As línguas humanas estão em constante transformação e evoluem com o tempo. Nesse processo, novos termos são criados e outros caem em desuso. Um dos fatores importantes na ampliação do léxico de uma língua é o empréstimo de termos de uma outra. Em geral, as nações economicamente mais fortes têm expressões de suas línguas incorporadas pelas línguas de outras nações economicamente dependentes. Ao exportar uma determinada tecnologia, por exemplo, as grandes nações acabam por exportar, também, toda uma terminologia atrelada a ela. E nem sempre é possível traduzir fielmente termos técnicos e científicos de uma língua para outra.
O Inglês – que é a língua estrangeira mais falada ao redor do mundo – ilustra bem esse quadro. Atualmente, ela é conhecida e praticada não somente no Reino Unido, nos EUA e nos países de língua inglesa, mas em praticamente todas as nações do planeta. Com o advento da informática nas últimas décadas e, em especial, com o surgimento da internet, a língua inglesa difundiu-se ainda mais pelo globo.
Como algumas das maiores empresas de informática do mundo são norte-americanas, é justificável o empréstimo de termos do Inglês por várias outras línguas, inclusive pelo Português. Ocorre que, no empréstimo de termos estrangeiros por uma língua nativa, dá-se o que se chama de nativização, um processo que tende a ajustar a pronúncia das palavras estrangeiras à estrutura fonológica da língua nativa. “Falantes nativos interpretarão a pronúncia das palavras da língua estrangeira em termos dos elementos fonológicos de sua própria língua, ou seja, a pronúncia de palavras estrangeiras é modelada pela estrutura fonológica da língua nativa.” (Gussenhover & Jakobs, 1998: 42).
Dessa forma, entende-se que a pronúncia de termos do Inglês emprestados ao Português é adaptada pelo sistema de sons do Português. Se algum falante do Português – enquanto primeira língua (L1) – que não tenha um conhecimento do sistema fonológico do Inglês – enquanto segunda língua (L2) – tentar falar algum termo desta língua, incorrerá, certamente, em desvios de pronúncia, devido à interferência exercida pelo sistema fonológico do Português nos sons das palavras nativizadas do Inglês.
O objetivo deste trabalho é verificar, através de dados empíricos, como se dá essa interferência. As hipóteses são de que a interferência do sistema fonológico do Português responsável pela adaptação dos sons das palavras nativizadas do Inglês está relacionada, basicamente, a três fatores: alguns fonemas do quadro fonológico do Inglês não fazem parte do quadro fonológico do Português, o padrão silábico nas duas línguas é diferente e a acentuação também é diferente nas duas línguas.
Para isso, delimitou-se o estudo sobre a nativização de termos do Inglês incorporados pelo Português à área de informática, pelo fato de existir uma grande quantidade de termos de Língua Inglesa ligada à tecnologia das ciências da computação. A pesquisa foi realizada na cidade de Maceió-AL, e o corpus foi levantado nos cadernos semanais de informática do jornal Gazeta de Alagoas, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2002. O corpus, constituído de algumas palavras de origem inglesa da área de informática, foi lido em voz alta por um grupo de informantes. Foram realizados dois tipos de leitura: na primeira, as palavras foram lidas normalmente, e na segunda, de forma mais pausada, a fim de se verificar como os informantes estariam separando as sílabas. Os dados foram gravados e transcritos, para posterior análise. Em virtude de ter havido uma discrepância muito grande entre a primeira e a segunda leitura de todos os informantes, para efeito de transcrição e análise, optou-se por considerar apenas a primeira leitura.
Quatro informantes contribuíram para a pesquisa. Dois concluintes do segundo grau – um do sexo feminino e um do sexo masculino, alunos do turno noturno do curso de Eletrônica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Alagoas – e dois concluintes do terceiro grau – um do sexo feminino e outro do sexo masculino, alunos do turno vespertino do curso de Letras (Português-Inglês) da Universidade Federal de Alagoas.
