INTRODUÇÃO

 

Seguindo o mesmo raciocínio de Santos (2001, p. 99), pensar o “ensino” não é só pensar as questões metodológicas restritas ao âmbito do relacionamento pedagógico professor e aluno, mas também envolve uma reflexão acerca da formulação das políticas públicas de ensino. Focalizando os aspectos pedagógicos, essas políticas são formuladas a partir de concepções mais comuns aos docentes do ensino superior e pesquisadores do que daqueles a quem elas se destinam, ou seja, os professores do ensino fundamental e médio. Conseqüentemente, a implementação dessas se torna um problema. Também se pensa em uma forma de tornar esses docentes capazes de implementar as mudanças necessárias.

Várias políticas governamentais tentam, a cada versão, desde os idos de 1964, modernizar o ensino no Brasil. A novidade mais recente, data de 1998, é o documento denominado de Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) que cumpre “o duplo papel de difundir os princípios da reforma curricular e orientar o professor, na busca de novas abordagens e metodologias” (BRASIL, 1999, p.13).

As perguntas que ficam são: Os professores de língua portuguesa do ensino médio compreendem as orientações apresentadas nos PCN para essa disciplina? e Como as aplicam em suas aulas?

Como resposta provisória a esses questionamentos, levantou-se a seguinte hipótese: os docentes se apropriam das orientações dos PCN, a partir dos conhecimentos prévios que possuem do ensino de língua portuguesa. Conhecimentos esses oriundos da formação acadêmica, bem como do contato com outros docentes no decorrer da vida escolar ou do convívio profissional, ou ainda da leitura de livros da área que são lançados a todo ano. Esse convívio pode ser enriquecido em congressos, seminários, encontros ou em cursos de atualização, reciclagem de conhecimentos ou os de pós-graduação; ou, o que é pior, apenas no meio em que leciona, através de conversas.

Para comprovar ou não essa suposição, foi proposta uma pesquisa em duas fases: na primeira, observou-se como se passou a organizar o currículo no ensino médio após as orientações dos PCN, também se examinou como se estava processando o ensino/aprendizagem de língua materna, bem como qual o posicionamento dos docentes frente às variedades lingüísticas existentes na sala de aula; na segunda, ainda não iniciada, estudar-se-á como as competências proposta nesse documento estão sendo trabalhadas.

Este artigo deteve-se sua atenção apenas na primeira fase dessa pesquisa a qual já se encontra finalizada.

 

1 PROCEDIMENTOS DE COLETA DE DADOS

 

A observação constitui a fonte primária de coleta de dados neste estudo, principalmente, aquelas realizadas durante as reuniões de AC (Atividade de Classe) – ocorridas no colégio, com a presença de todas as docentes e da coordenadora pedagógica responsável pela área de Linguagens, códigos e suas tecnologias, na qual a disciplina estudada faz parte –, ou as coletadas em sala de aula. Como fonte secundária, tiveram as entrevistas informais com os alunos e com as próprias professoras, ainda pode-se considerar os dados colhidos nos materiais utilizados nas aulas e nas avaliações. Ressaltando que esses últimos serão usados de forma mais intensa na outra etapa desta pesquisa, agora, funcionaram mais como suporte das observações feitas.

O universo da pesquisa foi constituído de oito professoras de língua portuguesa do turno matutino de um colégio público da rede estadual, tido como referência na reforma do ensino médio, situado na capital baiana, onde cada uma das docentes trabalha com um total de quatro turmas com no máximo trinta e dois e no mínimo vinte e oito alunos – salienta-se que esse número de estudantes nas salas de aula, em se tratando de escola pública, já é uma grande diferencial e é um facilitador do trabalho a ser implementado.

As observações já permitiram traçar um sumário perfil desse pequeno grupo: uma docente possui embasamento teórico perfeito para implementar as orientações do PCN, três fazem avanços, mas ainda não se sentem seguras para inovar totalmente, e, por fim, quatro delas ainda mantêm suas aulas presas apenas ao ensino gramatical prescritivo e descritivo da língua materna e ao da história da literatura, preferencialmente a brasileira, sem nem mencionar ou o fazendo de maneira superficial o ensino de produção textual, pois alegam ganhar muito pouco para realizar esse trabalho de forma satisfatória, uma vez que têm que trabalhar os três turnos para “sobreviverem” com o mínimo de dignidade. Conseqüentemente, já se pode inferir que essas profissionais não conseguem se atualizar, uma vez que isso exige uma despesa que elas não conseguem arcar.

