INTRODUÇÃO

Neste trabalho, discutimos, sucintamente, as relações semânticas de polissemia e homonímia em palavras heterossemânticas do Português e do Espanhol, através de uma análise histórico-comparativa, verificando a sua etimologia e os seus sentidos primário e secundário. Para isso, retomamos e discutimos o problema da diferenciação entre polissemia e homonímia em Ullmann, (1964), assim como em Olano (1996), Ilari (2002) e Lyons (1977/1988). Também outros conceitos implícitos, como deslocamento de sentido, causa de mudança de sentido, arbitrariedade e mutabilidade/imutabilidade do signo lingüístico, são considerados.

Polissemia e homonímia são relações semânticas na linguagem. São fenômenos lingüísticos de origens diferentes e, embora distintos entre si, contribuem para a ambigüidade lexical. Convém salientar, contudo, que nossa preocupação neste trabalho não se restringe, especificamente, à relação destes com a ambigüidade lexical em uma ou nas línguas que focalizamos, mas se estende a verificar como tais fenômenos lingüísticos contribuem para uma análise das relações de sentidos em palavras heterossemânticas do Português (P) e do Espanhol (E).

 

1. DEFINIÇÕES

Seria, seguramente, incabível citarmos aqui as várias definições dadas por lingüistas a respeito de polissemia e homonímia. Primeiramente porque os próprios termos apontam para critérios diversos para distingui-los e defini-los. Em segundo lugar, os diferentes critérios de análise, propostos ao longo dos estudos lingüísticos, são, algumas vezes, precários, díspares e até insatisfatórios para diferenciá-los, ou seja, nem sempre há uma separação clara entre ambos os termos, ou tais critérios não satisfazem os objetivos propostos, embora a preocupação da maioria seja, provavelmente, a mesma – a ambigüidade lexical.  Como o próprio Lyons (1988, p.550) diz, a diferença entre a homonímia e a polissemia é mais fácil de se explicar em termos gerais do que de se definir com base em critérios objetivos e operacionalmente satisfatórios. Contudo convém destacar algumas definições e um dos critérios que contribuirão para nossas análises.

Para Ullmann (apud Marques, 2001, p.65), os significados diferentes são expressos por um mesmo nome, na homonímia; e os matizes diversos de um mesmo sentido básico de um nome caracterizam a polissemia. Dessa forma, diríamos que a polissemia é: poli = vários + semia = significados, isto é, envolve o significado e a sua multiplicidade. A homonímia: homo = semelhante, igual + nímia < nomen = nome, envolvendo os significantes e a sua identidade.

Segundo Lyons (1977, p.27), numa definição comum do termo, homônimos são palavras ou lexemas que têm a mesma forma, mas diferem no significado, e não apenas por terem significados diferentes, mas por serem completamente estranhos um ao outro é que são homônimos.

Ilari (2002, p.103; 152) diz que a homonímia é um fator potencial de ambigüidade de nossos textos, e que tais palavras são aquelas que se pronunciam da mesma maneira, mas têm significados distintos e são percebidos como diferentes pelos falantes da língua. Para a polissemia, o mesmo diz que as formas lingüísticas admitem extensões de sentido, e que esta caracteriza-se pelos diferentes sentidos de uma mesma palavra, percebidos como extensões de um sentido básico.

Resumimos, contudo, tais definições, acrescentando com Marques (2001, p.65), que um dos critérios para a definição de homonímia é a de um mesmo nome com sentidos diferentes, porque, na sua origem, os diversos sentidos se prendem a segmentos fônicos diferentes, que evoluíram para formas sonoras idênticas, mantendo-se distintos os sentidos originais. Teríamos, então, uma convergência fonética de formas/significantes distantes para uma mesma forma ou significante. A existência de um traço comum de significado entre sentidos diversos, por outro lado, de uma mesma palavra caracteriza a polissemia. Há, portanto, em determinada palavra ou lexema um significado básico, e deste significado se desenvolvem outros sentidos para a palavra ou lexema, a partir dos quais pode-se identificar os fatores de mudanças ou deslocamento de sentido. Acrescentamos ainda que entre os sentidos polissêmicos de uma mesma palavra podemos encontrar oposição homonímica com relação a outros sentidos, numa mesma língua.

