INTRODUÇÃO

 

Os aportes africanos no português brasileiro são incontestáveis. É considerável a contribuição das línguas africanas para a constituição e o desenvolvimento do português do Brasil, assumindo, assim, o português brasileiro certas especificidades em relação ao português falado em Portugal.

No Brasil, mais especificamente no Maranhão, essa contribuição se fez sentir de forma intensa, já que foi marcante a presença africana em povoados constituídos por trabalhadores rurais negros, comunidades remanescentes de quilombos e descendentes africanos inseridos no meio social, principalmente no trabalho doméstico.

Nesse contexto, estão, as afro-religiões, que foram decisivas para a preservação das línguas faladas pelos africanos trazidos para o Estado. Esse aspecto possibilita trabalhos de pesquisa sociolingüística/ dialetológica com o estudo dessas línguas que estão presentes no acervo lexical da comunidade ludovicense.

Assim, este trabalho está voltado para a descrição da realidade lingüístico-cultural da Casa das Minas, buscando, sobremaneira, examinar aspectos importantes sobre a expansão e o dinamismo do léxico de influência africana no falar maranhense, contribuindo, também, para a consecução da vertente Manifestações Culturais de Raízes Africanas no Maranhão, integrante ao projeto ALiMA (Atlas Lingüístico do Maranhão), projeto que propõe fazer um mapeamento da realidade lingüístico-cultural do Estado.

 

1  A CASA DAS MINAS: uma sincronia culto afro-religioso / língua

Segundo Ferretti (1996, p.11); “Casa de mina, ou tambor de mina é a designação popular, no Maranhão, para o local e para o culto de origem africana que em outras regiões do País recebe denominações como candomblé, xangô, batuque, macumba, etc.”

Em São Luís, a Casa das Minas é uma casa de culto afro-religioso fundada por escravos originários do Benim, falantes da Língua Fon, do grupo lingüístico ewe-fon. A Casa, localizada na Rua de São Pantaleão, n. 857, canto com o Beco das Minas, em São Luís, também é chamada Querebentã de Zomadônu. Querebentã, em língua jeje, quer dizer “casa grande” e Zomadônu é o nome da divindade protetora dos seus fundadores e o dono da Casa.

 A Casa das Minas é considerada como uma das mais antigas casas de religião afro-brasileira no Maranhão, devido a sua fundação em meados do século XIX, logo após a chegada de negros escravizados e originários do Benim, antigo Daomé, com a finalidade de cultuar as divindades da família real de Abomey, por meio de Maria Jesuína, Nã Agotimé, a rainha do antigo reino daomeano e primeira dona e chefe da Casa das Minas, mas a época de fundação da Casa se perdeu na memória de seus integrantes.

As integrantes atuais da Casa informam que, antes do atual endereço, ela já havia funcionado à Rua de Sant’Ana, mas que com o crescimento da cidade, se mudaram para o bairro de Madre Deus. Já na década de 1840, negros alforriados adquiriram lotes nessa parte da cidade e construíram ali, o atual prédio da Casa. O terreno possui cerca de 1500m2, sendo que 660m2 são de área construída.

A casa é formada por dois casarões cercados por um muro, possui duas portas e seis janelas que se abrem, diretamente, para a Rua de São Pantaleão. É constituída por inúmeras salas, distribuídas ao longo de uma varanda e um corredor que dá acesso ao terreiro. No interior da casa se encontra o comé, área sagrada, que está sempre fechada e, para transpô-la, há exigências a respeitar-se. Dentro do comé, se encontra o péji, santuário ou altar dos voduns da Casa.

O lugar apropriado para as solenidades que lá se praticam, é o Gume ou terreiro, de chão de terra batida, onde se encontra uma árvore sagrada, a cajazeira, de grande importância para o culto.

A Casa das Minas é uma casa tradicional do tambor de mina onde todo o culto e os rituais são dirigidos aos voduns: “os voduns são entidades que tomam conta das coisas da natureza, das águas, dos ventos, das plantas, das doenças”. (FERRETTI, 1996).

Os voduns cultuados na Casa estão organizados em três famílias distintas: Davice (principal família jeje, a qual pertence Zomadônu), Dambirá (família jeje, cujos membros são hóspedes da família Davice) e Quevioçô (Zomadônu nagô, hóspede da família Davice, cujos integrantes, por pertencerem à outra nação, não se comunicam).

