso, este artigo também sugere a utilização da Toponímia no ensino para a construção de um trabalho interdisciplinar e situado na realidade do aluno. Essa pesquisa está sendo desenvolvida no contexto das atividades do Projeto Atlas Lingüístico do Maranhão (Projeto ALiMA), que visa a descrever a realidade lingüística do Estado.

O ato de nomear é uma constante na humanidade. O homem apreende e estrutura o mundo por meio da língua e esta, por sua vez, traduz a visão que seu actante possui do meio que o circunda. Sobre essa idéia, Weisgerber (apud Dick, 1990) diz que:

 

... se uma língua materna é determinada pela peculiaridade dos seus criadores, pelas condições geográficas e históricas, pela amplidão e intensidade do desenvolvimento do acionamento da faculdade lingüística, cada palavra ou expressão peculiar traz consigo necessariamente os traços de sua origem. O fato comumente reconhecido de diversidade de línguas revela a sua importância em um ponto não esperado pela maioria: o decisivo não é a diversidade de forma, de fonética, das designações, etc (...) mas a diversidade de concepção espiritual do mundo que é assimilada em cada língua.

 

Nessa afirmação, vê-se que as peculiaridades de uma língua são conseqüências da percepção de mundo de seus usuários. Embora o acervo de palavras presentes na língua, isto é, o léxico, contenha “traços de sua origem” e remeta à realidade sócio-cultural do falante, Saussure (1997, p.83) afirma não haver nenhum laço natural entre o signo lingüístico e a realidade. A palavra, um signo por excelência, seria, portanto, arbitrária e imotivada. Porém, quando essa relação léxico/referencial é analisada nos signos toponímicos, percebe-se que o processo de nomeação é essencialmente motivado.

Para Dick (1990, p. 39), o signo toponomástico é duplamente motivado, pois o nome geográfico reflete tanto a intencionalidade do denominador, que, em função de um fato subjetivo ou objetivo, de fatores culturais e do sistema e sua língua, elege um nome para um acidente geográfico; quanto pela natureza semântica da denominação. Essa passagem de um signo, na nomeação de um espaço, do arbitrário ao motivado, acontece em função dos outros contornos semânticos que este adquire pela nova situação que ocupa na língua. Quando um nome é empregado como topônimo, seu significado denotativo e convencional é neutralizado para dar espaço à conotação da imagem da entidade denominada, assim batizada em razão de uma realidade já designada.

Como o nome próprio de um lugar revela aspectos subjacentes de uma realidade local, a Toponímia não se restringe apenas ao estudo da origem e da significação dessas designações, como afirmam algumas definições tradicionais, mas extrapola esse papel dentro de sua atividade científica. Por isso, estudiosos como Salazar-Quijada já afirmam que a Toponímia é o “ramo da Onomástica que se ocupa do estudo integral no espaço e no tempo lingüístico que permitiram e permitem que o nome de um lugar se origine e subsista” [2][2] (Salazar-Quijada apud Schneider, 2003).

Durante muito tempo a Toponímia esteve relegada ao papel de constituinte de matérias da área humana, como a Geografia, por exemplo. Porém, estudos como os de Albert Dauzat, que traçaram diretrizes para a Toponímia francesa, já apresentam-na como ciência independente, isto é, possui a si mesma como meta, mas sem isolar-se das demais áreas afins. São trabalhos cujo objetivo é a analise, seleção, comparação, interpretação e classificação de fatos onomásticos.

Todavia, há casos em que se corre o risco de conceber o estudo toponímico de forma simplista, limitando-se apenas à análise de etimologias. Carlos Drumond (apud Dick, 1990), um especialista da área, no Brasil, faz um alerta a respeito da possibilidade de se desenvolver visões equivocadas em um estudo, como definir que um trabalho toponímico apenas baseado na relação entre um topônimo e uma área geográfica. É claro que trabalhos como esses precisam ser feitos, mas não são suficientes para uma investigação científica. Eles correspondem apenas aos primeiros passos de um estudo onomástico.