 

2. CRITÉRIO HISTÓRICO-ETIMOLÓGICO

À necessidade de se diferenciar polissemia e homonímia, junta-se também à necessidade de se conhecer e escolher critérios para um tratamento adequado na descrição lingüística, como também no tratamento lexicográfico das unidades lexicais das línguas. Embora as críticas à consideração do critério histórico-etimológico para a distinção entre polissemia e homonímia sejam recorrentes em lingüistas como Ullmann, Lyons, Todorov, estes e outros manifestam a sua possibilidade e necessidade sob critérios de análise lingüística diacrônico, da mesma forma que não há também unanimidade sob o ponto de vista sincrônico entre os lingüistas.

Lyons (1988, p.550-551), especifica que o critério histórico-etimológico costuma ser aplicado pelos lexicógrafos, embora também o apliquem determinados autores e lingüistas. Segundo ele, é geralmente considerada uma condição suficiente, embora não necessária de homonímia, que os lexemas em questão devam ser conhecidos como tendo-se desenvolvido a partir do que eram lexemas formalmente distintos em algum estágio anterior da língua.

Segundo Olano (1996, p.186), encontram-se nesta mesma linha A. R. Fernández González et alii (1988) e A. Quilis (1981), os quais, baseando-se no critério histórico-etimilógico recorrem à diacronia para distinguir palavras polissêmicas e homônimas. Este último estabelece como causa principal da homonímia a evolução fonética convergente de palavras distintas procedentes de um período anterior. Ullmann (1964, p.365, 366) também admite que a convergência fonética é um dos processos mais comuns pelos quais pode surgir a homonímia, visto que, sob a influência das mudanças fonéticas vulgares, duas ou mais palavras que tiveram outrora formas diferentes coincidem na linguagem falada, e muitas vezes também na escrita.

 

3. ARBITRARIEDADE E MOTIVAÇÃO

Para Saussure (1922), o signo lingüístico une um conceito e uma imagem acústica, e não uma coisa e uma palavra. Nessa perspectiva, o signo lingüístico é, portanto, uma entidade psíquica de duas faces, ou seja, a combinação do conceito (significado) e da imagem acústica (significante). Além disso, para Saussure (1922), o signo lingüístico possui dois princípios característicos: 1) A arbitrariedade do signo. O signo lingüístico é arbitrário, pois o laço que une o significante ao significado é arbitrário. Arbitrário não no sentido de que o significado dependa da livre escolha do que fala, mas no sentido de que o significante é imotivado, ou seja, arbitrário em relação ao significado, com quem não tem nenhum laço natural na realidade. A prova disso é a diferença entre as línguas e a existência de línguas diferentes. 2) Mutabilidade do signo. O signo lingüístico se altera porque se continua. A Alteração pode se dar em termos de transformações fonéticas sofridas pelo significante, ou de transformações de sentido que afetam o conceito significado. Porém, sejam quais forem os fatores dessa alteração, ocorrerá sempre um deslocamento da relação entre o significante e o significado. Tanto a imagem acústica como o conceito mudam, ou evoluem, sob a influência de qualquer agente que provoque um deslocamento em sua relação.

Segundo Saussure (1922), a língua é incapaz de se defender dos fatores que deslocam a relação entre o significante e o significado a cada minuto, sendo esta uma das conseqüências da arbitrariedade do signo lingüístico. Ou seja, se o signo não fosse arbitrário, para cada significante corresponderia sempre e somente um significado. Temos então que a arbitrariedade do signo facilita a mutabilidade da língua.

Cabe-nos aqui, também, mencionar algumas concepções e acréscimos de outros lingüistas a estas noções e princípios fundamentais da teoria lingüística saussureana, que, embora aceita pela grande maioria dos lingüistas, é por vezes criticada.

