Os
aportes africanos no português brasileiro são incontestáveis. É considerável
a contribuição das línguas africanas para a constituição e o
desenvolvimento do português do Brasil, assumindo, assim, o português
brasileiro certas especificidades em relação ao português falado em Portugal.
No
Brasil, mais especificamente no Maranhão, essa contribuição se fez sentir de
forma intensa, já que foi marcante a presença africana em povoados constituídos
por trabalhadores rurais negros, comunidades remanescentes de quilombos e
descendentes africanos inseridos no meio social, principalmente no trabalho doméstico.
Nesse
contexto, estão, as afro-religiões, que foram decisivas para a preservação
das línguas faladas pelos africanos trazidos para o Estado. Esse aspecto
possibilita trabalhos de pesquisa sociolingüística/ dialetológica com o
estudo dessas línguas que estão presentes no acervo lexical da comunidade
ludovicense.
Assim,
este trabalho está voltado para a descrição da realidade lingüístico-cultural
da Casa das Minas, buscando, sobremaneira, examinar aspectos importantes sobre a
expansão e o dinamismo do léxico de influência africana no falar maranhense,
contribuindo, também, para a consecução da vertente Manifestações
Culturais de Raízes Africanas no Maranhão, integrante ao projeto ALiMA
(Atlas Lingüístico do Maranhão), projeto que propõe fazer um mapeamento da
realidade lingüístico-cultural do Estado.
Segundo
Ferretti (1996, p.11); “Casa de mina, ou tambor de mina é a designação
popular, no Maranhão, para o local e para o culto de origem africana que em
outras regiões do País recebe denominações como candomblé, xangô, batuque,
macumba, etc.”
Em
São Luís, a Casa das Minas é uma casa de culto afro-religioso fundada por
escravos originários do Benim, falantes da Língua Fon, do grupo lingüístico
ewe-fon. A Casa, localizada na Rua de São Pantaleão, n. 857, canto com o Beco
das Minas, em São Luís, também é chamada Querebentã de Zomadônu. Querebentã,
em língua jeje, quer dizer “casa grande” e Zomadônu é o nome da divindade
protetora dos seus fundadores e o dono da Casa.
A
Casa das Minas é considerada como uma das mais antigas casas de religião
afro-brasileira no Maranhão, devido a sua fundação em meados do século XIX,
logo após a chegada de negros escravizados e originários do Benim, antigo Daomé,
com a finalidade de cultuar as divindades da família real de Abomey, por meio
de Maria Jesuína, Nã Agotimé, a rainha do antigo reino daomeano e primeira
dona e chefe da Casa das Minas, mas a época de fundação da Casa se perdeu na
memória de seus integrantes.
As
integrantes atuais da Casa informam que, antes do atual endereço, ela já havia
funcionado à Rua de Sant’Ana, mas que com o crescimento da cidade, se mudaram
para o bairro de Madre Deus. Já na década de 1840, negros alforriados
adquiriram lotes nessa parte da cidade e construíram ali, o atual prédio da
Casa. O terreno possui cerca de 1500m2, sendo que 660m2 são
de área construída.
A
casa é formada por dois casarões cercados por um muro, possui duas portas e
seis janelas que se abrem, diretamente, para a Rua de São Pantaleão. É
constituída por inúmeras salas, distribuídas ao longo de uma varanda e um
corredor que dá acesso ao terreiro. No interior da casa se encontra o comé, área
sagrada, que está sempre fechada e, para transpô-la, há exigências a
respeitar-se. Dentro do comé, se encontra o péji, santuário ou altar dos
voduns da Casa.
O
lugar apropriado para as solenidades que lá se praticam, é o Gume ou terreiro,
de chão de terra batida, onde se encontra uma árvore sagrada, a cajazeira, de
grande importância para o culto.
A
Casa das Minas é uma casa tradicional do tambor de mina onde todo o culto e os
rituais são dirigidos aos voduns: “os voduns são entidades que tomam conta
das coisas da natureza, das águas, dos ventos, das plantas, das doenças”.
(FERRETTI, 1996).