O trabalho está dividido em duas partes. Na primeira, é apresentado um estudo descritivo-comparativo dos sistemas fonológicos do Inglês e do Português, com a exposição do inventário dos fonemas das duas línguas e de aspectos relevantes dos dois sistemas. Para a realização desse estudo utilizou-se a teoria da Análise Contrastiva (CA) e os pressupostos da fonologia estrutural. Na segunda, é feita uma análise dos dados, com o objetivo de se verificar o processo de nativização nos termos levantados no corpus, observando-se o fenômeno da interferência e descrevendo-se os fatos encontrados, que são explicados à luz de teorias fonológicas adequadas.
O
uso de barras inclinadas (/
/)
indica os fonemas e o uso de colchetes ([
])
indica realizações fonéticas. Os símbolos È
e Ç
antecedem as sílabas com acentuação primária e secundária respectivamente.
Diferentes
línguas possuem diferentes sistemas sonoros. Toda língua tem um número
diferente de fonemas e eles são arranjados diferentemente. Quando um nativo
ouve sua própria língua ele escuta os sons e relaciona-os, intuitivamente, a
certos significados. Segundo Fromkin & Rodman (1993), qualquer pessoa que
conheça uma língua sabe quais os sons que essa língua tem, sabe como esses
sons se associam e sabe qual o significado dessas seqüências sonoras. No
entanto, quando um nativo ouve uma língua estrangeira, ele não consegue
perceber determinados sons, uma vez que eles não se “encaixam” no quadro de
fonemas de sua própria língua. Isso não se deve ao fato de o falante nativo
ser incapaz fisiologicamente de entender e pronunciar determinados sons
estrangeiros, o problema é que “ele precisa construir um novo sistema
correspondente aos sons da língua estrangeira, e quebrar o arranjo dos sons que
os hábitos de sua própria língua tão fortemente formaram. Faz-se isso
estabelecendo novas formas de escutas, novas formas de uso dos órgãos da fala,
novos hábitos de fala.” (Bittencourt, 1991: 67). O fato de os ouvidos de um
falante nativo não reconhecerem os sons da língua estrangeira como eles
realmente são é um forte argumento em favor de um estudo fonológico detalhado
dos contrastes entre L1 e L2. Para Schütz (2002), uma apresentação detalhada
dos dois sistemas fonológicos ajudará o falante nativo a tomar consciência de
que os sons de uma e outra língua não são exatamente iguais, e que essas
diferenças podem ser relevantes no significado, afetando a compreensão.
A
Análise Contrastiva (CA), um método desenvolvido nos anos 60 basicamente para
aplicar estruturas lingüísticas ao ensino de línguas, é uma comparação do
sistema lingüístico de duas línguas, por exemplo, o sistema de sons ou o
sistema gramatical. “A CA estabelecia simplesmente que através da comparação
entre a língua materna (L1) e a língua alvo (L2) poderia ser possível
identificar (ou predizer) quais os aspectos da L2 que um aprendiz (falante de
uma L1 especifica) teria dificuldades.” (Keys, 2002: 76).
Logo percebeu-se a pouca eficiência da CA no ensino de línguas, uma vez que ela deixava de lado vários pontos relevantes para o processo de ensino-aprendizagem de uma língua estrangeira, como aspectos culturais ou a afetividade do aprendiz, entre outros, que foram sendo desenvolvidos e aplicados por outros métodos ao longo dos anos. É importante salientar, entretanto, que os métodos aplicados ao ensino de línguas estrangeiras posteriores ao método da CA não derrubam por completo os fundamentos dessa abordagem, apenas os aperfeiçoam. Como não é o escopo deste trabalho discutir a questão da aprendizagem de uma língua estrangeira, mas tão somente verificar a interferência que o sistema de sons do Português (L1) exerce no desempenho de palavras nativizadas do Inglês (L2), os fundamentos teóricos da CA são suficientes para se fazer uma análise contrastiva entre os sistemas fonológicos das duas línguas. E, de fato, “as hipóteses da CA alegam que a maioria dos desvios ocorridos numa língua estrangeira deve-se à interferência da língua nativa, e nenhuma interferência vinda da língua nativa é maior do que a proveniente do sistema de sons.” (Bittencourt, 1991: 66).