Lyons (1977, p.88), por exemplo, reconhece que embora nem todos os lingüistas aceitem a noção saussureana do signo lingüístico – um dos princípios básicos de toda a sua teoria – todos concordam que a união entre uma palavra e aquilo que ela representa é, normalmente ou com poucas exceções, arbitrária.

Ullmann (1964, p.168-194) afirma que todas as línguas contêm palavras arbitrárias e opacas, e outras que, pelo menos em certo grau, são motivadas e transparentes, e comenta os três tipos de motivação: fonética, morfológica e semântica. Esta última, caracteriza-se pelas expressões figuradas da linguagem, as quais podem manifestar-se por processos metafóricos ou metonímicos.  Retomando Saussure, Guiraud (1975, p.33) afirma que o signo lingüístico é a ‘associação’ de uma “forma acústica” (significante) ou nome, e um conceito (significado), ou sentido, ou seja, é a união de duas imagens mentais. A associação significante (forma acústica)/ significado (conceito) é convencional, pois resulta de um acordo entre os usuários da língua. Porém, a palavra, em sua origem, é sempre motivada, seja pela relação natural entre a forma acústica e a coisa significada, como as onomatopéias, as exclamações, seja pela relação intralingüística entre as palavras no interior da língua, como as de ordem morfológica (derivação, composição), ou as de ordem semântica (mudanças de sentido). Para Guiraud (1975), então, o signo lingüístico é convencional, pois o sentido das palavras origina-se, sempre e em qualquer circunstância, de um acordo entre os falantes. Há, portanto, uma substituição do arbitrário pelo convencional. Caso contrário, ele é motivado.

A discussão sobre a arbitrariedade e motivação do signo lingüístico, leva a duas outras discussões posteriores: A primeira é sobre sentido e relação e a segunda sobre criação e evolução semântica.

 

4. SENTIDO E RELAÇÃO

De acordo com Guiraud (1975, p.32), as palavras não têm sentido, têm apenas empregos. O sentido, do modo como ocorre no discurso, depende das relações da palavra com o contexto e essas relações são determinadas pela estrutura do sistema lingüístico. Portanto, os sentidos de cada palavra são definidos pelo conjunto dessas relações, e não por uma imagem da qual seria ele o portador. O estado da língua é que determina os valores da palavra, valores estes que são as possibilidades de relação que definem um campo de emprego no discurso. Nessa perspectiva, a língua é um sistema de signos utilizado para a comunicação das idéias, evocando no espírito do receptor as imagens conceituais das coisas formadas em nosso próprio espírito. A palavra não transmite a coisa, mas a imagem da coisa.

 

5. CRIAÇÃO E EVOLUÇÃO SEMÂNTICA

As palavras são criações do homem, e têm sua vida própria, nós as criamos e elas se criam. (Guiraud, 1975, p.40-42). Assim, existe uma criação consciente e uma evolução espontânea da linguagem. O homem cria palavras para dar nome às coisas, seja porque estas ainda não os possuam, seja porque os nomes que estas têm não realizam mais eficazmente a sua função.  Toda criação verbal é sempre motivada (op. cit.), pois se baseia em associações extraconvencionais, associação natural entre o significante e o significado e associações internas.  Criada a palavra, ou por transferência de sentido ou por qualquer outro modo, o seu sentido pode, espontaneamente, evoluir, o que acontece na maioria dos casos. Para isso, é suficiente que uma palavra se desenvolva e invada o sentido e termine alterando-o, abafando-o, e por fim substituindo-o.

