Inseridos
no segundo momento do percurso histórico das pesquisas que objetivam delinear a
conformação dialetológica do Maranhão, os estudos sobre a comunidade de
Raposa, realizados no final da década de 70 do século passado, pelos
pesquisadores Ramiro Azevedo, Maria do Socorro Vieira e Elenice Bezerra Melo,
evidenciam que essa comunidade, àquela época, era um isolado sócio-antropológico,
constituindo-se numa “ilha lingüística cearense”, com uma população
analfabeta, formada, em sua maioria, por cearenses, oriundos de Acaraú, por
maranhenses e piauienses, em menor número.
A
proximidade de São Luís e a melhoria do acesso à comunidade contribuíam, já
em 1978/79, para o ingresso da população infantil e juvenil de Raposa numa
“fase transitiva” no que concerne aos valores culturais e ao falar da
comunidade.
Transcorridos
mais de vinte anos da pesquisa mencionada e tendo sido Raposa selecionada como
um dos pontos do Atlas Lingüístico do Maranhão – Projeto ALiMA, buscamos
investigar a atual situação do município, para examinar até que ponto esse núcleo
artesanal e pesqueiro ainda constitui uma “ilha lingüística cearense”.
Privilegiamos, nesta primeira etapa da pesquisa, os aspectos fonético-fonológicos,
uma vez que, como enfatiza Aragão (1999), os processos de variação da língua
que poderão resultar em uma mudança começam nos aspectos fonéticos e léxicos.
Em
2003, foram realizados inquéritos em Raposa, sob os mesmos parâmetros metodológicos
do Projeto ALiB, o que nos possibilitou cotejar nossos dados com aqueles obtidos
pela equipe de pesquisadores coordenada pelo professor Ramiro Azevedo.
Espaço
de diversidades tanto lingüísticas como culturais, uma vez que ainda abriga
uma população bastante heterogênea, composta por cearenses (em sua maioria,
oriundos do município de Acaraú, segundo Reis (1998)), piauienses e
maranhenses, principalmente de Tutóia e de Barreirinhas (cf. AZEVEDO; VIEIRA;
MELO, 1980), o município de Raposa está localizado no nordeste da ilha do
Maranhão, limitando-se ao norte e à leste com o Oceano Atlântico, e ao sul e
à oeste, com o município de Paço do Lumiar. Situa-se a 32 km da cidade de São
Luís, capital do Estado do Maranhão.
Elevado
à categoria de município em 10 de novembro de 1994, o povoado de Raposa foi
fundado no final dos anos quarenta pelos cearenses Antonio do Pocal e José
Baiaco que, após armarem a primeira casa e o primeiro curral, chamaram do Ceará
seus familiares (cf. AZEVEDO; VIEIRA; MELO, 1980), que para lá se deslocaram
para fugir dos graves problemas que acarreta a seca no Ceará, ao mesmo tempo
que eram atraídos pela fartura do pescado na praia de Raposa.
Há,
pelo menos, três versões mais conhecidas do nome da localidade. Entre elas,
destaca-se a registrada por Azevedo, Vieira e Melo (1980, p. 20):
“Dois homens vinham de Miritiba e dirigiam-se para Carimã. A certo momento encontraram uma raposa morta. Combinaram encontrar-se depois, no local, perto de onde tinham encontrado a raposa morta. Eis como ficou conhecida a localidade por este nome.”
Embora
situada muito próximo da capital do Estado, Raposa manteve-se isolada por um
longo tempo, devido à falta de acesso rodoviário. A primeira estrada que
interligou a comunidade a São Luís foi construída em 1964, sendo asfaltada
apenas em fins de 1977, conforme registra Rondelli (1993).
De
acordo com dados do IBGE (2001), a população do município, em 2000, era de
16.790 habitantes, dos quais 11.109 residiam na sede e 5.681, na zona rural.
Essa população ainda conta com um contingente significativo de analfabetos e
com pouquíssimos universitários.
A
principal fonte de renda do município é obtida com a pesca que, entretanto,
escoa sem deixar nenhum imposto para os cofres públicos do município. O
artesanato constitui a segunda fonte de renda: são as rendas de bilro das
mulheres e filhas dos pescadores que ajudam na magra renda familiar.
