Dar conta de toda a gama de gêneros textuais existentes hoje é uma
tarefa complexa e quase impossível de se realizar, a não ser por um grupo
enorme de pesquisadores. Uma vez que são os gêneros os instrumentos que
possibilitam a interação humana e como os indivíduos estão sempre
descobrindo tecnologias novas – como a internet – e com elas estabelecendo
novos modos de interagir uns com os outros, não é fácil recobrir o universo
dos gêneros textuais.
Cientes dessas limitações, optamos por analisar, neste trabalho, o e-mail,
um gênero fundamentalmente baseado na escrita, (MARCUSCHI 2002, p. 5) como o são
todos os gêneros ligados à internet. Este gênero emergente já despertou
muita curiosidade pelas suas condições de produção, seu imediatismo e suas
semelhanças com as cartas e bilhetes pessoais. Levamos em consideração também
o fato de haver no contexto das novas tecnologias eletrônicas, e mais
especificamente no e-mail, uma rica fonte de estudos, visto que esse se
mostra, em sua essência e, conforme apontado acima, impregnado de características
de outros gêneros bem como apresentando uma relação mais estreita entre as
modalidades de fala e escrita.
Apercebemo-nos, então, que esse gênero vem sendo usado com uma freqüência
muito grande, não só nas relações interpessoais com fins lúdicos e
informativos, mas sobremaneira, por empresas, instituições comerciais que
viram no e-mail a possibilidade de agilizar cada vez mais as suas negociações.
Como são universos inteiramente distintos, o das relações individuais
e o das relações comerciais, achamos por bem fazer um estudo comparativo entre
os e-mails pessoais – trocado entre amigos, colegas ou professor/aluno
– e os e-mails comerciais – no caso, trocado entre quatro empresas
diferentes – para averiguar o que há em comum e o que há de diferente entre
eles: as similitudes por ventura encontradas nos poderão permitir tratá-los
como um gênero “próprio” - aqui queremos dizer já definido em sua
constituição - e as distinções nos poderão permitir dizer que a variação
é intrínseca aos gêneros textuais e que, nesse caso em especial, elas podem
decorrer dos objetivos de um e de outro tipo de e-mails.
Para fazer essa análise muitos elementos precisam entrar na conversa,
entre eles destacamos a relação fala/escrita, conforme estudos de Marcuschi
(2001) e outros; e a definição e constituição dos gêneros textuais, em
especial os e-mails, conforme estudos de Marcuschi (2002), Miller (1984,
1994) e Assis (2002).
Durante
muito tempo, e por que não dizer ainda hoje, tratou-se a questão das relações
entre oralidade e escrita como algo dicotômico e estanque, a ponto de se
considerá-las como dois sistemas lingüísticos, duas línguas. Alguns dos equívocos
mais freqüentes apontados por estudiosos da língua, entre eles Marcuschi
(2001), nos quais incorrem os estudos sobre a fala e a escrita são, por exemplo,
a fala como aquela que apresenta propriedades intrínsecas negativas; a
escrita, por sua vez, apresentando propriedades intrínsecas privilegiadas; a
escrita sendo estruturalmente elaborada, complexa, formal e abstrata; a fala,
concreta, contextual e estruturalmente simples; a fala como dialogada; a
escrita, monologada.
Segundo esta perspectiva, da
dicotomia estrita, a fala seria o lugar do erro e do caos gramatical,
enquanto a escrita, o lugar da norma e do bom uso da língua. Esta visão é
divulgada nos manuais escolares e deu origem à maioria das gramáticas pedagógicas.
Embora
o homem seja definido como um ser que fala, isso não implica a superioridade da
fala sobre a escrita, nem tampouco corrobora a tese de que a fala é primária e
a escrita é derivada. Ambas “são práticas e usos da língua com características
próprias, permitindo a construção de textos coesos e coerentes, variações
estilísticas, sociais, dialetais, etc” (MARCUSCHI 2001, p. 17). Nessa linha
de raciocínio, há lingüistas como Chafe (1982), Tannen (1982, 1985), Biber
(1986,1995), Halliday/Hasan (1989), que vêem as relações entre fala e escrita
dentro de um contínuo, seja este tipológico ou da realidade cognitiva e social
(MARCUSCHI 2001, p. 27).