O sentido das palavras resulta de um duplo processo: a nominação e a evolução espontânea ou deslocamento dos valores de sentido. Ambos são complementares e interdependentes, mas distinguíveis. A nominação é um ato criador e consciente de origem individual e ao mesmo tempo descontínuo; um indivíduo cria uma palavra e esta assume instantaneamente sua função através de uma convenção coletiva. Ao contrário do deslocamento, que é inconsciente e progressivo, há um acordo coletivo, mas este não é explícito, ou seja, o novo sentido se impõe pouco a pouco, até o dicionário aceitá-lo. Existe, portanto, uma criação individual, motivada, consciente e descontínua de um lado, e uma disseminação coletiva, inconsciente e progressiva de outro.

Ullmann (1964, p.401-438) observa que pode haver transferência do nome ou do sentido, e que isso se dá por similaridade ou por contigüidade dos nomes ou dos sentidos. A transferência do nome pode ser por similaridade entre os sentidos. A transferência do sentido, da mesma forma, pode ser por similaridade entre os nomes ou por contigüidade entre os nomes. Ainda segundo este autor, as mudanças de significado podem ser provocadas por causas infinitamente múltiplas, mas que, apesar da complexidade, é possível distinguir várias causas principais que respondem por uma larga proporção de mudanças semânticas, que podem ser as seguintes: a) Causas históricas – mudanças nas ciências, nas técnicas, nas instituições e nos costumes acarretam uma mudança de coisas sem mudança do nome, atingindo indiretamente o sistema da língua; b) Causas lingüísticas – mudanças devido a causas fonéticas, morfológicas ou sintáticas, como contágio, etimologia popular, conflitos homonímicos e elipse; c) Causas sociais – ‘empréstimos sociais’, deslocamento da área social da palavra, especialização ou generalização; d) Causas psicológicas – busca da expressividade, tabus, eufemismo, força emotiva.

 

6. OBSERVANDO ALGUNS HETEROSSEMÂNTICOS

Os pares de palavras que apresentamos e analisamos a seguir são exemplos de heterossemânticos na interface do Português com o Espanhol e ilustram a discussão que vimos fazendo. 

 

6.1. ABATE

Abate (E): variante de “abad”, de influência italiana ou francesa. De abad, 1107, este do lat. abbas, abbatis, e este do aramaico abba ‘padre’, passando pelo grego.

Abate (P): do lat. tardio abbat(u)ere, do séc. VI, como também abbatere. Derivado regressivo de abater (vb) ‘derrubar, prostrar, fazer cair por terra”, séc. XIV.

  1. Clérigos com ordens menores.

  2. Espanholização do nome dado aos clérigos na França e na Itália.

  3. Presbítero estrangeiro, francês ou italiano, ou eclesiástico espanhol que residiu muito tempo na França ou Itália.

  4. Clérigo do séc. XVIII frívolo e cortesão.

  1. Ato ou efeito de abater.

  2. Qualquer processo de matança de animais (reses, aves etc.) destinados ao consumo.

  3. Desconto ou redução de preço; abatimento.

  4. Corte ou derrubada de árvores.

Exemplos:

Conversábamos mucho, mientras esperábamos el abate. (1)

O rapaz abate aves. (2)

O abate (do gado) demorou cerca de três horas. (2)

 

 

 

O par abate em P e E é heterossemântico, já que possui sentidos completamente diferentes, apesar de os lexemas apresentarem a mesma forma fonética. Quanto à etimologia sugerida, ambos provêm de raízes latinas diferentes, como observamos acima. Temos, portanto, duas palavras que, durante o seu processo evolutivo, tornaram-se foneticamente semelhantes.

As mudanças de sons, nos dois casos, levaram a convergência de formas no estágio atual das línguas. Ou seja, os lexemas abate/abate representam a convergência fônica de palavras de raízes etimológicas diferentes, o que ocasionou um par homônimo entre as línguas. Portanto, a condição suficiente para classificá-las como homônimas é o reconhecimento de que os lexemas em questão tenham partido de dois lexemas distintos, em alguma etapa anterior da língua ou das línguas, que convergiram para formas foneticamente semelhantes. (Olano, 1996, p.85).  

 

6.2. ACEITE 

Aceite (E): do ár. az –zait, o suco da oliva.

