Todas as esferas da atividade humana por mais variadas que sejam, estão relacionadas com a utilização da língua. Não é de surpreender que o caráter e os modos dessa utilização sejam tão variados como as próprias esferas da atividade humana”.

                                                                                                          Bakhtin (1997)

 

No último século o mundo presenciou a queda do muro de Berlim e junto com ele o modelo socialista. O capitalismo domina o mundo, ao contrário do que fora pensado por Marx. O autor de O capital considerava que quanto mais uma sociedade se desenvolve tecnologicamente, maior a possibilidade de torná-la libertária e que à medida que as forças produtivas evoluem, com elas irrompe um novo sistema social (apud Habermas, 1990).  Essa idéia aproxima-se daquela defendida por Crystal (2001) quando este afirma que o mundo inteiro se renova a cada surgimento de uma nova tecnologia (apud Marcuschi, 2002a).

 

Se não chegam a ser totalmente verdadeiros os pensamentos dos dois teóricos acerca do comportamento humano frente às novas tecnologias, eles encontram eco na atual dinâmica organizacional. De fato, ao menos no que se refere aos atuais modos de comunicação, os dados obtidos nesta pesquisa apontam para um mundo empresarial cada vez mais virtual. Avaliar, pois, o impacto sofrido na produção de determinados gêneros cristalizados na comunicação institucional em decorrência dessa virtualização é o principal objetivo deste estudo.

 

Para alcançar tal objetivo, foram tomadas como parceiras três empresas de grande porte, situadas no estado de Pernambuco; a saber: A Dow Química, uma multinacional, aqui representada pela subsidiária CAN (Companhia Alcoolquímica do Nordeste); a Petroflex, uma ex-estatal há dez anos privatizada e, por último, a ECT (Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos).

 

A nossa principal hipótese é que o advento de novas tecnologias voltadas para comunicação e informação tenha possibilitado um modelo de manifestação discursiva pautado na rapidez, objetividade e clareza, fazendo cair em desuso modelos tradicionais de textos, tais como memorando, requerimento, atas, entre outros.

 

Norteará esse estudo a teoria do Círculo de Bakhtin sobre os gêneros discursivos que originou conceitos inovadores acerca do uso da linguagem, sobretudo, o concepção da natureza sócio-histórica e ideológica dos gêneros discursivos. Esses conceitos têm sido retomados e ampliados por todos aqueles que vêem no estudo dos gêneros uma forma de se alcançar as reais dimensões constitutivas das manifestações lingüísticas no interior de uma esfera de atividade determinada. Dentre esses estudiosos, farão parte das nossas considerações teóricas: Miller (1984), Swales (1990), Marcuschi (2001), contribuirão com as discussões aqui registradas.

 

Este estudo justifica-se na medida em que traz para o centro do debate dos estudos lingüísticos o entorno empresarial, ambiente pouco explorado no que se refere às manifestações discursivas praticadas em seu interior.  Ao mesmo tempo, possibilita uma visão crítica acerca das atuais práticas de ensino, debate esse que não se limita apenas aos professores responsáveis pela formação do cidadão produtor/leitor de textos que circulam socialmente, mas também a todos aqueles cuja responsabilidade é preparar o futuro profissional para o mercado de trabalho: um mundo cada vez mais competitivo e virtualizado.

 

1. CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS

 

1.1 O GÊNERO COMO AÇÃO SOCIAL

           

O “uso inflacionado” do termo gênero do discurso nos estudos lingüísticos dos últimos anos, deve-se, segundo Faraco(2003) ao texto de Bakhtin O problema dos gêneros do discurso, publicado na Rússia em 1979. Nesse manuscrito de 1952/53, o filósofo russo discutia os caminhos para um estudo da linguagem como atividade sociointeracional, num diálogo crítico com a tradição dos estudos lingüísticos de sua época que se caracteriza por privilegiar o estudo sistêmico (imanente) da linguagem verbal enquanto ignora ou simplifica a realidade lingüística pautada na interação social, enquanto práticas sociais de linguagem (Faraco,2003:110).

