A
constatação de que as orações comparativas constituem um tipo de estrutura
especial determinou o interesse por uma descrição dessas construções em Língua
Portuguesa, mostrando suas diferentes realizações sintáticas, a fim de
estabelecer uma tipologia dessas construções.
Realizou-se uma análise de
base quantitativa, que seguiu o modelo variacionista proposto por Labov
(1972) e em que se usaram diferentes pressupostos teóricos, tais como
tradicionais, gerativistas e outros. Ao todo analisaram-se 461 construções
comparativas, 315 de Língua Escrita e 146 de Língua Falada. O corpus
de Língua Escrita compõe-se de 20 peças teatrais, distribuídas pelos séculos
XVIII, XIX e XX; o de Língua Falada, de 30 inquéritos de Português Brasileiro
e 42 de Português Europeu, distribuídos pelas décadas de 70 e 90.
Tipos
de construções comparativas na Língua Escrita e na Língua
Falada
TIPOS
DE CONSTRUÇÕES COMPARATIVAS |
Corpus
de
Língua Escrita |
Corpus
de Língua Falada |
Não-oracionais |
275
/ 87% |
121
/ 84% |
Oracionais |
40
/ 13% |
25
/ 16% |
TOTAIS |
315
/ 100% |
146
/ 100% |
TOTAL
GERAL = 461
Afirmar
que a expressão da comparação é
complexa é o mesmo que dizer que ela envolve
tipos distintos de construções comparativas.
Este trabalho propõe que as construções comparativas podem ser
oracionais ou não-oracionais, subdividindo-se, ainda, em correlatas e não-correlatas.
|
FIGURA 1: Distribuição das comparativas correlatas versus não-correlatas
na
Língua Escrita
Constata-se,
pela Figura 1, que, na Língua Escrita, mais de 50% das construções
comparativas são não-oracionais não-correlatas. Estas perfazem um total de
170 ocorrências; as correlatas, 105; as oracionais correlatas, 11 e as não-correlatas,
29.
Na
Língua Falada, no que se refere à forma da construção, há uma inversão em
relação à Língua Escrita: as correlatas são mais freqüentes em relação
às não-correlatas, conforme mostra a Figura 2.
|
FIGURA 2: Distribuição das construções comparativas correlatas versus não-
correlatas na Língua Oral
Dos
146 dados de Língua Falada, 101, que correspondem a 69%, são de construções
comparativas não-oracionais correlatas (Cf. exemplo (1)).
Seja em estruturas comparativas oracionais ou não-oracionais, as não-correlatas
(Cf. exemplo (2)) têm um número de ocorrências bem menor ¾
nas não-oracionais, são 20 dados, que correspondem
a 14%, e nas oracionais, 12
ocorrências, que correspondem a 8%.
Assim, embora Escrita e Fala
prefiram as construções não-oracionais, aquela prefere as não-correlatas,
enquanto esta opta pelas correlatas (Cf. Figura 1).
(1)
(...) meu marido me ajuda muito na cozinha. Ele, ele tem muito mais jeito [do
que eu.] (REC 002 - PB)
(2)
(...) eu não tenho mais empregada, tenho faxineira, [como todo mundo,
né,] mas fixa não tenho mais. (REC
002 - PB)
Nas
gramáticas tradicionais, as comparativas estão
inseridas entre as orações subordinadas adverbiais.
Adotar esse ponto de vista significa aceitar que as construções
comparativas funcionam como adjuntos; contudo, essa não é a única
possibilidade de análise. Acatando-se o pressuposto de que a determinação
estabelece uma relação entre uma constante e uma variável e de que a interdependência
estabelece uma relação entre duas constantes, conforme orientação de
García (1994)[1],
opta-se, nesse trabalho, também, por inserir as comparativas no tipo de relação
intersentencial na constituição de sentenças complexas estruturadas por correlação,
em que uma sentença estabelece uma relação de interdependência com a outra.
Postura semelhante adotam Barreto (1992), Mattos e Silva (1993) e
Castilho (1998), que tal como se faz aqui, resgatam a proposta de Oiticica
(1942). Portanto, as comparativas
correlatas não são orações subordinadas adverbiais, porque não podem
ser consideradas como parte constituinte de outra como ocorre com as
substantivas, em que há uma relação de complementação, ou seja,
encaixamento. Naquelas ocorre interdependência sintática, mas não
encaixamento. Portanto, parte-se do pressuposto de que há três processos sintáticos
em Língua Portuguesa: coordenação, correlação e subordinação. Este último
envolve tanto as relações de complementação quanto as de adjunção.