   Aceite (P): deverbal de aceitar, 1813. Este do lat. acceptare, séc. XIV, ‘consentir em receber, estar de acordo’.

  1. Líquido graxo de cor verde amarelado que se extrai da azeitona.

  2. Graxa líquida que se obtém de outros frutos, sementes e de alguns animais. (p. ext.).

  3. Líquido formado na natureza, como o petróleo.

  4. Usado para dizer que algo é excessivamente caro. (loc. fam.).

  5. Loc. fr. fig.: jogar lenha na fogueira.

 

  1. Ato de aceitar determinados títulos de créditos.

  2. Assinatura aposta nesses títulos, obrigando o aceitante a pagar. (p. met.).

  3. O próprio título de crédito. (p. met. ou ext.).

  4. [De aceito]. M. q. Aceito. (P. us. no Brasil; Reg. Port.; Adj. 2g.)

 

   Exemplos:

Siempre hecho aceite de oliva en la ensalada. (Señas, 2001, 14). (1)

Hay cuatro productos del campo español – el aceite, las naranjas, el arroz y             los plátanos – que gozan de universal renombre. (Mangold y Tejedor, in Leal, 1997, 16). (1)

El aceite de ricino tiene un sabor desagradable. (idem). (2)

El motor necesita lubrificarse con aceite. (idem). (3)

Ese modelo es caro como el aceite de Aparicio. (DRAE, 1996, 21). (4)

A esa mujer le gusta echar aceite al fuego, o en el fuego. (idem). (5)

É provável que ele não aceite esta proposta. (1)

Jactou-se de não ter sequer um título a pagar. Nada de endossos nem aceites. (Otávio Issa, Os Inquietos, p. 8, in Aurélio, 1986, 85). (2)

Decidi que devia sacrificar a minha coragem a estas abusões hierárquicas geralmente aceites, e saltei fora.. (Ramalho Ortigão, Primeiras Prosas, p. 167, in Aurélio, 1986, 25).

 

Apesar da semelhança fonética, o par acima se constitui como heterossemântico já que possui sentidos completamente diferentes. Ambos os lexemas possuem o mesmo significante, porém significados diferentes, isto devido ao fato de suas origens etimológicas serem diferentes, conforme vemos acima. As divergências semânticas existentes nesse par não advêm de mudanças semânticas ocorridas nas duas línguas, embora os lexemas apresentem deslocamentos de sentidos em cada língua em particular.

A heterossemanticidade no mesmo deve-se a fatores internos como a mudança fonética no lexema de cada língua, visto que, semelhante ao par anterior, os lexemas aceite/aceite representam a convergência fônica de palavras de origens diferentes, o que também justifica a relação de homonímia no mesmo, pelo fato de terem partido de dois lexemas distintos nas duas línguas desde a sua origem, os quais convergiram para formas fonéticas semelhantes. 

 

6.3. ARANHA     

Araña (E): 1513, do lat. aranea ‘aranha’, ‘teia de aranha’. Aracnídeo é derivado culto do gr. aráknē, mesma origem e significado do lat.

Aranha (P): XIII, XIV, do lat. aranea ‘animal artrópode aracnídeo, da ordem dos aracnídeos’; teia de aranha’; ‘fio muito fino’.

  1. Animal artrópode ou aracnídeo.

  2. Lustre.

  3. Conjunto de cabos finos, cordame. (Mar.).

  4. Rede de cassar pássaros.

  5. Carruagem ligeira e pequena. (Chile; fig.).

  6. Pessoa aproveitadora, parasita. (Fig. e fam.).

  7. Prostituta. (Fig.).

  8. Recolher ligeiramente algo. (Murcia).

  9. Alguns tipos de plantas (América).

  10. Peixe marinho.

  11. Caranguejo do mar.

  1. Animal artrópode aracnídeo.

  2. Objetos cuja forma lembra a aranha. (P. ext.).

  3. Rede de apanhar trutas e melros (peixes e aves).

  4. Carruagem de pequeno porte. (P. ext.).

  5. Pessoa lenta e desajeitada nos movimentos e no trabalho. Tolo, parvo, palerma. (Bras. fig.).

5.1.Pessoa hesitante ou que facilmente se     embaraça. (Reg. Bras.).