 

Para Bakhtin os gêneros não deveriam ser entendidos como uma camisa de forças na qual se retém cada forma de pensamento humano. Mais uma vez vem à tona o seu pensamento crítico em relação às práticas científicas em que a metodologia sobrepuja o próprio fazer científico. Talvez a concepção de gênero por ele concebida, seja perpassada por essa filosofia. Para Bakhtin os gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis, representantes de valores culturalmente instituídos, sujeitos ao tempo e ao espaço, no qual são originados.

 

Marcuschi (2002) concorda com Bakhtin ao afirmar que os gêneros não são instrumentos estanques e enrijecedores da ação criativa. O autor caracteriza os gêneros textuais (ou discursivos) como eventos comunicativos altamente maleáveis, dinâmicos e plásticos, que surgem emparelhados à necessidade e atividades sócio-culturais, bem como na relação com inovações tecnológicas.

 

Para o autor, os gêneros caracterizam-se muito mais por suas funções comunicativas, cognitivas e institucionais que por suas peculiaridades lingüísticas e estruturais (p29).  Em alguns casos são as formas que determinam o gênero, em outros as funções, ou o próprio suporte ou ainda o ambiente que os textos circulam. Essa noção será fortalecida pela nossa discussão mais adiante acerca da natureza genérica do e-mail.

 

Também Caroline Miller(1984) demonstra uma certa aversão ao formalismo. Para Miller o que vai contar na determinação do gênero é a relação texto-contexto e sua aplicação social.

 

A autora afirma que a forma não está em primeiro plano e defende a recorrência de situações na vida diária e essa relação com os gêneros. Ela defende ainda que para a determinação de um gênero faz-se necessário adotar alguns critérios, tais como: similaridades, status retórico e convenções sociais. Estas últimas seriam as regras para as produções sociais. Um discurso, para Miller, só é interpretável em contextos bem definidos.

 

SWALES(1990), por sua vez, adverte que há muitos parâmetros envolvidos na determinação dos gêneros. Cita a complexidade dos propósitos retóricos, o grau de preparo exigido para sua produção, o meio de transmissão, a audiência pretendida. Afirma ainda, que não há uma classificação universalmente aceita para gêneros, já que os mesmos são históricos e culturalmente sensíveis. Sobre a gênese de um texto prototípico, o autor garante que isso não ocorre da noite para o dia. Os gêneros desenvolvem-se por um certo período até que sejam, considerados prototípicos para atender a um propósito pretendido. Swales apresenta a seguinte concepção de gênero:

 

 

         “Um gênero compreende uma classe de eventos comunicativos cujos membros partilham um dado conjunto de propósitos comunicativos. Esses propósitos são conhecidos pelos experts membros da comunidade de discurso e com isso constituem a base lógica para o gênero (...) O propósito comunicativo é tanto um critério privilegiado e um critério que opera para atingir o escopo de um gênero... Se todas as expectativas de probabilidades mais altas forem realizadas, o exemplar será visto como prototípico pelos membros da comunidade de discurso. Os nomes dos gêneros herdados e produzidos... necessitam de validação posterior. (SWALES, 1990:58)

 

 

Elizabeth Gülich (apud Marcuschi,2002:33) ao tratar da questão da designação de certos gêneros sustenta que os interlocutores seguem geralmente três critérios para designarem seus textos, são eles:

a)      Canal/meio de comunicação: (telefonema, carta, telegrama);

b)      Critérios formais: (conto, debate, ata, etc.);

c)     Natureza do conteúdo: (piada, prefácio, receita, etc.).

 

Em relação especificamente ao e-mail, acreditamos que os nossos informantes consideram o primeiro critério para caracteriza-lo como um gênero.

 

O aporte teórico apresentado será de suma importância tanto para o embasamento necessário para as análises apresentadas quanto para o balizamento das considerações finais.