Estabelecido
o processo sintático caracterizador de um dos tipos das construções
comparativas (as estruturas correlatas que envolvem graduação), resta
mencionar que as comparativas não-correlatas
(estruturas que não envolvem
graduação) são construções de subordinação, pois funcionam como adjuntos.
Para
se estabelecer os tipos de estruturas comparativas, os trabalhos de Napoli
(1983) e Napoli & Nespor (1986) tornaram-se fundamentais. Com base nessas
autoras, foi possível depreender estruturas
comparativas completas e incompletas, ou seja, aquelas que não envolvem
elipse/apagamento e, ainda, estruturas
comparativas envolvendo elipse/apagamento. As completas e incompletas são
estruturas oracionais e as que envolvem elipse são não-oracionais. Com base
nesta oposição principal, distingue-se, ainda, a construção pelo
procedimento sintático envolvido – correlação ou subordinação. Assim,
propõem-se quatro tipos de estruturas de comparação em Língua Portuguesa:
1.
construções comparativas oracionais correlatas
(3)
Hoje eu trabalho mais [do que trabalhava.] (AC 18)
2.
construções comparativas oracionais não-correlatas
(4)
Conheço o Pão de Açúcar [como conheço o Corcovado].
(OHDQN2)
(5)
(...) hei de evitar-te [como o devedor ao credor.] (ACS)
3.
construções comparativas não-oracionais correlatas
(6)
Minhas notas foram muito mais altas no curso profissional [do que
no básico.] (AC 1)
4.
construções comparativas não-oracionais não-correlatas
(7)
Lá não há, não tem bom tempo [como aqui.]
(AC 1)
Nos
itens 1 e 2, tem-se exemplos como
(3) e (4) em que o verbo vem expresso, e como (5) em que há o cancelamento do
SV, mas não dos seus argumentos. Portanto, casos de estruturas oracionais
completas e incompletas, respectivamente.
Nos
itens 3 e 4, tem-se os exemplos (6) e (7) em que ocorre a elipse/apagamento do
SV como um todo. Analisando-se ainda os exemplos, nota-se que as estruturas
comparativas envolvem correlação e subordinação. Assim, pode-se depreender
que os casos denominados de não-correlatas são de estruturas de subordinação.
Com
base na descrição anteriormente mostrada, depreendem-se os tipos de construções
comparativas: construção comparativa oracional não-correlata, construção
comparativa oracional correlata, construção comparativa não-oracional não-correlata
e construção comparativa não-oracional correlata.
A
seguir listam-se mais alguns exemplos dos corpora para dar conta da
tipologia antes proposta.
1. Construção comparativa oracional não-correlata
(8)
(Fala de Jeremias) Por isso perdôo-a
[como em idênticas circunstâncias a perdoaria o meu mestre...]
(OSJ)
Percebe-se
em (8) que na segunda parte da construção, destacada entre colchetes, não há
cancelamento de constituintes. Tem-se, pois, uma estrutura oracional e não-correlata,
portanto, subordinada.
(9)
(Fala de Faustino) (...) Agarrada às minhas orelhas , [como o
náufrago à tábua de salvação,] ouço-o dizer: _ Maricota não te ama!
(OJESDA)
Em
(9), cancela-se apenas um
constituinte na segunda parte da construção,
o núcleo do SV ¾
o verbo agarrar foi
cancelado ¾
como o náufrago (se agarra) à
tábua de salvação ¾,
mas os seus argumentos aparecem, ou
seja, há evidências de que o SV foi projetado.
2.
Construção comparativa oracional correlata
(10)
(...) Porque está havendo uma forma aquisitiva maior [do que
havia na classe média antigamente...] (INQ.
373 - PB)
3.
Construção comparativa não-oracional não-correlata
(11)
(...) Então, e então ela berrava, ti (...) tinha os chifres [como
uma cabra,] e tudo, aí, ah, ainda me pregou uma turra.
(B - ROALDE - PE)
Em
(11), nota-se que nenhum verbo conjugado segue como, portanto, um caso de
elipse e a segunda parte da construção exerce a função de adjunto adverbial[2].
4.
Construção comparativa não-oracional correlata
(12)
(Fala de Fabiana) (...) ela, uma atrevida que quer mandar tanto ou
mais [do que eu,] (...) (QCQC)
Em
(12), não há verbo conjugado seguindo do que.