Este trabalho de topônimos ludovicenses, por encontrar-se em uma fase preliminar, apresenta uma abordagem voltada para a etimologia e a relação entre os topônimos e a área designada. Dick (1990, p.21), fazendo referência a Drumond, afirma que outros aspectos importantes devem ser considerados na análise dos fatos toponímicos, mas, na verdade

 

... “a história das transformações dos nomes de lugares; a sua evolução fonética ; as alterações de diversas ordens; o seu desaparecimento; a sua relação com as migrações, a colonização, os estabelecimentos humanos e o aproveitamento do solo; os nomes inspirados por crenças mitológicas visando algumas vezes assegurar a proteção dos santos ou de Deus”, seriam, assim, via de regra, deixados de lado pelos estudiosos, levando Drumond a concluir, com pessimismo que, “na realidade, não possuímos ainda topoministas”.

 

Percebe-se, portanto, que a investigação toponomástica insere-se em um contexto bem amplo e exige um trabalho intelectual bem elaborado.

Embora autores como Guiraud afirmem que a diferença entre um nome comum e um nome próprio esteja no fato de que o primeiro significa enquanto o segundo apenas indica (Guiraud apud Dick, 1990), pode-se  afirmar que os topônimos agregam em sua estrutura tanto essa função identificadora, quanto uma significação. E é esta significação que permite o resgate de uma série de valores lingüísticos e culturais, mesmo que sua motivação não se deixe transparecer, por efeito das sucessivas ações do tempo no espaço designado. Partindo desse pressuposto, a análise dos topônimos ludovicenses considera esse signo onomasiológico como um meio de conservação de diversas formas provenientes da dialetologia indígena. Assim como Theodoro Sampaio, acredita-se que a interpretação cuidadosa desses designativos pode fornecer o “fundamento para uma identificação de lugares, na certeza de que o significado desses nomes indígenas traduzem fielmente a característica natural de cada localidade” (Sampaio apud Dick ,1990).

O Maranhão, diferentemente de grande parte do país, começou a ser colonizado pelos portugueses no século XVII. Esses colonizadores, entretanto, utilizavam o Tupinambá (que mais tarde viria a transformar-se em Língua Geral) para conquistar esse território. Segundo Rodrigues (1986, p. 102):

 

O litoral do Maranhão, onde primeiro se estabeleceram os portugueses, estava densamente povoado pelos índios Tupinambá, que se estendiam para oeste até a foz do rio Tocantins. Em conseqüência dessa situação, aí o Tupinambá foi a língua predominante na população colonial durante o século XVII e acabou dando origem à nova língua geral, que foi falada pelas tropas e missões que foram penetrando e criando núcleos de povoamento no vale amazônico.

 

Essa língua predominou, portanto, durante os séculos XVII e XVIII, período inicial de ocupação dos bandeirantes. A Língua Geral Amazônica foi utilizada por missionários que pretendiam catequizar os índios e estendeu-se a outros domínios sociais, até por volta do século XIX.

A designação Tupinambá, utilizada no século XVII já esboçava uma intenção de diferi-la em relação à língua falada pelos mestiços do Pará. Mais tarde, já no século XIX, no entanto esta última também ficou conhecida com Tupinambá. A língua brasílica ou Língua Geral, como também era chamada, nessa época generalizou-se entre a população amazônica. Rodrigues (1968, p.101) afirma que

 

... a Língua Brasílica passou a ser aprendida pelos portugueses, que de início constituíram pequena minoria junto aos índios Tupinambá. Como grande parte dos colonos vinham para o Brasil sem mulheres, passaram a viver com mulheres indígenas, com a conseqüência de que a Língua Brasílica (isto é o Tupinambá) veio a ser língua materna de seus filhos. Essa situação atenuou-se em alguns lugares, com o aumento da imigração portuguesa e com a dizimação dos índios, mas intensificou-se em outros.

 

Diz, ainda, que a Língua Brasílica tornou-se comum, pois se

 

...generalizou o uso da língua brasílica como língua comum entre os portugueses e seus descendentes – predominantemente mestiços – e escravos (inclusive africanos), os índios Tupinambá e outros índios incorporados às missões, às fazendas e às tropas: em resumo, toda a população, não importa qual a sua origem, que passou a integrar o sistema colonial.

