E a cigarra cantou; as sua asas trabalhadas pela policromia embriagante de muitos sóis tatalaram de alegria, e acordes com o grito forte da violinista da natureza, outras vozes se altearam para o céu agradecendo a Deus o milagre renovador... (...) A Cigarra tem a certeza de que vive... Vive para a recordação e para o trabalho, diferente de suas irmãs, operaria do progresso.

 

 Edgar Barbosa, Cigarra, n° 01, 1928.

 

 

 

 

Cigarra, a "revista mundana ilustrada", denominação registrada por Manoel Rodrigues de Melo, surge, no final da década de 20, como "uma grande novidade". Em torno de sua publicação foi criada uma expectativa de se ter, no cenário potiguar, a presença de uma revista capaz de cantar "bem alto as belezas e as doçuras" da terra norte-rio-grandense, uma vez que essa aparece numa das "fases mais movimentadas da vida social e intelectual da cidade" (MELO, 1987, p. 113). Os sinais das repercussões da revista, no meio natalense, são visíveis no jornal A República, que publica diversos artigos como "Natal vai ter uma revista mundana" (jun. 1928), "Qual o nome que deverá ter a nova revista?" (ago. 1928), "A Nova Revista" (ago. 1928), "CIGARRA – Circulará hoje à tarde o primeiro número" (nov. 1928), "CIGARRA - O grande sucesso da revista" (nov. 1928).

Cigarra teve, para escolha de seu nome, um concurso realizado com repercussão fora das fronteiras do estado, vindo indicações de São Paulo, Pernambuco e Paraíba. Concorreram nomes de referência regional – Potyguarania[1][1] (479 votos), Romã (127 votos), Porangaba (124  votos) Nordestina (48 votos), Potyguara (39 votos), Primavera (31 votos), Revista Nordestina (12 votos) Potyra (5 votos) – e outros voltados para o moderno – Kodak (382 votos), Garota (105 votos) Atlantida (24 votos), e Leader (11 votos).

Ao nosso ver, essa relação de referencialidade presente na revista natalense, lembrando as revistas A Cigarra (1895) e Cigarra (1914), publicadas no Rio de Janeiro, antes de ser uma falta de originalidade, traduz-se num desejo provinciano de ser cosmopolita, ao trazer um título que foge às marcas do meramente local. Ao menos a hipótese de que as então províncias daquele momento mantivessem uma postura ativa com o que acontecia além de suas fronteiras torna-se um fato. O interessante dessa relação é que o jogo imitativo não se caracteriza em pura cópia, pois, no que se tem de semelhante, traça-se o diferente, como se cada periódico se articulasse sob um processo antropofágico, para, assim, jogar com suas peculiaridades. Processo esse em que o elemento "externo" toma novas cores e formas,  remodelando-se.

A sua natureza lingüística de mesma estrutura fonológica – homonímia intertitular – traz à luz o propósito de uma certa continuidade (ou proximidade) de estilo, ou seja, os idealizadores de Cigarra (RN) alçam mão de um estilo de se fazer revista que  remete a outros periódicos. Estilo que, se não se conjuga nos parâmetros de uma significação contextual e ideológica comuns, uma vez serem resultantes de realidades diferentes, ao menos se assemelham  na função de se constituírem em periódicos literários representantes das idéias de um grupo social e de uma época, de modo que podem ser vistos hoje como espaço/arquivo de memórias. Mesmo assim, o título Cigarra, enquanto ícone de uma revista literária – instrumento coletivo – estará submetido à determinada lei de interpretação que não será uniforme nem única, necessitando, portanto, distinguir seu espaço e tempo histórico para primeiro divisá-la, e, em seguida, compreender sua significação e função.

Editada em apenas cinco números, o primeiro datando de novembro de 1928 e o último número de março de 1930[2][2], Cigarra (RN) aparece como espelho de seu tempo – precisou voar muito para ter parte de seus clichês confeccionados no Rio de Janeiro e em Recife, onde o progresso tecnológico já se fazia promissor. Contudo, voltou e cantou, aos poucos, em suas páginas, a modernização que chegava e contracenava com a vida provinciana local. Ela própria é a expressão do que veicula: a revista enquanto uma mercadoria que tem preço, para um público consumidor bem mais vasto e misto, diferente de Letras Novas e Nossa Terra... Outras Terras... confeccionadas para um grupo mais restrito e seletivo. 