Fruto,
em grande parte, do esforço pessoal dos pesquisadores, em uma época em que a
pesquisa dialetológica entre nós carecia de recursos técnicos, o trabalho Antropolingüística:
Raposa[1]
constitui um dos primeiros estudos acadêmicos sistemáticos dos falares
maranhenses, cujas observações e conclusões oferecem inesgotável material
para subsidiar outros estudos nos âmbitos da sociolingüística/dialetologia,
da etnolingüística, da lexicologia e da própria antropologia.
Trabalhando
com uma população medianamente jovem (na faixa compreendida entre 25 a 35 anos
para o homens e de 25 a 40 para as mulheres) e predominantemente cearense e
analfabeta, à época da pesquisa, os professores Ramiro Azevedo, Maria do
Socorro Vieira e Elenice Melo entrevistaram 113 moradores da vila de Raposa, o
que lhes forneceu subsídios para caracterizar a vila de então como uma “ilha
lingüística cearense”, onde a população jovem (crianças e adolescentes)
encontrava-se em uma “fase transitiva”, no que concerne aos valores
culturais e ao falar da comunidade, enquanto a adulta conservava os valores
culturais e o falar característicos de sua região de origem – Acaraú, no
Ceará.
Em
1979, esse universo pesquisado foi assim visto pelas lentes de Lígia Maria
Mazzeo (apud AZEVEDO; VIEIRA; MELO, 1980):
“... Uma pequena comunidade de cinco mil habitantes alienada a qualquer ambição da cidade grande, vive seu dia-a-dia envolta em sonhos que só o mar pode realizar: uma boa rede de peixes.
Assim é a Raposa. Um local que a civilização ainda não correu e os empresários não ousam perturbar. É um recanto de homens simples que apenas buscam viver para sua comunidade. O mar, ao longe, tudo vê. Ele é o grande chefe da comunidade.”
Nessa
comunidade artesanal e pesqueira, ainda isolada naquela época, os pesquisadores
Azevedo, Vieira e Melo (1980), registraram, para a norma lingüística da
comunidade, doze fonemas vogais, sendo sete orais – /a/, /ε/, /e/, /i/, //,
/o/ e /u/ – e cinco nasais – /ã/, /ë/, /ï/, /õ/ e /ü/ –; dois
semivogais – /y/ e /w/ – e dezenove fonemas consoantes – /b/, /s/, /d/,
/f/, /g/, /Z/,
/k/, /m/, /n/, /p/, /R/, /r/, /t/, /v/, /S/,
/z/, /´/
e /ø/.
Ainda segundo esses pesquisadores, são estas as características do falar de
Raposa, no âmbito fonético-fonológico, no final dos anos 70:
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melodia frasal descansada, arrastada e algo nasalizada (grifos
originais) |
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neutralização dos fonemas /ε/ e /i/ – estudo [εs’tudu
> is’tudu] |
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neutralização dos fonemas //
e /u/ – boneca [b’nεka
> bu’nεka] |
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neutralização dos fonemas /R > r/ – rádio [‘Radiw >
‘radiw] |
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realização de /z/ como /R/ – mesmo [‘mezmu > ‘meRmu] |
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iotização do /ø/
em sílaba final – tenho [‘tέøũ
> ‘tέyũ |
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apagamento do /ø/
– /ø
> Ø/ – pedacinho [pεda’siøu
> pεda’siũ] |
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iotização do /´/
– trabalha [tra’ba´a
> trabay’a] |
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despalatalização do /´>
l/ – mulher [mu’´εR
> mu’lε] |
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monontongação dos ditongos [ya], [ay], [ey], [yu] e [ow] – polícia
[pu’lisya > pu’lisa]; caixa [‘kaySa
> ‘kaSa];
beira [‘beyra > ‘bera]; salário [sa’laryu > sa’laru];
pouco [‘powku > poku] |
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ditongaçãode vogais tônicas em posição final absoluta, antes de /s
– z/ – traz [‘tras > trays]; nós [‘noys]; três
[‘tres > treys]; voz [‘vos > ‘voys] |
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síncope (realização de palavras proparoxítonas como paroxítonas) –
fígado [‘figadu > ‘figu]; bêbado [‘bebadu > ‘bebu] |
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apócope do /r/, em posição final absoluta – cantar [kã’tar
> kã’ta] |
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êpentese – advogado [adv’gadu
> adεv’gadu] |
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apagamento do /d/ no grupo /-nd/, nas formas de gerúndio – batendo
[ba’tέdu > ba’tέnu] |
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metátese – procurar [prku’rar
> pεrku’ra] |
Convém
ressaltar que vários fenômenos registrados pelos pesquisadores no falar de
Raposa foram também registrados por Aragão (1999 e 2001), quando examinou
corpus da Paraíba (material do Atlas Lingüístico da Paraíba) e do Ceará
(material do Projeto Dialetos Sociais Cearenses). Segundo Aragão (1999 e 2001),
fenômenos como neutralização de segmentos vogais, monotongação, ditongação
despalatalização, iotização apócope do /r/ em posição final, entre outros
são fenômenos característicos de falares nordestinos (Paraíba e Ceará).
