Para obter sucesso no ensino de língua portuguesa, é necessário superar preconceitos  estratificados em nossa cultura. Faz parte do nosso cotidiano ouvir que o português é muito difícil, que falamos tudo errado e que no português há mais exceções que regras.

Como professores, sabemos que esses preconceitos  não são verdadeiros. Cabe-nos, então, investigar se o  problema não está no método utilizado em nossa prática diária. Ensina-se português a nossos filhos como se ensinava a nossos pais, ou seja,  priorizando o estudo da gramática.

Outro fator que poderia gerar  tais preconceitos  seria a distribuição dos conteúdos pelas séries, que muitas vezes não leva em consideração o poder de abstração do aluno nem a sua intuição de falante nativo. Subestima-se a capacidade de o aluno perceber um sujeito, um objeto direto, um adjunto adnominal, ou adverbial que seja representado por uma oração.

Neste trabalho, faremos uma reflexão sobre o método utilizado no ensino dos termos da  oração e dos períodos compostos por  subordinação, mais precisamente as orações que exercem função substantiva.  Nossa reflexão será feita a partir de testes aplicados a  alunos de ensino fundamental e médio, além de  análises de manuais didáticos.

Antes, porém, é necessário que se estabeleçam os objetivos do ensino de língua portuguesa. Travaglia (1998) aponta que o ensino de língua materna deve desenvolver, principalmente, a competência comunicativa do usuário da língua. O falante deve saber adequar a língua às diversas situações comunicativas de que participa.  Além disso, necessita ser capaz de produzir e interpretar mensagens a fim de gerar seqüências  comunicativas. Enfim, o ensino de língua materna deve levar o aluno  a ler e produzir textos, sejam orais ou escritos.

            Será que a maneira como nos comportamos em sala de aula atinge o objetivo acima proposto? O que priorizamos em sala de aula? Uma breve análise de alguns manuais de  gramática utilizados nas escolas nos mostra que a prioridade  não está na análise da  pluralidade de discursos, nem na adequação da língua à situação, mas, principalmente, na prescrição de normas gramaticais descontextualizadas, que muitas vezes soam artificiais aos alunos por não fazerem parte de sua variedade lingüística.

Os vestibulares e os concursos criaram o império da gramática.  Será que quanto mais exceções se conhecem, mais aptos estamos a entrar numa universidade ou exercer um cargo público? As escolas justificam ser o estudo de gramática um pré-requisito para o aluno prosseguir. Apesar de se ter consciência de que esses métodos precisam ser reavaliados, continua-se, em sala de aula, a priorizar o estudo gramática em detrimento do estudo da língua.

Para Perini (1997), não é ensinando  gramática que o objetivo de ler e escrever   será alcançado; pode contribuir, mas não de maneira decisiva. Segundo o autor, os objetivos do ensino de qualquer conteúdo estão intimamente ligados aos componentes do ensino, que são: o componente de aplicação imediata, o componente cultural e o componente de formação de habilidades.

Perini defende que a contribuição maior que o ensino de gramática pode dar, refere-se à formação de habilidades: “O estudo de gramática pode ser um instrumento para exercitar o raciocínio e a observação, pode dar a oportunidade de formular e testar hipóteses, e pode levar à descoberta de fatias dessa admirável e complexa estrutura que é uma língua natural”.

Buscando ver de que maneira o ensino de gramática atualmente pode contribuir para a formação de habilidades do educando, procuramos investigar como isso é concretizado .

Os períodos compostos,  principalmente os subordinados, constituem-se um mito para qualquer aluno. E é o próprio professor que muitas vezes o cria, supervalorizando o conteúdo. Somos freqüentemente questionados sobre a importância de se reconhecer uma oração subordinada substantiva subjetiva reduzida de infinitivo  para a vida. A insistência  em se  dar nomes e sobrenomes (e quantos sobrenomes!) ao que poderíamos chamar apenas de sujeito atende a qual dos objetivos propostos: o de Perini ou o de Travaglia? Rotular sentenças, na verdade,  não contribui nem para desenvolver  a competência comunicativa nem para desenvolver o seu raciocínio. O estudo dessas orações só desenvolve o raciocínio lógico do aluno se entendida como parte de uma sentença, ou seja, a lógica exige  que um enunciado esteja completo para transmitir uma informação. Se estamos diante de uma oração que exerce a função de sujeito,  devemos entendê-la como tal.