 

Embora essa língua, hoje conhecida como Nheengatu, seja falada pelos Uaupés e entre algumas populações não indígenas, sua abrangência foi suplantada pela Língua Portuguesa. A predominância do Tupinambá, porém, exerceu grande no léxico e na Toponímia Maranhense e ,por conseqüência, ludovicense, afinal o litoral do Estado foi povoado por esses índios.

São Luís, a capital do Maranhão, localiza-se ao norte do Estado. A cidade faz limite com outros três municípios, São José de Ribamar, Paço do Lumiar e Raposa. Esses quatro municípios compõem a Ilha de Upaon-Açu. Essa denominação, entretanto, convive com outro topônimo mais difundido, inclusive por livros didáticos, entre a população ludovicense: São Luís.

Claud d’Abeville, durante a ocupação francesa na cidade, no século XVI, escreveu Missão dos padres capuchinhos na Ilha do Maranhão e regiões circunvizinhas, afirmando que “a ilha por eles ocupada era denominada Upaon-Açu pelos aborígines. Esse vocabulário foi traduzido para a língua francesa e depois para a portuguesa como Ilha Grande” (Feitosa , 1996). Astolfo Serra afirma que a ilha antes já denominada pelos índios, foi “cristianizada pelos civilizados com o nome fidalgo de São Luís”, em homenagem ao rei da França (Serra apud Feitosa , 1996). Em uma análise mais abrangente, pode-se dizer que esse processo de deslocamento de topônimos deixa transparecer a histórica política dominadora dos colonizadores que se utilizam da língua como um dos meios de imposição de sua cultura. Rebatizaram a cidade porque perceberam que a permanência dos topônimos indígenas era uma forma de se manter vivos os idiomas nativos. Vale lembrar que mais tarde essas línguas seriam terminantemente proibidas pelo Diretório de Pombal.

Upaon-Açu (Upaon = ilha + Açu = grande) pode ser analisado, ainda, como um topônimo descritivo-relativo[3][3], pois a descrição do local não se encerra somente no acidente em si, mas sujeita-se a uma comparação a outros acidentes. Assim, Upaon-Açu pode ter sido designada dessa forma por ser grande em relação às ilhas menores que se avizinham, tais como a Ilha do Caranguejo, a Ilha de Santana... .

No levantamento dos topônimos indígenas da cidade de São Luís, constatou-se que existem nomes de várias naturezas, mas observou-se que há maior incidências de fitotopônimos[4][4], isto é, de topônimos de índole botânica. Nota-se essa frequência tanto nos nomes dos cursos d’água, quanto dos bairros e ruas da cidade. A exemplo desse fato, tem-se a designação dos rios:

Sucupira - “nome comum às várias árvores da família das leguminosas que fornecem madeira de lei” (Cunha,1989).

Ingaúra - “ingá= fruto do ingazeiro” + “ura= árvore” (Bordoni, s/d) : “planta da família das leguminosas, subfamília das minosáceas, gênero ingá” (Cunha,1989).

Bacanga – (nome inclusive dado a um lago e a uma área que reúne vários bairros da cidade e onde se situa a Universidade Federal do Maranhão) - “ba (ybá) = fruto + acanga = cabeça, galho: galho com frutos” (Bordoni, s/d).

E do bairro:

Macaúba – “espécie de palmeira” (Cunha, 1989).

Esse panorama onomástico evidencia o caráter descritivo-associativo dado aos topônimos de São Luís. Observa-se que os nomes dos rios não descrevem suas próprias características, mas manifestam a realidade peculiar da flora ludovicense. Também testemunham esse fato o nome das ruas:

Anajá- “palma ou palmeira, não tem gênero, só se nomeia pelo fruto” (Cunha,1989).

Andiroba – “planta que fornece um óleo amargo” (Bordoni, s/d)

Araçá – “árvore e fruta. Planta da família das mirtáceas” (Bordoni, s/d)

Ariri – “variedade de palmeira” (Bordoni, s/d). Existe uma vila com esse mesmo topônimo. Há treze anos, no início da ocupação desse lugar, havia grande quantidade da palmeira. Hoje, a planta que motivou a denominação do lugar é raramente encontrada naquele espaço.

Aroeira – “planta da família das tirebintáceas” (Bordoni, s/d).

Acapus – “ aça = âmago + pu = forte: árvore de tronco forte, duro, de madeira preta e amarelada. Árvore da família das leguminosas” (Bordoni, s/d).