 
2 O PCN E SUA APLICAÇÃO

 

 

2.1 ORGANIZAÇÃO CURRICULAR

 

A antiga organização curricular separava o ensino de língua portuguesa em: gramática, literatura (com ênfase na brasileira) e redação. Esse modelo foi e é reproduzido em livros didáticos e concursos – inclusive no vestibular, porém já se nota algumas mudanças nesses sistemas de avaliação. Muitas escolas, infelizmente, também ainda mantêm professores especialistas para cada uma dessas áreas como se uma não tivesse relação alguma com a outra. Chegou-se ao extremo de especialização quando a Universidade Federal da Bahia resolveu divulgar uma lista, a cada ano, na qual constam os títulos dos livros da literatura que estarão no seu concurso vestibular, com isso surgiu o absurdo cargo de professor de romance nos pré-vestibulares baianos. Esse seria o profissional aquele que “auxilia” os alunos a não lerem os livros solicitados pela Universidade.

Mas, como seria mesmo essa antiga organização quando colocada em prática? Os estudos gramaticais, neste esquema, centram-se na nomenclatura gramatical, sendo que a descrição e a norma se confundem na análise da frase, essa deslocada do seu uso, da sua função e do texto. Esse último, então, a análise é algo inconcebível gramaticalmente. Portanto, a unidade predileta e única de estudo é a frase. Vale ressaltar que os estudos em “fonologia” também se constituem um desvio total da teoria oriunda e praticada pela lingüística. Quanto aos estudos literários, esses evidenciam apenas a história da literatura que termina sendo o foco da compreensão do texto e o conceito de texto literário é sempre discutível e nunca se conseguiu torná-lo claro para o aluno. Salienta-se que a literatura fica restrita a apenas a realizada em solo brasileiro. Quando o professor se envereda pela portuguesa, é apenas para auxiliar o que virá a ser falado para a realizada no Brasil. Quem assiste às aulas, sai com a impressão que o mundo só serviu de ator coadjuvante da “trama”/produção literária desenvolvida aqui. E quanto a redação? Quando há, o ensino gira em torno de fórmulas mágicas que nada tem de contextualizado com o mundo real. O trabalho só é realizado quando versa sobre os grandes esquemas – narração, descrição e dissertação – visando apenas o treino para a realização das produções textuais solicitadas nos vestibulares, ENEM e concursos. Em congressos, sempre que possível, o teórico da linguagem Sírio Possenti lembra que na escola não existe escrita, só há redação, o que não deixa de ser uma grande e triste verdade. 

É, justamente, essa fragmentação total do ensino da língua materna que é quebrada com as novas orientações. As aulas terão como foco a língua em uso, “situada em um emaranhado pelas relações humanas, nas quais o aluno está presente e mergulhado” (BRASIL, 1999, p. 138). Então, ler, produzir textos e refletir sobre a sua língua são atividades que o homem faz a todo momento e que não pode deixar de serem treinadas na escola. Esse exercício deve ser o mais realista possível, com os gêneros textuais que circulam na sociedade e que os alunos terão contado em situações cotidianas ou em algum momento de suas vidas. Então, nada mais lógico que serem preparados para lerem e produzirem esses textos. Nota-se também que a proposta de leitura se amplia, deixando de ser aquela direcionada para os grandes clássicos da literatura, ou seja, entra em cena os textos jornalísticos, comerciais, oficiais, das histórias em quadrinhos, publicitários, etc. Ressalta-se a importância de se ler os aspectos verbais e os não verbais. Com isso, a escola é invadida pelas mais díspares linguagens. Sendo obrigação dessa gerar leitores críticos da vida. 

Porém, na pesquisa, observou-se que quatro docentes tentam aplicar essas orientações em suas aulas, com destaque, para uma que o faz plenamente. Enquanto que as outras quatro reproduzem o antigo modelo e ainda se dizem professoras de literatura, pois alegam a gramática é muito difícil para os alunos entenderem. A avaliação em sua modalidade processual e formativa, aquela indicada nos PCN, também só se observa no primeiro grupo; no segundo, a ênfase está nos testes e provas de questões de múltipla escolha.

Também se percebeu que na formação de seis docentes pouco ou quase nada foi visto das recentes descobertas da ciência da linguagem, a lingüística, toda a ênfase centrou-se no estudo da gramática tradicional. Isso pode explicar muito do comportamento apresentado por essas profissionais. Também foi observado que essas profissionais não participam de congressos ou encontros que as possam atualizar. A impressão que fica é que o ensino continua sendo o mesmo desde que abandonaram as salas de suas faculdades e ingressam na vida profissional. Alegam que o dinheiro recebido, no final do mês, mal garante a sua sobrevivência.   