Com o objetivo de comparar os sistemas de sons do Inglês e do Português, serão apresentados, inicialmente, os quadros de vogais e consoantes.
Basicamente, são usados três critérios para analisar sons vocálicos:
a) Ponto de articulação - anterior, central e posterior.
b) Altura da língua em relação ao palato - fechada, meio fechada, meio aberta e aberta.
c) Formato dos lábios - arredondado, não arredondado.
Em Inglês, as vogais podem ser nasalizadas quando em contato com uma consoante nasal; o mesmo acontece no Português.
Posição |
Anteriores |
Centrais |
Posteriores |
Altura |
|||
Fechadas |
i |
|
u |
Meio Fechadas |
e |
|
o |
Meio Abertas |
E |
|
|
Abertas |
|
a |
|
/i/ vogal anterior, fechada, não arredondada;
ex.: irmão, arrime, li
/e/ vogal anterior, meio fechada, não arredondada;
ex.: ele, mesa, você
/E/ vogal anterior, meio aberta, não arredondada;
ex.: ela, alegre, pé
/a/ vogal central, aberta, não arredondada;
ex.: alto, calo, lá
/u/ vogal posterior, fechada, arredondada;
ex.: útil, aturo, nu
/o/ vogal posterior, meio fechada, arredondada;
ex.: hoje, dor, avô
// vogal posterior, meio aberta, arredondada;
ex.:
hora, dó, costa
Posição |
Antreriores |
Centrais |
Posteriores |
Altura |
|||
Fechadas |
i I |
|
u U |
Meio Fechadas |
e |
|
|
Meio Abertas |
|
« Î |
à |
Abertas |
Q
|
|
A |
/i/ vogal anterior, fechada, não arredondada;
ex.:
sea, feet, piece, seed, leak
/I/ vogal anterior, fechada/meio fechada, não arredondada;
ex.:
fill, fit, village, sit, bill
/e/ vogal anterior, meio fechada/meio aberta, não arredondada;
ex.:
bet, set, dead, shell, red
/æ/ vogal anterior, aberta, não arredondada;
ex.:
pat, bad, hand, rash, man
/A/ vogal posterior, aberta, não arredondada;
ex.:
part, car, bar, dark, palm
// vogal posterior, aberta/meio aberta, arredondada;
ex.:
got, doll, loft, shop, lodge
/Ã/ vogal posterior, meio aberta, não arredondada;
ex.:
sun, son, love, nut, does
// vogal posterior, meio aberta/meio fechada, arredondada;
ex.:
all, war, dog, saw, orbit
/υ/ vogal posterior, fechada/meio fechada, arredondada;
ex.:
put, wolf, good, could, full
/u/ vogal posterior, fechada, arredondada;
ex.:
boot, food, fool, lose, shoe
/Î/ vogal central, meio aberta, não arredondada;
ex.:
perfect, bird, version, burn, urge
/«/ vogal central, meio aberta/meio fechada, não arredondada;
ex.:
above, abate, about, different, border
-
Ditongos:
/eI/
pay /«U/ flow /aI/
high /aU/ now /I/
toy
1.2. CONSOANTES.
Os sons consonantais são analisados, também, a partir de três critérios básicos:
a) Ponto de articulação – labial ou bilabial , labiodental, dental, alveolar, palatal, velar, uvular e glotal.
b) Modo de articulação – oclusivo, nasal, fricativo, africado, lateral, vibrante, retroflexo, aproximante.
c) Vibração (ou não) das cordas vocais – sonoro e surdo.