Externando um traço singular, Cigarra – que teve sua redação instalada na Av. Tavares de Lyra, n° 57, Natal, com corpo redacional formado por Adherbal França (diretor), Edgar Barbosa (secretário), e Ademar Medeiros (gerente) – traz o colorido como um traço inovador, dando à capa a feição de um "cartão-de-visita" para um cenário de matérias mistas. Enquanto elemento de capa, toma destaque o nome da revista que aparece em posição e formato diferente em cada número: no n° 1, o nome aparece em letras grandes de cor azul num fundo branco, de forma linear e horizontal, centralizado no alto da página;  no n° 2, sai em letras grandes e cheias de cor preta num fundo verde, no lado direito do alto da página;  no n° 3, a letra c de Cigarra aparece maior que as outras letras do nome, todas em formato cheio, cor preta e num fundo vermelho, no alto e centro da página; no n° 4, o nome aparece em forma circular, em letras menores e delimitadas por uma estrutura circular de fundo branco, no alto e lado esquerdo da página; e no n° 5, o nome vem em letras cheias de cor preta, num fundo branco, posicionada no alto e lado direito da página. Toda essa movimentação expressa pelo nome da revista já pressupõe uma atitude de dinamismo que se estenderá pela forma e conteúdo do material nela impresso, funcionando enquanto traço inovador de uma visão moderna, em que diferentes modos de expressão tendem a captar as mudanças do meio social e cultural de então.

Assim, a imobilidade está longe de ser uma característica deste periódico que pretende cantar numa terra onde, segundo Edgar Barbosa, no texto "Surge et ambula" (ano I, n° 1), "... passam todos os vencedores do azul que estão realizando  em audácias de aço e alumínio o sonho mitológico de Ícaro, aqui, onde nasceu a maior idéia liberal do século, tinha de se movimentar um sangue novo nos corações parados, uma sístole-diástole dinâmica que corresse pujante pelas veias nordestinas...". Pelo trecho, vê-se que forma e conteúdo problematizam o "antigo" e o "novo", ou seja, o estilo empolado e antigo da linguagem do trecho, aparecendo sob um título em latim, põe em destaque  a contradição entre o modo de escrever e o desejo de movimentar-se no sentido de acompanhar a dinâmica dos acontecimentos. Sentimento que parece ser o desejo de Cigarra em obter a sua inscrição também no lado moderno.    

A fim de ser uma "revista mundana"[3][3], que tratará de "tudo quanto queira e possa ser lido", carrega um título que tende, ao menos em parte, a responder a um programa eclético organizado, ideologicamente, em duas perspectivas que se assentam na ambigüidade deste, ao nosso ver: primeiro, enquanto metáfora do elemento primitivo (inseto cigarra), cantar as coisas locais/regionais; depois, como símbolo da modernidade (dispositivo de sinalização de alarme), à semelhança de Klaxon / buzina, chamar a atenção para as novas situações, ou seja, sinalizar num sentido de visão da atualidade, das mudanças ocorridas na literatura, na economia, na vida etc., também de outros espaços sociais. Assim, pode-se dizer que, a partir do título, já se tem um elemento de tensão entre o "local e o universal".  

Cigarra traz como ilustração de capa, na qualidade de pano de fundo para seu título (onde contracenam ainda a indicação do ano e do número de publicação) as ilustrações do desenhista Erasmo Xavier: na capa n° 1, têm-se aviões e caravelas, num fundo vermelho; na n° 2, o índio e a vegetação nativa de cor verde, num fundo preto; o n° 3, a imagem da mulher "Miss" (rainha da beleza), tomando destaque o vermelho e o preto, num fundo de tom vermelho claro; no n° 4, traços geométricos de uma cidade moderna contracenando com a figura de um zepelim/aeronave, nas cores contrastantes do preto, branco e verde; e no n° 5, por meio do preto, vermelho e branco, projeta-se a temática do amor na figura de um cupido e de um tipo/humano, num jogo de traços geométricos. Observa-se que "estilo e tema" destas ilustrações de capa se projetam dentro de uma expressividade muito mais significativa do que um simples pano de fundo. O colorido e o discurso, que tais ilustrações propõem, colocam em evidência o desejo de estar em sintonia com os ideais de uma estética modernista. Vê-se, na linguagem gráfico-visual projetada, um domínio consciente do efeito potencializador da modernização.  