Os
voduns cultuados na Casa estão organizados em três famílias distintas: Davice
(principal família jeje, a qual pertence Zomadônu), Dambirá (família jeje,
cujos membros são hóspedes da família Davice) e Quevioçô (Zomadônu nagô,
hóspede da família Davice, cujos integrantes, por pertencerem à outra nação,
não se comunicam).
Na
Casa são feitas homenagens aos voduns, realizando-se festas, ao som dos
instrumentos musicais, cânticos e danças litúrgicas. Os instrumentos
utilizados nos cultos são os tambores, denominados runs, as cabaças,
denominadas gôs e o ferro, denominado ogã. O ogã é um instrumento de metal,
mais conhecido no restante do Brasil como agogô. As festas são regadas a
bebidas e quitutes da cozinha africana e apenas podem ser consumidos quando
oferecidas aos voduns. Somente após a oferenda às divindades da Casa é que
seus integrantes e participantes podem se servir e consumi-los.
O
culto religioso da Casa se caracteriza por um estado de transe ou possessão, em
que as vodunsis ou filhas-de-santo, são incorporadas por seus respectivos
voduns. O contato entre vodunsis e voduns se dá no momento do transe durante os
rituais e as festas, motivados sempre pela entoação dos cânticos e toques dos
tambores. Um aspecto peculiar da Casa é o fato de constituir-se por integrantes
femininas, onde o poder vai se transferindo, sucessivamente, de forma consensual
e respeitosa entre elas.
A
prática religiosa na Casa não apresenta somente elementos originários dos
cultos afros, mas também da religião católica, o que resulta num sincretismo
religioso. Durante todo o ano, as vodunsis, a pedido dos voduns, fazem festas de
obrigação em homenagem a estes. Tais festas são realizadas nos dias dos
santos católicos pelos quais cada vodum tem simpatia.
Como
os voduns são devotos dos santos católicos, as festas de obrigação seguem o
calendário da religião católica. Dessa forma, atualmente os voduns são
homenageados nos seguintes dias, como mostra o quadro abaixo extraído de
Ferretti (1996, p. 143) e atualizado para 2002/2003 pelas autoras deste artigo.
DATAS |
CALENDÁRIO CATÓLICO |
CORRESPONDENTE NA CASA DAS MINAS |
04/12 |
Santa Bárbara |
Nochê Sobô (entidade da família de Quevioçô) |
25/12 |
Natal |
Nochê Naé (entidade da família de Davice) |
01/01 |
Ano Novo |
Zomadônu (entidade da família deDavice) |
06/01 |
Dia de Reis |
Doçu (entidade da família de Davice) |
18/01 |
Palhinha |
- - - - - - - |
19/01 |
São Lázaro |
Tói Acossi (entidade da família de Dambirá) |
20/01 |
São Sebastião/São Roque |
Azonce; Azili (entidade da família de Dambirá) |
04/03 |
Semana do carnaval |
Torração |
05/03 |
Quarta-feira de cinzas |
Arrambam |
19/04 |
Sábado de Aleluia |
Nanã (entidade da família de Quevioçô) |
25/maio a 10/junho |
Ciclo da Festa do Divino Espírito Santo |
Jotim (entidade da família de Savaluno) |
24/06 |
São João |
Nochê Naé (entidade da família de Davice) |
29-30/06 |
São Pedro/São Marçal |
Badé (entidade da família de Quevioçô) |
10/agosto |
São Benedito |
Averequete (entidade da família de Quevioçô) |
27/09 |
São Cosme e Damião |
Toçá; Tocé (entidade da família de Davice) |
Querebentã
de Zomadônu se tornou um dos mais antigos terreiros de culto afro-brasileiro e
mantém, até hoje, grande parte de suas características originais e de seus
rituais sagrados. Devido à necessidade de se garantir a permanência e a
preservação dos cultos da Casa, em 26 de abril de 2002 foi aberto o processo
de tombamento da Casa das Minas, a pedido da atual chefe da Casa, Dona Deni
Prata Jardim. Após algumas análises e exames dos autos, constatou-se que a
Casa Grande de Zomadônu atendia aos quesitos e normas de tombamento.