Ponto Modo |
Bilabiais |
Labiodentais |
Alveolares |
Palatais |
Velares |
Glotais |
||||||
Oclusivas |
p |
b |
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t |
d |
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k |
g |
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Fricativas |
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f |
v |
s |
z |
S |
Z |
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h |
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Nasais |
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m |
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n |
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ø |
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Laterais |
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l |
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´ |
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Taps |
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R |
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|
|
|
Aproximantes |
|
w |
|
|
|
|
|
j |
|
|
|
|
CONSOANTES
DO INGLÊS
Ponto Modo |
Bilabiais |
Labiodentais |
Dentais |
Alveolares |
Palatais |
Velares |
Glotais |
|||||||
Oclusivas |
p |
b |
|
|
|
|
t |
d |
|
|
k |
g |
|
|
Africadas |
|
|
|
|
|
|
|
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tS |
dZ |
|
|
|
|
Fricativas |
|
|
f |
v |
T |
D |
s |
z |
S |
Z |
|
|
h |
|
Nasais |
|
m |
|
|
|
|
|
n |
|
|
|
N |
|
|
Laterais |
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l |
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Vibrantes |
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r |
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|
|
Aproximantes |
|
w |
|
|
|
|
|
|
|
j |
|
|
|
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1.2.1. AS CONSOANTES DO INGLÊS. | 1.2.2. AS CONSOANTES DO PORTUGUÊS. |
Existem seis oclusivas | Existem seis oclusivas |
/p/, /b/; /t/, /d/; /k/, /g/ | /p/, /b/; /t/, /d/; /k/, /g/ |
Existem duas africadas | Não existem africadas |
/tS/, /dS/ | no Português |
Existem nove fricativas | Existem sete fricativas |
/f/, /v/; /θ/, /δ/; /s/, /z/; /S/, /Z/; /h/ | /f/,/v/; /s/,/z/; /S/, /Z/; /h/ |
Existem três nasais | Existem três nasais |
/m/; /n/; /ŋ/ | /m/; /n/; /ø/ |
Existem uma lateral e uma vibrante | Existem duas laterais e um tap |
/l/; /r/ | /l/; /´/; /R/ |
Existem duas aproximantes | Existem duas aproximantes |
/w/; /j/ | /w/; /j/ |
= 24 | = 21 |
1.2.3. COMPARANDO OS QUADROS.
No Inglês, existem sons consonantais que não ocorrem no Português: /q/, /D/, /tS/, /dZ/ e /N/. Provavelmente falantes nativos brasileiros terão problemas tanto para ouvir quanto para produzir bem tais sons. Eles tenderão a substituir os pontos de articulação dos fonemas estrangeiros pelos de alguns fonemas de seu estoque nativo. Por exemplo:
/q/ à /s/, /t/ ou /f/
/D/ à /z/, /d/ ou /v/
/tS/ à /S/
/dZ/
à
/Z/
/N/ à /n/
Por outro lado, o Português tem sons consonantais que não ocorrem no Inglês: /ø/ e /´/. As pessoas que falam Inglês tendem a substituir tais sons por:
/ø/ à /nI/ /´/ à /lI/
1.2.4. ALOFONES CONSONANTAIS.
Uma característica compartilhada pelas oclusivas surdas do Inglês /p t k/ que não apresenta uma correspondência com as oclusivas do Português é uma aspiração na posição da sílaba inicial. A ausência da aspiração causará um óbvio sotaque estrangeiro, sem necessariamente interferir na compreensão. (cf. Bittencourt, 1991: 76). Por exemplo: [tHaIm] - /taIm/ para time; [pHIn] - /pIn/ para pin; [kHQp] - /kQp/ para cap.
As africadas [tS] e [dZ] não ocorrem como fonemas do Português. Elas são alofones de /t/ e /d/.
[dZ] e [tS] como alofones do Português ocorrem antes de /i/, como por exemplo em dia [dZia] e tia [tSia]. Portanto, a palavra inglesa team poderá ser pronunciada *[tSimi] ao invés de [tHi:m]. Também existirá a tendência de não se distinguir tease de cheese, por falantes do Português, os quais tenderão a pronunciar *[tSizi] para ambos ao invés de [tHi:z] e [tSi:z], respectivamente.
Todas as oclusivas, africadas e fricativas ocorrem em posição de final de palavra no Inglês. Em Português, no entanto, estes fonemas nunca ocorrem em tal posição. O resultado disso é que falantes nativos do Português tenderão a acrescentar um som vocálico a estas consoantes em final de palavra, formando, dessa forma, uma sílaba com um padrão CV, predominante no Português. Com isso, palavras como back [bQk] e knife [naIf] poderão vir a ser pronunciadas como [ÈbEki] e [Ènaifi].