Buriti – “ espécie de palmeira, com fruto do mesmo nome” (Bordoni, s/d).

Babaçu – “ ba (yba) = fruto + Açu = grande : fruto grande, coco. Espécie de palmeira de semente oleoginosa” (Bordoni, s/d).

Bacuri – “fruto de palmeira do mesmo nome. De yba+curi” (Bordoni, s/d).

Cambará – “ nome de uma árvore da família das compostas (Bordoni, s/d).

Guajuru – “planta da família das posáceas” (Barbosa,1967).

Timbó – “planta da família das sarpindáceas” (Barbosa,1967). Essa planta ainda hoje é utilizada para “embriagar” os peixes e facilitar sua pesca. Os Guajajara ainda adotam essa prática.

Outro fitotopônimo que deve ser observado é Araçagy. Nome dado a uma praia e ao bairro onde se localiza. Conforme Bordoni, araçagy corresponde a uma “variedade de araçá”. Cunha(Cunha,1989) também define essa planta como uma “árvore que pela maior parte se dão em terra fraca na vizinhança do mar”. Tudo leva a crer que a abundância da árvore motivou a denominação do local. Hoje, grande parte dessa região está tomada por residências e hotéis com vista para o mar. A imagem que ativou a nomeação está muito modificada.

Embora encontrem-se em menor número, os zootopônimos, ou seja, os topônimos e índole zoológica, também manifestam-se na tessitura onomástica da cidade . São nomes relativos a aves – Rua Sabiá, Rua Arara, Rua Graúna, Rua Anapurus (“espécie de papagaio, aprende a falar rapidamente”) (Barbosa,1967) – a peixes – Rua Acará, Rua Jaú, Rua Pirapema – e a mamíferos – Rua Maracajá (gato-do-mato).

Valendo-se da toponímia ludovicense, pode-se inferir os costumes dos povos que designaram esse espaço. Camboa é um bairro da cidade cortado pelo rio Anil. Conforme Cunha (Cunha ,1989), Camboa é um “lago artificial à beira-mar cercado por uma estacada de paus e pedra, onde na maré cheia, entra o peixe miúdo, o qual, na maré baixa, fica aprisionado e é então recolhido”. Em uma cidade litorânea e recortada por rios, não é absurdo supor que essa poderia ser uma prática comum entre as pessoa há algum tempo atrás.

Os litotopônimos, ou seja, os nomes de origem mineralógica ou geológica, são mais escassos. Como exemplo, tem-se Itaqui. Uma área costeira que abriga um dos maiores portos do país: o Porto do Itaqui. Segundo Bordoni, Itaqui significa “pedra de amolar, a pedra que aguça, afia” (ita = pedra + qui [ki] = aguçada). A pedra que é utilizada para amolar pressupõe uma grande resistência, para que não se desgaste com facilidade durante o atrito com a faca, por exemplo. Esse topônimo denota, também, pedra dura, resistente. O denominador, observando a resistência do solo, sua consistência pétrea, deu esse nome ao lugar. Essa resistência permite que essa região suporte o impacto dos navios cargueiros que lá atracam.

No âmbito dos historiotopônimos, Guaxenduba, umas das maiores avenidas da cidade, chama a atenção pela significação histórica que carrega. Para Tibiriçá (Tibiriçá, 1985), Guaxenduba vem de guaxy + ndyba que significa abundância de plantas denominadas guaxima. Embora exista uma localidade do Maranhão com tal nome e que a guaxima seja alvo do extrativismo vegetal maranhense, por fornecer fibras têxteis, Guaxenduba, nesse caso, remete a um fato marcante na história do Estado. Guaxenduba foi o nome dado a batalha de expulsão dos franceses do Maranhão em 1615. A luta foi liderada pelo português Jerônimo de Albuquerque, que chegou ao Estado pela região da Bahia de Guaxenduba, hoje corresponde ao município de São José de Ribamar.