 

 

3. DISCUSSÕES DOS RESULTADOS

 

Com base nos textos coletados e os dados obtidos através dos questionários respondidos por trinta funcionários das três empresas pesquisadas, os resultados apontam para um ambiente muito mais democrático em que as manifestações orais são cada vez mais estimuladas como forma de propiciar um clima de confiança entre todos as pessoas que constituem a organização, desfazendo assim, as últimas barreiras próprias das antigas estruturas hierárquicas.

 

Gráfico 1

                                                          

 

O gráfico  acima apresenta o uso das manifestações oral e escrita nas três empresas(1= Dow, 2= Petroflex,3=ECT). O fato de tomarmos como informantes basicamente pessoas diretamente ligadas ao processo industrial, cujas atividades são muito mais voltadas para a oralidade,  fez com que os índices de manifestação oral registrados nas empresas 1 e 2 fossem maiores que os apresentados pela empresa 3, caracteristicamente usuária da modalidade escrita em suas práticas diárias. No entanto, as demais questões registram um alto índice de uso da escrita também nas duas empresas privadas, conforme mostra o gráfico 2.

 

 

Gráfico 2

 

Nesse gráfico,  é possível perceber que o e-mail é a forma de comunicação mais usada entre os departamentos das empresas, seguido pelo uso do telefone, comunicações presenciais (reuniões, palestras, videoconferências, net-meeting, etc) e, numa escala menor  pelas formas tradicionais de comunicação(exceto para a empresa pública, responsável pela representatividade mostrada no gráfico das formas de comunicação: cartas, ofícios, requerimentos, circulares, memorandos, etc).

 

Essa mesma tendência é mantida em relação às comunicações entre os diferentes departamentos, bem como nas relações com órgãos externos. Observamos que ao relacionarem-se com entidades governamentais, as empresas privadas tendem a respeitar as formas usadas por essas instituições, o uso do “estilo oficial” é retomado bem como gêneros como ofício[1], correspondências protocoladas, etc.

 

De todos os gêneros pesquisados a ata foi aquele cujas características foram mais preservados. Mesmo assim, essa fidelidade ao modelo tradicional só acontece quando se trata de eventos envolvendo órgãos externos. Nesses casos, os termos usados para abertura e fechamento ainda são os mesmos, assim como o registro dos fatos e das pessoas participantes. Nos casos de usos internos os modelos seguem os padrões das empresas. De acordo com as máximas de relevância e economia adotadas pela dinâmica comunicacional organizacional, os assuntos e participantes são dispostos em tabelas, a data e local ainda são informações preservadas a fim de direcionar os participantes do evento. A leitura desse gênero é feita em tela, sendo de competência de pessoas determinadas a sua manipulação e arquivo.

 

Outros gêneros como relatórios, avisos, bilhetes, atestados, não sofreram grandes alterações, embora todos eles sejam disponíveis em rede, tanto  para produção/leitura, como para arquivo quando necessário e respeitando os tempos dispostos pelo sistema de cada empresa.

 

Gêneros como ofício, memorando, requerimento, circular e todos aqueles antigos modelos de documentos tendo o papel como suporte ideal e uma estrutura hierárquica bastante marcada, pertencem agora a um passado que nenhuma secretária ou qualquer usuário faz questão de reviver.

 

Alguns gêneros emergiram com o uso da comunicação via computador e tem sucesso garantido desde os grandes líderes das multinacionais até o único responsável por uma pequena empresa que vê na comunicação em rede a possibilidade de uma administração mais eficaz e a participação no mercado aberto e competitivo do mundo globalizado.

 

São exemplos desses gêneros: e-mail, videoconferência, netmeeting, etc.

 

3.2 EM FOCO: O E-MAIL

 

Para entendermos como essa comunicação se processa na atividade profissional, o nível de linguagem usado, o tom, os conteúdos veiculados, em suma os ingredientes que fizeram desse dispositivo a forma de comunicação mais usada da era digital, tomaremos como exemplo, o e-mail da diretora de recursos humanos da empresa 2, no qual podemos ler:

 

 

To: Severino Santos/CABO/PETROFLEX@PETROFLEX

 

Subject: Ata reunião – Relatório CICE

 

Como é Severino, como vai nosso Relatório?