Fica
claro que uma visão dicotômica da relação entre fala e escrita não mais se
sustenta, pois os achados mais notáveis apontam mais semelhanças que diferenças
entre essas duas modalidades de uso da língua. As relações de semelhanças e
diferenças não são estanques nem dicotômicas, mas contínuas e várias das
características diferenciais relacionadas a uma das modalidades são
propriedades da língua. Ainda, as diferenças entre fala e escrita podem ser
vistas na perspectiva não do sistema, mas do uso, ou seja, deve-se levar em
consideração os usos do código, e não o código. Não esquecendo que as
características da fala e escrita não são categóricas nem tampouco
exclusivas, como podemos observar no e-mail, gênero emergente que
apresenta, em virtude de determinadas condições de produção, características
da modalidade oral apesar de ser um gênero essencialmente escrito.
Comunicamo-nos
através de textos e estes aparecem sob diversos formatos, preenchendo funções
nas mais variadas situações. Todo texto, por sua vez, só se realiza através
de gêneros que, na verdade, ordenam as bases da estrutura social. Nessa linha
de raciocínio, Miller (1994) afirma que os gêneros “são a parte
comunicativa da estrutura social”. Por esse prisma, ao adquirirmos uma língua,
fazemos muito mais do que simplesmente dominar formas. Dominamos, também, os
usos comunicativos nas práticas sociais do dia a dia, sendo, nesse sentido,
impossível não se comunicar verbalmente por algum gênero assim como é impossível
não se comunicar verbalmente por algum texto (cf. MARCUSCHI, 2001)
Os
estudos de gênero corroboram uma mudança de paradigma que a Lingüística Teórica
empreendeu nas últimas décadas com a Lingüística de Texto, a Sociolingüística,
a Pragmática, a Análise da Conversação e as diversas ADs que deixam de lado
o foco único na forma, para conciliar, nas suas investigações, forma, função,
ação, aspectos sociais e históricos. Com base nessas idéias, podemos dizer
que os estudos de gênero se revelam enquanto estudos interdisciplinares que
dedicam especial atenção aos fenômenos lingüísticos.
Embora
tenha havido, por um determinado tempo nos estudos dos gêneros, uma preocupação
em estabelecer/identificar categorias taxionômicas1,
há na atualidade uma concepção de gênero como situado (ERICKSON, 2000, apud
MARCUSCHI, 2002), observando-o e entendendo-o na sua relação com a história,
a cultura e o social. Tal concepção tem orientado pesquisas que tentam
elucidar e organizar conceitos e observar como uma análise interna dos gêneros
pode ser realizada.2
Buscando
uma concepção de gênero que possa respaldar o quadro teórico
a partir do qual se constrói este trabalho, entendemos os gêneros como
atividades coletivas, de natureza dinâmica, situadas em algum lugar social e
histórico.
Uma
vez assumido que nos comunicamos através de gêneros, tomamos como central para
este trabalho a premissa de que “os gêneros textuais são fenômenos históricos,
profundamente vinculados à vida cultural e social” (MARCUSCHI 2002,
p.19) e, estaremos aqui, considerando que os e-mails (pessoais e
comerciais) constituem um gênero textual que possui propósitos comunicativos
bem específicos em diversas instâncias das atividades humanas.
Assim
como não são estanques na sua natureza, os gêneros também não o são na sua
constituição. A emergência de novos gêneros está, certamente, vinculada ao
surgimento de novas formas de interações sociais através, principalmente, de
novos meios de comunicação como é, no caso dos e-mails, a Internet.
O e-mail pode ser considerado um gênero textual altamente
interativo e vinculado, como já havíamos afirmado,
a uma inovação tecnológica – a Internet - que trouxe, neste tipo de
correspondência, a objetividade e o imediatismo: “a
rapidez do sistema tecnológico permite aos e-mails pessoais uma estruturação
em que se parece presentificar na tela uma interlocução muito próxima
daquelas que se flagram nas interações face a face” (ASSIS 2002, p.131)
Swales
(1990) afirma que os gêneros não surgem da noite para o dia, mas
desenvolvem-se por um certo período e somente são reconhecidos até que se
tornem bastante padronizados e isto podemos comprovar fazendo um breve esboço
sobre a gênese do e-mail.