(13)
(...) uma parte do problema do pingente é isso... quer dizer... o sujeito não
tem noção do perigo... viajar dependurado num trem deve ser muito mais confortável...
muito mais gostoso... muito mais... eh... excitante [do que viajar
dentro dum trem daqueles...] (INQ.
233 - PB)
Analisando
o exemplo (13), percebe-se que a parte destacada entre colchetes não é uma
construção comparativa oracional. Na verdade, é um constituinte oracional –
uma oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo ¾,
portanto, o sujeito da oração principal – deve ser muito mais confortável...
muito mais gostoso... muito mais... eh... excitante.
Por isso, uma reescritura possível para tal construção é
do que (é confortável, é gostoso, é excitante)
viajar dependurado num trem daqueles...
Depreende-se,
pois, no exemplo (13) uma oração principal – deve ser muito mais confortável
– e duas coordenadas – viajar dependurado num trem e
viajar dentro dum trem daqueles,
exercendo a função sintática de sujeito da principal. Tal correlação
se faz através do elemento do que.
Tomando-se
por base o fato de que as
estruturas comparativas podem ser oracionais ou não e o tipo de introdutor
presente na segunda parte dessa
construção, é que se pôde
estabelecer a forma das comparativas – se
correlata ou não-correlata. Normalmente,
as construções introduzidas por como e outros introdutores como feito, igual
são não-correlatas, e as introduzidas pelos
introdutores do que/que são correlatas. São
assim denominadas porque vêm introduzidas por um termo relacionado com outro da
oração principal (Cf. Luft, 1978:154).
A
presença desses introdutores relaciona-se, por sua vez, com o conteúdo semântico
das construções comparativas. Há
maior incidência de construções não-oracionais não-correlatas na Escrita
exprimindo igualdade e leitura não-literal.
Já na Fala, predominam as estruturas correlatas de superioridade.
Estas são
introduzidas por do
que e que, aquelas por como.
As tabelas a seguir dão conta dos graus de comparação das estruturas
comparativas:
TABELA
1: Conteúdo semântico da construção comparativa na Língua Escrita
TIPO
DE CONSTRUÇÃO COMPARATIVA |
TOTAL
/ % Superioridade |
TOTAL
/ % Inferioridade |
TOTAL
/ % Igualdade |
TOTAL
/ % Não-literal |
TOTAL
/ % Distintiva |
Comparativa
não-oracional não-correlata |
¾ |
3
/ 20% |
99
/ 82% |
61
/ 76% |
7
/ 54% |
Comparativa
não-oracional correlata |
77
/ 91% |
9
/ 60% |
3
/ 2% |
10
/ 12% |
6
/ 46% |
Comparativa
oracional correlata |
8
/ 9% |
2
/ 13% |
1
/ 1% |
¾ |
¾ |
Comparativa
oracional não- correlata |
|
1
/ 7% |
18
/ 15% |
10
/ 12% |
¾ |
TOTAIS |
85
/ 100% |
15
/ 100% |
121
/ 100% |
81
/ 100% |
13
/ 100% |
Nas
construções comparativas não-oracionais correlatas,
destacam-se os percentuais das
que apresentam o grau de superioridade – são 77 ocorrências, que
correspondem a 91%, em relação ao total de 85 dados (Cf. exemplo (14)).
Ainda nas não-oracionais, só que na forma não-correlata,
as que apresentam o grau de
igualdade (Cf. exemplo (15)) e as que envolvem leitura não-literal (Cf. exemplo
(16)) têm os percentuais mais altos. Em
um total de 121 dados, 99 ocorrências, que correspondem a 82%,
são de comparativas de igualdade. Em um total de 81 dados, 61 ocorrências,
que correspondem a 76%, são de construções comparativas envolvendo leitura não-literal.
(14)
(Fala de Fabiana) Pois grita tu mais [do que ele] que é
o meio das mulheres se fazerem ouvir. (QCQC)
(15)
(Fala de Carolice) (...) Veste [como uma moça de vinte anos.]