  1. Alguns tipos de planta e erva. (Bras.)

  2. Cavalo velho que serve de alimento para feras no circo. (Br. Ceará).

  3. Trabalho marinheiro feito de linha ou cabo fino trançado. (Mar.).

  4. Equipamento móvel próprio para movimentar contêineres. (Mar. Mercante).

  5. Alfaiate (uso informal).

 

Exemplos:

 ¿Qué asco, la casa está llena de arañas. (1)

“Algún coche pasaba fugaz, espejeando, y hacía tintinear los colgantes de la araña”.(Ignacio Aldecoa, in Leal, 1997, 25). (2)

Se comporta como una araña. (7)

Andábamos mucho en esa araña vieja. (5)

As crianças têm medo de aranhas peludas. (1)

“Íamos os dois, na aranha sacolejante, ao trote largo do Paputinga”. (A. S. de Mendonça Junior, O anel de brilhantes e outras estórias, 54, in Aurélio, 1986, 154) (4).

Leve aquela aranha para o leão e o tigre. (7).

 

O par araña em P e E possui a mesma etimologia e o mesmo significado referencial ou primário. Além deste, possui, ainda, outros sentidos secundários comuns nas duas línguas, como verificamos acima. Observamos, porém, outros sentidos não existentes em uma ou em outra língua, provocados por extensão metafórica, ou seja, pelo fato de que os usuários da língua estendem o significado primário (referencial) para descrever referentes que possuem semelhanças com o referente primário daquele lexema, como é o caso de ‘lustre’ (de teto) em Espanhol; ‘rede de apanhar trutas e melros’ em Português. Há também deslocamento de sentido, provocado pelo desvio na área social da palavra, como observamos no sentido figurado de araña como ‘prostituta’; ‘parasita’ em Espanhol, como também em ‘cavalo velho’; ‘pessoa lenta e desajeitada’; ‘tolo’ em Português.

Assim, embora esse par compartilhe a mesma etimologia, o mesmo significado referencial ou de base, além de outros significados secundários, torna-se heterossemântico quando não partilha outros sentidos provocados por extensão metafórica ou por um desvio da área social da palavra, como observamos nos diversos sentidos figurados encontrados nas duas línguas. Observamos, portanto, diversos deslocamentos de sentidos tanto em Português como em Espanhol neste par, o que evidencia uma constante motivação semântica no lexema de cada língua. Dessa forma, eles podem ser caracterizados como polissêmicos, tendo em vista a sua multiplicidade de sentidos a partir de uma mesma etimologia e de um mesmo sentido de base ou primário. 

 

 BOLSO

Bolso (E): derivado de bolsa.

Bolso (P): derivado de bolsa, 1450. Bolsso ‘pequeno saco cosido à roupa, e que seve para guardar objetos pessoais ou como enfeite’.

  1. Bolsa de pele ou outro material usado pelas mulheres quando saem de casa, e onde guardam o moedeiro, o lenço, coisas pequenas e pessoais.

  2. Bolsinho de dinheiro.

  3. Bolsinho de roupa.

  4. Caixa ou estojo, com tiras/asas usado pelas meninas para o colégio.

  5. Seio que se forma nas velas pela ação do vento.

  1. Saquinho de pano costurado na parte interna ou externa da roupa, com uma fenda numa das extremidades, usado para guardar pequenos objetos ou como enfeite. (Vestuário).

  2. Prega, arrepanhado de tecido mal ajustado; papo, tufo. (Vestuário).

  3. Compartimento de um saco, sacola, bolsa, etc., semelhante ao bolso de uma roupa. (p. anal.).

  4. M. q. Bolsa (‘dinheiro ou pecúlio’). (p. anal.).

  5. Bolsa ‘cavidade em forma de saco’. (p. anal.; anatomia geral).

  6. Espécie de envelope que se apensa à contracapa de um livro, utilizado para guardar desenhos, mapas, etc., bolsa. (p. anal.; bibliologia).