Na Casa são feitas homenagens aos voduns, realizando-se festas, ao som dos instrumentos musicais, cânticos e danças litúrgicas. Os instrumentos utilizados nos cultos são os tambores, denominados runs, as cabaças, denominadas gôs e o ferro, denominado ogã. O ogã é um instrumento de metal, mais conhecido no restante do Brasil como agogô. As festas são regadas a bebidas e quitutes da cozinha africana e apenas podem ser consumidos quando oferecidas aos voduns. Somente após a oferenda às divindades da Casa é que seus integrantes e participantes podem se servir e consumi-los.

O culto religioso da Casa se caracteriza por um estado de transe ou possessão, em que as vodunsis ou filhas-de-santo, são incorporadas por seus respectivos voduns. O contato entre vodunsis e voduns se dá no momento do transe durante os rituais e as festas, motivados sempre pela entoação dos cânticos e toques dos tambores. Um aspecto peculiar da Casa é o fato de constituir-se por integrantes femininas, onde o poder vai se transferindo, sucessivamente, de forma consensual e respeitosa entre elas.

A prática religiosa na Casa não apresenta somente elementos originários dos cultos afros, mas também da religião católica, o que resulta num sincretismo religioso. Durante todo o ano, as vodunsis, a pedido dos voduns, fazem festas de obrigação em homenagem a estes. Tais festas são realizadas nos dias dos santos católicos pelos quais cada vodum tem simpatia.

Como os voduns são devotos dos santos católicos, as festas de obrigação seguem o calendário da religião católica. Dessa forma, atualmente os voduns são homenageados nos seguintes dias, como mostra o quadro abaixo extraído de Ferretti (1996, p. 143) e atualizado para 2002/2003 pelas autoras deste artigo.

 

DATAS

CALENDÁRIO CATÓLICO

CORRESPONDENTE NA CASA DAS MINAS

04/12

Santa Bárbara

Nochê Sobô (entidade da família de Quevioçô)

25/12

Natal

Nochê Naé (entidade da família de Davice)

01/01

Ano Novo

Zomadônu (entidade da família deDavice)

06/01

Dia de Reis

Doçu (entidade da família de Davice)

18/01

Palhinha

- - - -  - - -

19/01

São Lázaro

Tói Acossi (entidade da família de Dambirá)

20/01

São Sebastião/São Roque

Azonce; Azili (entidade da família de Dambirá)

04/03

Semana do carnaval

Torração

05/03

Quarta-feira de cinzas

Arrambam

19/04

Sábado de Aleluia

Nanã (entidade da família de Quevioçô)

25/maio a 10/junho

Ciclo da Festa do Divino Espírito Santo

Jotim (entidade da família de Savaluno)

24/06

São João

Nochê Naé (entidade da família de Davice)

29-30/06

São Pedro/São Marçal

Badé (entidade da família de Quevioçô)

10/agosto

São Benedito

Averequete (entidade da família de Quevioçô)

27/09

São Cosme e Damião

Toçá; Tocé (entidade da família de Davice)

 

Querebentã de Zomadônu se tornou um dos mais antigos terreiros de culto afro-brasileiro e mantém, até hoje, grande parte de suas características originais e de seus rituais sagrados. Devido à necessidade de se garantir a permanência e a preservação dos cultos da Casa, em 26 de abril de 2002 foi aberto o processo de tombamento da Casa das Minas, a pedido da atual chefe da Casa, Dona Deni Prata Jardim. Após algumas análises e exames dos autos, constatou-se que a Casa Grande de Zomadônu atendia aos quesitos e normas de tombamento.

Segundo David Chalub Martins (2002, p.7),

 

(...) a Casa das Minas, por se tratar de um importante foco de resistência da cultura negra no Brasil, não só tem relevância para o Estado do Maranhão, como também, para o país como um todo. Sendo assim sugiro que o terreiro Casa das Minas seja tombado uma vez que seus valores históricos, étnicos e culturais ratificam o caráter multicultural da sociedade brasileira.

 

Aos 17 de agosto de 2002 foi declarado e aprovado, o tombamento da Casa das Minas, nas condições sugeridas pela Procuradoria Jurídica do IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como sendo um dos patrimônios da cultura brasileira.

Todas as integrantes da Casa, juntamente com suas divindades, tentam manter, o máximo possível, as características do culto ao longo das gerações, preservando-se, assim, sua cultura lingüística por meio dos rituais religiosos e toda essa religiosidade praticada refletiu-se, notadamente, na língua.