O que está faltando?

Quero apresentar na próxima quarta-feira à Diretoria o que a CICE está fazendo (é bom para fortalecer algumas de nossas demandas).

Caia em campo URGENTE, ok?

 

 

Podemos perceber no texto a cobrança por parte da emitente de uma resposta a um assunto compartilhado entre os interlocutores.  A linguagem usada é bastante próxima da oralidade, inclusive com o uso de marcadores conversacionais (“como é...”). O tom é leve embora ponha em negrito a palavra urgente.  A autora do texto usa a temática da bola (“caia em campo...”) numa estratégia para se aproximar mais de seu interlocutor. Podemos explicar dessa forma porque durante a experiência podemos perceber que a temática da bola era recorrente nas idéias desenvolvidas por esse funcionário

 

Em outro e-mail podemos ler:

 

To: Geovany Antônio/CABO/PETROFLEX@PETROFLEX

Subject: Gráfico

 

Gió:

 

Segue o gráfico atualizado. Desconsidere o primeiro que te mandei pq as ordens estavam trocadas.

 

Bjo!

 

 

Caso não fosse coletado no interior de uma empresa, poderíamos imaginar que esse fosse um e-mail trocado entre dois estudantes da mesma turma. Com base nessa idéia  foi solicitado que dois adolescentes lessem apenas o texto, sem as informações adicionais próprias do e-mail. O primeiro disse tratar-se de uma correspondência entre duas colegas de classe, ambas adolescentes. O segundo, assegurou ser uma correspondência entre  dois adultos e justificou a sua resposta  afirmando que adolescentes não escolheriam a expressão “segue” conforme consta no texto, e sim: “Estou mandando prá vc...”.

A comunicação em análise, portanto, traz as marcas da conversação espontânea, há inclusive, o uso de apelido e abreviaturas bastante usadas em e-mails. Outra característica deste gênero é o tamanho do texto, geralmente curto.

 

Por questão de economia não apresentaremos outros textos, ressaltando apenas que o e-mail, apesar de ser caracteristicamente um texto curto, poderá ir desde uma expressão como ok como resposta a uma mensagem anterior, até a inclusão no corpo do texto de informações técnicas, especificações, contratos, currículos, cartas profissionais, todo tipo de relatório, processos judiciais. Tudo, absolutamente tudo pode ser veiculado através do e-mail. 

 

Os gráficos abaixo informam acerca da produção e leitura de e-mails nas três empresas pesquisadas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Como é possível perceber 30% dos informantes da empresa 1, produzem esse gênero  na faixa entre 50 e 75% e 30% numa faixa superior a 75% de sua prática diária. A leitura, por sua vez, cresce, nas mesmas faixas, para 50 e 30% respectivamente.

 

Na empresa 2, há uma dispersão desses valores, conservando, porém a mesma tendência. Há um uso maior em freqüências menores. Assim, a produção de10% dos informantes encaixa-se na faixa entre 5 e 15%,  20% deles produzem entre 25 e 50%, 20%: entre 50 e 75% e 30% produzem acima de 75%. Se considerarmos que os informantes dessa empresa, predominantemente, trabalham na operação e, dessa forma, a queda na produção e leitura seria compreensível já que a sua atuação não requisitaria tal prática, é possível constatar uma mudança significativa de comportamento desses profissionais.

 

A produção de e-mails na empresa 3, na faixa entre 50 e 75 % supera as marcas das duas empresas privadas (40%) e iguala-se na faixa acima de 75%. Números que exprimem uma situação de transição uma vez que os gêneros considerados tradicionais têm um alto índice de produção, conforme veremos mais adiante.