  7. Bojo ou seio profundo que se forma na vela cheia e esticada pelo vento. (Marinha).

  8. Porção de pano que, depois de colhida a vela, fica ainda a receber o vento. (Marinha).

  9. Bojo de rede estendida na água. (pesca).

Exemplos:

A mi vecina le robaron el bolso y dentro llevaba sus carnés y bastante dinero. (Señas, 2001, 171) (1)

Perdi aquele anel de ouro por causa deste bolso furado. (1)

 

Quanto à etimologia, o par acima vem da mesma raiz latina, através do grego byrsa, derivado de bolsa. Os lexemas parecem ter um sentido primário básico que se mantêm, mesmo que com leves diferenças nas duas línguas, outros semelhantes como o da acepção 5 do Espanhol com a acepção 7 do Português, enquanto que outros divergentes caracterizando o par como heterossemântico e, ao mesmo tempo, polissêmico.

Afirmamos que ambos possuem uma relação de polissemia pela existência de um traço comum de significado entre os sentidos diversos de um mesmo lexema, ou seja, há uma certa semelhança no sentido de base entre as línguas, e deste se desenvolvem outros sentidos secundários, o que evidencia uma constante motivação semântica nos lexemas em cada língua, e, assim, diversos deslocamentos de sentidos nas duas línguas, provenientes de causas diversas.

Em Espanhol, bolso pode ser considerado um hiperônimo de: sacola, estojo, bolsinha, mochila, porta-níquel, por estarem dentro do mesmo campo léxico. Tanto em Português como em Espanhol, bolso pode ser considerado como uma palavra polissêmica pela multiplicidade de sentidos, principalmente em Português, os quais se deslocam nas duas línguas por especialização como mostram as acepções 5 do Espanhol e 7 do Português. Nesta última, podemos observar ainda deslocamento de sentido por extensão metafórica na acepção 2, por analogia com bolsa nas acepções 3, 4, 5, 6, o que mostra uma constante evolução semântica em cada língua em particular pois cada uma evolui per si e não pari passu, ou seja, por si mesmo, e não no mesmo passo ou simultaneamente, da mesma forma.

Entendemos, portanto, que embora tenha havido inicialmente mudança por causas fonéticas do Latim bursa para o Espanhol e para o Português, e posteriormente do lexema bolsa para bolso, convergindo para formas foneticamente semelhantes nas duas línguas, o par é polissêmico entre as duas línguas, pois compartilham sentidos entre si, e em cada uma em particular já que possuem um traço comum entre os diversos sentidos de um mesmo lexema, os quais podem sofrer deslocamentos de sentido diferentes em cada língua, caracterizando-se assim um par heterossemântico.

 

CONCLUSÃO

Partindo da premissa de que há, na maioria dos casos em que ocorre mudança de sentido, uma alteração entre a imagem acústica e o conceito, provocando um deslocamento ou desvio de sentido no signo lingüístico, podemos comprovar a possibilidade de identificar e classificar essas causas, através de uma análise histórico-comparativa dos heterossemânticos do Português e do Espanhol, já que, mesmo sendo línguas diferentes, ambas são geneticamente relacionadas. A análise dos dados revela que a variedade de causas que promovem a mudança ou ‘deslocamento’ de sentido entre essas palavras relaciona-se com as relações semânticas de polissemia, tendo em vista a diversidade de mudanças de sentidos em cada língua em particular, como também com a homonímia, devido à convergência fonética em alguns pares dessas palavras em ambas as línguas. 

 

 

REFERÊNCIAS

 

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ULLMANN, Stephen. Semântica: uma introdução à ciência do significado. Trad. de J. A. Osório Mateus. 4. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1964.