As
línguas, como temos conhecimento, são dinâmicas e a história de suas
transformações é também a história de evoluções seja no social, na
economia, na política e/ou na cultura. Uma das marcas dessas transformações
é o nosso objeto de estudo: o uso do estrangeirismo em algumas áreas, como na
informática, na economia, na música, mas principalmente na propaganda. Nosso
objetivo é questionar as considerações que algumas pessoas fazem a respeito
do uso de estrangeirismo e definir uma atitude diante do uso de palavras
estrangeiras em nossa língua materna.
Para
algumas pessoas, o uso de estrangeirismo se caracteriza como um abuso e uma
forma de dominação de um país sobre outro. Acreditamos que para outras
pessoas, este uso é apenas fruto do desenvolvimento da língua e com isso, a
mesma adquire um enriquecimento através da incorporação de novas palavras.
Nosso
ponto de vista é que o estrangeirismo não deve ser considerado como um
“problema”, não deve ser visto com atitudes reacionárias, nem se deve
estabelecer impedimentos à entrada de palavras e expressões de outros idiomas
em nossa língua. Nosso trabalho visa levantar considerações acerca do
estrangeirismo tomando-o, não como uma invasão que possa vir a comprometer o
idioma, mas como uma constatação perceptível de que este uso em uma
determinada língua, não escraviza o pensamento e nem impede o raciocínio
cognitivo ou a criatividade de quem quer se expressar através do uso do léxico
de uma língua estrangeira seja de forma escrita ou oral. Sabemos que a língua
portuguesa se desenvolveu com o acréscimo de termos ligados ao desenvolvimento
tecnológico e científico, portanto, de muitos estrangeirismos.
A
escola nos ensina que o nome Brasil deriva da palavra portuguesa “brasa” ou
“braseiro”. No entanto, a origem da palavra Brasil está ligada ao termo
celta brésil, cujo significado é “vermelho”. Este nome foi dado
pelos franceses da Normandia que, logo após o descobrimento, se tornaram os
primeiros traficantes de pau-brasil. Em artigo de Luis Pellegrini (2002, p.21);
temos a transformação de que, segundo o historiador João Ribeiro, a palavra
“Brasil” na verdade é um galicismo: o primeiro galicismo da língua
“brasileira”, originado do uso intenso da palavra brésil. O uso
maior ou menor de estrangeirismo na língua vernácula está ligado à maior ou
menor influência que a cultura de um país exerce sobre a cultura de outro.
Houve
um tempo em que a cultura francesa dominou e os galicismos foram incorporados à
língua, enquanto outros tiveram uso passageiro, pois muitos empréstimos ou
estrangeirismos, podemos usar qualquer uma das palavras, são sinônimos, estão
integradas e muito bem aceitas. Como exemplos podemos citar “ateliê”,
“chofer”, “croquete”, “buate”, “filé”, “balé”, “boné”,
“hotel”, “tricó”, “croché”, “suflê”, “butique”,
“batom”, “garçom”, “ruge”, “judô”, “ópera”, “abajur”,
“ioga”, “túnel”, “trem”, “avião”, “menu”,
“restaurante”, “debutante”, “golfee”, “iate” e “futebol”. Além
dessas, há muitas outras palavras que originalmente figuravam como
estrangeirismo e que hoje fazem parte da nossa língua e
são veiculadas através de propagandas como lunch, hamburger, milk
shake, usadas para atrair os consumidores que assistem a televisão com suas
programações e ideologias dominantes, em que os
produtos são apresentados de forma cinematográfica, com produções
cada vez mais arrojadas para despertar o interesse do cliente que, muitas vezes,
adquire o produto pelo simples fato de ter gostado da propaganda que a televisão
mostra. A mágica da onipresença da imagem televisiva faz dela uma
poderosa aliada dos vendedores de inicio de milênio e se imagina que tudo pode
ser vendido.
Vale
lembrar que no caso da língua portuguesa, os empréstimos de qualquer maneira
nunca chegaram a ameaçar verdadeiramente a integridade sistêmica da língua,
pelo contrário, eles se incorporaram de forma a enriquecê-la. Um caso de empréstimo
na sintaxe é a antecipação do adjetivo ao substantivo, uma influência da
sintaxe inglesa. Por isso é muito comum em nossa língua, à utilização de um
adjetivo antes do substantivo hotel, como Grande Hotel, Pérola Hotel.