Segundo
David Chalub Martins (2002, p.7),
(...)
a Casa das Minas, por se tratar de um importante foco de resistência da cultura
negra no Brasil, não só tem relevância para o Estado do Maranhão, como também,
para o país como um todo. Sendo assim sugiro que o terreiro Casa das Minas seja
tombado uma vez que seus valores históricos, étnicos e culturais ratificam o
caráter multicultural da sociedade brasileira.
Aos
17 de agosto de 2002 foi declarado e aprovado, o tombamento da Casa das Minas,
nas condições sugeridas pela Procuradoria Jurídica do IPHAN (Instituto do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como sendo um dos patrimônios da
cultura brasileira.
Todas
as integrantes da Casa, juntamente com suas divindades, tentam manter, o máximo
possível, as características do culto ao longo das gerações, preservando-se,
assim, sua cultura lingüística por meio dos rituais religiosos e toda essa
religiosidade praticada refletiu-se, notadamente, na língua.
Uma
das concepções de língua, como se sabe, é para a sociedade uma possibilidade
de expressão das necessidades humanas de comunicação e de integração
social. Neste sentido, a língua é um identificador de grupos, pois, além de
representar a comunidade falante, reflete as mudanças sociais e as identidades
culturais que compõem a sociedade.
Sabe-se
que, no campo da língua, como em qualquer outro, um patrimônio não
preservado, não documentado, acabará por ser esquecido, por perder-se na memória
dos falantes. Por isso, a recolha e o registro do léxico da Casa das Minas
contribuirá para essa preservação e também para ampliar o conhecimento da língua
afro-brasileira, em São Luis e, conseqüentemente, no Brasil, pois, como
evidencia Castro (2001, p.16),
Como
essa linguagem é um documento vivo de línguas africanas que foram faladas no
Brasil, um exame lingüístico mais detalhado pode vir a se revelar importante
fonte de informações no estudo da dialetologia e da história comparada das línguas
africanas, sem esquecer que as importações africanas pelo português revelam,
de certa forma, a própria história dos seus antigos falantes.
Neste trabalho, cultura será considerada como o resultado de padrões de comportamentos e atitudes que caracterizam um grupo humano. Afirma Lyons (1995, p.207) que “a cultura pode ser descrita como conhecimento adquirido socialmente, isto é, como o conhecimento que uma pessoa tem em virtude de ser membro de determinada comunidade”.
Segundo
Câmara Jr. (1972, p.273);
A língua é parte da cultura; É, porém, parte autônoma que se opõe ao resto da cultura; Explica-se até certo ponto pela cultura e até certo ponto explica a cultura; Tem não obstante uma individualidade própria que deve ser estudada em si; Apresenta um progresso que é o seu reajustamento incessante com a cultura; É uma estrutura menos nítida, imanente em outros aspectos da cultura.
A língua não serve apenas para transmitir pensamentos,
sentimentos, crenças, costumes, serve também para estabelecer contato entre as
pessoas, e, uma vez
(...) funcionando na sociedade para a comunicação dos seus membros, a língua depende de tôda a cultura, pois tem de expressá-la a cada momento; é um resultado de uma cultura global. Ora, isso não acontece necessariamente com os outros aspectos da cultura; em cada um deles se refletem os outros (as concepções religiosas na arte, a arte na indústria e assim por diante), mas nenhum deles existe para expressar todos os outros. Assim a língua é uma parte da cultura, mas uma parte que se destaca do todo e com ele se conjuga dicotomicamente. (CÂMARA JUNIOR, 1972).
Deste modo, a língua e a cultura estão intimamente ligadas
e, no âmbito da língua, é o léxico que representa o elo entre a língua e a
historia cultural da comunidade, ao permitir, ao mesmo tempo, desvelar e
sintetizar valores, crenças, hábitos, costumes da comunidade. Desse modo,
“no exame de um léxico regional analisa-se e caracteriza-se não apenas a língua,
mas também o fato cultural que nela se deixa transparecer”. (ISQUERDO, 2001).
Portanto,
para o conhecimento de uma comunidade, faz-se necessário o estudo de sua língua.
A visão de mundo de uma comunidade se reflete, principalmente, no seu léxico.
Assim compartilhada, contribui, por meio da linguagem, para perpetuar a cultura.