Quanto ao corpo discente, a maior dificuldade apontada pelos alunos das quatro docentes supra citadas como seguidoras do antigo modelo mencionado acima está em compreender as regras da gramática de uma língua que eles nem usam no cotidiano e não sabem quando a utilizaram. Depoimento como o que segue é comum entre os estudantes:

 

A31: Português?... Ahã::  não, não... não entra na minha mente, por exemplo ... o verbo no VÓS, nunca acertei ... ih :: é é muito compricado mermo...

 

A18: A mesóclise é é um palavrão. Se falo aquilo lá em casa ... minha mãe me bate (risos).

 

Enquanto que os alunos da ala dos professores que inovam já atestam os seus avanços, com as seguintes afirmações:

 

A8: Olha.. melhorou muito. Hoje... eh:: eu vejo o que aprendi... e e já começo... começo a usar, sabe?... Tipo assim... na vida... fora... tá tá me entendendo??

 

Outras reclamações comuns são as que seguem:

 

A5: Por que estudo o Vinícius e o::  Legião tá fora?

 

 A18: Gosto mesmo é é de ler Paulo Coelho. Será que é tão rui assim???

 

Com a persistência do modelo antigo e a ausência de respostas satisfatórias, essas questões e as falas, acima transcritas, estarão sempre presentes nas aulas de língua portuguesa.

 

2.2 O ESTUDO DA LÍNGUA

 

            Os PCN orientam que “o estudo da língua materna deve, pela interação verbal, permitir o desenvolvimento das capacidades cognitivas do aluno” (BRASIL, 1999, p. 139). Salientando também que a língua é uma linguagem que estrutura e é estruturada no social e também regula o pensamento para certo sentido.

            Os professores quando entenderem a língua a partir de seu caráter sócio-interacionista, poderão alcançar a comunicação almejada para os seus alunos. Comunicação essa compreendida como “um processo de construção de significados em que o sujeito interage socialmente, usando a língua como instrumento que a define como pessoa entre pessoas” (BRASIL, 1999, p.138). Essa interação se processa a partir da formatação de textos, que devem ser a unidade básica do ensino do vernáculo.

“O texto só existe na sociedade e é produto de uma história social e cultural, único em cada contexto, porque marca o diálogo entre os interlocutores que o produzem e entre os outros textos que o compõem” (BRASIL, 1999,  p.139). O homem deve ser visto como um texto que constrói textos; e o aluno, dessa forma, deve ser considerado como produtor de textos, tanto dentro da modalidade oral como na escrita, sabendo transitar nos vários estilos que compõem cada uma dessas, bem como deverá desenvolver, no ambiente escolar, a capacidade de ler os diversos textos presentes em seu cotidiano – inclusive os literários. Assim, o texto deixa de ser um pretexto para o estudo das frases isoladas e passa a ser visto em sua globalidade e com todas as suas possibilidades de interpretação e atribuição de sentidos, bem como algo que identifica grupos sociais e culturais.

A escola deverá, para tanto, debruçar-se sobre as duas modalidades de língua – a oral e a escrita – fazendo com que seus estudantes consigam transitar entre as várias possibilidades de expressão que língua dispõe, bem como consigam desenvolver um estilo que lhes sejam peculiar. 

Mas, o que se observou na pesquisa, no tocante da leitura, foi que quatro das docentes trabalham com textos que realmente circulam no social; enquanto que a outra metade trabalha com textos artificiais que, às vezes, nada significam para o alunado, são aqueles encontrados nos livros didáticos – livros esses escolhidos não pela qualidade mas pelo preço, possibilitando, dessa forma, a aquisição desses exemplares por parte do corpo discente. Quanto à produção textual, o resultado ainda é mais desesperador: apenas duas professoras trabalham com textos com relevância na sociedade; enquanto que quatro afirmam estudar os grandes esquemas – narração, descrição e dissertação; e duas não exercitam nenhum tipo “redação” em suas aulas.