Uma das concepções de língua, como se sabe, é para a sociedade uma possibilidade de expressão das necessidades humanas de comunicação e de integração social. Neste sentido, a língua é um identificador de grupos, pois, além de representar a comunidade falante, reflete as mudanças sociais e as identidades culturais que compõem a sociedade.

Sabe-se que, no campo da língua, como em qualquer outro, um patrimônio não preservado, não documentado, acabará por ser esquecido, por perder-se na memória dos falantes. Por isso, a recolha e o registro do léxico da Casa das Minas contribuirá para essa preservação e também para ampliar o conhecimento da língua afro-brasileira, em São Luis e, conseqüentemente, no Brasil, pois, como evidencia Castro (2001, p.16),

Como essa linguagem é um documento vivo de línguas africanas que foram faladas no Brasil, um exame lingüístico mais detalhado pode vir a se revelar importante fonte de informações no estudo da dialetologia e da história comparada das línguas africanas, sem esquecer que as importações africanas pelo português revelam, de certa forma, a própria história dos seus antigos falantes.

 

2 LÉXICO, SOCIEDADE E CULTURA

 

Neste trabalho, cultura será considerada como o resultado de padrões de comportamentos e atitudes que caracterizam um grupo humano. Afirma Lyons (1995, p.207) que a cultura pode ser descrita como conhecimento adquirido socialmente, isto é, como o conhecimento que uma pessoa tem em virtude de ser membro de determinada comunidade.

Segundo Câmara Jr. (1972, p.273);

 

A língua é parte da cultura; É, porém, parte autônoma que se opõe ao resto da cultura; Explica-se até certo ponto pela cultura e até certo ponto explica a cultura; Tem não obstante uma individualidade própria que deve ser estudada em si; Apresenta um progresso que é o seu reajustamento incessante com a cultura; É uma estrutura menos nítida, imanente em outros aspectos da cultura.

 

  A língua não serve apenas para transmitir pensamentos, sentimentos, crenças, costumes, serve também para estabelecer contato entre as pessoas,  e, uma vez

 

(...) funcionando na sociedade para a comunicação dos seus membros, a língua depende de tôda a cultura, pois tem de expressá-la a cada momento; é um resultado de uma cultura global. Ora, isso não acontece necessariamente com os outros aspectos da cultura; em cada um deles se refletem os outros (as concepções religiosas na arte, a arte na indústria e assim por diante), mas nenhum deles existe para expressar todos os outros. Assim a língua é uma parte da cultura, mas uma parte que se destaca do todo e com ele se conjuga dicotomicamente. (CÂMARA JUNIOR, 1972).

 

 Deste modo, a língua e a cultura estão intimamente ligadas e, no âmbito da língua, é o léxico que representa o elo entre a língua e a historia cultural da comunidade, ao permitir, ao mesmo tempo, desvelar e sintetizar valores, crenças, hábitos, costumes da comunidade. Desse modo, “no exame de um léxico regional analisa-se e caracteriza-se não apenas a língua, mas também o fato cultural que nela se deixa transparecer”. (ISQUERDO, 2001).

Portanto, para o conhecimento de uma comunidade, faz-se necessário o estudo de sua língua. A visão de mundo de uma comunidade se reflete, principalmente, no seu léxico. Assim compartilhada, contribui, por meio da linguagem, para perpetuar a cultura.

 

3 INFLUÊNCIA  DA LÍNGUA AFRICANA NO PORTUGUÊS FALADO EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO

 

A forma mais representativa da cultura afro na sociedade maranhense se deu por meio da língua, que é o principal veículo de propagação dos valores nos meios afro-religiosos, visto que ao negro escravo (na época da colonização) foi-lhe imposta uma outra língua, a portuguesa, que passou a utilizar para comunicar-se e sobreviver, mas esta não lhe foi ensinada.

Desta forma, o negro passou por um processo de plurilingüismo, devido à concentração do tráfico de escravos negros que foram trazidos de inúmeras regiões da África, cujas línguas para cá transplantadas foram, essencialmente, de duas regiões subsaarianas: África Ocidental  e o domínio banto, constituindo

 

a língua dos escravos no Brasil, uma linguagem própria, mesclada do idioma natal e do português, a que se juntou a contribuição vocabular do indígena, e que, determinou as alterações ainda hoje notadas no fonetismo, no ritmo e na sintaxe de nossa fala popular. (RAYMUNDO, 1933, apud CASTRO, 2001).