O
fenômeno do empréstimo é comum a toda língua. Assim, por que impedir o uso
de alguns estrangeirismos, de alguns empréstimos, se o importante é
compreendermos que não existe uma língua pura e que o vocabulário de qualquer
língua do mundo e nada mais nada menos do que o resultado, por um longo tempo,
de trocas culturais entre os povos, entre as comunidades, entre as pessoas.
“Água
parada estagna e apodrece. A língua é água em movimento e seu aspecto se
modifica sem cessar” (CARVALHO, 1999 ). Podemos constatar na afirmação da
autora, que a língua é algo vivo e que por isso vive em constante transformação.
Algumas dessas modificações ocorrem pela penetração de palavras estrangeiras
e a interpenetração das culturas, e quanto mais poderosa é a nação, maior
será a sua influência lingüística, como o caso da nação norte-americana em
relação ao Brasil. Seu poder impõe uma dependência sócio-econômico-cultural
do Brasil e da maioria dos paises latinos, que se ramifica em vários aspectos.
O inglês hoje é usado em todo mundo através da música, da TV, do cinema, dos
produtos importados, das propagandas. No nosso caso, no Brasil, depois de algum
sem sabermos de forma clara o que a globalização representa e tendo aceitado a
introdução da cultura norte americana em nosso meio, surgem reações por
parte de algumas pessoas, para que tenhamos um maior sentido de amor cívico e
para que defendamos a nossa identidade nacional de maneira que não aceitemos o
que nos impõem culturas como a
norte americana, principalmente, o uso de estrangeirismo como money, cash,
game, made in Brazil, palavras que usamos diariamente. Podemos constatar, no
entanto, que as transformações que o português brasileiro sofre atestam o
quanto a língua é maleável, ela vai se transformando, aceitando os
estrangeirismos, que por força do uso, se aportuguesa, se enriquecendo e
continuando viva.
A
língua vai se transformando lentamente no correr dos anos e essa transformação,
como todas as mudanças, sofre perdas e danos, ganhos e vitórias, e vai
seguindo esse processo, sobrevivendo às mudanças, transformando-se numa língua
que é aberta ao progresso. Ela não envelhece nem rejuvenesce, ela se modifica,
sofre metamorfose constante. Assim os estudiosos da lingüística encontram cada
vez mais subsídios para, através do progresso e das transformações da língua,
aprofundarem seus estudos na tentativa de encontrar respostas científicas para
essas mudanças.
O
nosso português vem de uma variedade do latim, o latim vulgar falado pelos
conquistadores e não pela elite, um latim muito diferente do falado pelas
pessoas consideradas cultas. Poderíamos dizer a partir desse fato, que o
português que falamos é um português errado. Esse tema de conceito de erro na
linguagem é muito controverso.
Afinal o que é a linguagem coloquial, a norma culta, a língua padrão para a
maioria das pessoas? A lingüística diz que o importante é se comunicar de
forma que se faça entender o que se quer dizer, então, todos somos capazes de
falar a nossa língua sem pensar que se está falando ou expressando pensamentos
de forma errada.
A
origem da propaganda perde-se na história. Afinal, desde que o homem iniciou o
processo de troca de bens e serviços, ele sentiu a necessidade de comunicar as
qualidades específicas dos produtos que oferecia á comunidade.
O
anúncio é o ato de levar ao conhecimento do público um fato, um produto. Tem
a sua origem nas insígnias e nas inscrições de estabelecimentos comerciais.
As mais antigas foram encontradas nas escavações há mais de 3.000 anos. No século
XVII, na Europa, a descoberta da imprensa ajudou em muito o aparecimento dos
periódicos e logo após, os anúncios classificados, como são conhecidos hoje
em dia, começaram a aparecer, oferecendo todo tipo de mercadoria e serviços
com informações sobre o endereço dos comerciantes e depois descrevendo
detalhada e exageradamente as qualidades e características dos produtos.
O
filósofo francês Montaigne é apontado como o pai da agência de propaganda,
ao falar minuciosamente num de seus ensaios sobre um tipo de organização que
“fazia falta à sociedade” e que serviria para informar todas as pessoas
sobre onde encontrar as mercadorias de que elas precisassem, dando inicio assim,
ás primeiras propagandas.