As gramáticas tradicionais reconhecem que, nos períodos compostos por subordinação, orações exercem funções que podem ser representadas por termos simples, porém a apresentação desses períodos e dos termos básicos da oração é dissociada.

Cereja e Magalhães (1998), em seu manual didático  Gramática: texto, reflexão e uso, muito utilizado na rede particular de Salvador,  define o sujeito como o “termo da oração que normalmente apresenta como núcleo um substantivo, um pronome ou uma palavra substantivada”. Pasquale & Ulisses (1997) e Sacconi (1999) na 25a, edição revisada e atualizada de seu manual, reproduzem a mesma definição. Dessa forma,  o aluno que aprende um conteúdo, como o sujeito, que é introduzido já na quarta série - talvez precocemente - vai esperar ainda três anos para saber que existem sentenças em que o sujeito pode ser representado por uma oração. Se o tiver aluno o seu  raciocínio lógico trabalhado, poderá questionar sobre o sujeito de determinadas construções como, por exemplo:  É necessário escovar os dentes antes de dormir.

 No momento em que deveria estar treinando a competência comunicativa desse aluno, explorando textos diversos, o professor está mais preocupado em apresentar noções incompletas e incoerentes, a partir de exemplos artificiais, omitindo certas estruturas comuns, mas que comprometem a definição proposta pelos gramáticos e repetidas  por ele em sala de aula.

Ao introduzir o período composto, os autores de gramática fazem alusão à correspondência entre as orações e os termos anteriormente trabalhados, porém, apesar de exercitarem a função do termo oracional, priorizam a sua classificação.

Das gramáticas de autores tradicionais analisadas, verificamos que apenas Almeida (1999) e  Cunha&Cintra (1985), ao apresentar os termos da sentença, incluem a oração como uma das formas de representação.

Neste trabalho, verificamos se os alunos identificam a função sintática quando exercida por uma oração. Os resultados obtidos não apontam uma tendência.  Não há  equilíbrio entre os resultados por série. Ora o termo oracional é mais identificado numa série, ora é outro o termo mais reconhecido.  Acreditamos que alguns fatores influenciaram as respostas dos alunos.

O aposto, por exemplo,  além de sua característica semântica, possui um traço prosódico, representado na escrita por elementos gráficos (: , -) que facilitam a sua identificação, seja simples ou oracional (ver gráfico 1).

 

Gráfico 1

 

 

Como pode ser observado no gráfico 2, o sujeito oracional não foi identificado pela maioria dos alunos, possivelmente por assemelhar-se ao objeto direto. A noção de complemento verbal parece ser mais forte por causa da estrutura da sentença, levando os alunos a alegar a inexistência ou a indeterminação do sujeito.  Não estaria a intuição do aluno coerente e nós, incoerentemente, insistimos em inculcar nele noções que não refletem a sua gramática implícita?   

 

            Gráfico 2

 

 

Quanto ao objeto direto,  pode-se verificar no gráfico 3 que ocorreu o reconhecimento tanto do termo simples  quanto do oracional, porém neste o percentual de identificação é um pouco mais elevado.  

 

            Gráfico 3

 

 

Em relação aos termos introduzidos por preposição, o objeto indireto e o complemento nominal, verificou-se uma identificação insuficiente, o que pode ser observado nos gráficos 4 e 5.

 

 

Gráfico 4

 

 

Gráfico 5

 

 

Diante dessa dificuldade dos alunos em reconhecer esses termos, o professor, freqüentemente, procura ensinar "macetes", a fim de facilitar a sua identificação. Esse recurso, na verdade, não leva os alunos a raciocinar sobre o papel desses termos na sentença, que é o de completar o sentido do verbo e do nome, respectivamente. Novamente, os alunos deparam-se com noções artificiais, que não permitem reconhecer nem os termos simples nem os oracionais e, principalmente, não desenvolve o raciocínio lógico.