O desenhista oficial de Cigarra, Erasmo Xavier, nasceu em Natal/RN (31 de out. de 1904), e foi para o Rio de Janeiro em 1917. No Rio, trabalhou para jornais e revistas, como O Malho, Fon-Fon, Careta e Tico-Tico. Ficou conhecido pelos seus trabalhos de desenhos e caricaturas. No ano de 1928, Erasmo voltou a Natal para tratar-se de tuberculose, quando passou a colaborar na revista natalense, vindo a falecer em 1930 (Cf. CARDOSO, 1989). Quanto ao trabalho de capa esboçado para Cigarra, o artista potiguar articulou, na forma, temas correntes, a exemplo da expressão do passado e do presente, enquanto fato de uma sociedade em processo de modernização (rev. n° 1); o elemento primitivo, o índio, articulador dos ideais de uma identidade nacional, do discurso da "brasilidade" (rev. n° 2); além de outros assuntos postulados de atualidade como a mulher (rev. n° 3), o desenvolvimento urbano (rev. n° 4), a sedução amorosa (rev. n° 5). Todos esses temas se mostram funcionando, já na capa, como elementos delineadores das discussões postas por seus colaboradores.  

Uma das características que saltam aos olhos neste periódico é a fartura de ilustrações e fotografias. Há uma média de 15 ilustrações por número, acompanhando textos de propagandas, crônicas, poemas e outros. Porém,  na posição de vedete, quem fica mesmo é a  fotografia: aparecem em torno de 48, 55, 62, 128, 125 fotos – colocados aqui de forma respectiva à ordem numérica das edições. Quanto às ilustrações (na sua maioria de Erasmo Xavier), observa-se o vínculo de cumplicidade destas com textos escritos, ou seja, a relação entre ícone/desenho e texto se dá num nível muito próximo em que a imagem visual concretiza, completa e adiciona a mensagem, para uma determinada leitura; ao passo que o arranjo cenográfico dado às fotografias parece não ter seguido, em todos os casos, um critério que as mantivesse dentro de uma relação direta entre foto e texto escrito. A exemplo disso, tem-se o artigo "Esportes" (Cig., 3) acompanhado, na página, das fotografias de crianças (uma, trazendo a referência de aplicado aluno do Colégio "Pedro II" de Natal, e a outra, sobre a primeira comunhão de filhos de um cidadão natalense). Esse descompasso entre texto escrito e fotografia, mais do que uma tomada brusca da atenção do leitor que, antes de ler o texto, lança um olhar sobre a imagem, funciona, estrategicamente, como um meio de proporcionar diversas leituras num mesmo espaço, deixando a impressão de que, por mais simples que seja o conteúdo da fotografia, esta é tão significante, dentro de um determinado contexto, quanto o texto escrito (notícia, crônica, poesia, etc.) com o qual o espaço da revista é dividido.

Os 418 registros fotográficos, distribuídos nos cinco números da revista, mostram o interesse em trazer ao leitor um álbum da vida atual da cidade do Natal e de outras regiões, além de revelarem o nível de adesão do periódico à técnica da modernidade – fotografar – que se impunha enquanto reprodução que tende a "despojar o objeto de seu véu, destruir sua aura" (BENJAMIN, 1983), tornando-o o mais próximo possível do sujeito leitor, dispensando a escrita em função do efeito visual. Por ser um texto de caráter autônomo, por si só a fotografia carrega um traço ideológico nestes periódicos: mostra a cara dos dominantes, que de certa forma reitera a condição de leitores/eleitores.

