Pretendemos demonstrar, neste trabalho, as características discursivas que permeiam os textos escritos elaborados por alunos do Ensino Médio. Para tal, buscamos enfatizar as formas pelas quais os produtores de textos dispõem para promover a progressão do discurso, especificamente, as paráfrases que têm, entre suas funções, as de priorizar as condições inerentes tanto à coesão quanto à coerência do texto escrito, que, por sua vez, viabilizam a compreensão e a argumentação, respaldadas pela intenção destes produtores do discurso.
Abordaremos, também, as funções pragmáticas de estruturações lingüístico-discursivas denominadas de Construções Lexicais Complexas (doravante CLCs) e, mais especificamente, aquelas realizadas com os verbos “ter”, “fazer” e “dar”, que serão reconhecidas de acordo com o verbo que as estruturam. Assim, se ela for estruturada com o verbo “ter” será reconhecida como CLC(T), como verbo “fazer”, CLC(F) e com o verbo “dar”, CLC(D).
De maneira geral, conceberemos tais construções como recursos de expansão lingüística que promovem a progressão do discurso, conforme as idéias apresentadas por Parret (1988), Hilgert (1989), Koch (2000) e Marcuschi (1992).
Hilgert (apud Marcuschi, 1992, p.111), quando faz menção à sintaxe do texto falado, destaca que esta se apresenta freqüentemente marcada por quatro fenômenos muito recorrentes: (a) hesitações; (b) repetições; (c) correções; (d) paráfrases, incluindo, também, os marcadores conversacionais (mesmo em menor grau).
Para tanto, utilizaremos os pressupostos teóricos que focalizam versões dos lingüistas apresentados nos parágrafos anteriores sobre o fenômeno lingüístico – CLCs, texto e paráfrases.
No que se refere ao corpus, analisaremos a produção de textos escritos por alunos do Ensino médio que integram o corpo discente do Colégio Agrícola Vidal de Negreiros do Centro de Formação de Tecnólogos – UFPB – Bananeiras, como também textos elaborados por alunos de outras instituições.
Antes deste estudo, fizemos análises, com estes propósitos, no texto oral, – VALPB (Projeto Variação Lingüística do Estado da Paraíba) coordenado por Hora, (2001) com o qual elaboramos a dissertação intitulada “Funções discursivas parafrásicas veiculadas por Construções Lexicais Complexas”. Neste estudo, percebemos que esse fenômeno não é exclusividade da linguagem oral, como confirma KATO (1998):
As
modalidades oral e escrita da linguagem apresentam uma isomorfia parcial, porque
fazem a seleção a partir do mesmo sistema gramatical e podem expressar as
mesmas intenções”. “O que determina as diferenças entre elas são as
diferentes condições de produção: contextual, grau de planejamento...
Nesta
perspectiva, buscamos estudar o fenômeno lingüístico outrora mencionado também
em textos escritos. Nestes textos, podemos constatar que é difícil fazer uma
separação das ocorrências lingüísticas apresentadas nas duas modalidades da
língua (oral e escrita).
O fenômeno lingüístico denominado por Alves (1998) de CLCs — perífrases verbais do tipo (não) fazer propaganda, fazer parte, dar um pouco mais de alegria, ter um final etc., constituídas por um verbo e nome (substantivo, adjetivos) ou variações (verbo + preposição + nome; ou verbo + advérbio), cujos significados expressam em conjunto, uma determinada idéia — apresenta como principal característica o fato de elas poderem ser reduzidas a um só item lexical (virtual ou não virtual) com determinado significado. Conforme referendam ALVES E SILVA (2001):
as
CLCs são construções que têm seus diversos sentidos balizados por processos
cognitivos de base metafórica (sentidos mais opacos, mais abstratos) ou apenas
por processos metonímicos (sentido mais transparentes , e de certa forma mais
concreto. Assim, de sua fórmula de organização estrutural de verbo + nome. As
CLCs passam para uma estruturação não – sintagmática mais ideacional, a partir da qual todos os componentes
constituintes promovem a elaboração de sentidos de maneira compósita e com
funções semântico-sintático-pragmáticas bem definidas.
Dessa forma, podemos
salientar que este estudo considera não só o usuário (produtor de texto) responsável pelo
estado de forma da língua em cada momento de
estrutura e funcionamento – como demonstra Votre et all( Cf. 1996, p.