A
forma mais representativa da cultura afro na sociedade maranhense se deu por
meio da língua, que é o principal veículo de propagação dos valores nos
meios afro-religiosos, visto que ao negro escravo (na época da colonização)
foi-lhe imposta uma outra língua, a portuguesa, que passou a utilizar para
comunicar-se e sobreviver, mas esta não lhe foi ensinada.
Desta
forma, o negro passou por um processo de plurilingüismo, devido à concentração
do tráfico de escravos negros que foram trazidos de inúmeras regiões da África,
cujas línguas para cá transplantadas foram, essencialmente, de duas regiões
subsaarianas: África Ocidental e o
domínio banto, constituindo
a
língua dos escravos no Brasil, uma linguagem própria, mesclada do idioma natal
e do português, a que se juntou a contribuição vocabular do indígena, e que,
determinou as alterações ainda hoje notadas no fonetismo, no ritmo e na
sintaxe de nossa fala popular. (RAYMUNDO, 1933, apud CASTRO, 2001).
Assim,
os negros africanos, por não conhecerem o léxico da nova língua, denominavam
as coisas a sua volta, com termos de sua própria língua. Esse processo
ocasionou interferências lexicais na língua portuguesa e como ao negro era
tolhida a educação escrita, essas interferências ocorreram de forma mais
significativa na língua oral. Com o decorrer do tempo passou-se a usar língua
comum a todos, a Língua Portuguesa, já acrescida da contribuição das línguas
africanas.
A
maior parte dos estudos sobre a participação das línguas africanas no português
no Brasil menciona, quase exclusivamente, a influência de duas dessas línguas,
ioruba (área ocidental) e quimbundo (área banto). É bem verdade que o tráfico
promoveu uma relativa seleção de línguas, acentuada pela forma de convivência
em solo brasileiro que modificou o estatuto lingüístico de muitas delas que
chegaram a tornar-se em algumas regiões, quase línguas gerais como o
quimbundo, no século XVII e o iorubá, no século XVIII. (PETTER, M. M. T.
Africanismos no português do Brasil).
A
influência e a utilização de termos africanos na Língua Portuguesa ocorreram
na comunidade lingüística de São Luís do Maranhão e são notadas em lexias
referentes a comidas, bebidas, roupas, partes do corpo, objetos, nomes de
animais. Vejam-se alguns exemplos, os quais foram retirados do livro Falares
Africanos na Bahia: um vocabulário Afro-Brasileiro de Yeda Pessoa de Castro.
Acarajé:
comida preparada com feijão branco socado, levando quiabo, dendê e pimenta.
Bobó:
comida feita de uma variedade de feijão, inhame ou banana da terra com camarão.
Borocoxô: pessoa envelhecida, fraca, sem coragem
Bumbum/bunda:
nádegas, traseiro.
Caçamba:
balde presa numa corda para tirar água dos poços; qualquer balde; (p.ext) tipo
de veículo usado para a remoção de terra.
Cachaça:
aguardente que se obtém mediante a fermentação e destilação do mel ou
borras do melaço; qualquer bebida alcoólica.
Cachimbo:
pipo de fumar
Chimpanzé:
espécie muito conhecida de macaco.
Coque:
pancada na cabeça com o nó dos dedos.
Cuíca:
instrumento feito com um pequeno barril que tem uma das bocas uma pele bem
estirada e em cujo centro está presa uma pequena vara, a qual, a ser
manualmente atritada um pano
mochado, faz vibrar o tambor, produzindo um ronco.
Gengibirra:
bebida típica maranhense, fermentada e feita com gengibre.
Marimbondo:
vespa
Moqueca:
guisado de peixe ou de mariscos, podendo também ser feito de galinha, carne,
ovos, etc.
Quitanda:
pequeno estabelecimento onde se vendem verduras e frutas; tabuleiro em que os
vendedores ambulantes expõem a sua mercadoria.
A seleção de palavras que se seguem foram extraídas de entrevistas feitas com a chefe da Casa das Minas, Dona Deni Prata Jardim e do livro do antropólogo Sérgio Ferretti, Querebentã de Zomadônu.