A dificuldade em se trabalhar com textos com alguma relevância social, na sala de aula, recai de novo na formação dos docentes. Aquelas professoras que não se reciclaram ou, o pior, que pouco ou nada estudaram sobre esses “novos” gêneros textuais ou sobre as novas teorias que embasam o estudo dos textos não conseguem colocar na sua prática docente as orientações dos PCN. Não porque apenas têm má vontade, mas porque não alcançam as teorias que alicerçam o pensamento expresso nesse documento. Não enxergam que o estudo da língua vai além do estudo da gramática praticado até agora nas salas de aula, ele “extrapola em muito o conjunto de frases justapostas deslocadas do texto e que este é único como enunciado, mas múltiplo enquanto possibilidade aberta de atribuição de significados, devendo, portanto, ser objeto também único de análise/síntese” (BRASIL, 1999, p.140). Para que percebam isso teriam de ter um lastro teórico em algumas das subdivisões da ciência da linguagem, com por exemplo a Análise do Discurso (AD) e a Lingüística Textual (LT). As educadoras que já aderiram às mudanças sempre estão se atualizando em congressos, leituras ou cursos, sejam esses de atualização/reciclagem ou os de pós-graduação. Há de se pensar também nas dificuldades enfrentadas ao se analisar essa “possibilidade aberta de atribuição de significados”. Como seria, então, esse árduo trabalho para quem já está a tanto tempo sem se atualizar? Perguntas como essas os PCN não prevêem em seu corpo, mas que são enfrentadas diariamente por enfrenta a sala de aula em todo o território nacional.

 

 

2.3 VARIEDADES LINGÜÍSTICAS

 

Ensinar a variedade lingüística padrão da língua materna é obrigação da escola e nenhum professor deve se furtar a esse dever. Porém, deve-se respeitar as diferenças lingüísticas, presentes no ambiente escolar, “como algo com o qual nos identificamos e que faz parte de nós como seres humanos. Seria o dar espaço para a verbalização da representação social e cultural” (BRASIL, 1999,  p.142). Com isso, o papel da escola, no tocante ao ensino da língua materna, seria duplo: trabalhar com o peculiar lingüístico de cada grupo, sem apagá-lo ou estigmatizá-lo, e também fazer com que os estudantes aprendam a variedade padrão. Seria a concretização da feliz comparação feita por Roberto Camacho (apud Preti, 1997, p. 39-40) que tão bem ilustra essa situação: o uso da língua pode ser comparado ao uso de um guarda-roupa; para cada ocasião, dever-se-á usar um tipo de roupa (variedade e/ou estilo lingüístico) – para as festas, usar-se-á o smoking (culta/formal) e, para a praia, o biquíni (popular/informal).

Cabe, portanto, a escola propiciar aos seus alunos situações nas quais esses terão de usar o estilo mais adequado ao momento. Serão, é claro, em grande maioria situações artificiais que serviram para treinar o alunado a lidar com o continuum de estilos existentes numa língua cujos extremos são o formal e o informal. Um exemplo interessante para treino da modalidade oral formal seria aquele em que o professor de língua materna poderia montar um seminário cujos palestrantes seriam os estudantes. Enquanto que para a escrita, poder-se-ia solicitar que o corpo docente redigisse uma carta a algum governante solicitando algo necessário à comunidade estudantil. A língua dispõe de um grande número de gêneros textuais, também são vários os estilos e variedades lingüísticas, bem como há a possibilidade de existir ou não implícitos nos textos, entre outros recursos que estão disponíveis tanto na oralidade como na escrita. Enfim, a funcionalidade dos discursos é que irá estipular o como e o que dizer, ou seja, é dela que  virá as escolhas feitas na formulação de um texto. 

Ora, o importante é ter em mente que a escola deverá criar situações que simularão os diversos contextos sociais que exigem as mais variadas formas de utilização da linguagem. O docente terá de ter habilidade de criá-las e deverá saber usar a língua nessas situações; isso demandará muito estudo e criatividade por parte desses profissionais. Estudo esse centrado e “antenado” nas descobertas da Lingüística, mais especificamente nas da AD, LT e Sociolingüística.

Foi-se, então, examinar como estava se processando o trato das variedades lingüísticas em sala de aula.  Os dados da pesquisa mais uma vez são desesperadores: apenas duas das docentes seguem essas orientações, possuindo uma postura aberta e desprovida de preconceitos lingüísticos; as demais desconhecem totalmente a idéia de variedades dentro de uma língua, o que faz com que surjam falas do tipo:

 

 P3: Eu mereço... eh:: os meninos, cada VEZ mais, falam... e FALAM errado. Aliás... assassinam a língua... matam ela só abrindo a boca.   

 

Observem o enunciado acima. O engraçado da situação é que a própria professora comete um “erro” gramatical em se tratando das regras impostas pela gramática normativa (matam ela). Porém, essa mesma docente não se autocorrige ao proferir essas palavras. Ela não consegue ouvir os seus próprios desvios normativos, mas quando um dos seus alunos o comete, a correção é feita no ato. Levando à intimidação do estudante, ao silêncio das vozes diferentes da norma prescrita pela gramática normativa. Os alunos afirmam que não falam, nas aulas de língua materna, porque as professoras os corrigem, constrangido-os na frente de seus colegas a todo instante. Cria-se, dessa forma, um ciclo vicioso: o estudante fala, erra, é corrigido/ridicularizado, deixa de falar, deixa de aprender, fala, ...  