O corpus, constituído de 36 (trinta e seis) palavras do vocabulário técnico da área de informática, foi levantado nos cadernos semanais de informática do Jornal Gazeta de Alagoas, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2002. Inicialmente, foram selecionadas mais de 100 (cem) palavras. Após alguns cortes, levando-se em conta o fato de as palavras selecionadas terem o maior domínio público possível, chegou-se a este número final. Apesar de relativamente pequeno, o corpus permitiu a observação de vários fenômenos, que serão analisados adiante.
Para a transcrição padrão, tomou-se como referência a chave de pronúncia do Oxford Wordpower Dictionary, que utiliza símbolos do IPA (International Phonetic Alphabet).
-
Corpus:
04/09/02 | 11/09/02 | 18/09/02 | 25/09/02 |
Internet | Linux | Chip | Hacker |
Networks | Web | Download | Unix |
Wireless | Microsoft | Home Page | Chat |
02/10/02 | 09/10/02 | 16/10/02 | 23/10/02 | 30/10/02 |
Bit | Software | Winzip | Click | Oracle |
Game | On-Line | Firewalls | Pentium | Browser |
Notebook | Site | Default | Hardware | Interface |
06/11/02 | 13/11/02 | 20/11/02 | 27/11/02 |
Bugbear 0 | Server | Office | |
Outlook | Link | Byte |
Word |
- Transcrição Fonética Padrão:
Internet | [ÈInt«ÇnEt] |
Networks | [ÈnetÇwÎks] |
Wireless | [ÈwaIrlIs] |
Linux | [ÈlInUks] |
Web | [web] |
Microsoft | [ÈmaIkr«Çsft] |
Chip | [tSIp] |
Download | [ÇdaUnÈl«Ud] |
Homepage | [Èh«UmÇpeIdZ] |
Hacker | [ÈhQk«] |
Unix | [ÈjunIks] |
Chat | [tSQt] |
Bit | [bIt] |
Game | [geIm] |
Notebook | [Èn«UtÇbUk] |
Software | [ÈsftÇwe«] |
On-Line | [nÈlaIn] |
Site | [saIt] |
Winzip | [ÈwInzIp] |
Firewalls | [ÈfaI«Çw:ls] |
Default | [dIÈf:lt] |
Click | [klIk] |
Pentium | [ÈpentIUm] |
Hardware | [ÈhA:dwe«] |
Oracle | [È:r«kl] |
Browser | [ÈbraUz«] |
Interface | [ÇInt«ÈfeIs] |
Bugbear | [ÈbÃgÇbe«] |
Outlook | [ÈaUtÇlUk] |
Word | [wÎ:d] |
Server | [ÈsÎ:v«] |
Link | [lINk] |
[prInt] |
|
Office | [ÈfIs] |
Byte | [baIt] |
[IÈmeIl] |
Observou-se, de modo geral, que todos os informantes, inclusive os graduandos em Letras, que supostamente possuem um conhecimento melhor sobre o Inglês, produziram o som vocálico [i] no final de sílabas ou palavras terminadas em consoantes oclusivas, africadas e fricativas, formando o padrão silábico CV, predominante no Português. Vide os casos, apresentados na tabela 1, de homepage, chat, notebook e winzip, por exemplo, em que os quatro informantes, contrariando a regra do Inglês que prevê que /p/, /t/, /k/ e /dZ/ ocorrem em final de palavra, acrescentaram o som vocálico [i] em sua realização, naturalmente tentados a formarem o padrão CV, absolutamente comum em sua língua nativa.