27), quando tratam de questões fundamentais na definição de um paradigma para
a lingüística funcional – , mas também as características de funcionamento
semântico-sintático-pragmático da língua. Portanto, concebe-se a língua
como um produto de regras conceptuais/abstratas resultantes de influências
recebidas da experiência do mundo concreto de cada falante.
Nesse
sentido, ao investigarmos a produção das CLCs realizadas pelos alunos
mencionados acima, consideramos o envolvimento interativo proporcionado por eles
no ato da comunicação, isto é, seus conhecimentos enciclopédicos, episódicos,
procedurais ou esquemáticos, ao menos em parte compartilhados para que se
efetive a compreensão do sentido que elas (as CLCs ) representam no
texto/discurso.
São
muitos os conceitos de texto que temos visto, mas abordamos, neste trabalho, um
balizado por Koch (2000:96):
uma
unidade significativa maior, que resulta de uma realização discursiva, ou seja
de enunciados falados ou escritos, efetivamente produzidos; e, portanto, formado
por unidades significativas menores, interdependentes, que veiculam determinadas
funções ou sentidos.
A mesma autora considera texto, de um modo geral, como “atividade comunicativa de um falante ou conjunto de enunciados produzidos por um locutor/interlocutor.”(cf. KOCH, 2000).
Respaldados por estes parâmetros,
é lícito salientar como a autora relatada acima coloca a posição de HALLIDAY
(1973) quando define o texto como:
realização verbal entendida como uma organização de sentido, que tem o valor de uma mensagem completa e válida num contexto dado. Assim, o texto é uma unidade de língua em uso, unidade semântica: não de forma e sim de significado.
De acordo com HILGERT (1989),
Paráfrase
é uma atividade lingüística de reformulação por meio da qual se estabelece,
entre um enunciado de origem e um enunciado reformulador, uma relação de
equivalência semântica, responsável por deslocamento de sentido que
impulsiona a progressividade textual.
Na tentativa de caracterizar a paráfrase, precisamos demonstrar um “conceito” sobre repetição exposto por MARCUSCHI (1992): uma produção de segmentos discursivos idênticos ou semelhantes duas ou mais vezes no âmbito de um mesmo evento comunicativo. E o lingüista explica a metalinguagem que foi utilizada nesse conceito:
1“segmento discursivo” – qualquer produção lingüística de um texto oral, tais como um som ou uma sílaba, uma unidade lexical, um sintagma, uma oração, e também certas formas parafrásicas.
2. “idêntico” – segmento repetido se alteração em detrimento da primeira.
3. “semelhante” – produção de um segmento que sofre alteração, seja de uma estrutura (ou parte dela).
4. “evento comunicativo” – realização do ato da conversação, desde seu início até o final.
Ao tratar das paráfrases, Hilgert ( apud Marcuschi, 1992 p.42) admite que estas são um caso de repetição, mesmo apresentando algumas características específicas, uma delas é que a paráfrase tem uma orientação semântica com seu enunciado original, o que não é o mesmo para a R. Assim, para Hilgert(1989, p.116), na realização de uma paráfrase, tem-se a repetição da idéia e não do material lingüístico em si.
E o mesmo lingüista mostra que, nos diálogos, as paráfrases têm o poder de assegurar a intercompreensão recíproca dos interlocutores, de forma que, quando o autor da paráfrase explícita compreende o enunciado parafraseado, absorve de seu interlocutor um sinal ratificador de que a intenção comunicativa foi efetivamente registrada.
Para Parret (1988, p.224), “paráfrase é um processo de transposição de sentido”. Esse autor apresenta três classificações:
1. Uma transposição
discursiva: paráfrase (semântica)
2.
uma transposição hermanêutica: interpretação (sintaxe)
3. uma transposição científica: metalinguagem (representação co-composicional)
Parret (1988. p.224) acentua, ainda, que o discurso parafrásico é um “fazer – dizer” do sentido transposto, o texto interpretativo um “fazer – saber” e a metalinguagem um “fazer conhecer”. Isto corresponde à faculdade de dizer do discurso, do saber de um texto e do conhecimento da ciência.
Para esse lingüista (1988, p.232), a definição da equivalência semântica pode ser verifuncional ou simplesmente formal. O que significa que a identidade semântica entre unidades discursivas são somente parciais e a equivalência semântica não exige a identidade perfeita de sentidos.