 

Assim, os negros africanos, por não conhecerem o léxico da nova língua, denominavam as coisas a sua volta, com termos de sua própria língua. Esse processo ocasionou interferências lexicais na língua portuguesa e como ao negro era tolhida a educação escrita, essas interferências ocorreram de forma mais significativa na língua oral. Com o decorrer do tempo passou-se a usar língua comum a todos, a Língua Portuguesa, já acrescida da contribuição das línguas africanas.

 

A maior parte dos estudos sobre a participação das línguas africanas no português no Brasil menciona, quase exclusivamente, a influência de duas dessas línguas, ioruba (área ocidental) e quimbundo (área banto). É bem verdade que o tráfico promoveu uma relativa seleção de línguas, acentuada pela forma de convivência em solo brasileiro que modificou o estatuto lingüístico de muitas delas que chegaram a tornar-se em algumas regiões, quase línguas gerais como o quimbundo, no século XVII e o iorubá, no século XVIII. (PETTER, M. M. T. Africanismos no português do Brasil).

 

A influência e a utilização de termos africanos na Língua Portuguesa ocorreram na comunidade lingüística de São Luís do Maranhão e são notadas em lexias referentes a comidas, bebidas, roupas, partes do corpo, objetos, nomes de animais. Vejam-se alguns exemplos, os quais foram retirados do livro Falares Africanos na Bahia: um vocabulário Afro-Brasileiro de Yeda Pessoa de Castro.

Acarajé: comida preparada com feijão branco socado, levando quiabo, dendê e pimenta.

Bobó: comida feita de uma variedade de feijão, inhame ou banana da terra com camarão.

Borocoxô:  pessoa envelhecida, fraca, sem coragem

Bumbum/bunda: nádegas, traseiro.

Caçamba: balde presa numa corda para tirar água dos poços; qualquer balde; (p.ext) tipo de veículo usado para a remoção de terra.

Cachaça: aguardente que se obtém mediante a fermentação e destilação do mel ou borras do melaço; qualquer bebida alcoólica.

Cachimbo: pipo de fumar

Chimpanzé: espécie muito conhecida de macaco.

Coque: pancada na cabeça com o nó dos dedos.

Cuíca: instrumento feito com um pequeno barril que tem uma das bocas uma pele bem estirada e em cujo centro está presa uma pequena vara, a qual, a ser manualmente atritada  um pano mochado, faz vibrar o tambor, produzindo um ronco.

Gengibirra: bebida típica maranhense, fermentada e feita com gengibre.

Marimbondo: vespa

Moqueca: guisado de peixe ou de mariscos, podendo também ser feito de galinha, carne, ovos, etc.

Quitanda: pequeno estabelecimento onde se vendem verduras e frutas; tabuleiro em que os vendedores ambulantes expõem a sua mercadoria.

 

4 PALAVRAS USADAS NO CULTO DA CASA DAS MINAS EM SÃO LUÍS DO MARANHÃO

 

A seleção de palavras que se seguem foram extraídas de entrevistas feitas com a chefe da Casa das Minas, Dona Deni Prata Jardim e do livro do antropólogo Sérgio Ferretti, Querebentã de Zomadônu.

Agô – água

Agodôme – toalha

Agoleque e/ou ajopome – bengala

Aguidave – vareta de pau de goiabeira com um nó, usada para tocar tambores.

Aluá – bebida fermentada, feita com gengibre, farinha de milho ou de arroz, mel e açúcar.

Assentamento – árvore ou pedra que recebe a força do vodum e representa a divindade, também conhecido como fundamento.

Benim – Nome atual do ex-Daomé. República do Benim, de onde vieram inúmeros escravos denominados jeje.

Carga – conjunto de coisas para serem despachadas, geralmente coisas de defunto.

Cariru ou caruru – alimento ritual preparado com fubá de arroz, farinha seca, camarão socado, quiabo.

Casa – nome genérico do local de culto no tambor de mina do Maranhão.

Comé – quarto dos santos ou dos segredos. É o santuário onde se encontram os assentamentos das divindades e outros objetos de culto e onde entram apenas os iniciados. Come é o nome de uma cidade do sul da República do Benim, onde teria se originado o culto Quevioçô e a Sobô.

Comida de obrigação – alimento ritual servido aos devotos das divindades em suas festas.