 

A leitura desse gênero, contudo, cai significativamente nessa empresa, enquanto na ex-estatal ela cresce em todas as faixas, chegando a atingir o índice de 50% dos leitores situados na faixa acima de 75%. Na multinacional, por sua vez, a leitura é bastante heterogênea alcançando um índice maior na faixa entre 50 e 75%. Se considerarmos que 30% dos informantes lêem na faixa mais alta (acima de 75%), e mais 20% lêem nas duas faixas inferiores, é forçoso concluir o alto índice de leitura de e-mails nessa empresa.

 

O que fica claro com a comparação dos gráficos que representam o uso dos gêneros pesquisados (20 ao todo) e o gráfico acima é a total supremacia do uso de e-mail nas práticas profissionais  contemporâneas. Outro aspecto a ser ressaltado é o fato d o uso do e-mail ter integralizado outros tipos de textos tradicionalmente usados nas comunicações profissionais como ofícios, circulares, requerimentos, etc.

 

Esses gêneros, nas duas empresas privadas, perderam seus elementos constitutivos, tais como numeração, formas de tratamento e fechamento. Mesmo assim, eles foram apontados pelos nossos informantes com os seus respectivos nomes. As pessoas que tiveram contacto anterior com os textos apontados reconhecem, no propósito da comunicação esse ou aquele gênero. O que ficou claro ao serem questionados sobre o motivo de terem designado textos cujas características não mais garantiam o reconhecimento dos gêneros designados. As respostas invariavelmente apontavam para o propósito da comunicação. Ou seja, se a intenção era comunicar a todos da empresa, isso caracterizaria uma circular; se a comunicação restringia-se a poucos: um ofício; se havia a necessidade de solicitar formalmente algo, ou algum serviço: um requerimento.

 

Percebemos que em nenhum momento foram citadas as características formais de tais textos, o que parece contrariar a afirmação de Bhatia (1997), de que o aspecto convencional é determinante para a padronização de gêneros textuais. Diante disso, somos tentados a concordar com Swales (1990:58) quando afirma que “o propósito comunicativo é tanto um critério privilegiado e um critério que opera para atingir o escopo de um gênero...”.

 

Além disso, o comportamento descrito corrobora a idéia defendida por Marcuschi (2002b: 20) de que novos gêneros estão sempre ancorados em modelos anteriores. Foi o reconhecimento de um elemento comum aos gêneros anteriormente vivenciados que fez com que as pessoas os designassem como tal, sem sequer atentarem para os demais elementos constitutivos do gênero. Acreditamos que se assim não fosse a compreensão ficaria seriamente comprometida. Para Bazerman (1994) sem um senso compartilhado de gênero as pessoas poderiam não saber que tipo de coisas estaria sendo praticado.

 

 

3.3 A NATUREZA GENÉRICA DO E-MAIL

 

Neste ponto, faz-se necessária uma discussão acerca da natureza desse artefato disponível pelo advento da tecnologia cuja produção é um eterno devir. A questão que se impõe é: o e-mail  é um gênero ou um suporte? Esse tema tem fomentado alguns calorosos debates  no meio acadêmico e geralmente não costuma chegar a um consenso.

 

Sobre essa questão, a vivência nas empresas pesquisadas nos mostra um comportamento que ora aponta na direção de e-mail como suporte, ora somos levados a entendê-lo como gênero.

 

O módulo 4, capítulo 13 do manual de comunicação dos correios identifica,  entre os instrumentos de comunicação prescritos, o e-mail como correio eletrônico, “ assim identificado pelo jargão da informática, oriundo da língua inglesa”.  O manual explicita suas partes constitutivas.

 

O fato é que ao mesmo tempo em que o e-mail é tratado como instrumento de comunicação, recebendo o mesmo tratamento de cartas, ofícios e outros instrumentos de mesma natureza, ele é designado como endereço eletrônico, remetendo-nos a um outro tipo de dispositivo disponibilizado pelos correios: A caixa postal, em que o cliente recebe um espaço físico destinado ao recebimento de todo tipo de correspondência, cujo acesso só a ele é permitido, através do uso de uma chave própria.