Apesar
de trabalharmos com corpora diferentes – corpus de Raposa/2003,
constituído por material do banco de dados do Projeto ALiMA, e corpus de
Raposa/1978-79, extraído da pesquisa Antropolingüística: Raposa –
coletados sob princípios metodológicos algo diferentes, no que diz respeito,
em particular, à forma de recolha dos dados e aos questionários aplicados,
acreditamos que podemos utilizá-los, uma vez que o perfil dos informantes é
bastante semelhante no que concerne à área geográfica, à classe social, ao
sexo, à faixa etária e até mesmo ao grau de escolaridade. Vale ressaltar que,
apesar do nível de escolarização exigido pelo ALiMA, em outros pontos que não
a capital do Estado – até a 4a série do Ensino
Fundamental- nossos informantes de Raposa, em grande parte, mal conseguem ler o
texto que lhes é apresentado, quando da aplicação do questionário.
Tendo
em vista as razões ora elencadas e o objetivo da pesquisa – examinar se o
processo de descaracterização da ilha lingüística cearense está, de
fato, ocorrendo, e velozmente, como previsto por Azevedo, Vieira e Melo (1980)
– acreditamos na validade do estudo comparativo desses dois corpora.
A
seguir, comentaremos de forma sucinta algumas variações fonético-fonológicas
registradas no falar atual de Raposa.
Um
dos primeiros aspectos que registramos em Raposa foi justamente a presença de
um dos traços diferenciadores de áreas dialetais do Brasil: a realização das
vogais médias – anteriores ou posteriores – pretônicas.
Como
sabemos, esse foi um dos parâmetros considerados por Antenor Nascentes, em O
linguajar carioca (1953), para propor a divisão do país em duas áreas
lingüísticas: os falares do Norte, caracterizados pela realização
aberta dessas vogais, e os falares do Sul, pela realização fechada.
Ratificando
o traço definido por Nascentes, os dados atuais de Raposa, no que
concerne às médias anteriores, registram as realizações [ε], [e] e [i],
das quais [ε] é predominante, como em televisão [tεlεvi’zãw].
Há casos em que há preferência pela realização fechada, como em prefeito
[pre’feytu], fenômeno que supomos ser o resultado de um processo de harmonização
vocálica, que motiva o fechamento da pretônica, visto que, na sílaba tônica,
temos [e] ou o ditongo [ey].
Com
relação às médias posteriores, registramos as realizações [],
[o] e [u], das quais []
é predominante, como em coração [kra’sãw].
Assim como as médias anteriores, as posteriores também apresentam casos em que
são realizadas fechadas, como em torneira [tor’neyra], fazendo
prevalecer, igualmente, acreditamos, o processo de harmonização vocálica.
Registramos
também, apenas na faixa etária I (entre 18 e 30 anos), a nasalização das
vogais /a, e, i, o, u/, seguidas ou antecedidas de consoante nasal, como em caminha
[kã’mÿa] e gema [‘gέma], fenômeno já registrado por
Marroquim, em 1934, em A língua do nordeste (aqui citado pela edição
de 1996), como característico do falar nordestino de Alagoas e Pernambuco.
Silva Neto, por sua vez, ao citar “Alguns exemplos de pronúncias
regionais”, em sua obra Introdução ao estudo da língua portuguesa no
Brasil (1963), afirma que a nasalação nordestina é bastante mais intensa
que a carioca.
A
semivocalização da consoante /l/ na semivogal [w] também foi observada nas
duas faixas etárias.[2]São
exemplos dessa semivocalização: sal [‘saw], soldado [sw’dadu].
A
palatalização de [t – d] em [ÿS
– dS],
antes do segmento vogal alto [i] ou do semivogal [y], também foi registrada nas
duas faixas etárias: noite [‘noyÿSi],
dia [‘dSiya].