Como
gênero emergente, o e-mail aparece no contexto da tecnologia digital a
partir da década de 70 numa tentativa inusitada de um cientista da UCLA, Ken
Kleinrock, de manter contato, de Los Angeles, com um outro cientista, Larry
Roberts que se encontrava então em Brighton, Inglaterra. Este primeiro contato
foi estabelecido graças a uma rede de expansão (ARPANET) que, embora não
tenha sido planejada como um sistema de mensagem, possibilitou a primeira
correspondência eletrônica on-line.
Segundo Assis (2002, p.194),
ler ou responder a e-mails na década de 70 demandava esforço e,
sobretudo, paciência :
(...) o texto simplesmente era despejado na tela ou fora, na impressora,
e nada separava as mensagens. Além disso, para se chegar à última mensagem,
era preciso passar obrigatoriamente por todas novamente. Para muitos operadores,
o único meio de ler o correio era ligar o teletipo e imprimir metros e metros
de texto (....) Também não havia ainda a função Responder (Reply), o
que obrigava o usuário a começar uma nova mensagem sempre que o interesse
fosse responder a uma mensagem recebida.
Esses aspectos aqui
arrolados fazem-nos concluir que a correspondência eletrônica evoluiu muito
nos últimos anos, facilitada, principalmente, por softwares que
gerenciam e possibilitam a rapidez na recepção e criam recursos tais como
aqueles de armazenamento, de responder automaticamente, de encaminhamento para vários
interlocutores ou mesmo de seleção e apagamento de mensagens indesejáveis.
Segundo Marcuschi (2002,
p.1), três aspectos tornam a análise desse gênero
relevante:
(1)
seu franco desenvolvimento e um uso cada vez mais generalizado; (2) suas
peculiaridades formais e funcionais, não obstante terem eles contrapartes em gêneros
prévios; (3) a possibilidade que oferecem de se rever conceitos tradicionais,
permitindo repensar nossa relação com a oralidade e a escrita.
Contudo, ao estabelecer como
gêneros contrapartes do e-mail a carta pessoal3,
o bilhete e o correio4,
Marcuschi (2002, p.13) adverte do cuidado que há de se ter numa análise entre
contrapartes: “Nem sempre têm uma contraparte muito clara e não se pode
esperar uma especularidade na projeção de domínios tão diversos como são o
virtual e o real.”
Acreditamos que não
devemos, no entanto, esquecer o que nos afirma Jonsson (1997, apud
MARCUSCHI 2002, p.21) :
(
...) as mensagens eletrônicas podem partilhar as propriedades da carta
tradicional, mas podem partilhar as propriedades do telefonema ou da comunicação
face a face. Conseqüentemente, os e.mails transgridem os limites entre as noções
tradicionais de comunicação oral e escrita.”
Estamos, pois, diante de um gênero multifacetado e complexo que precisa
ser analisado constantemente e com grande acuidade, em virtude dessa
complexidade de suas condições de produção, já que tudo que diz respeito à
computação de um modo geral e à Internet atualiza-se praticamente a todo o
momento.
Para
uma sistematização mais precisa do gênero e-mail, partiremos das
reflexões de Assis (2002) a fim de estabelecer determinadas características
inerentes a esse gênero. Este foi caracterizado quanto à estrutura e à
linguagem. Vejamos:
|
O
software não inclui a informação do local de procedência;
usualmente, também o escritor não informa esse dado. |
|
Geralmente,
não há uma assinatura propriamente dita, mas normalmente aparece
a identificação do nome do remetente, mesmo que este já esteja
claramente posto no endereçamento suprido pelo programa. |
|
Ausência
do vocativo |
|
Uso
de outras semioses (emoticons) |
|
Texto
breve, mas completo |
|
Poucas
abreviações (o item normalmente abreviado é vc, por você);
as poucas abreviações podem estar relacionadas com a produção do
e-mail por escritores de alto nível de escolarização/letramento e com a
faixa etária do produtor. |
|
Relaxamento
quanto à forma: não há grandes cuidados com a ortografia; os enunciados
e até os nomes próprios se iniciam com minúsculas, evidenciando a
pressa e o menor esforço na produção. |
Para Assis (2002,p.124),
todas as informações de estrutura podem ser expressas “naquilo que pode ser
chamado ‘cabeçalho’ do e-mail”, funcionando como “pistas que guiarão o
leitor na interação com a mensagem enviada, concorrendo para a sua compreensão.”