Agô
– água
Agodôme
– toalha
Agoleque
e/ou ajopome – bengala
Aguidave
– vareta de pau de goiabeira com um nó, usada para tocar tambores.
Aluá
– bebida fermentada, feita com gengibre, farinha de milho ou de arroz, mel e açúcar.
Assentamento
– árvore ou pedra que recebe a força do vodum e representa a divindade, também
conhecido como fundamento.
Benim
– Nome atual do ex-Daomé. República do Benim, de onde vieram inúmeros
escravos denominados jeje.
Carga
– conjunto de coisas para serem despachadas, geralmente coisas de defunto.
Cariru
ou caruru – alimento ritual preparado com fubá de arroz, farinha seca, camarão
socado, quiabo.
Casa
– nome genérico do local de culto no tambor de mina do Maranhão.
Comé
– quarto dos santos ou dos segredos. É o santuário onde se encontram os
assentamentos das divindades e outros objetos de culto e onde entram apenas os
iniciados. Come é o nome de uma cidade do sul da República do Benim, onde
teria se originado o culto Quevioçô e a Sobô.
Comida
de obrigação – alimento ritual servido aos devotos das divindades em suas
festas.
Ferro
– instrumento de metal, em forma de campânula cilíndrica achatada, batida
também com vareta de metal. É usado para marcar o ritmo nas festas de tambor
de mina, e é tocado por uma mulher.
Festa
de pagamento – obrigação.
Furá
– bebida ritual usada como obrigação no tambor de mina, em algumas cerimônias.
É preparada com arroz ou milho e água posta em fermentação, levando gergelim
e outros ingredientes.
Guma
– varanda de danças ou terreiro, lugar onde se dança o tambor de mina.
Gume
– pátio interno, quintal ou jardim onde há várias plantas e árvores, como
a cajazeira sagrada da Casa das Minas.
Nochê
– minha mãe. Derivado de nô (mãe) e Che (minha)
Nonufon
– alimento ritual, que leva dendê, quiabo e sal, servido com galinha e amió.
Noviche
– minha irmã, termo de tratamento usado entre filhas-de-santo.
Obrigação
– oferenda ritual às divindades, contendo principalmente alimentos.
Péji
– 1. quarto dos santos, quarto privado, quarto dos segredos, ou come, em jeje.
Lugar onde se localizam rituais reservados, onde se conservam importantes
objetos nas casas de culto afro-brasileiro e onde ficam os assentamentos das
divindades cultuadas. 2. o altar do terreiro, localizado num quarto privado, à
maneira de uma plataforma baixa, sobre a qual se encontram várias pedras, cada
uma identificada com uma divindade particular que se acredita esteja nelas
“assentadas”. Junto a cada “altar” (assento) estão jarros contendo água,
flores e pratos de suas comidas sagradas.
Querebentã
– casa do povo de Davice, casa grande, terreiro de Davice. É o nome africano
da Casa das Minas, chamado Querebentã
de Zomadonu.
Sobô
- vodum feminino, mãe dos voduns da família de Quevioçô. Representa o trovão
e adora Santa Bárbara.
Tambor
de mina – nome que dão no Maranhão aos cultos de origem africana realizados
em casas ou terreiros de mina, e que se assemelham ao candomblés da Bahia ou
aos xangôs do Recife.
Terreiro
– casa de culto ou local onde se realizam cerimônias religiosas
afro-brasileiras.
Toçá
– vodum masculino, toquén da família de Davice, gêmeo de Tocé, filhos de
Zomadônu.
Toquén
– vodum mais novo, que vem na frente, abre os caminhos aos mais velhos, leva e
traz os recados. É mensageiro ou guia. Alguns toquéns são meninos e outros
adolescentes. Quase todos são da família de Davice. Os voduns novos das famílias
de Dambirá e Quevioçô também são considerados toquéns.
Transe
mediúnico – estado alterado de consciência ou de dissociação mental, em
características variadas, e sujeito a diversas formas de controle cultural.
Vodum
– divindade, em jeje, que corresponde a orixá em nagô. Os voduns podem ser
velhos, adultos, jovens ou crianças, masculinos ou femininos e agrupam-se em
famílias, ou panteons, com características específicas. São considerados
como intercessores entre Evovodum, o Deus Superior, e os homens. Incorporam-se
durante o transe nas vodunsis ou filhas-de-santo.