Idéia referendada por Grize:
A paráfrase nas linguagem formais interpretadas é uma relação de equivalência, uma relação, pois, reflexiva, simétrica e transitiva e cada uma das expressões substitui a outra em todo contexto. (GRIZE, 1985)
Parret (1988, p.233) se refere à tese do semanticista Martin, que trata da paráfrase como mecanismo lingüístico que se realiza desligada dos contextos de enunciação, colocando em dúvida que tal substituição seja pragmaticamente possível: a frase parafraseada e a frase parafraseante não podem ser utilizadas em um único contexto de enunciação.
No entanto, o referido lingüista expõe a parassinonímia como sendo um registro parcial de dois eventos lingüísticos identificáveis especificamente no contexto de enunciação. O contexto conversacional ou dialógico é, sem dúvida, especial para a realização de uma parassinonímia, uma vez que o descobrimento desta não pressupõe a identidade da significação, mas somente a “semelhança” pragmática entre dois semantismos, o da unidade parafraseada e o da unidade parafraseante. Esta semelhança mínima necessária para poder falar de um par de paráfrases não é, entretanto, “dada” objetivamente nos próprios semantismos: ela é de preferência o resultado de um ato de proximização que constitui a essência do julgamento da identidade que é o parafraseamento.
Referendando os parágrafos abordados acima, ainda expomos a concepção de Parret (1989, p.239) quando situa o parafraseamento no contexto da conversação e do dialógico, a de que a paráfrase é provedora da expansão (propriedade da elasticidade do discurso), ou seja, a paráfrase potencializa o capital semântico da interação dialógica: a paráfrase constitui um enriquecimento de sentido e propicia a progressão do discurso .É preciso reforçar que o progresso de um diálogo é estruturado por um encadeamento de paráfrases desambigüizantes produzidas pelos produtores do texto – (locutor/ouvinte).
Notamos, pelos estudos desses lingüistas, que as paráfrases estão presentes nas realizações discursivas como recurso que promove a interação dos interlocutores. Neste sentido, Parret (1989, p.240) expõe como propício às paráfrases dois princípios: o da coerência, inerente ao progresso do discurso, e o da cooperação entre interlocutores, que consiste na vontade recíproca de parafrasear para clarificar as concepções do objeto da conversação.
Contextualização discursiva nº 01
A
melhor forma de diminuir os altos índices de fumantes é não tornar o
próprio fumo popular, ou seja, não fazendo propagandas e nem
facilitar sua compra.
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Paráfrase adjacente
Percebemos,
neste contexto, que o locutor (produtor do enunciado) recorre à CLC(F) (Construção
Lexical Complexa realizada com o verbo fazer)
“(não) fazer propaganda”, que significa não divulgar, classificada
por Hilgert (1989) como paráfrase
adjacente, por se realizar logo após o EO (enunciado original)“(não) tornar
.......... popular” também uma CLC(T) ( Construção Lexical Complexa
realizada com o verbo ter), para reforçar o argumento de que, só com a subtração,
afugentamento de propagandas sobre o fumo, é que os altos índices de fumantes
podem desaparecer.Assim, é por meio da paráfrase veiculada pela CLC(F)
“fazer propaganda” que se dá a
progressão do discurso.
Contextualização discursiva n.0 2
Desde
muito tempo, o Brasil se diverte, pula, brinca e até sofre com uma de nossas
maiores atrações: O futebol. Para muitos, é algo indiferente, mas para a
grande maioria dos brasileiros, o futebol faz parte da vida.
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Paráfrase não adjacente
Percebe-se
que produtor deste enunciado se utiliza da CLC(F) (Construção Lexical Complexa
realizada com o verbo fazer)“fazer parte”, que significa participar,
integrar, para parafrasear o EO(
enunciado original), classificada por Hilgert (1989) como paráfrase não
adjacente por realizar-se distante do EO “O Brasil se diverte, pula, brinca e
até sofre” como mecanismo de progressão do discurso e reforço da idéia
anterior.
Contextualização
discursiva n. 03
Só
que às vezes não se tem um final muito feliz, muitos sentem bastante a
indiferença, a discriminação, acabam se sentindo diminuídos.
(aluno de 3. série do Ensino Médio)
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Paráfrase
não adjacente
Neste
texto, percebe-se que o locutor (produtor do texto) se beneficia da CLC(T) (Construção Lexical Complexa realizada com o
verbo “ter” (não ) se
“tem um final” como EO (enunciado original) que será parafraseada,
mais adiante, pelo E (enunciado)“acabam se sentindo diminuído”, uma paráfrase
não adjacente, classificada por Hilgert(1989) por se realizar distante do EO
como estratégia de reformulação e progressão textual para enfatizar a idéia
exposta no início.