Em geral, além dos aspectos
listados, foram ainda atribuídos aos e-mails, as seguintes características:
![]() |
A
circularidade, podendo ser enviados para múltiplos destinatários;
ao se fazerem assim, os e-mails passam a ser menos pessoais,
assemelhando-se mais às cartas circulares. |
![]() |
A
possibilidade de enviar uma cópia do e-mail para outra pessoa,
podendo este fato ser desconhecido pelo destinatário primário. |
![]() |
De
modo geral, os textos de e-mails são curtos, mas há alguns
bastante longos. |
Talvez uma das maiores
especificidades do e-mail seja permitir o imbricamento e encadeamento
de mensagens anteriores, gerando a pronta reconstrução e recuperação da
correspondência completa
Para Assis (2002, p.130),
manisfesta-se, com o imbricamento e o encadeamento, um
novo
tipo de dialogicidade, na medida em que ali se flagra uma dinâmica de alternância
de turnos, garantida quer pela inserção de partes da mensagem a que se
responde no e-mail –resposta, quer pela permanência, nesse e-mail
(providenciada pelo computador), da mensagem a que se responde, quer, ainda,
pela própria organização dada ao e-mail-resposta, que, em termos de ordenação
de informações, procura obedecer à seqüência de demandas da mensagem a que
se responde(...)
Entendemos, para fins de análise,
como e-mail pessoal aquele que funciona como correspondência entre
pessoas físicas, podendo ser de uma para várias simultaneamente ou, como se dá
mais comumente, de uma só pessoa para outra ou ainda de uma instituição para
uma pessoa física.
Já
no contexto da rotina comercial, o e-mail parece ter conseguido
substituir e redimensionar a diversidade de práticas comunicativas antes
existentes, tais como a circular, o ofício e o memorando. Isto, certamente,
devido ao seu caráter objetivo e rápido que condiz com a presteza que hoje as
empresas querem imprimir na sua rotina de comunicação com os funcionários ou
empresas- co – participantes / filiais ou representadas.
Ao optarmos pela comparação entre e-mails pessoais e e-mails
comerciais, coletamos dez do primeiro tipo e dez do segundo, sendo estes últimos
de quatro empresas que figurarão como empresas X, Y, Z e K, o que possibilitou
a formação de um corpus com vinte textos. Todos os interlocutores
aparecem, nos e-mails selecionados para esta análise, com nomes fictícios.
Para análise, tivemos
sempre em mente a concepção de gênero como ação social; a relação contínua
entre fala e escrita; as características do e-mail já apontadas em
estudos de Marcuschi (2002) e Assis (2002) e, parâmetros estabelecidos para análise
por esses dois estudiosos. É dever nosso dizer que esses parâmetros não foram
utilizados em sua completude conforme pleiteados pelos autores; optamos, em
virtude da extensão e da natureza de nosso trabalho, por selecionar aqueles que
pareciam mais pertinentes aos nossos objetivos e que se mostraram suficientes
para traçar o perfil dos dois tipos de e-mails constitutivos do corpus.
Assim, consideramos os itens extensão do texto; arquitetura textual; número
de participantes; propósito comunicativo; variação de tópico; e estratégias
de oralidade que conduziram a análise apresentada na seqüência.
Nesta análise
utilizaremos, como o faz Assis (2002, p. 208), números de linhas para verificar
a extensão dos e-mails, uma vez que julgamos esta prática mais precisa
e clara, evitando assim, outras interpretações caso utilizássemos
subcategorias tais como curto ou longo.