(AVTTA)
(16)
(Fala de Jeremias) (...) Os diabos destes ingleses bebem [como
uma esponja!] Ah, porque deixastes a mesa na melhor ocasião, quando se ia abrir
a champanha? (ACS)
Assim,
em ordem decrescente, tem-se como graus de comparação mais freqüentes em
construções não-oracionais da Língua Escrita os seguintes: igualdade,
superioridade, leitura não-literal, inferioridade e distintiva. Com relação
às estruturas comparativas de
igualdade, há menor freqüência de dados nas oracionais (Cf. ex. (17)).
Analisando, ainda, a Tabela 1, percebe-se que não há
ocorrências de construções comparativas oracionais, seja na forma
correlata ou não, distintiva (Cf. ex. (18)). Não há também registros de
construções comparativas oracionais correlatas envolvendo leitura não-literal.
Com essa forma, só foram encontradas estruturas não-oracionais, conforme
demonstra o exemplo (19).
(17)
(Fala de Clarisse) (...) (eles)
hão de curvar [como nós
nos curvamos,] e obedecerem à nossa voz com humildade...
(ACS)
(18)
(Fala de Maria) É um amor singular.
(Fala de Luísa) Não é [como o de Romeu e Julieta, com balcão,
escada de corda, cantos de cotovia...] (AD)
(19)
(Fala de Ventura) Nem eu, que tenho um sono mais pesado [do que
o Pão de Assucar.] (OHDQN2)
Em
(19), ilustra-se uma construção comparativa não-oracional correlata
distintiva, em que não há graduação, ou seja,
não se explicita em que medida o sentimento comparado é melhor/pior,
por exemplo; simplesmente, um amor é
identificado como diferente do
outro.
TABELA
2: Conteúdo semântico da construção comparativa na Língua Falada
TIPO
DE CONSTRUÇÃO COMPARATIVA |
TOTAL
/ % Superioridade |
TOTAL
/ % Inferioridade |
TOTAL
/ % Igualdade |
TOTAL
/ % Não-literal |
TOTAL
/ % Distintiva |
Comparativa
não-oracional não-correlata |
2
/ 2% |
1
/ 9% |
13
/ 47% |
2
/ 67% |
2
/ 34% |
Comparativa
não-oracional correlata |
86
/ 88% |
8
/ 73% |
4
/ 14% |
1
/ 33% |
2
/ 33% |
Comparativa
oracional correlata |
10
/ 10% |
1
/ 9% |
¾ |
¾ |
2
/ 33% |
Comparativa
oracional Não-correlata |
¾ |
1
/ 9% |
11
/ 39% |
¾ |
¾ |
TOTAIS |
98
/ 100% |
11
/ 100% |
28
/ 100% |
3
/ 100% |
6
/ 100% |
Percebe-se,
pela Tabela 2, que as construções comparativas
não-oracionais correlatas têm o percentual mais alto em relação às
demais – em um total de 98 dados, 86 ocorrências, que equivalem a 88%, estão
no grau de superioridade (Cf. exemplo
(20)).
(20
(...) elas são muito mais desenvolvidas [do que eu, né.]
(AC 3 - PB)
Das
construções comparativas envolvendo leitura não-literal na fala há apenas 3
casos, um deles introduzido por do
que e os outros dois
por como, sendo isso um possível indício de que o
introdutor do que é
mais característico da fala (Cf. exemplo (21)).
(21)
(...) E Barcelona, aliás
é uma cidade marcada por esse lado muito agressivo que se for conquistado é ótimo,
quer dizer, depois que a pessoa se deixa aproximar por alguém se torna de uma
amizade assim imensa, maior [do que a gente] que faz muita onda e no
fundo dá pouca atenção. (INQ.
133 - PB)
Em
(21), tem-se uma estrutura comparativa não-oracional que envolve leitura não-literal,
pois, neste caso, o falante compara elementos (amizade versus gente)
que não admitem a leitura referencial.
Note-se,
também, que não há registros de estruturas oracionais correlatas de igualdade
e nem com leitura não-literal. Nas
não-correlatas, por sua vez, não
foram encontradas nem as de leitura não-literal e nem as distintivas.
Atente-se
para o fato de que como é o introdutor característico não só
das construções que exprimem igualdade mas também das estruturas que envolvem
leitura não-literal. Portanto, os introdutores do que/que
e como servem
para distinguir em Português as construções comparativas de igualdade das de
desigualdade. Na comparação de igualdade, há duas entidades que não diferem
com relação à qualidade ou à
propriedade, isto é, há identidade e similaridade (Cf. exemplo (22), a
seguir); na comparação de desigualdade, existem duas entidades que realmente
diferem, ou seja, não há similaridade (Cf. exemplos (23) e (24), mais
adiante).