|
Informante 1 |
Informante 2 |
Informante 3 |
Informante 4 |
Homepage |
[Çho)miÈpejdZi] |
[Çho)miÈpejZi] |
[Èho)mÇpejZi] |
[Èho)mÇpejdZi] |
Chat |
[ÈSEti] |
[ÈSEti] |
[ÈSati] |
[ÈtSEti] |
Notebook |
[nÈtSibuki] |
[ÇntSiÈbuki] |
[Èntibuki] |
[ÈnotiÇbuki] |
Winzip |
[Èwizipi] |
[Èwi)zipi] |
[wi)Èzipi] |
[Èwi)nzipi] |
Tabela 1
O caso da palavra software também ilustra bem esse caso, conforme pode ser observado na tabela 2. Pelo fato de a seqüência [ftw] ser mal formada em Português, os informantes 1, 3 e 4 naturalmente lançaram mão da inclusão do som vocálico [i] depois de [f] e [t] para obter o padrão silábico do Português. O informante 2 não inseriu [i] após [t] pelo fato de ter omitido [w] em sua realização, formando a seqüência [tE], bem formada em Português.
|
Informante 1 |
Informante 2 |
Informante 3 |
Informante 4 |
Software |
[ÈsfitiwEh] |
[ÈsfitE] |
[ÈsfitiwEh] |
[ÈsfitiwEh] |
Tabela 2
Como visto no capítulo 1, os fonemas palatais do Inglês /tS/ e /dS/ não ocorrem no Português. [tS] e [dS], no Português, são alofones dos fonemas alveolares /t/ e /d/ respectivamente. Dessa forma, um fenômeno muito observado foi a palatalização de [t] e [d] em ambientes em que esse fato não deveria ocorrer em Inglês. São os casos, por exemplo, de internet, bit, notebook, site e outlook, ilustrados na tabela 3, e de download e word, ilustrados na tabela 4.
|
Informante 1 |
Informante 2 |
Informante 3 |
Internet |
[i)tEhÈnEtSi] |
|
|
Bit |
[ÈbitSi] |
[ÈbitSi] |
|
Notebook |
[nÈtSibuki] |
[ÇntSiÈbuki] |
|
Site |
|
|
[ÈsajtSi] |
Outlook |
[ÇawtSiÈluki] |
[ÇawtSiÈluki] |
|
Tabela 3
|
Informante 1 |
Download
|
[dawÈloadZi] |
Word
|
[ÈwohdZi] |
Tabela 4
Percebe-se, pelas tabelas 3 e 4, que o fenômeno da palatalização está mais presente nas realizações dos informantes concluintes do segundo grau.
Em alguns casos em que deveria ocorrer a realização da africada [tS], de acordo com a pronúncia do inglês, ocorreu a realização da fricativa [S], como em chips e chat, por exemplo, ilustrados na tabela 5.
|
Informante 1 |
Informante 2 |
Informante 3 |
Chip |
[ÈSipi] |
[ÈSipi] |
[ÈSipi] |
Chat |
[ÈSEti] |
[ÈSEti] |
[ÈSati] |
Tabela 5
Pelo fato de /tS/ ser um fonema do Inglês, ele está em oposição a /t/ e /S/. Ou seja, a permuta desses fonemas acarreta mudança de significado. Assim, a realização [ÈbitSi] dos informantes 1 e 2 para a palavra bit (tabela 3) pode remeter a uma outra palavra da língua inglesa (bitch). Da mesma forma, a realização [ÈSipi] dos informantes 1, 2 e 3 para a palavra chip (tabela 5) pode também remeter a uma outra palavra da língua inglesa (sheep).
Quanto à questão da nasalização, observou-se que todos os informantes, na maioria das ocorrências, usaram as nasais [m] e [n] apenas para nasalizar as vogais que as precediam, como é comum no Português. São os casos, por exemplo, de internet, on-line, pentium e print, mostrados na tabela 6.