Se por um lado, notícias e artigos aparecem dividindo páginas com fotos que não mantêm nenhuma relação direta com estes – como fotografias de crianças, jovens, senhoras, homens, dentre outros registros; neste ponto, tornando-se igual à estratégia adotada por Letras Novas para suas capas (fotografias de personalidades de destaque no meio social) ­– por outro lado, a exclusividade fotográfica relega, muitas das vezes, o texto escrito a segundo plano, pois é comum aparecerem imagens tomando a página inteira com pequenas informações às margens. Essa "bricolagem fotográfica", contudo, adquire uma significante força expressiva na revista: de forma atual e concreta, pela imagem visual, de caráter cenográfico, Cigarra oferece possibilidades para uma leitura da história de um grupo social e de uma época. Compondo a estrutura desse "monopólio fotográfico", encontram-se as notícias sobre a aviação, o voto feminino no Rio Grande do Norte, festas matutas, concursos de danças, arquiteturas de Natal, crianças natalenses, concurso para "Miss Brasil", "Inauguração do Aero Club" (clube de consórcios da aviação),  festas de carnaval,  o lazer nas praias de Natal, "A aviação no interior do estado", o futebol em Natal, missão científica no interior do estado, "Inauguração do Estádio Juvenal Lamartine", instantâneos do dia do lançamento de Cigarra, festas familiares, festas pela publicação de livros, obras de  construção de açudes e pontes no interior do estado, inauguração de casas de saúde, festas pela vitória do futebol natalense em relação a outro estado,  registro de desastres de aviões dentro e fora do estado, eventos de casamento, turma concluinte de colégios natalenses, eventos da Semana da Educação em Natal, o projeto do plano de sistematização da cidade de Natal, festas de caridade, registro da chegada do Ministro da Marinha a Natal e eventos do dia 7 de setembro, entre outros.  Tais registros formam um verdadeiro espelho/arquivo da história social, política, econômica e cultural do estado naquele momento. Pela quantidade de registros fotográficos, Cigarra parece querer sugerir que havia um clima de dinamismo e transformação num ambiente que aos poucos se modernizava.

Ao lado desse arsenal fotográfico distribuído na revista, aparece um grande número de notas dotadas de comentários e notícias de fatos ocorridos no estado e em outras regiões. Nos cinco números da revista (de quantidade diferenciada para cada número), aparecem em torno de 10 a 30 notas de caráter noticioso, a exemplo das notas sobre a aviação no estado, açudes da região, o concurso de Miss, a moda no exterior etc., e outras essencialmente formuladas num tom comentarista. Para estas últimas, Cigarra traz, nas primeiras páginas, a seção fixa intitulada "Comentários", onde aparece uma série de pequenos textos que vêm a ser uma amostra do que acontece. Alguns destes textos, pois, fazem da revista uma vitrine da modernização social do estado. Dentre eles, sirvam de exemplo "O banditismo nos sertões" (Cig., 1) – sobre os esforços para o seu combate; "Berta Lutz" (Cig., 1) – a visita da feminista ao estado; "Evolução política" (Cig., 1) – avanços no ambiente político, industrial e financeiro do governo Juvenal Lamartine; "Meios de transporte" (Cig., 1) – avanços no sistema de transporte e movimento comercial no estado; "Urbanismo natalense" (Cig., 2) – a modernização urbana de Natal; "A aviação do estado" (Cig., 3) – a atuação do estado a favor da aviação; "Actividade construtora" (Cig., 5) – a expansão de Natal, colocando-a no plano das capitais brasileiras que compreenderam o futuro da pátria.

Uma outra seção fixa que chama a atenção neste periódico é "De toda  parte", aparecendo do segundo número em diante. Seus textos destinam-se a assuntos internacionais, trazendo informações aos leitores do tipo: "A casa dos estudantes em Paris",  "a industria do chapheo" (Inglaterra/França/Alemanha), "os olhos de Gibbson" (Londres), "A semana do livro" (Madrid),"O Palacio de Bellas Artes em Bruxelas", "O ultra modernismo de Shaw", "O museu de Ford", "A biblioteca de Neuton", dentre outros textos que, de certo modo, vêm demarcar o lado "internacionalista" da revista, extrapolando, pois, os limites territoriais do estado e do país.             