Vodúnsi
– esposa dos voduns, sacerdotisa, ou filha-de-santo, mulher que recebe um
vodum durante o transe.
Zomadônu
– vodum masculino adulto da família de Davice, filho de Acoincinacaba. Teve
quatro filhos toquéns. É o dono ou o chefe da Casa das Minas. Foi o vodum da
fundadora e das primeiras mães. Também chamado de Babanatô, é o que abre as
portas. Recebe homenagens em todas as cerimônias da Casa das Minas, sendo
festejado a 10 de janeiro. Na mitologia daomeana é considerado o chefe dos
tohossus, espíritos infantis dos filhos nascidos anormais na família real.
O quadro abaixo, elaborado a partir dos estudos de Castro (2001) e Ferretti (1996), apresenta algumas lexias de origem africana ou que, mesmo não sendo de origem africana, fazem parte do cotidiano das práticas litúrgicas das religiões afro, que são usadas em cultos religiosos na Casa das Minas e que se fazem presentes na fala popular ludovicense.
AGOGÔ |
BANGUELA |
BANHO |
BATUQUE |
CAÇULA |
CATRAIO |
DENDÊ |
CANTIGA |
CARURU |
DESPACHO |
GARAPA |
GARRAFADA |
GUIA |
MINDUBIM |
NIGRINHA |
QUIABO |
TERREIRO |
VASILHA |
A
seguir, apresenta-se uma síntese das lexias supracitadas com seus respectivos
sentidos.
AGOGÔ-
instrumento de metal, de uma só boca, de uso predominantemente
feminino, que marca o rítmo dos tambores.
BANGUELA
- desdentado ou quem tem arcada dentaria falha na frente.
BANHO
- é usado para diferentes finalidades, como purificação ou como
tratamento. Há o de garrafa, o de limpeza, o cru ou o cozido.
BATUQUE-
nome genérico para danças negras.
CAÇULA
- o mais novo dos filhos ou dos irmãos.
CANTIGA
- denominação genérica dos cânticos sagrados afro-brasileiros
CARURU
- iguaria feita a base de quiabo cortado, temperado com camarões secos,
dendê, cebola e pimenta.
CATRAIO
- tipo de galinha pequena que entra no preparo de diversos alimentos
rituais.
DESPACHO
- oferenda que deve ser colocada fora do terreiro, no mar, na floresta ou
numa encruzilhada.
GARAPA
– o caldo da cana; quando destinada à destilação; qualquer líquido que
se põe a fermentar para depois ser
destilado, bebida refrigerante de mel ou de açúcar com água, a que algumas
vezes se adicionam gotas de limão; refresco de qualquer fruta; caldo espumante,
refresco.
GARRAFADA
- tratamento usado pela medicina popular no Brasil, constante de garrafa
contendo aguardente ou álcool, junto com plantas diversas e outros elementos,
usado para banhos ou como remédio.
MINDUBIM
- 1. amendoim. Na fala popular é usado nesse sentido. 2. mudo. Na Casa das
Minas, são os voduns da família de Quevioçô (nagôs) que são hóspedes e
surdos-mudos. Diz-se que eles ficaram mudos para não revelar os segredos dos
nagôs aos jejes.
NIGRINHA
- diminutivo pejorativo e injurioso, aplicado a pessoa de reputação
duvidosa.
QUIABO
- fruto do quiabeiro, muito utilizado na cozinha cerimonial afro-brasileira.
Este
flash do falar da Casa das Minas pretendeu evidenciar a influência dos
aportes africanos no falar ludovicense.
Assim,
à medida que a pesquisa avança, descobre-se a necessidade de se investigar de
forma mais aprofundada os vários aspectos lingüísticos que envolvem essa
influência, a fim de ampliar o conhecimento do português brasileiro em sua
variante maranhense.
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produção da cultura. In: Reunião Anual da SBPC, 47a., 1995, São
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simpósios e mesas redondas, São Luís: Universidade Federal do Maranhão,
1995, p. 207-208.
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