DIMENSÃO
|
|
e-mail
pessoal |
e-mail
comercial |
|
EXTENSÃO
DO TEXTO |
Até
5 linhas |
01 |
06 |
|
De
6 a 10 linhas |
05 |
03 |
||
De
11 a 20 linhas |
03 |
00 |
||
Mais
de 20 linhas |
01 |
01 |
||
|
|
|
|
|
Nos
e-mails analisados, percebemos que estes variaram de quatro (04) até
mais de vinte (20) linhas. Os e-mails comerciais, no entanto, foram os
que apresentaram um número mais reduzido de linhas, demonstrando, como já havíamos
mencionado antes, uma objetividade e imediatismo que parecem ser próprios de
uma filosofia empresarial na atualidade (cf. p.6) .
Gostaríamos,
entretanto, de salientar, que os e-mails analisados – o que vem também
corroborar os resultados de pesquisa de Assis (2002), - não possuem um tamanho
padrão. Para fins de ilustração, reproduziremos abaixo os e-mails mais
curtos do nosso corpus:
Para:
<bmp@.neoline.com .br Enviada
em: segunda-feira, 27 de janeiro de 2003 14:38 Assunto:
textos Oi,
Beatriz, Aí
está o que recebi nos últimos dias. beijos eu |
Para:waraujo@empresaY.com
.br Enviada
em: 20/03/ 2003 08:53 Assunto:
lista de e-mails Wagner, Por
gentileza nos envie a lista de e-mails Martins |
Entendemos
como arquitetura textual a organização das partes do texto. Neste caso,
estabelecemos como as partes: abertura (nome para quem se escreve: Fulano,);
Saudação (Oi, Bom dia, Tudo bem?); Mensagem (corpo da
mensagem propriamente dita); Fechamento (Abraços, Beijos, Sem
mais), Assinatura (nome de quem escreve). Diferentemente de Assis (2002),
decidimos trabalhar com abertura e saudação como partes distintas, visto que
no nosso corpus “abertura + saudação” parece não se realizar em
uma unidade, conforme quadro 2 abaixo:
Quadro
2
DIMENSÃO
|
|
e-mail
pessoal |
e-mail
comercial |
ARQUITETURA
TEXTUAL |
Mensagem
/ Fechamento |
01 |
00 |
Abertura
/Mensagem/Fechamento |
00 |
01 |
|
Abertura/
Mensagem/Assinatura |
02 |
03 |
|
Abertura/Saudação/Mensagem
/ Assinatura |
00 |
01 |
|
Abertura/Saudação/Mensagem/Fechamento |
00 |
01 |
|
Abertura/Mensagem/Fechamento/Assinatura |
03 |
02 |
|
Abertura/Saudação/
Mensagem./ Fechamento /Assinatura. |
04 |
02 |
Os e-mails pessoais foram aqueles que apresentaram, na nossa
concepção, uma arquitetura textual mais completa, ou seja, apresenta, a
maioria deles, abertura, saudação, mensagem, fechamento e assinatura. Isto
vem, de certa forma, corroborar a visão de que o e-mail tenha emergido
do gênero carta pessoal e, trazendo nesta evolução, as partes
comumente encontradas nesse gênero. Ainda assim, encontramos entre os e-mails
pessoais, um (01) que apresentasse, atipicamente, apenas mensagem e fechamento
Julgamos relevante salientar
que encontramos, nos e-mails comerciais, saudações inusitadas e que
quebram a expectativa do que se espera de um contato mais formal como o é a
maioria dos e-mails comerciais analisados, o que tanto pode apontar para
uma característica pessoal de quem escreve, quanto para uma informalidade própria
desse gênero. Vejamos o exemplo que segue:
Para:irocha@empresaY.com
.br Enviada
em: 21/03/ 2003 10:30 Assunto:
resposta e-mail de 21/03/2003 Irene, Bom
dia ! Tudo
alegria ! Repúdio
à guerra ! Passo
a responder o e-mail de 21/03/2003, referente à cobrança João
Pessoa.......... (...) Hilda |
3.3
Número de Participantes
Quadro
3
DIMENSÃO
|
|
e-mail
pessoal |
e-mail
comercial |
NÚMERO
DE PARTICIPANTES |
Dois |
09 |
09 |
Múltiplos |
01 |
01 |
Como vemos acima, nos casos analisados, apenas um (01) e-mail de
cada tipo foi enviado/recebido por mais de um participante. Isto vem demonstrar
que, ao contrário de outros gêneros possibilitados pelo uso da Internet, o e-mail
é aquele que pode servir para contatos entre duas pessoas, ao lado dos
bate-papos privados. Não negamos, porém, a possibilidade, já comprovada por
outros estudos (cf. ASSIS, 2002) de que ele possa ser utilizado de outras formas
como de um para muitos e de muitos para um como comprova nossa própria experiência
com o uso desse gênero.