 

Analogamente assim funciona o e-mail: endereço virtual para o qual converge todo e qualquer tipo de comunicação. Como na caixa postal só o usuário terá acesso a esse endereço.

 

Empiricamente expressões como: “Escrevi um e-mail para você”, “Você recebeu meu e-mail?”, “Adorei o e-mail que você me enviou...” convivem lado a lado com outras expressões como “você tem e-mail?”, “Vou enviar isso via e-mail para você”, “recebi por e-mail...” Os primeiros exemplos demonstram um uso metonímico do e-mail, em que a mensagem é tomada pelo suporte. Nesse ponto ainda nada se pode afirmar acerca da natureza genérica do e-mail.

 

Se considerarmos, contudo, o que postula Swales (op.cit.) em relação à prototipicidade de um determinado gênero no interior de uma comunidade específica, quando afirma que essa determinação  dependerá da aceitação e constante uso desse artefato como tal, então  seremos levados a imaginar que em breve essa questão sequer será considerada, estará definitivamente estabelecido o gênero e-mail.

 

Independente da questão acima, o uso da mediação por computador, em sua maior expressão – e-mail, inegavelmente trouxe para as empresas um salto tecnológico qualitativo inimaginável. Nem mesmo o telefone cuja utilização atinge uma média de uso de 26% (conforme gráfico 2) consegue superar a utilização deste meio.

 

É forçoso, pois, concordar com Crystal (2001:225) quando este afirma que o e-mail supera a Web em números de transações individuais feitas diariamente, apesar de  ocupar uma parte relativamente pequena do “espaço” da internet em comparação aos bilhões de páginas na World Wide Web.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Os resultados obtidos com o estudo da produção textual no âmbito empresarial corroboram concepções como as defendidas por Cavalo e Chartier (1997) de que toda revolução no campo da produção textual[2] decorre em atendimento às necessidades dos leitores em cada momento histórico. Mudanças estéticas nos escritos como separação do texto em palavras, em parágrafos, o uso de letras maiúsculas além das escolhas dos suportes ideais variando do papiro, pergaminho ao papel e, posteriormente o livro na forma que o conhecemos, seriam exemplos dessa adequação. Assim, quando Ovídio passa a escrever para o público feminino “futilidades e etiquetas” registra a entrada das mulheres no mundo letrado. Dessa forma, estaríamos atualmente vivendo um momento histórico em que o mundo do leitor mudou e isso faz com que suas exigências sejam condizentes com seu modus vivendi.

 

A perspectiva acima reforça a teoria defendida por Bakhtin em relação à natureza sócio-histórica da linguagem e, conseqüentemente, do gênero textual, fiel representante dos movimentos retóricos de uma determinada esfera de atividade humana: teoria que norteou o nosso trabalho.

 

Numa perspectiva mais específica, o fato de constatarmos empiricamente que o e-mail vem sendo reconhecido como uma expressão metonímica em que o suporte é designado pelo conteúdo e, em sua funcionalidade engloba grande parte dos gêneros tradicionalmente praticados no mundo organizacional, leva-nos a confirmar a hipótese inicialmente defendida de que as formas de comunicação empresarial sofreram um forte impacto provocado, sobretudo pelas novas tecnologias de comunicação.

 

Obviamente, o modelo atual de gestão empresarial também contribuiu para as alterações registradas, além de aspectos psicológicos relacionados aos participantes  que, devido ao contexto econômico, esforçam-se para alcançar a eficácia tão exigida pelo sistema. E, eficácia na esfera profissional relaciona-se intimamente com a maneira como se dão as manifestações discursivas dentro e fora dos limites das organizações. Motivo pelo qual, cada vez mais, as empresas investem em tecnologia de informação.

 

Nossos estudos confirmam ainda a idéia postulada por Swales (1990) de que o propósito comunicativo é um aspecto constitutivo do gênero.