Contextualização
nº 04
Os
clubes vendem seus jogadores como fossem apenas um objeto de valor, a mágia do
futebol está desaparecendo, os cartolas manipulam os jogos, pressionados pelas
empresas patrocinadoras dos melhores times do Brasil.”
“Na
minha opinião éramos mais felizes na década de Pelé, Garrincha, Tostão e
muitos artistas da bola que deram um pouco mais de alegria a nossa
nação, jogarão com amor ao esporte e não pelo interesse desse mercado
lucrativo que virou o futebol.
(aluno
3. série do Ensino Médio)
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Paráfrase não adjacente
O
locutor (promotor do discurso) se utiliza da CLC (D)( Construção Lexical
Complexa realizada com o verbo “dar” ) “dar um pouco mais de alegria”,
cujo significado é “alegrar”, “é a magia”, classificada por
Hilgert(1989) com paráfrase não adjacente por ser desencadeada distante do EO,
para parafrasear o E O(enunciado original) “a magia do futebol” como
argumento de intensificação da idéia anterior, mantendo, assim, a progressão
do discurso.
Este estudo foi desenvolvido em um plano de análise pragmática e destacou como função textual (objetivo, finalidade do texto) o fato de o locutor (escritor) fazer uso das CLCs como forma, talvez, simplificada, de enfatizar, reforçar, repetir uma idéia anterior. Caracterizadas, em termos amplos, como um uso parafrásico, veiculado por CLCs, as paráfrases assim concretizadas, embora pareçam simples, resultam de processos simbólicos complexos.
A todo instante, os usuários da língua estão propensos a situações que requerem a produção de seu potencial lingüístico. Para tanto, estes necessitam fazer uso do que vem à mente, buscando os recursos proporcionados pelo momento da enunciação.
Neste sentido, os textos elaborados pelos alunos são dados que referendam o nosso estudo, por possibilitarem uma amostragem de como se realiza o arcabouço lingüístico efetivado pelos usuários do discurso em momentos em que se solicita o registro escrito.
Percebemos que os diversos tipos de paráfrases veiculados por CLCs dos textos de alunos do Ensino Médio tanto promovem a reformulação textual, como são caracterizados como estratégias que o locutor /escritor dispõe para facilitar o processo intercomunicativo de compreensão lingüística. E ainda, são responsáveis pela progressão do discurso, uma vez que ao retomar a idéia anterior , mudando a forma do já dito, o locutor (produtor do discurso) tanto busca se certificar da efetividade da comunicação, como também processar a elasticidade do discurso. Tais estratégias são realizáveis, devido ao caráter polimórfico da linguagem que aceita (permite) um escritor enunciar “tem um final “finalizar”, ou enunciar ”acabar”, (texto de aluno do Ensino Médio) como formas diferentes de emitir a mesma informação. Assim, para cada situação comunicativa, por razões diversas, apenas uma dessas formas é a escolhida. Identificamos, ainda, que as CLCs tanto recorrem ao fenômeno da paráfrase de um enunciado anterior, como também são parafraseadas, efetivando, dessa maneira, a progressão do discurso.
ALVES,Eliane Ferraz, SILVA, Leilane Ramos da SILVA,Alexandra. A representação discursiva de Construções Lexicais Complexas em textos narrativos orais e escritos- projeto de pesquisa. João Pessoa: UFPB, 2000.
HILGERT, José Gaston. A paráfrase em situações de interação explícita. In: Letras & Letras.Uberlândia: 11(1)233-245. jan/jun,1995.
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HORA, Dermeval da e PEDROSA, Juliene Lopes Ribeiro (Coord.) Projeto Variação Lingüística no Estado da Paraíba – VALPB, João Pessoa; Idéia, 2001.
KOCH,
Ingedore G. Vilaça. Estratégias pragmáticas de processamento textual. In:
Caderno de Estudos Lingüísticos. Campinas:
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______. A interação pela linguagem. São Paulo: Contexto, 1992.
______. O texto e a construção dos sentidos. 4.ed. São Paulo: Contexto, 2000. (Caminhos da Lingüística)
MARCUSCHI,Luiz Antônio. A repetição na língua falada, formas e funções. Tese para concurso de professor titular da UFPE.Recife: Departamento de Letras e Lingüística,1992.
PARRET, Herman. Enunciação e pragmática para uma teoria enunciativa da paráfrase:a semelhança e o ato de proximização. Trad. Eni Pulcinelli Orlandi etallii. Campinas: Editora da UNICAMP, 1988.(Coleção Repertoria)