Utilizaremos
o conceito propósito comunicativo como cunhado por Swales (1990, p. 10)
:
É
o propósito comunicativo que conduz as atividades lingüísticas da comunidade
discursiva, é o propósito comunicativo que serve de critério prototípico
para a identidade do gênero e é o propósito comunicativo que opera como o
determinante primário da tarefa.
Ao entendermos
os e-mails como gêneros emergentes, faz-se necessário também
reconhecer os propósitos comunicativos que estão ali sendo compartilhados e
negociados pelos usuários.
Numa análise do corpus percebemos
que este possuía dois diferentes tipos de propósitos comunicativos: o informativo
(que aqui estabelecemos como aquele que solicita e fornece informações de
qualquer natureza: pedido de papel timbrado e envelopes, informação sobre a
ementa de uma disciplina ou de sumário de um livro,solicitação de controle de
pedidos etc...); e o interpessoal (aquele que gira em torno de questões
pessoais da vida cotidiana de amigos ou colegas etc).
DIMENSÃO
|
|
e-mail
pessoal |
e-mail
comercial |
PROPÓSITO
COMUNICATIVO |
Informativo |
05 |
09 |
Interpessoal |
04 |
00 |
|
Misto |
01 |
01 |
Os
e-mails comerciais são, em sua quase totalidade, construídos a partir
de um propósito comunicativo informativo. Uma decorrência natural do tipo de
relação travada nesse ambiente, no qual não deve haver espaço para outros
tipos de interação, a não ser as meramente comerciais.
Em
contrapartida, achamos interessante o fato do corpus dos e-mails
pessoais trazerem, em quase cinqüenta por cento (50%) dos casos, um propósito
também informativo, como ressaltamos no exemplo a seguir:
De:
jrp@uol.com.br Para:mari@bol.com
.br Enviada
em: Quinta-feira, 8 de fevereiro de 2001 23:18 Assunto:
Sugestão Mari, Creio
que na área de Estudos Lingüísticos as principais revistas são Delta (
ABRALIN) e Linguagem e Ensino ( ALAB). O Endereço da Delta você já tem.
Para assinar a Linguagem e Ensino, as informações são : Comissão
Editorial/ Assinaturas Universidade
Católica de Pelotas (...) Essa revista é semestral e custa R$ 20,00 João
Roberto |
Aqui podemos notar a substituição da carta pelo e-mail: informações
que antes eram obtidas com esse tipo de correspondência, hoje, se valem da
rapidez do e–mail; muitas vezes, trata-se de informações de ordem
profissional.
DIMENSÃO
|
|
e-mail
pessoal |
e-mail
comercial |
VARIAÇÃO
DE TÓPICO |
Existente |
07 |
01 |
Inexistente |
03 |
09 |
Consideramos
relevante verificar se há ou não variação de tópico nos e-mails, uma
vez que Assis (2002, p.212) afirma em seu trabalho que:
diferentemente
do que ocorre com as cartas interpessoais, em que a variedade de temáticas
sobre as quais se discorre é uma de suas características, no e-mail, segundo
revelam os dados com os quais trabalhei, o mais comum é não haver variação tópica.
Desse modo, apenas 19% das mensagens analisadas tratam de mais de um assunto.
(negrito nosso).
Contudo,
o que pudemos observar (cf. quadro 5 acima) foi justamente o contrário: apenas
trinta por cento (30%) dos e-mails pessoais não apresentaram variação
tópica. Por outro lado, os e-mails comerciais, quase em sua totalidade,
mantiveram-se presos a um único tópico. A afirmação de Assis acima, então,
poderia, pelo nosso corpus, ser aplicada apenas aos e-mails
comerciais. Entendemos que isso se dá devido ao fato de os mesmos serem
destinados à resolução de problemas que demandam urgência.