 

Hoje, mais do que nunca, é o propósito comunicativo que define a manifestação discursiva a ser usada, o que na prática profissional significa o uso da oralidade, do telefone ou do e-mail. Esse último traz a vantagem adicional de poder ser registrado e confirmar a recepção da mensagem, entre outras coisas, motivo pelo qual essa é a forma de comunicação interna e externa mais usada no meio empresarial.

 

Com tudo isso, um último questionamento pode ainda ser feito: Afinal de que forma este estudo diz respeito ao ensino praticado em nosso país? Inicialmente, devemos considerar o fato de vivermos em um país cujas diferenças de acesso às tecnologias minimizam infinitamente a nossa esperança de mudança na maneira como os alunos vêm sendo preparados para enfrentar o mundo aqui representado.

 

Vivemos realidades paradoxais. Enquanto o mundo corporativo constitui-se na virtualidade, o sistema educacional brasileiro opera com base no quadro de giz e ambientes pouco estimuladores ao desenvolvimento de habilidades tais como: criatividade, proatividade, autonomia, capacidade de decisão e síntese: itens exigidos em qualquer processo seletivo da empresa da era digital.

 

Com este estudo, portanto, desejamos nos unir a todos aqueles que acreditam num redirecionamento do papel da escola em sua função primordial que é proporcionar ao aluno condições reais de competir por uma vaga no mercado de trabalho. Para tanto, faz-se necessário diminuir a grande distância existente entre a realidade educacional brasileira e o ambiente empresarial. Caso isso ocorra, teremos cumprido a nossa principal meta.

 

 

REFERÊNCIAS

 

BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. In Estética da Criação Verbal. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p.277-326.

 

BAZERMAN, C. Prefácio a BIBER, N. R. Professional Communication: The social perspective. London: Sage Publications, 1993, p.7-8..

 

BHATIA, Vijay K. Genre Analysis Today. Revue Belge de Philologie et d’Histoire, Bruxelles(75:625-652), 1997 (Tradução: Benedito Gomes Bezerra).

 

CAVALO, Guglielmo; CHARTIER, Roger. História da leitura no mundo ocidental.São Paulo: Ática, 1998.

 

CRYSTAL, David. Language and Internet. Cambridge, Cambridge  University Press, 2001.

 

EXAME, revista. As 100 melhores empresas para você trabalhar.

 

GUIA EXAME 2001.  Parte integrante da Revista Exame  ed. 749 e Você S.A ed. 39 (p.92)

 

MARCUSCHI, Luis Antônio.Os gêneros textuais: definição e funcionalidade. In Gêneros textuais. Dionísio, Ângela P. et al(Orgs). 2a ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002 (p.19-36).

 

______ Gêneros Textuais: o que são e como se constituem. Recife: 2000 (mimeo).

 

______­ Gêneros textuais emergentes e atividades lingüísticas no contexto da tecnologia digital.  São Paulo, GEL-Grupo de Estudos Lingüísticos  do Estado de São Paulo, 2002 (mimeo).

 

______ Gêneros textuais emergentes e atividades lingüísticas no contexto da tecnologia digital, 2002(mimeo).

 

MEURER, José Luis.& MOTTA-ROTH, Desirée. (orgs.). Gêneros textuais e práticas discursivas para o ensino da linguagem.  São Paulo: EDUSC, 2002.

 

MILLER, Caroline.  Genre as a  social action. In  FREEDMAN,  A.&  MEDWAY P.(orgs.). 1984.

 

_______  Rhetorical Community: The Cultural Basis of Genre. (Op. Cit..) p.67-78. 1994.


[1] Sobre o estudo desse gênero, remetemos o leitor à tese de douorado de Maria Inês Matoso Silveira (UFPE, 2002)  no qual a autora analisa a produção de ofícios em empresas públicas.

[2] Acreditamos que a leitura e produção em tela são a mais recente revolução no comportamento comunicativo desde a invenção da imprensa. O meio digital surge para atender às necessidades de uma sociedade em que a velocidade, objetividade e concisão são características inerentes do produtor/leitor da era digital.