No
Brasil, a propaganda é uma atividade antiga e as suas primeiras manifestações
foram através dos pregões dos vendedores ambulantes e mascates. Oficialmente,
a propaganda aparece em setembro de 1808, com a publicação do primeiro jornal
editado no Brasil, a Gazeta do Rio de Janeiro. No final do século XIX, o país
possuía uma grande quantidade de jornais e revistas e alguns escritores famosos
como Olavo Bilac, inscreveram-se entre os primeiros publicitários brasileiros,
ganhando cachês para redigirem versos e textos exaltando as virtudes dos
produtos e das lojas de comércio. Essas lojas hoje se modernizaram, fazendo sua
publicidade e propaganda de forma mais contundente.
Quando a propaganda se iniciou, as suas primeiras manifestações foram orais, através dos pregões, dos mercadores ambulantes e mascates. Com o passar do tempo, a propaganda foi adquirindo estilos e características próprias, inclusive hoje utilizando termos e palavras da língua inglesa, o que está fazendo com que os “defensores” da língua portuguesa caiam em campo em defesa da língua materna.
“Em
português publicidade é usada para a venda de produtos ou serviços e propaganda
tanto para a propagação de idéias como no sentido de publicidade. Propaganda
é, portanto, o termo mais abrangente e o que pode ser usado em todos os
sentidos.” Sandmam (1993:10); é o que afirma o autor descrevendo os termos
que utilizamos para vender produtos.
Quase
tudo que a sociedade consome é marcado pela ideologia. Por sua vez, ela é
veiculada pelos meios de comunicação e assim atinge as camadas mais diversas
do contexto social, como por exemplo, a preservação dos valores culturais, a
desvalorização de algumas profissões e valorização de outras. Dentro desse
contexto, a propaganda constitui
uma forma de persuasão veiculada através de rádio, televisão e jornal
destinada a influenciar opiniões. Trata-se de uma ação planejada e racional,
desenvolvida através dos veículos de comunicação para divulgação das
vantagens, das qualidades e da superioridade de um produto, de um serviço, de
uma instituição, visando disseminar informações ideológicas, políticas,
filosóficas, religiosas e comerciais.
Para
atingir essa divulgação, são utilizados os recursos lingüísticos
considerados mais eficientes. Sendo a propaganda um gênero produzido com fins
comerciais e lucrativos, percebemos na sua linguagem um grande número de termos
estrangeiros. O uso desses termos em diversos produtos tem o objetivo de
despertar o interesse e a atenção dos consumidores. É notório o aumento de
produtos consumidos pela sociedade que apresentam a influência da ideologia do
consumismo passada pelos meios de comunicação, principalmente através da
publicidade que tenta imprimir uma maior valorização ao produto através do
uso cada vez crescente de expressões norte-americanas.
Um
desses recursos é o uso do estrangeirismo, que é a utilização ou incorporação
numa língua de uma comunidade, do uso de léxico ou palavras que fazem parte de
outra língua. Esse contato entre comunidades lingüísticas, que se torna cada
vez mais presente em nosso meio e que pode ser também chamado de empréstimo,
é o que discutiremos no uso de suas mais diversas finalidades, sabendo que, a
finalidade da propaganda vai direcionar o emprego do estrangeirismo. Seu uso
serve para facilitar a venda do produto, tornando o texto publicitário mais exótico.
Ao responderem sobre o que achavam a respeito dos produtos cuja propaganda
utilizava o estrangeirismo, alguns consumidores de produtos como hidratante,
shampoo, perfume, disseram que o uso de estrangeirismo na linguagem da
propaganda produz uma maior valorização ao produto anunciado, já outros,
afirmaram que esse uso é apenas o reflexo da dominação do capitalismo
estrangeiro.
De
acordo com alguns donos de lojas, o importante é usar denominações
estrangeiras em casas comerciais, nos restaurantes, nos bares, nas lojas e em
quiosques porque ficam mais interessantes.
O
uso de estrangeirismo na língua não se restringe, contudo, a textos
comerciais. Podemos vê-lo presente também em textos artísticos, como na letra
de música Toda Forma de Amor, cantada por Lulu Santos:
“Eu
não pedi pra nascer, eu não nasci pra perder, nem vou sobrar de vítima das
circunstâncias, eu tô plugado na vida, eu tô curando a ferida, ás vezes eu
me sinto uma mola encolhida...”