Outro aspecto que parece ter influenciado as respostas dos alunos na identificação do objeto indireto foi grau de  contato do aluno com o item lexical. Notou-se que os alunos reconheceram muito pouco o complemento do verbo opor, enquanto foi alta a identificação do complemento do verbo gosta e depender (ver gráfico abaixo). Provavelmente, isso deve ter acontecido pelo fato de o primeiro verbo não fazer parte de seu vocabulário cotidiano  e os outros, além de serem palavras comumente usadas, aparecem, com freqüência, em exemplos  dados pelo professor e pelos livros didáticos.

 

 

Gráfico 6

           

 

Como pode ser observado no gráfico 7, o predicativo teve baixo índice de reconhecimento.  Verificou-se no teste que os alunos, repetidas vezes, além do predicativo, circularam o verbo de ligação, mostrando que confundem predicativo com predicado. Parece que essa confusão não se deve simplesmente à semelhança entre os nomes, mas à maneira pela qual esses conteúdos estão sendo ensinados.

 

 

Gráfico 7

 

 

            Quanto à análise dos dados por série, verificou-se que, apesar de o período composto por subordinação não ser um conteúdo trabalhado nesse período, a 6ª série apresentou bons índices de reconhecimento dos termos oracionais, revelando que os alunos dessa série usaram a intuição lingüística na identificação dos termos.

   

 

Gráfico 8

 

 

Na  7ª série, também pode-se verificar a identificação do termo simples e do oracional, apresentando percentuais  semelhantes aos da série anterior.

 

 

Gráfico 9

 

 

Esperava-se que os alunos da 8ª série identificassem, maciçamente, todas as funções sintáticas quando representadas por oração, já que o período composto por subordinação é estudado nessa série; porém os resultados não foram  significativos.

 

 

Gráfico 10

 

 

Conforme pode ser verificado nos gráficos 11 e 12, as séries seguintes apresentaram uma elevação na identificação das funções sintáticas quando representadas por oração e uma queda no índice de reconhecimento quando exercidas por termos simples.

 

 

Gráfico 11  

 

Gráfico 12

 

 

Em síntese, pode-se afirmar que, em todas as séries, houve o reconhecimento das funções sintáticas quando representadas por oração; o que surpreende é o fato de a 6ª e a 7ª séries  apresentarem percentuais mais altos de identificação. Isso, provavelmente, ocorre porque o aluno amplia ou estende a noção dada pelo professor e reconhece a oração como um termo que pode exercer uma função sintática.   Deve-se também levar em  consideração o fato de esses alunos estarem em contato ainda inicial com esses conteúdos, sem terem sido expostos à "contaminação" por  dicas e "truques" sintáticos,  ficando naturalmente mais fácil usar o raciocínio lógico; o que nos leva a concluir que, no ensino de língua portuguesa, pode ser feita a inclusão da oração como termo que representa uma função sintática na sentença. 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA, Napoleão Mendes de. Gramática Metódica da Língua Portuguesa.44ed.São Paulo:Saraiva, 1999.

 

BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 37 ed. Rio de Janeiro:2001.

 

CEREJA, William Roberto e MAGALHÃES, Thereza Cochar. Gramática: texto, reflexão e uso. São Paulo:Atual, 1998.

 

CIPRO NETO, Pasquale & INFANTE, Ulisses. Gramática da Língua Portuguesa.São Paulo: Scipione, 1997.

 

CUNHA,  Celso &  LINDLEY CINTRA, L. F. Nova Gramática do Português Contemporâneo. 2 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

 

INFANTE, Ulisses. Curso de Gramática Aplicada aos textos. 25 ed. São Paulo:

 

PERINI, Mário A. Gramática Descritiva do Português. 2 ed.São Paulo: Ática, 1996.

 

PERINI, Mário A. Sofrendo a Gramática. São Paulo: Ática, 1997.

 

ROCHA LIMA, C. H. da. Gramática Normativa da Língua Portuguesa. 31 ed. Rio de Janeiro: José Olímpio.

 

SACCONI, L. A. Nossa Gramática: Teoria e Prática. 25 ed. São Paulo: Atual, 1999.