Esse processo de palatalização das oclusivas dentais no português tem sido
estudado por Hora (1993) como “o espraiamento do traço [+coronal] da vogal e
conseqüente mudança do traço [+anterior] da consoante para [-anterior]”. Em
dados obtidos a partir de inquéritos experimentais realizados no Maranhão foi
também registrada a ocorrência desse fenômeno nesse mesmo contexto, o que nos
leva a supor que esse fenômeno é também uma marca de algumas regiões do
Estado do Maranhão.
A
neutralização das consoantes /b – v/ ocorreu no corpus estudado, nas duas
faixas etárias: varrer [va’Re] e assobio [asu’vyu]. Esse fenômeno
também foi registrado na fala rural da Bahia e de Sergipe por Cardoso e
Ferreira (2000). Segundo as pesquisadoras, essa neutralização “resulta do
fato de o traço [+contínuo] ser o único que os opõe entre si; os outros traços
[+labial, +coronal, +sonoro] são coincidentes, não distintivos, portanto,
nesse caso.”
Além
desses fenômenos acima citados, o falar de Raposa ainda conserva vários dos
traços registrados por Azevedo, Vieira e Melo (1980). Entre eles destacam-se os
que se seguem.
Neutralização
dos fonemas /ε/ e /i/, como em escola [is’kla],
e a neutralização dos fonemas //
e /u/, como em colher [ku’´ε].
Segundo Aragão (2002), essas neutralizações, tanto em posição inicial como
medial e final, têm sido consideradas como marca dialetal entre as regiões sul
e nordeste do país.
Iotização
do /ø/
em sílaba final como em amanhã [amãy’ã]. O /ø/,
descrito como consoante oclusivo, sonoro, nasal, palatal, apresenta, no português
brasileiro, notadamente rural, e mesmo urbano, uma realização multiforme que
inclui variantes em que há iotização desse elemento (/ø
> y/) ou mesmo seu apagamento (/ø
> Ø/).
Convém
ressaltar que estudos no âmbito da Sociolingüística e da Dialetologia (cf.
entre outros, ARAGÃO, 1999) evidenciam que a iotização é antes um fato de
natureza social – que reflete a diversidade diastrática do país em que
intervém o fator ausência ou mesmo nível elementar de escolaridade – que de
fundo regional. Segundo Serraine (apud ARAGÃO, 1999), na fala urbana informal
de Fortaleza são encontrados casos de iotização do /ø/.
Para Marroquim (1996), que fez um estudo sobre a língua popular falada no
Nordeste, a iotização é um fenômeno geral nessa região.
Apagamento
do /´/,
como em grelha [‘grε´a]
>‘grεa]. Assim como a iotização do /ø/,
o apagamento do /´/
deve ser visto também como um fato de natureza social.
Monotongação
dos ditongos [ay], [ey], e [ow], como em caixa [‘kaySa
> ‘kaSa];
manteiga [mã’teyga > mãtega]; ouvido [ow’vidu >
u’vidu]. Esse fenômeno é bastante documentado em diversas áreas brasileiras
e tem sido objeto de estudo para vários autores, sendo registrado por Nascentes
(1953), Marroquim (1934) e Silva Neto (1963). Para Aragão (2001), esse fenômeno
é de natureza diatópica e diastrática.
Ditongação
de vogais tônicas em posição final absoluta, antes de /s – z/, como em luz
[‘lus > ‘luyz]; três [‘tres > treys]; paz [‘pas
> ‘pays]. Segundo Aragão (2002), esse fenômeno “além de ser visto como
característica de algumas regiões do país, como na Bahia, Sergipe e Minas
Gerais, é considerado, também, uma marca sociolingüística de registro
popular ou de fala coloquial.”.
Síncope
(realização de palavras proparoxítonas como paroxítonas) como em fígado
[‘figadu > ‘figu]; fósforo [‘fsfru
> ‘fsfu,
‘fski].
Em relação à síncope, é importante observar que Câmara Junior (1976, p.
33-36) a vê como uma tendência imanente na língua portuguesa, resultado da
evolução românica ibérica em que, exceto em algumas condições, houve a
supressão da sílaba átona precedente à tônica nas palavras proparoxítonas.