Todo esse cuidado com a manutenção de um expressivo status cenográfico, ao lado de publicidades, notícias e comentários, não fez, entretanto, com que  seus organizadores deixassem de promover o discurso artístico-literário. Assim como nas demais revistas literárias, encontra-se um número expressivo de contos, crônicas e poemas na revista natalense. Dentro da categoria do conto temos "As quatro paredes" (Henrique Roldão, rev. n° 1), em que aparece a trama de casamentos arranjados; "Sugestões do silêncio" (João Maria Furtado, rev. n° 1), que traz a descrição da solidão e saudade de um "eu" frente a um retrato; "Nocturno" (Lauro Pinto, rev. n° 1), narrativa mesclada por traços mitológicos do espírito draquiano (Drácula), assumidos na figura de um personagem de atitudes e desejos obscuros, perversos e noturnos; "Travessuras de Lolita" (Adherbal França, rev. n° 2), que narra as alternativas encontradas por um profissional bem sucedido para salvar seu casamento; "A morte do pequenino..." (Cesar de Castro, rev. n° 2), narrativa curta caracterizando a extensão de um amor que morre numa manhã, em "berço pequenino"; "O Serão" (Joffely Filho, rev. n° 3), que tematiza o reencontro e o amor de dois jovens, antigos amigos de infância; "O Agente n° 192" (Erasmo Xavier, rev. n° 5), que traz como temática a falsificação de identidade como saída para certas situações; e "O Sussuarapa" (Totó Rodrigues, rev. n° 5), que narra tramas envolvidas nas caçadas, frente a um misto de superstições e religiosidade.

Quanto ao tema, observa-se que os contos não se prendem a problemáticas estritamente regionais. Seus conteúdos ornamentam-se de questões que, ainda que partam de um dado singular, se generalizam em problemáticas sociais, afetivas e emocionais comuns que se enquadram num esforço de serem ecos de uma realidade. Assim também caracterizam-se os dois registros textuais de feição teatral presentes na revista, "Corações arranha céos" e Quasi um filme americano...", do escritor Virgilio Trindade

Por sua vez, a crônica aparece como carro-chefe da prosa impressa em Cigarra. Uma rápida passagem pelos títulos que lhes nomeiam já nos indica a diversidade de assuntos que aparecem como motivo de reflexão para essa categoria textual. É perceptível já nos títulos a maleabilidade da atividade cronista presente nesta revista. Aspecto talvez resultante da proposta de sensibilizar e oferecer ao leitor múltiplas reflexões, conforme se observa nos títulos a seguir: na revista n° 1, "Vestir-se será um prazer?" (Maria Eugenia Celso), "O Engano da peste" (Virgilio Trindade), "Morenas" (Danilo, pseud. de Adherbal França), "Surge et ambula" (Edgar Barbosa); na revista n° 2, "Alegorias de um sonho numa taça de champagne" (Octacilio Alecrim), "Mlle. Semifusa" (Adherbal França), "Seduzidos..." (Edgar Barbosa), "Baile de Ideas" (J.M.Furtado); na revista n° 3, "Seductoras..." (Danilo), "Vícios e virtudes" (Edgar Barbosa), "Da graça e da belleza" (O. Wanderley), "Revoadas de Cigarras" (Octacilio Alecrim), "Domingo de Paschoa" (Oscar Wanderley), "A tua belleza" (Adherbal França), "Arvore amiga" (Alberto Carrilho), "Jenet" (Lauro Pinto); na revista n° 4, "Mangabeiras" (Jorge Fernandes), "O Caminho velho do sertão" (João do Norte), "A revolta do mar" (Garibaldi Dantas), "Areia Preta.." (Danilo), "Escamoteadoras de destinos" (Jayme dos Guimarães Wanderley), "Miss Sensibilidade" (J. M. Furtado), "Indiscreções" (Octacilio Alecrim) "A morte de uma saudade" (Edgar Barbosa), "O que valem as mães" (Adherbal França), "Variações sobre o amor" (Consuelo Andrade de Lima), "Louvação de uma noite matuta - Cabloca Bonita" (Octacilio Alecrim),"O suave remédio" (Venancio São Thyago),"Minha Mãe! Minha Amiga!" (Joffely Filho); na revista n° 5, "Mascaras e Mascaras" (Coelho Lisbôa), "Minha cidade morta" (Edgar Barbosa), "Potengy" (Jorge Fernandes), "Domingos" e "Scena modderna" (João M. Furtado), "Infelicidade" (Cyrano), "Sonhos do futuro" (Ewerton Cortez), "As arvores da avenida" (O. Wanderley), "Carnaval que ficou" (Adherbal França), "Tragédia" (Virgílio Trindade), "Um sorriso e um olhar" (Cyrano), "Miss..." (Danilo), "A Cruz do Tabuleiro" (Affonso Bezerra).