Há outros topônimos que se agrupam em um campo do léxico relativo aos povos indígenas que habitam o Maranhão. Entre eles, tem-se o Parque Timbira e a Avenida Guajajaras. Hoje, existem oito povos distribuídos pelo Maranhão, sendo que três possuem línguas classificadas como pertencente à família lingüística Tupi-guarani - Guajajara, Ka’apor, Awá Guajá – e cinco com línguas pertencentes à família lingüística Jê. – Krikati, Pukobyê, Canela (Ramkokamekrá e Apaniekrá) e os Timbira (krepumkateyê)[5][5].

De acordo com dados do CIMI – MA (Conselho Indigenista Missionário – Maranhão), há, atualmente, no Estado cerca de 19 mil índios, ocupando 16 áreas indígenas que, juntas, correspondem a 5,8% da superfície do Maranhão. Parte dessas áreas, porém, tem sido alvo de invasões. Esse número. no entanto, é bem reduzido se comparado à situação dos índios no início da colonização. Na chegada dos franceses à ilha, estima-se que existiam cerca de 12 mil índios no local e aproximadamente 200 mil distribuídos pelo Estado. Essa redução deu-se, por exemplo, em função das doenças, da escravidão e da catequização que, nesse momento, estava intimamente associada aos dois fatos anteriores. Esses elementos que dizimaram o índio e sua cultura, por conseqüência, fizeram com que grande parte das línguas faladas nessa região se perdesse.

Apesar de todos os topônimos analisados refletirem a imagem de uma São Luís que é ou que foi habitada por todos esses elementos motivadores, já se observa em outros nominativos uma certa artificialidade. Essas lexias não traduzem a realidade local, pois estão nitidamente condicionadas por uma motivação subjetiva de empresas imobiliárias que nomeiam seus conjuntos residenciais com nomes indígenas. Muitas vezes esse fato é mais conseqüência do que causa. Nesse contexto destaca-se o Parque Amazonas, cujas ruas possuem os nomes de rios do Estado do Amazonas e o Parque Guanabara (“gua=baía, enseada + na=semelhante + para=mar – baía semelhante a um mar) (Bordoni, s/d).

Analisando os topônimos e sua ligação com a realidade local, verifica-se que a língua sofre influências dos ambientes nos quais estão inseridos seus falantes.

Para se realizar um estudo cabal da toponímia de uma região, é necessário recorrer aos mais diversos ramos das ciências humanas, pois, como afirma J. Nuttin (apud Dick,1990)

 

Os fenômenos geralmente tornam-se ‘inteligíveis’ pelo fato de encontrarmos outros fenômenos ou processos que tenham alguma relação com eles. Eles se tornam obscuros e desprovidos de sentido à medida que se tornam para nós algo isolado, isto é, sem relação com o que quer que seja. O objetivo da ciência é inserir cada fenômeno numa rede de relações com vários outros fenômenos.

 

Por isso, a Toponímia sendo um fenômeno tanto lingüístico quanto cultural, seu estudo reclama o envolvimento de outros fenômenos para que se possa resgatar seu sentido e sua motivação. Portanto, estudar um tema como este, propicia um trabalho interdisciplinar, onde Lingüística, História, Ciências Sociais e Geografia se completam.

Como a pesquisa da Toponímia de um lugar desemboca, conseqüentemente, na descoberta dos mais diversos aspectos que compõem essa região tais como sua geografia, sua história, sua língua e a relação de seus habitantes com o espaço; o estudo onomasiológico pode constituir um recurso eficaz para o professor que deseja realizar um trabalho interdisciplinar e contextualizado.

No âmbito da linguagem, o aluno pode perceber, por meio dos topônimos indígenas, que no processo de formação da língua portuguesa atual, as línguas indígenas tiveram um papel de suma importância. Pode-se esclarecer, ainda, que muitas dessas línguas “nativas” ainda são faladas para que o aluno reflita ou, quem sabe, trabalhe sobre a multiplicidade das línguas. Atitudes como essa podem evitar a formação de pessoas que, ingenuamente, pensam viver em um país monolíngüe (só no Maranhão, por exemplo, as comunidades indígenas falam cerca de seis línguas). Muitas vezes, essa ingenuidade transforma-se na intolerância de não reconhecer no outro o direito de usar sua própria língua. Condutas desse tipo tem contribuído para que muitos povos indígenas percam sua língua, pois a sociedade envolvente e sua língua oficial, o Português, têm despertado a vergonha nos falantes de línguas “minoritárias”. Dizem que sua língua é feia, é gíria (como acontece com os Guajajara no Maranhão) e isso tem desencadeado um processo de perda de identidade lingüística e conseqüente perda da língua.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BARBOSA, A. Lemos. Pequeno Vocabulário Tupi-Português. 3. ed. Rio de Janeiro: Livraria São José, 1967.