(22)
(Fala de Otávio) Apesar de não ser milionário [como o sr. Douglas,]
também me assiste o direito de ter caprichos.
(OSJ)
(23)
(...) quando se chega ao, a Faro, por exemplo, eu acho que é muito
pior [do que Lisboa.] ( GC - PORTO - PE)
(24)
(...) No Brasil eles são organizados
muito mais a nível municipal [do que a nível nacional.]
(REC
164 - PB)
Para
se fazer tal classificação semântica das comparativas, trabalhos como o de
Napoli (1983), Ayora (1991), García (1994) e Ordóñez (1997a) foram
imprescindíveis.
Na
classificação das construções comparativas na ótica da GT, estas são
subdivididas em comparativas de superioridade, inferioridade e igualdade.
No entanto, ao se analisarem os dados dos corpora, identificaram-se mais
duas possibilidades de classificação, que foram acrescentadas – a
comparativa de similitude ou metafórica (Cf.
Ayora, 1991)[3]
e a comparativa distintiva, conforme exemplos antes mostrados.
As
comparações de desigualdade fornecem informações mais imprecisas, além de
admitirem subquantificação por meio de indefinidos, multiplicativos etc., o
que não se verifica com as de igualdade. Quando
se diz, por exemplo,
Un
niño más/menos alto que su padre.
(Um
garoto mais/menos alto que seu pai.)
não
se especifica nitidamente em que
medida que
o garoto é mais ou
menos alto que seu pai.
As
comparativas de igualdade podem manifestar-se de diferentes maneiras: como 1)
comparativa própria, 2) relativa, 3) com igual que ou,
ainda, 4) com artigo + mesmo
+ que.
As
comparações com igual podem ser tanto oracionais quanto não-oracionais.
Para que tais estruturas
sejam consideradas orações, igual precisa ser usado com valor adverbial, ou seja,
modificar o verbo e, portanto, introduzir comparações oracionais.
A
partir do que se expôs, ilustra-se, a seguir, cada tipo de conteúdo semântico
de comparativa analisado nos corpora.
·
Comparativa de superioridade
Nesse
caso, encontram-se estruturas do tipo A é (está) mais X que B.
(25)
(Fala de Alberto) (...) É esta
a minha casa, mas estes móveis não conheço... Mais ricos e suntuosos são [do
que aqueles que deixei.] (ODOOIM)
·
Comparativa de inferioridade
A
estrutura que dá conta dessa possibilidade é A é (está) menos X que B.
(26)
(Fala de Irene) Pensando melhor, um fogão de seis bocas dá menos
trabalho [que uma criança...] (NCB)
·
Comparativa de igualdade
Aqui
a estrutura tanto pode ser COMO
+ V quanto A é (está) tão
X quanto B.
(27)
X: todos a, a pé, a cantar, com os adufes à frente, aquela coisa toda e a
senhora do almortão tem um alpendre [como muitas capelas têm], como
devem conhecer, (...) (INQ.
0184 - PE)
(28)
Nova York, em determinados pontos, é tão violento [quanto o Rio ou,
de repente, até mais,] e neguinho aí nem comenta isso né. (AC
4 - PB)
García
(1994:234) afirma que, nesse tipo de comparação, podem-se inverter livremente os termos que a compõem.
Encontra-se no corpus de Língua
Escrita o único caso em que a segunda parte da construção comparativa
antecede a primeira, ou seja, em que se comprova esta afirmativa do autor. Eis o
exemplo:
(29)
(Fala de Violeta) (...) [Como seu pai,] também fala
erradamente com forte acentuação inglesar...
(OSJ)
Reescrevendo
o exemplo (29), evidencia-se a ordem inversa:
[Como
seu pai (fala erradamente com forte acentuação inglesar),] também (você)
fala erradamente com forte acentuação inglesar...
Nota-se,
pelos exemplos dados, que as comparativas de igualdade não aparecem com o verbo
no modo subjuntivo.
·
Comparativa que envolve leitura não-literal
Nesse
tipo de construção, tem-se a estrutura V + COMO + SN, como em:
(30)
(Fala de Jeremias) (...) Os diabos destes ingleses bebem [como uma
esponja!] Ah, porque deixastes a mesa na melhor ocasião, quando se ia abrir
a champanha? (ACS)
Esse
conteúdo semântico da comparação foi estabelecido com base em Ayora
(1991:16). O autor adota essa denominação para os casos em que se apresenta a
intensificação da qualidade que serve para estabelecer a semelhança.