Percebemos na letra da canção a palavra plugado, particípio do verbo plugar. É uma palavra que se destaca por que até pouco tempo atrás não existia no português e atualmente os novos dicionários a trazem incorporada. É uma palavra que vem do verbo plug in do inglês, que significa conectar ou ligar na tomada. Ultimamamente, muitos cantores têm gravado disco unplugged, termo cuja prefixo un na língua inglesa significa não. Compreendemos, portanto, que o termo unplugged pode ser traduzido como desconectado ou desligado da tomada, significando que as músicas são gravadas somente com utilização de instrumentos acústicos.
Encontramos um exemplo interessante de acúmulo de empréstimo em um mesmo texto no samba de Zeca Baleiro, intitulado ‘Samba do Approach” do disco Vô Imbolá, gravado pela Universal Music, em que ele retrata de forma artística a condição intercultural desse começo de milênio e suas transformações:
“Venha provar meu brunch, saiba que eu tenho approach, na hora do lunch, eu ando de ferry boat, eutenho sevoir-faire,etc.” (Universal, 1999)
De maneira artística e bem humorada, o samba retrata o uso de estrangeirismo acumulados em um mesmo texto.
O uso de estrangeirismo na língua é comentado pelo poeta paraibano Orlando Tejo. Ao ser incentivado a fazer versos tendo por tema A Babaquice Reinante, aproveitou a sua vivência em uma agência de publicidade do Recife, que se chamava Fregapane & Associados, e fez os versos que vale a pena ser citado devido a crítica feita de forma bem humorada ao uso de estrangeirismos:
Estão
todos precisando dos cuidados da Pinel. Será feia a nossa língua? É chato o
nosso papel? Por que esse tal de “outdoor” substituir painel?
Por
que complicar a guerra, em vez de se esclarecer? Se “folder” é um folheto,
por que assim não dizer...? Pois quem me mandar um ‘folder”, eu vou mandar
se folder.
Matuto
da Paraíba, aqui juro que não fico, onde até se tem vergonha, de
um idioma tão rico... por que se chamar de “free-lancer”, um sujeito
que faz bico?
Para os defensores da língua, este trecho do poema se torna um aliado em suas ponderações, já que dizem eles que é chegado o momento de romper com tamanha complacência cultural. Percebemos que a sociedade mudou, o povo mudou. E assim a língua também se modifica. Não se pode parar com as mudanças, principalmente as mudanças na língua. Se estamos mudando, se nada permanece igual, se a dinâmica do ser humano é mudar, a língua através da qual os seres humanos se expressam, não poderia escapar a essas mudanças. E a língua é feita por quem a fala, como dizia Bandeira.
“Não há dúvida que as línguas se aumentam e alteram com o tempo e as necessidades dos usos e costumes. Querer que a nossa pare no século quinhentos é um erro igual ao de se afirmar que a sua transplantação para a América não lhe inseriu riquezas novas. A esse respeito a influência do povo é decisiva”. Machado de Assis (Apud Cunha 1981)
Nós
concordamos com a citação de Machado de Assis, justamente por ser a língua um
dos meios de conhecimento e não se reduzindo somente a isso, devemos nos abrir
e aceitar o uso de estrangeirismo que muito ajudam a enriquecê-la aumentando o
conhecimento de novas palavras.
Em se tratando da moda, é comprovadamente, uma forma de
chamar a atenção. Nos eventos, (que a moda mostra através da propaganda), na
maioria do material que é veiculado nessas apresentações, nas lojas de roupas
de grife, o inglês é utilizado como língua oficial. Em anúncios dessas
lojas, há propagandas em que as únicas palavras em português são os endereços.
Um exemplo do uso de estrangeirismo na área comercial
ocasionou estranheza por parte das pessoas que visitavam o local. No saguão de
um supermercado de Florianópolis, uma imobiliária promovia suas vendas com
enorme painel: “Compre aqui os móveis mais light da cidade.” Alguns
comentavam que já não bastavam as comidas light e diet, teríamos
também móveis “leves” ou “brandos.” As restrições e cuidados devem
ser feitos com os exageros que imperam os textos publicitários. Porém, isto não
pode ser considerado um mal, pois muitos termos acrescidos ao nosso vocabulário
vêm enriquecer o português.