 

BORDONI, Orlando . A Língua Tupi na Geografia do Brasil. Edições BANESTADO/ GRANULI. Distribuição: Pontes, s/d.

 

COELHO, Elisabeth Maria Beserra. Cultura e Sobrevivência dos índios no Maranhão. São Luís: PPPG/EDUFMA, 1987.

 

CUNHA, Antônio Geraldo. Dicionário histórico das palavras portuguesa de origem tupi. 3. ed. São Paulo: Melhoramentos- Editora da Universidade de São Paulo, 1989.

 

DICK, Maria Vicentina de Paula Amaral. A motivação toponímica e a realidade brasileira. São Paulo: Arquivo do Estado, 1990.

 

_______. O sistema onomástico: bases lexicais e terminológicas, produção e freqüência. In:OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de; ISQUERDO, Aparecida Negri (Orgs.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. 2. ed. p. 79-90. Campo Grande: Ed. UFMS, 2001.

 

_______. O léxico toponímico: alegoria e constantes semiológicas. In: Anais do Encontro Nacional da ANPOLL.v. 2. p. 872-877. Caxambu: ANPOLL, 1994.

 

_______. Tratamento Lexicográfico Toponímico do Estado de São Paulo. In: Anais/ VII Encontro Nacional da ANPOLL. v. 2. p. 675-678. Porto Alegre: ANPOLL, 1992.

 

DUBOIS, Jean. Dicionário de Lingüística. 10 ed. São Paulo: Cultrix, 1998.

 

FEITOSA, Antônio Cordeiro. Controvérsias na Denominação da Ilha do Maranhão. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Maranhão. n 17. p. 116-129. São Luís: LITHOGRAF, 1996.

 

LISTEL, Lista Telefônica Telemar 981 : Guia de São Luís 2001.

 

RIOS, Luís. Estudos de Geografia do Maranhão. 3. ed. São Luís: Graphis, 2001.

 

RODRIGUES, Aryon Dall’igna. Línguas Brasileiras: Para o conhecimento das línguas indígenas. São Paulo: Edições Loyola, 1986.

 

SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de Lingüística Geral. São Paulo: Cultrix, 1997.

 

SCHNEIDER, Marlene. A toponímia como representação da realidade regional. In: Boletim da Associação Brasileira de Lingüística. v. 1. p. 441-443. Fortaleza: Imprensa Universitária/ UFC, 2001 (publicado em 2003).

 

TIBIRIÇÁ, Luíz Caldas. Dicionários de Topônimos de Origem Tupi: Significado dos nomes geográficos de origem tupi. São Paulo: Traço Editora, 1985.


[1][1] Muito embora os autores dos dicionários nos quais esse trabalho se baseou considerem o tupi quinhentista, que deu origem a várias palavras do Português, como uma língua; este trabalho adotou a posição de considerar  esses verbetes como pertencentes a línguas da família tupi-guarani, segundo a classificação de Aryon. Tomou-se essa postura para não se cometer o equívoco do Padre Antonio Vieira. Aryon Dall’igna Rodrigues comenta que, para o Padre Antonio Vieira, “Língua Geral”, “Tupi” ou “Língua Brasílica” era “qualquer língua reconhecidamente afim do Tupinambá, mas não idêntica a ele (como, por exemplo, o guajajara do Maranhão)” (Rodrigues ,1986).

[2][2] Onomástica- “é o ramo da lexicologia que estuda a origem dos nomes próprios” (Dubois, 1998)

[3][3]  Utilizou-se a mesma nomenclatura adotada por Stewart em seu trabalho com os topônimos Bororo (DicK, 1990, p.86)

[4][4] Utiliza-se neste trabalho as categorias taxeonômicas adotadas por Dick.

[5][5] Segundo a classificação de Aryon Dall’igna Rodrigues (Rodrigues, 1986).