Ferro – instrumento de metal, em forma de campânula cilíndrica achatada, batida também com vareta de metal. É usado para marcar o ritmo nas festas de tambor de mina, e é tocado por uma mulher.

Festa de pagamento – obrigação.

Furá – bebida ritual usada como obrigação no tambor de mina, em algumas cerimônias. É preparada com arroz ou milho e água posta em fermentação, levando gergelim e outros ingredientes.

Guma – varanda de danças ou terreiro, lugar onde se dança o tambor de mina.

Gume – pátio interno, quintal ou jardim onde há várias plantas e árvores, como a cajazeira sagrada da Casa das Minas.

Nochê – minha mãe. Derivado de nô (mãe) e Che (minha)

Nonufon – alimento ritual, que leva dendê, quiabo e sal, servido com galinha e amió.

Noviche – minha irmã, termo de tratamento usado entre filhas-de-santo.

Obrigação – oferenda ritual às divindades, contendo principalmente alimentos.

Péji – 1. quarto dos santos, quarto privado, quarto dos segredos, ou come, em jeje. Lugar onde se localizam rituais reservados, onde se conservam importantes objetos nas casas de culto afro-brasileiro e onde ficam os assentamentos das divindades cultuadas. 2. o altar do terreiro, localizado num quarto privado, à maneira de uma plataforma baixa, sobre a qual se encontram várias pedras, cada uma identificada com uma divindade particular que se acredita esteja nelas “assentadas”. Junto a cada “altar” (assento) estão jarros contendo água, flores e pratos de suas comidas sagradas.

Querebentã – casa do povo de Davice, casa grande, terreiro de Davice. É o nome africano da Casa das Minas, chamado  Querebentã de Zomadonu.

Sobô - vodum feminino, mãe dos voduns da família de Quevioçô. Representa o trovão e adora Santa Bárbara.

Tambor de mina – nome que dão no Maranhão aos cultos de origem africana realizados em casas ou terreiros de mina, e que se assemelham ao candomblés da Bahia ou aos xangôs do Recife.

Terreiro – casa de culto ou local onde se realizam cerimônias religiosas afro-brasileiras.

Toçá – vodum masculino, toquén da família de Davice, gêmeo de Tocé, filhos de Zomadônu.

Toquén – vodum mais novo, que vem na frente, abre os caminhos aos mais velhos, leva e traz os recados. É mensageiro ou guia. Alguns toquéns são meninos e outros adolescentes. Quase todos são da família de Davice. Os voduns novos das famílias de Dambirá e Quevioçô também são considerados toquéns.

Transe mediúnico – estado alterado de consciência ou de dissociação mental, em características variadas, e sujeito a diversas formas de controle cultural.

Vodum – divindade, em jeje, que corresponde a orixá em nagô. Os voduns podem ser velhos, adultos, jovens ou crianças, masculinos ou femininos e agrupam-se em famílias, ou panteons, com características específicas. São considerados como intercessores entre Evovodum, o Deus Superior, e os homens. Incorporam-se durante o transe nas vodunsis ou filhas-de-santo.

Vodúnsi – esposa dos voduns, sacerdotisa, ou filha-de-santo, mulher que recebe um vodum durante o transe.

Zomadônu – vodum masculino adulto da família de Davice, filho de Acoincinacaba. Teve quatro filhos toquéns. É o dono ou o chefe da Casa das Minas. Foi o vodum da fundadora e das primeiras mães. Também chamado de Babanatô, é o que abre as portas. Recebe homenagens em todas as cerimônias da Casa das Minas, sendo festejado a 10 de janeiro. Na mitologia daomeana é considerado o chefe dos tohossus, espíritos infantis dos filhos nascidos anormais na família real.

 

 

5 PALAVRAS USADAS NA CASA DAS MINAS E NA FALA POPULAR LUDOVICENSE

 

O quadro abaixo, elaborado a partir dos estudos de Castro (2001) e Ferretti (1996), apresenta algumas lexias de origem africana  ou que, mesmo não sendo de origem africana, fazem parte do cotidiano das práticas litúrgicas das religiões afro, que são usadas em cultos religiosos na Casa das Minas e que se fazem presentes na fala popular ludovicense.

 

 

AGOGÔ

BANGUELA

BANHO

BATUQUE

CAÇULA

CATRAIO

DENDÊ

CANTIGA

CARURU

DESPACHO

GARAPA

GARRAFADA

GUIA

MINDUBIM

NIGRINHA

QUIABO

TERREIRO

VASILHA

          

A seguir, apresenta-se uma síntese das lexias supracitadas com seus respectivos sentidos.