Assim,
em português – língua que “pode ser considerada de ritmo grave
predominante.” (CÂMARA JUNIOR, 1976) – as palavras proparoxítonas “são
um tanto marginais, sendo a maioria delas provenientes de empréstimos do latim
clássico, que se processaram em nossa língua, especialmente a partir do século
XVI.
Essa
tendência a modificar as palavras proparoxítonas se evidencia, então, na língua
popular falada no Brasil, conforme os exemplos aqui citados, exatamente da mesma
maneira que se efetivou ao longo da evolução românica ibérica: pela supressão
do segmento fônico que se encontra entre o segmento vogal acentuado e o
segmento vogal final.
Apócope
do /r/, em posição final absoluta como em colher [k’´εr
> ku’´ε];
trabalhar [traba’´ar
> traba’´a].
Segundo Aragão (2002) esse fenômeno vem sendo estudado ora como variante
regional, ora como variante social. Esperamos, pois, como enfatiza a
pesquisadora, que as pesquisas do Atlas Lingüístico do Brasil possam definir
qual o tipo de variante é mais marcante nesse fenômeno: a diatópica ou a
diastrática.
Epêntese
como em advogado [adv’gadu
> adiv’gadu];
pneu [p’new > pi’new]. Silva Neto (1963), ao caracterizar o
português do Brasil, já registra esse fato como sendo “fruto da pronúncia
relaxada (...) para desfazer certos grupos consonânticos.”
Apagamento
do /d/ no grupo /-nd/, nas formas de gerúndio como em dormindo [dor’mïdu
>dur’mïnu]. A ocorrência desse fenômeno já foi observada em diferentes
regiões do país, e os dados coletados parecem sinalizar mais para uma variação
de natureza social que regional.
Os
resultados obtidos por Martins (1999), a partir de corpus da Paraíba,
ratificam, segundo a autora, resultados anteriores obtidos com dados do Rio de
Janeiro: os falantes com menor nível de escolaridade ou analfabetos tendem a um
maior apagamento do /d/ no grupo /-nd/.
Para
Molica e Mattos (1989), o maior índice de apagamento entre os gerúndios se
explica pelo fato de existirem gerúndios, cujo d não faz parte do
radical, mas a ele se afixa como marca de desinência flexional, que atuam como
propulsores do apagamento
Metátese
como em fervendo [fεr’védu > frε’védu]; perfume
[pεr’fume > prε’fumi]. Segundo Nascentes (1953) esse fenômeno
é comuníssimo na fala de pessoas analfabetas. Para Aragão (2002), esse fenômeno
que vem sendo estudado pelas equipes dos Atlas Lingüísticos Brasileiros,
parece sinalizar uma variação diatópica, associada a uma variação diastrática,
uma vez que, de modo geral, como evidencia o registro de Nascentes (1953), as
pessoas de baixo nível de escolarização tendem a realizar metátese com maior
freqüência que as pessoas com grau maior de escolarização.
Este
exame do falar de Raposa representa apenas um primeiro olhar lançado sobre os
dados. A segunda etapa da pesquisa, mais aprofundada e com confronto de dados de
corpora de São Luís e de outros pontos do Estado, nos possibilitará
configurar melhor a descaracterização (se é que, de fato, ela está em
processo) a que se referem Azevedo, Vieira e Melo (1980).
Convém
ressaltar que muitos dos fenômenos apresentados por Azevedo, Vieira e Melo
(1980), na época de sua pesquisa, como característicos do Ceará e, portanto,
definidores da comunidade de Raposa como uma ilha lingüística cearense, foram
aqui enfocados, por meio dos estudos apresentados como fenômenos que ocorrem em
grande parte do país, levando-nos a pensar em variações, com o propõe Aragão
(1999), “sócio-dialetais e não apenas dialetais e sociais”.
ARAGÃO,
Maria do Socorro Silva de. A variação fonético-lexical em Atlas lingüísticos
do nordeste. Revista do GELNE, Fortaleza, n.2., p. 14-20, 1999.
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_________.Técnicas
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[1] Em conversas informais, o professor Ramiro Azevedo, coordenador da pesquisa em Raposa, nos anos 70, disse-nos que o título Antropolingüística, dado ao trabalho, é muito pretensioso, visto que seria necessário investigar de forma mais aprofundada aspectos antropológicos que pudessem subsidiar uma análise dessa natureza.
[2] Em se tratando do ALiB e do ALiMA, faixa etária II se estende dos 50 aos 65 anos.