Essa
unicidade tópica dos e-mails comerciais parece corroborar as Máximas
Conversacionais de Grice (1975), isto é, observamos neles os postulados do lingüista
de: a) ser informativo na medida certa (quantidade); b) ser sincero (qualidade);
c) ser relevante (relação); e d) ser breve, ordenado, evitar ambigüidade
(modo).
Quanto
aos e-mails pessoais, a variação de tópico reflete bem a estrutura das
cartas pessoais, nas quais se abordam assuntos diversos; é uma evidência também
da substituição, conforme já mencionamos anteriormente, de um gênero –
carta – por outro – o e-mail, pelo menos entre as pessoas que têm
acesso à internet.
A
seguir, ilustração da unicidade de tópico nos e-mails comerciais e da
variedade tópica nos e-mails pessoais:
Exemplo
5
Para:mrosa@empresaY.com
.br Enviada
em: 03/04/ 2003 16:00 Assunto:
Re: pedido PB 0304-03 Marisa, No
anexo o número do pedido foi como 0204-03, o nº correto é PB0304-03,
OK??? Aguardo confirmação. M.M. |
Vejamos
exemplo de variação tópica em um e-mail pessoal:
Exemplo
6
De:
gnl@ig.com.br Para:mari@bol.com
.br Data:
Tue, 17 Dec 2002 20:50 Assunto:Re:
livro de Heronides Olá,M. Ainda
bem que recebeu, pois já estava achando que o meu computador estava com
defeito. Quando
você chega à Natal, realmente? (...) O Sumário do livro de Heronides é o seguinte: CAPÍTULO 1(...) CAPÍTULO 2(...) Realmente,
tenho que dedicar-me exclusivamente à tese (...) Júnior
vai passar o Natal na Paraíba, na casa da mãe de Cidinha. (...) Adorei
a proposta de troca de tarefas(...) Falando em “corpus”, Carlos M.
ligou hoje pra mim pra falar sobre o Provão (...) Um
abraço, o amigo Guilherme |
Julgamos
ser pertinente e oportuno incluir a categoria “estratégias de oralidade”
uma vez que estamos considerando o e-mail como um gênero
“fundamentalmente baseado na escrita” (MARCUSCHI
2002, p. 5), mas que possui, como afirmamos na primeira parte deste trabalho,
características da modalidade oral.
As
estratégias de oralidade (ou fenômenos) levadas aqui em consideração são
aquelas sistematizadas por Marcuschi5:
marcadores conversacionais, repetições, correções, hesitações, paráfrases,
elipses, anacolutos, interjeições, parentetizações, digressões, progressão
referencial, formulaicidade e metaformulação.
DIMENSÃO
|
|
e-mail
pessoal |
e-mail
comercial |
ESTRATÉGIAS
DE ORALIDADE |
Existente |
06 |
01 |
Inexistente |
04 |
09 |
Como podemos observar, não houve em nosso corpus, quase nenhuma
estratégia de oralidade presente nos e–mails comerciais. Em apenas um,
percebemos o uso do marcador conversacional “OK” (cf. exemplo 5). Isto,
talvez, seja indício de ainda estarem, os funcionários de empresas, presos a
um estilo de correspondência que inibiria quaisquer usos de estratégias deste
tipo, visto que, antes, as empresas utilizavam correspondências de estrutura
fixa e estável, como os ofícios e os memorandos, dentre outros.
Em relação aos e-mails pessoais, por outro lado, identificamos uma
variedade de estratégias, conforme ilustramos a seguir:
Exemplo
7
Para:mari@uol.com.br Enviada
em: Sunday, April 06,2003 10:42 PM Assunto:Re:
brigada Diga
lá, Mari!!! Não
há de que. É um prazer enviar e-mails pra você. Tanta coisa boa como o
de Jabor (que
sacada do cara, né?) (...). Bom, de recesso, só ouvi falar, porque o
“bicho tá pegando... “ como você bem pode imaginar. E você?Deu pra
dar um tempinho no querido RN? Às vezes lembro de você e de suas sábias
palavras: “no stress”. Tá certíssima, viu? Tenho procurado lembrar
disso. Bom, vou continuar selecionando só os melhores e-mails pra te
mandar, ok? Um beijo pra Marta e Graça (Tudo gente boa). E outro pra você.