Opinando sobre diversos temas, o cronista colaborador da revista "mundana ilustrada" compactua com os ideais desta no desejo de seguir "o traçado para a conquista de um tesouro, que não é difícil nem fácil de ser conquistado – a simpatia de todos que nesta terra não tinham até agora uma revista para distrair os olhos" (Editorial de Cig., ano I, n° 1). A crônica, emoldurada por comentários mundanos, políticos, econômicos e sociais, aparece aqui como uma função expressiva do ecletismo a que se propõe cantar a "revista mundana".

Já o texto poético vem realçar, de forma mais evidente, o caráter literário deste periódico. Cigarra, antes de se afastar, confirma o cenário de uma intelectualidade ativa, em relação à arte poética, não muito diferente da até então produzida e demonstrada nas revistas Letras Novas e Nossa Terra... Outras Terras... . Evidentemente, um dos aspectos dessa continuidade é o fato de os colaboradores destas revistas serem os mesmos. Porém, vale ressaltar que, ao escreverem para Cigarra, esses colaboradores já convivem numa realidade de possibilidades múltiplas, de contornos produzidos por uma estrutura social que a cada momento se transforma e se expande, dado este que pode ter alguma ligação direta com o produto literário do momento, se entendemos que "um poeta não vive em uma outra História, distante ou alheia à história da formação social em que escreve" (BOSI, 1997, p.119); sendo, pois, possível de carregar singularidades. Contudo, esta será uma questão  para ser abordada num outro momento, quando a análise mais cuidadosa deste gênero se fizer mister.

Os poemas caracterizam-se, em vista de uma leitura mais imediata, dentro de dois campos: uns portam títulos que mantêm uma expressiva relação com o conteúdo neles articulado, de forma que o leitor já adquire algumas possibilidades de leitura, e outros que, apesar de não serem desvinculados do corpo do poema, camuflam uma significação mais concreta e aguçam a curiosidade do leitor para descobrir o conteúdo daquilo que nomeiam. Dentro da primeira caracterização, estão os poemas: "Visão consoladora" (Clovis Andrade), "Cigarra" (Hermes Fontes), "As Borboletas" (Othoniel Meneses), "Poemas de Engenho" (Jayme Wanderley), "O Ninho" (Stella Camara), "Innocencia" (Lourdes Cid), "Natal Trabalhando" (Zauro Pinto), "A Minha Bandeira" (Carolina Wanderley), "São João no tempo de minhas calças curtas" (Lauro Pinto), "Mãe" (Castello Branco de Almeida) etc. Já para a segunda caracterização, encontram-se os poemas: "Papoula" (Rodolpho Machado), "P'ra ganhar castanhas" (Jorge Fernandes), "Homenagem" (Joaquim Moura), "No furdunço da caêra" (Xavier de Araújo), "Galeria Americana" (Fréde), entre outros. Em meio a uma composição poética que prima por uma estrutura ora de soneto, ora pela composição mais livre de versos e rimas, aparece ainda a forma poética de traços referentes à literatura de cordel como "Desafio" (Z. Ballos). Logo, torna-se perceptível que Cigarra desejou ser e efetivamente foi um lugar onde possibilidades variadas de cultura tiveram voz.