O uso de letras exóticas em bares, restaurantes, salões de
beleza, lojas, lanchonetes, que não fazem parte do nosso sistema ortográfico
comum, está se tornando uma constante nesses estabelecimentos, como um meio de
atrair maior número de clientes. Essa é também uma influência estrangeira,
principalmente inglesa, na nossa língua. Citamos como exemplos os nomes de
bares como Bar Petiskaria, ki Bankinha, ká entre nós, da butique Chikésima,
do cachorro quente Ki Dogão. A predileção pelo uso de letras e combinações
de letras exóticas tem o objetivo estilístico e comunicacional especial.
Esses jogos de grafia são realizados no intuito de se
conseguir efeitos especiais para chamar a atenção para o produto ou
estabelecimento. Não podemos caracterizar como um desrespeito às normas ortográficas.
Muitos desses usos, são verdadeiras obras de criatividade publicitária,
criando nomes de estabelecimentos em letras exóticas que de fato não só
chamam a atenção, como despertam o lado cognitivo do sentido.
Não há nas propagandas ou em nomes de lojas e bares,
lanchonetes e restaurantes, que usam tal recurso, nenhuma ameaça a nossa língua
portuguesa, e isso não impõe algum tipo de “invasão”, pois na realidade,
mesmo que não aceitem os extremistas defensores da língua, é a comprovação
de que a língua de uma nação não é naturalmente estática e fechada. A
incorporação de termos estrangeiros, de novas palavras, faz parte da evolução
cultural de um povo.
Esses aspectos gráficos são uma forma de jogo com a função
e valor das letras que fazem os títulos especiais para despertam o interesse,
senão a curiosidades dos clientes.
“Gostei
dessa idéia de Koas com “k”. Escrito assim, por um lado parece mais terrível,
mais abissal e por outro é novidade. O caos com “c” já está monótono e
repetitivo. Quem como eu estudou pela velha ortografia aprendeu a escrever
chaos. Com este “h” intermediário. Caiu o “h” com a reforma ortográfica,
única reforma que conseguimos levar a cabo”.
(RESENDE, 1991).
É o que nos diz Otto Lara Resende compreendendo o sentido de
adaptação da grafia na publicidade e propaganda. Com isto, não queremos dizer
que normas ortográficas foram violadas, apesar de ser uma prática comum em
nomes de produtos, mas é uma forma de ter exclusividade dos produtos, levando
com isto vantagem dos demais.
Acreditamos que certas palavras de origem estrangeira poderiam
ser aportuguesadas como acontece com turfe e surfe. Em outros casos, teríamos
que pensar bem, estudar melhor uma grafia aportuguesada para não desfigurar as
palavras e impedir a compreensão por parte dos leitores. As palavras Karaokê e
Karatê aportuguesadas seriam escritas caraoquê e caratê que são
perfeitamente aceitáveis, mas há outras palavras em que a grafia não dará o
suporte, mas nem por esta razão deixará de ser entendida.
O
uso de estrangeirismo tem se tornado muito comum no dia-a-dia dos brasileiros.
Refletindo sobre isto, o então senador Ronaldo Cunha Lima fez um pronunciamento
em discurso proferido no Senado Federal em defesa da língua portuguesa,
enfatizando que ‘a maioria dos povos faz questão de preservar seu idioma’ e
alerta que a influência francesa, antes predominante, foi, aos poucos, abrindo
espaço para os termos ingleses e que hoje é crescente o uso de anglicismo
dentro do nosso idioma. Percebe-se a preocupação do senador com o
estrangeirismo em nosso linguajar diário. Seja qual for o campo de atividades,
o uso de palavras estrangeiras, notadamente inglesas, já se torna comum.
O
professor Arnald Niskier chega a dizer que a presença de estrangeirismo é um
risco que a invasão estrangeira tem causado à língua pátria, fazendo observações
em que, segundo ele, revela um mau uso da língua e a forma como a língua
portuguesa tem sido tratada por todos, principalmente pela classe dita culta,
que se mostra indiferente em relação à língua nacional e ao pouco caso que
se tem feito dela.
Outra
pessoa que se diz preocupada com o uso de estrangeirismo é o deputado Aldo
Rebelo (PC do B- São Paulo); que no intuito de defender e proteger a identidade
cultural da língua portuguesa, apresentou um projeto de lei que prevê multas e
penas contra o uso exagerado de estrangeirismo. Diz ainda o deputado que
pretende incentivar a criação de um “Movimento Nacional de Defesa da Língua
Portuguesa”, pois acredita ele, que estamos passando por uma verdadeira
descaracterização da língua portuguesa com a invasão indiscriminada de
estrangeirismos.