Tchau! Dila :-} |
O exemplo 7 apresenta uma variedade de usos de estratégias de oralidade,
como por exemplo: Diga lá - marcador conversacional - ; tanta coisa
boa como o de Jabor (que sacada do cara, né?) - parentetização e marcador
conversacional – né?; Bom, de recesso, só ouvi falar, porque o
“bicho tá pegando...” – anacoluto - ; Às vezes lembro de você e
de suas sábias palavras: “no stress” – formulaicidade - ; Tá certíssima,
viu? - marcador conversacional - ; Um beijo pra Marta e Graça (Tudo
gente boa) – parentetização - ; E outro pra você - elipse.
Sem desconsiderar que muito
ainda pode se revelar acerca do e-mail, acreditamos que este pode ser um
ponto de partida para análises futuras e avanços nos estudos desse gênero
emergente. Assim, a nosso ver, esta breve análise proporcionou uma oportunidade
de reflexão e de sistematização desse gênero utilizado em contextos pessoais
e comerciais.
Nosso trabalho buscou analisar as características de um dos gêneros
textuais emergentes no contexto da tecnologia digital, o e-mail. Vimos,
no decorrer da análise, que, dentre os parâmetros utilizados para identificação
deste gênero no meio virtual, em especial a arquitetura textual e o número de
participantes são comuns tanto aos e-mails pessoais quanto aos
comerciais; ambos apresentam, em sua maioria, quase todos os elementos do que
chamamos de arquitetura textual; bem como a presença de, em geral, dois
participantes e, só em casos isolados, a multiplicidade destes; o que, de certa
forma, não representa originalidade quando comparado à carta, seu correlato prévio.
No que concerne aos pontos
mais divergentes, foi possível destacar a variação de tópico e estratégias
de oralidade. A primeira, fortemente presente nos e-mails pessoais, quase
inexiste nos comerciais, o que talvez justifique a extensão do texto reduzida
para estes, e bem mais ampliada para aqueles. A segunda, embora seja o gênero e-mail
baseado essencialmente na escrita, encontra lugar quando este é pessoal, e uso
rareado se se trata de um e-mail comercial, principalmente se os
participantes não possuem um grau maior de familiaridade (proximidade).
Seria
apenas o e-mail pessoal uma projeção de outro gênero pré-existente (no caso, a carta) e o comercial, uma “versão moderna”
do ofício, circular, memorando e outros, daí a inexistência de variação de
tópico e estratégia de oralidade?
Podemos
afirmar, quanto à estrutura do e-mail
que esta se assemelha a de um bilhete: linguagem não-monitorada (que não
impede de ser encontrado um ou outro com linguagem altamente elaborada); seu
tamanho em geral não tem limite, contudo, não costuma ultrapassar dez (10)
linhas; e o uso de parágrafo não é um recurso comum. Estas averiguações
apontam para a constituição de um novo formato de escrita numa relação mais
íntima com a oralidade numa combinação com a fala, resultando em um
hibridismo ainda não bem-conhecido (MARCUSCHI, 2002).
Tais
observações, no entanto, não indicam a anulação de formas já
cristalizadas, instituídas, como a estrutura da língua – sua fonologia,
morfologia e sintaxe. Ao contrário, não temos um novo uso, mas uma nova relação
com usos existentes, entre eles o das relações interpessoais.
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1
Como nos trabalhos de Werlich (1979), Koch
(1987) e
Travaglia (1991) , dentre outros.
2
Trabalhos de Jean-Michel Adam (1999), Schnewly (1994), Marcuschi (2001,
2002), Brandão (2001), dentre outros.
3
Para trabalhos que analisam o gênero e-mail e o gênero carta pessoal
veja Assis (2002)
4
Aqui citado por que ele analisa o endereço eletrônico como um gênero
contrapondo-o ao envelope das cartas convencionais
5
Material mimeo de sala de aula.