No texto editorial da revista n° 1, o diretor de Cigarra, Adherbal França, dirigindo-se ao leitor, tem o cuidado de mostrar as dificuldades a serem enfrentadas por um periódico de sua natureza e o objetivo desta revista que surgiu, naquele momento, como uma grande novidade:

 

 

Aqui está nas mãos do leitor, uma revista mundana (...). Trata de tudo quanto queiram e possa ser lido. (...) não pretende grandes coisas, mas seguirá o traço para a conquista (...) da simpatia de todos (...) Cigarra teve origem numa idéia melhor do que se está vendo. Mas, infelizmente, apesar dos aviões, os clichês ainda gastam muitos meses para a travessia Rio-Natal. Cigarra pode ser o que quiserem, menos a imitação da fábula do francês ilustre e engenhoso, feio como os mais feios (...). Cigarra esta aqui. Que seja julgada.   

                                            

 

Em suma, a revista Cigarra alcançou, no contexto cultural da década de 20 no rio Grande do Norte, uma posição de ineditismo e destaque pela sua feição moderna – mesmo num lugar onde tal espécie de periódico não se constituía em algo inédito, pois já contracenavam outros periódicos, no estado, de caráter literário, crítico, noticioso etc. Uma vez identificadas as características e propósitos, observa-se que as letras (novas) de nossa terra e outras terras, registradas e divulgadas por Cigarra, representam um esforço de renovação próprio de uma sociedade em processo de modernização.  

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

ARAÚJO, Humberto Hermenegildo de. Presença do Movimento Modernista em Jornais Natalenses: um levantamento de dados. (Projeto de pesquisa realizado junto ao Departamento de Pesquisa da Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da UFRN, durante os anos de 1991 e 1992).  (mimeografado)

______. Modernismo: Anos 20 no Rio Grande do Norte, Natal: Editora Universitária, 1995.

______. O Lirismo nos quintais pobres: a poesia de Jorge Fernandes. Natal: Fundação José Augusto, 1997.

CARDOSO, Rejane. Erasmo Xavier: o elogio do delírio. Natal: Clima, 1989.

Cigarra.  Natal: n. 1-5,  1928-1930.    

CIGARRA: circulará hoje à tarde o primeiro número. A República. Natal, 17 nov. 1928. P. 1.

GENETE, Gérard. Problématique du Trite. In: Seulis. Paris: sueil, 1987.

GUIMARÃES, João Amorim. Natal do meu tempo: crônica da cidade do Natal. Organização, introdução e notas de Humberto Hermenegildo de Araújo. 2. ed. Natal: SCB/FGG, 1999.

HELENA, Lúcia. Modernismo Brasileiro e Vanguarda, São Paulo: Ática, 1989. (Série Princípios).

HOEK, Leo H. La Marque du Trite. La Have / Paris / New York, Mouton Editéur , 1981.

LARA, Cecília de. Klaxon e Terra Roxa e Outras Terras: dois periódicos modernistas de São Paulo. São Paulo: Instituto de Estudos Brasileiros - USP, 1972.

LEFEBVRE, Henri. Introdução à Modernidade. Trad. Jehovanira Chysóstomo de Souza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969. (Rumos da Cultura Moderna, 24).

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Trad. Bernardo Leitão... et al. 3. ed. Campinas-SP: Editora da UNICAMP, 1994.

MELO, Manoel Rodrigues de. Dicionário da Imprensa no Rio Grande do Norte: 1909-1987. Natal: Fundação José Augusto, 1987. (Documentos Potiguares, 3).

 


[1][1] Este nome seguiria uma tradição local de homenagem à cultura primitiva, a exemplo de um antigo "café" que existiu em Natal até mais ou menos 1919, cujo nome também era "Potigarânia" que foi substituído pelo "moderno" "café "Magestic". Sobre o assunto, Cf. GUIMARÃES (1999).

[2][2] Sobre o ano de circulação de Cigarra (1929-1930), há uma incompatibilidade no registro de data que aparece na página editorial do n° 05 da revista - na qual , de forma rasurada, consta março de 929 (?) - e a data de publicação do n° 04 que data de agosto de 1929; fato que nos leva a crer que o quinto número é de março de 1930, ao invés de março de 1929, como registram as referências feitas por outros estudos sobre o período de circulação de tal revista, a exemplo de MELO (1987) e ARAÚJO (1995), dentre outros.

[3][3] A denominação mundana diz respeito ao comprometimento da revista com os acontecimentos da vida social, destituído, pois, de uma significação pejorativa.