O
artigo 5º do projeto do deputado, que mais desperta a atenção reza que
“toda e qualquer palavra ou expressão em língua estrangeira, terá que ser
substituída pela equivalente em português” (REBELO, 1997). O artigo
demonstra um radicalismo na proposta apresentada em lei e que, ao nosso ver, não
despertará iniciativas favoráveis.
Impor um projeto que puna as pessoas por se expressarem do jeito que quiserem,
é uma forma de dominação, de violação ao direito de liberdade de expressão.
Parece-nos que a democracia não é
o forte do deputado, visto que esse projeto
impõe multa a quem propositalmente ou não, usar palavras estrangeiras.
As
defesas da língua portuguesa vêm de muito tempo atrás. Projetos
conservadores, projetos antigos datam de 1757, quando a língua que era falada
desde a colonização foi proibida. As críticas partem principalmente de
pessoas que são desconhecedoras da língua portuguesa falada pelo povo, e que
se insurgem, querendo saber falar mais do que os habitantes nativos. Nesse
sentido, também muitos criticam os que usam o estrangeirismo. O ser humano
procura sempre inovar de alguma forma, e quando se trata do uso da língua, há
os que se levantam contra e os que são a favor de determinados usos, ainda que
não tenham conhecimento específico sobre o tema.
Policarpo
Quaresma, personagem de Lima Barreto, defendeu a volta do tupi-guarani como língua
oficial do povo brasileiro, chegando a fazer uma petição para ser endereçada
ao congresso, como forma de impor a nacionalidade que ele considerava perdida.
Dizia
o famoso personagem, fazendo uma retrospectiva na história, “que a língua
portuguesa é emprestada ao Brasil’, desejava o retorno da língua pátria,
pois para ele como brasileiro
“a língua é a mais alta manifestação da inteligência de um povo, é a sua criação mais viva e original; e, portanto, a emancipação política do pais requer como complemento e conseqüência a sua emancipação idiomática”(BARRETO, 2002).
O uso de estrangeirismo não vai acabar com o idioma, a preocupação deve ser de acordo como diz o escritor Ariano Suassuna:
“Minha
luta em defesa do português é entendida por mim como parte indispensável de
outra maior: a luta contra a entrega do nosso território, de nossa economia, de
nossa identidade cultural”(FOLHA, 2000).
Portanto, há de se ver com cautela as defesas da língua portuguesa para que não se incorra no erro do preconceito, no erro das imposições que só fazem reforçar as idéias dos vários preconceitos que campeiam nosso país, como exemplo citaremos o preconceito que se tem com as variedades lingüísticas e que ninguém faz projetos para que ela seja reconhecida como norma. Sabemos que se faz necessárias às precauções para que não abusemos dos exageros e que não se cai na tentação de relegar a nossa “inculta” – Bilac usou esse termo erradamente – e bela Flor do Lácio, porque na realidade a língua portuguesa é espetacular!
Os estudos empreendidos neste trabalho nos encaminharam para a compreensão
de que a língua se enriquece com as transformações, com os acréscimos, não
caracterizando o estrangeirismo uma invasão à língua portuguesa. Se algum
verbo ou alguma palavra em inglês é incorporada ao português,
isso ocorre de acordo com as inflexões e as regras que há na língua
portuguesa, o que facilitará a compreensão para todos, independente do nível
de conhecimento lingüístico.
A compreensão ou não de uma palavra estrangeira, vai depender do
conhecimento de mundo que se tem e não do significado ou origem da palavra. O
uso ou não de estrangeirismos não irá descaracterizar a língua pátria. Esse
uso de estrangeirismo não vai também ocasionar o desaparecimento da língua
portuguesa.
Portanto, há de se ver com cautela as defesas da língua portuguesa para
que não se incorra no erro do preconceito, no erro das imposições que só
reforçam o preconceito que se tem com as variedades lingüísticas, chegando
muitas vezes a servir de piadas até mesmo nos meios televisivos. Em relação a
estas, observa-se que ninguém faz tentativas para que as variedades sejam
reconhecidas como normas. Essa seja talvez, uma preocupação legítima por
parte dos que conhecem verdadeiramente a língua com suas variedades, muito mais
do que a que envolve o estrangeirismo, porque como vimos, o uso do
estrangeirismo não compromete, e muito menos, empobrece o nosso português.
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