|
Informante 1 |
Informante 2 |
Informante 3 |
Informante 4 |
Internet |
[i)tEhÈnEtSi] |
[i)tEhÈnEti] |
[i)tEhÈnEti] |
[Èi)tErÇnEti] |
On-line |
[o)Èlajni] |
[o)Èlajni] |
[o)Èlajn] |
[o)Èlajn] |
Pentium |
[Èpe)tiu)] |
[Èpe)tiu)] |
[Èpe)tiu)] |
|
Print |
[Èpri)ti] |
[Èpri)ti] |
|
[Èpri)ti] |
Tabela 6
Com relação aos sons vocálicos, pelo fato de o Português possuir um inventário relativamente simples se comparado ao Inglês, notou-se que, na grande maioria das ocorrências dos sons vocálicos do Inglês sem correspondentes no Português, houve uma substituição dos fonemas do Inglês por fonemas do Português articulatoriamente mais próximos. São os casos, por exemplo, de hacker, em que [Q] é realizado como [a] por todos os informantes, e de chat, em que [Q] é realizado como [E] pelos os informantes 1, 2 e 4 e como [a] pelo informante 3, como visto na tabela 7.
|
Informante 1 |
Informante 2 |
Informante 3 |
Informante 4 |
Hacker |
[ÈhakEh] |
[ÈhakEh] |
[ÈhakEh] |
[ÈhakEh] |
Chat |
[ÈSEti] |
[ÈSEti] |
[ÈSati] |
[ÈtSEti] |
Tabela 7
O fonema [I] do Inglês, inexistente no Português, foi produzido, por todos os informantes, como o fonema nativo [i]. São os casos, por exemplo, das palvras internet, linux, chips, bit e winzip, mostrados na tabela 8.
|
Informante 1 |
Informante 2 |
Informante 3 |
Informante 4 |
Internet |
[i)tEhÈnEtSi] |
[i)tEhÈnEti] |
[i)tEhÈnEti] |
[Èi)tErÇnEti] |
Linux |
[Èlinukis] |
[Èlinukis] |
[Èlinukis] |
[Èlinjukis] |
Chip |
[ÈSipi] |
[ÈSipi] |
[ÈSipi] |
[ÈtSipi] |
Bit |
[ÈbitSi] |
[ÈbitSi] |
[Èbiti] |
[Èbiti] |
Winzip |
[Èwizipi] |
[Èwi)zipi] |
[wi)Èzipi] |
[Èwi)nzipi] |
Tabela 8
O mesmo fenômeno ocorreu com o fonema [U] do Inglês. Pelo fato de ele não existir no Português, houve uma tendência natural dos informantes a substituí-lo pelo fonema nativo [u]. São os casos, por exemplo, das palavras linux, notebook e pentium, mostrados na tabela 9.
|
Informante 1 |
Informante 2 |
Informante 3 |
Informante 4 |
Linux |
[Èlinukis] |
[Èlinukis] |
[Èlinukis] |
[Èlinjukis] |
Notebook |
[nÈtSibuki] |
[ÇntSiÈbuki] |
[Èntibuki] |
[ÈnotiÇbuki] |
Pentium |
[Èpe)tiu)] |
[Èpe)tiu)] |
[Èpe)tiu)] |
[Èpe)tiu)m] |
Tabela 9
Um caso interessante, no entanto, aconteceu com o fonema /Ã/ do Inglês. Mesmo não fazendo parte do inventário do Português, ele ocorreu na palavra bugbear na realização dos informantes 2, 3 e 4, conforme tabela 10. Isso talvez deva-se ao fato de esta palavra ser muito conhecida e desempenhada com freqüência por falantes nativos, e também ao fato de /Ã/ não ser de difícil articulação.
|
Informante 2 |
Informante 3 |
Informante 4 |
Bugbear |
[ÈbÃgiÇbiah] |
[bÃgiÈbia] |
[bÃgiÈbiah] |
Tabela 10
A acentuação tônica das palavras do Inglês causa grandes dificuldades para o falante nativo do Português. Enquanto o padrão silábico do Português prevê que a sílaba tônica pode ocorrer apenas na última, na penúltima ou na antepenúltima sílaba e algumas palavras possuem uma sinalização ortográfica indicativa, o Inglês possui um padrão silábico completamente diferente, apresentando um número maior de possibilidades e uma ausência de sinalização ortográfica. (Schütz, 2002). O fato de muitas palavras do Inglês serem compostas (o corpus possui algumas palavras com esta característica) implica, muitas vezes, na existência de uma acentuação primária e uma secundária, dificultando ainda mais a pronúncia dos falantes nativos do Português. Desvios quanto à acentuação ocorreram, por exemplo, nas palavras internet, microsoft, download, bugbear e outlook, apresentados na tabela 11.