Por isso, para ele, a comparação com sentido metafórico faz
parte da comparação de igualdade, embora possam
ser distinguidas pela estrutura formal. Assim, Ayora (1991:33) destaca
que a estrutura formal da comparação de igualdade é COMO + V e a da comparação
de similitude é V + COMO,
afirmando que nestas as realidades comparadas se assimilam totalmente,
porque a realidade ou objeto A é apresentado como idêntica à realidade ou
objeto B. Além disso, ressalta
que, nessas construções, o verbo presente é sempre o copulativo ser; a
forma como pode ser suprimida ou substituída pelas expressões igual
que ou o mesmo que. Com
a utilização do termo similitude, o autor pretende realçar a idéia de
que este tipo de estrutura serve para formular um juízo qualitativo.
Por
não se comportarem de maneira diferente de qualquer outra construção
comparativa, ou seja, já que a estrutura lingüística é a mesma, casos como
esses foram analisados.
Com
base nos exemplos antes mostrados, percebe-se que (do) que
e como servem
para distinguir dois tipos de comparação em Língua Portuguesa –
desigualdade e igualdade.
·
Comparativa distintiva
Nesse
caso, não se identifica nenhuma das modalidades antes apresentadas. O conteúdo
semântico distintivo foi estabelecido exclusivamente por meio da análise empírica
dos dados e por meio dele o falante parece disfarçar o juízo sobre o seu
discurso.
(31)
(...) tem que começa(r) (...), para(r) já, hoje em dia já é bastante
diferente [do que era há uns anos atrás.]
(JF - FARO - PE)
Tomando
por base a descrição feita, foi possível:
1º
) Estabelecer uma tipologia para as construções comparativas,
caracterizando-as sintaticamente como estruturas que tanto podem envolver correlação
quanto subordinação. Portanto,
há construções comparativas que são correlatas e há as que não o são.
As não-correlatas, na verdade, funcionam como adjuntos, que podem ser
oracionais ou não, portanto, são casos de subordinação.
Tendo em vista que para estabelecer os tipos de comparativas a correlação
é o elemento diferenciador em relação à maioria das
classificações existentes e consultadas, apresenta-se a seguir uma definição
de estrutura comparativa calcada em tal aspecto.
Entenda-se por construção comparativa correlata aquela constituída de
duas partes: a primeira, ou comparado[4],
que contrasta com a segunda, ou comparante,
mantendo-se entre elas uma relação de interdependência sintática denominada correlação.
Na primeira parte da comparação, encontram-se introdutores do tipo mais,
menos, tanto..., e
na segunda, que, de,
(como).
2º
) Constatar, com base na análise qualitativa dos dados, a existência de dois
novos conteúdos semânticos envolvidos na comparação – de leitura não-literal
e a distintiva. A GT
limita-se a caracterizar como modalidades de comparação superioridade,
inferioridade e igualdade; outros estudos preferem estabelecer uma
oposição binária, ou seja, igualdade versus desigualdade, tendo
em vista que a designação desigualdade abrange tanto inferioridade quanto superioridade.
Portanto,
a nomenclatura tipos de construções comparativas refere-se ao aspecto
sintático da estrutura, já a designação subtipos de construções
comparativas dá conta do seu conteúdo semântico, ou melhor, dos efeitos de
sentido depreendidos no uso das estruturas comparativas – superioridade,
inferioridade, igualdade, lietura não-literal, distintiva.
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[1] García (1994:82) baseia-se na tipologia de A. Garcia Berrio para as orações compostas em Espanhol. Para Berrio, existem dois tipos de subordinação – a determinação e a interdependência. No primeiro, um dos termos depende do outro; no segundo, um termo depende do outro, e este, daquele. Existe, pois, uma recíproca das frases componentes, ou seja, uma colaboração lógico-semântica.
[2] Estruturas que podem ter uma leitura não-literal como essas são comentadas por Luft (1978), Napoli (1983) e Ordóñez (1997).
[3] Visto que na literatura lingüística a nomenclatura adotada por Ayora pode dar margem a outras interpretações, adota-se aqui a de Napoli (1983). Segundo ela, essas estruturas envolvem uma leitura não-literal.
[4] Os termos comparado e comparante estão sendo adotados com base em García (1994:215).