Nos AC, esta discussão tem sido acirrada, pois duas docentes tentam explicar para as demais o que há por detrás dessa nova postura, enquanto as demais se tornam cada vez mais inflexíveis, culminando, um certo dia, no seguinte diálogo:

 

P3: Está bem, está bem... o negócio é é:: deixar todo muuundo burro.

P5: O pessoal da da... comé mesmo?... ah: lingüíííística... quer a anarquia... deixa deixa...

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A pesquisa ainda não está finalizada, como já foi dito inicialmente. Muito ainda tem de ser feito/observado. Faltando, principalmente, a parte que versará sobre as competências a serem desenvolvidas nas aulas de língua portuguesa.

Com os dados colhidos e analisados nesta primeira etapa, já se consegue afirmar que a hipótese levantada - de que as docentes se apropriam das orientações dos PCN a partir do conhecimento prévio que possuem do ensino de língua portuguesa - está correta. As docentes não seguem quase nada das tendências apontadas nos PCN, e não o fazem porque esbarram no seu restrito conhecimento acerca das novidades teóricas da disciplina que lecionam.

O mundo da informação, na atualidade, é extremamente dinâmico. Teses, dissertações, pesquisa são concluídas a cada segundo em cada parte do globo terrestre. O que se aprendeu ontem, hoje, já pode estar obsoleto. O profissional que não se recicla, fossiliza o seu conhecimento e torna-se peça de museu do mercado de trabalho. Em se tratando de professores, esse quadro ainda é mais drástico uma vez que essa é a pessoa responsável pela formação de outros profissionais. Ensinar algo que as novas correntes teóricas já desconsideraram é formar pensamento alicerçado sobre argumentos que não mais se sustentam e isso é inconcebível com o início do século XXI. Mas, é o que ainda acontece freqüentemente nas escolas.

Em se tratando de ensino de língua, esse fenômeno se agrava, uma vez que a própria sociedade tem preconceitos lingüísticos bem enraizados e exige que o ensino da língua materna se mantenha o mesmo de cinqüenta anos atrás.  

Sob esse argumento e o do salário baixo (o que não deixa de ser um agravante da situação caótica em que se encontra os professores), o corpo docente não se recicla e não lê quase nada sobre as mudanças ocorridas em sua profissão.

Com isso, todas as políticas lançadas, continuam a serem idealizadas pelos profissionais que atuam no ensino superior, para serem aplicadas por ninguém. É como se um grande orador alemão estivesse sempre falando para uma platéia da Etiópia: línguas diferentes, realidades díspares e, o pior, preocupações bem diferenciadas – para o alemão, o que importa é a teoria e, para os etíopes, a sobrevivência.

Concluindo: observa-se que a discrepância entre o que realmente acontece na escola e as orientações dos PCN ainda é muito grande. Muito há ainda que se caminhar para se chegar ao almejado e adequado ensino/aprendizagem de língua materna e parece que o foco do problema está na formação e nos salários dos docentes. E não seriam esses os agentes iniciais da tão esperada mudança educacional? Os PCN instauraram um diálogo indecifrável com o seu público-alvo. Quebrou-se um princípio importante da comunicação: falar de algo que seja do conhecimento de mundo e partilhado dos interlocutores. Infelizmente, o documento é bom em sua globalidade, mas não o é para o seu destinatário. 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

BRASIL, Ministério da Educação, Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília: Ministério da Educação, 1999.

KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Desvendando os segredos do texto. São Paulo: Cortez, 2002.

MONTEIRO, José Lemos. Para entender Labov. Petrópolis: Vozes, 2000.

MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Org.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. v. 1. São Paulo: Cortez, 2001a.

MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Christina (Orgs.). Introdução à lingüística: domínios e fronteiras. v. 2. São Paulo: Cortez, 2001b.

PRETI, Dino. Sociolingüística: os níveis da fala – um estudo sociolingüístico do diálogo na literatura brasileira. 8. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1997.

SANTOS, Noelma Cristina Ferreira dos. O conceito de análise lingüística nos PCN: investigação e a compreensão dos professores. In: Ao pé da letra: revista dos alunos de graduação em letras, Recife, Centro de Artes e Comunicação – UFPE, v. 3.2, p. 99-107, dez, 2001.