AGOGÔ-  instrumento de metal, de uma só boca, de uso predominantemente feminino, que marca o rítmo dos tambores.

BANGUELA - desdentado ou quem tem arcada dentaria falha na frente.

BANHO - é usado para diferentes finalidades, como purificação ou como tratamento. Há o de garrafa, o de limpeza, o cru ou o cozido.

BATUQUE- nome genérico para danças negras.

CAÇULA - o mais novo dos filhos ou dos irmãos.

CANTIGA - denominação genérica dos cânticos sagrados afro-brasileiros

CARURU - iguaria feita a base de quiabo cortado, temperado com camarões secos, dendê, cebola e pimenta.

CATRAIO - tipo de galinha pequena que entra no preparo de diversos alimentos rituais.

DENDÊ - óleo vermelho obtido da palmeira dendê, de grande uso na culinária religiosa afro-brasileira.

DESPACHO - oferenda que deve ser colocada fora do terreiro, no mar, na floresta ou numa encruzilhada.

GARAPA – o caldo da cana; quando destinada à destilação; qualquer líquido que se  põe a fermentar para depois ser destilado, bebida refrigerante de mel ou de açúcar com água, a que algumas vezes se adicionam gotas de limão; refresco de qualquer fruta; caldo espumante, refresco.

GARRAFADA - tratamento usado pela medicina popular no Brasil, constante de garrafa contendo aguardente ou álcool, junto com plantas diversas e outros elementos, usado para banhos ou como remédio.

GUIA - 1. a divindade protetora de cada um. 2. espécie de rosário para o pescoço, formado de colares de contas rituais nas cores do santo, geralmente tendo uma conta maior como fecho.

MINDUBIM - 1. amendoim. Na fala popular é usado nesse sentido. 2. mudo. Na Casa das Minas, são os voduns da família de Quevioçô (nagôs) que são hóspedes e surdos-mudos. Diz-se que eles ficaram mudos para não revelar os segredos dos nagôs aos jejes.

NIGRINHA - diminutivo pejorativo e injurioso, aplicado a pessoa de reputação duvidosa.

QUIABO - fruto do quiabeiro, muito utilizado na cozinha cerimonial afro-brasileira.

TERREIRO - local onde se celebram os cultos afro-brasileiros. Espaço aberto, de chão batido.

VASILHA - qualquer recipiente de cerâmica para guardar ou conter alimentos e líquidos.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Este flash do falar da Casa das Minas pretendeu evidenciar a influência dos aportes africanos no falar ludovicense.

Assim, à medida que a pesquisa avança, descobre-se a necessidade de se investigar de forma mais aprofundada os vários aspectos lingüísticos que envolvem essa influência, a fim de ampliar o conhecimento do português brasileiro em sua variante maranhense.

 

REFERÊNCIAS

 

ANDRADE, Maria Margarida de. A linguagem como expressão do pensamento e fator da produção da cultura. In: Reunião Anual da SBPC, 47a., 1995, São Luís. Anais,  conferências, simpósios e mesas redondas, São Luís: Universidade Federal do Maranhão, 1995, p. 207-208.

 

CASTRO, Yeda Pessoa de. Falares africanos na Bahia: um vocabulário afro-brasileiro. Rio de Janeiro: Topbooks, 2001.

 

CÂMARA JUNIOR, Joaquim Mattoso. Língua e cultura. In: ______ Dispersos. Rio de Janeiro: F.G.V, 1972, p. 265-273.

 

FERRETTI, Sergio Figueiredo. Querebentã de Zomadônu: etnografia da Casa das Minas. 2. ed. São Luís: EDUFMA, 1996.

 

____________. Seminário sobre o Tombamento da Casa das Minas. Comissão Maranhense de Folclore, Boletim 24, São Luís, 2002.

 

ISQUERDO, Aparecida Negri. Vocabulário do seringueiro: campo léxico da seringa. In: OLIVEIRA, Ana Maria Pinto Pires de; ISQUERDO, Aparecida Negri. (Org.). As ciências do léxico: lexicologia, lexicografia, terminologia. 2. ed. Campo Grande: Ed. UFMS, 2001, p. 91-100.

 

LYONS, John. Linguagem e lingüística, uma introdução. Rio de Janeiro: Guanabara SA, 1987.