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Informante 1 |
Informante 2 |
Informante 3 |
Internet |
[i)tEhÈnEtSi] |
[i)tEhÈnEti] |
[i)tEhÈnEti] |
Microsoft |
[ÇmajkrÈsfitSi] |
[ÇmajkrÈsfiti] |
[ÇmajkrÈsfiti] |
Download |
[dawÈloadZi] |
[dau)Èlodi] |
[dau)Èlod] |
Bugbear |
[bigiÈbia] |
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[bÃgiÈbia] |
Outlook |
[ÇawtSiÈluki] |
[ÇawtSiÈluki] |
[ÇawtiÈluki] |
Tabela 11
Muitos são os termos do Inglês – de diversas áreas – incorporados pelo Português que já fazem parte do cotidiano de milhares de brasileiros. Entretanto, com o objetivo de se fazer uma análise dos fenômenos fonológicos relacionados ao processo de nativização destes termos, é imprescindível a realização de um recorte. E a área de informática, rica em termos de origem inglesa, pode propiciar um corpus significante para a realização de um trabalho dessa natureza.
Um trabalho que busca comprovar empiricamente algumas hipóteses deve conter um vasto material de coleta. Em se tratando de uma pesquisa em que duas línguas são contrastadas, seria necessário um corpus muito maior do que o que foi selecionado, com a finalidade de se fornecer uma maior autenticidade à comprovação dos fenômenos envolvidos. É óbvio que uma quantidade maior de palavras forneceria mais fenômenos a serem analisados. O corpus selecionado, no entanto, foi suficiente para a realização de uma pesquisa nesse nível, permitindo a observação e análise de vários fenômenos. Espera-se que este trabalho introdutório possa vir a ter desdobramentos em futuros trabalhos.
Diante disso, pode-se concluir que as hipóteses levantadas foram comprovadas, ou seja, de fato, a interferência do sistema fonológico do Português no desempenho de palavras nativizadas do Inglês está ligada, basicamente, a três fatores: os inventários fonológicos das duas línguas são diferentes – além de o Inglês possuir alguns fonemas consonantais que não existem no Português, apresenta uma variedade maior de sons vocálicos, com diferenças muito sutis entre alguns fonemas; o padrão silábico do Português – predominantemente CV – é bem mais simples do que o do Inglês; e a acentuação tônica das palavras no Português – que possui apenas três tipos de acentuação, com uma predominante – é bastante diferente da do Inglês – que possui pelo menos cinco tipos de acentuação e nenhuma predominante. Todos estes fatores contribuíram para os ajustes nas realizações dos informantes.
BITTENCOURT, A. M. The Role of the First Language in Pronunciation. Letras, no. 1 (jan. 1991). Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Artes e Letras, Curso de Pós-Graduação em Letras. Santa Maria: UFSM/CAL, 1991.
CAGLIARI, L. C. Análise Fonológica. Campinas: Edição do Autor, 1997.
FERREIRA, A. B. de H. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1975.
FROMKIN,
V. & RODMAN, R. Introdução à Linguagem. 3
ed. Trad. Isabel Casanova. Coimbra:
Almedina, 1993.
GUSSENHOVER,
C. & BROEDERS, A. English Pronunciation for Student Teachers.
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GUSSENHOVER,
C. & JAKOBS, H. Understanding Phonology. London: Arnold, 1998.
KEYS, K. J. Interlanguage Phonology Theorical Questions and Empirical Data. Lingugem e Ensino, vol. 5, no. 1 (2002). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: UFMG, 2002.
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MICHAELIS. Pequeno Dicionário Inglês-Português/Português-Inglês. São Paulo: Melhoramentos, 1980.
OXFORD.
Wordpower – dictionary for learners of English. Oxford: Oxford
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SCHÜTZ, R. English Made in Brazil. <http://www..sk.com.br/sk-pron.html>. Online. 25 de julho de 2002.